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Comportamento sexual segundo jovens universitários: perspectiva da enfermagem transcultural e do enquadramento interseccional

RESUMO

Objetivo:

discutir os comportamentos sexuais de jovens universitários na perspectiva dos marcadores sociais e do cuidado transcultural proposto por Madeleine Leininger.

Métodos:

pesquisa qualitativa descritiva-exploratória, com alicerce teórico-filosófico na Teoria Transcultural. Amostragem por conveniência foi composta por 57 jovens de duas universidades cariocas. Os conteúdos dos grupos focais foram analisados lexicalmente pelo software IRAMUTEQ.

Resultados:

emergiram quatro classes: Roteiros sexuais de jovens: entre o receio de uma gestação não planejada e o risco da exposição às infecções sexualmente transmissíveis; Relacionamentos afetivos: a confiança em parcerias sexuais fixas, aparente sensação de segurança e o desuso dos preservativos; Práticas sexuais, gênero e determinantes culturais: distinção nos papéis de homens e mulheres; Parcerias sexuais, negociação do uso do preservativo e a vulnerabilidade às infecções sexualmente transmissíveis.

Considerações finais:

percebem-se desafios para atenção à saúde sexual dos jovens universitários, que verbalizaram comportamentos sexuais de risco em função de vulnerabilidades socioculturais.

Descritores:
Adulto Jovem; Comportamento Sexual; Enfermagem Transcultural; Enquadramento Interseccional; Infecções Sexualmente Transmissíveis

ABSTRACT

Objective:

to discuss undergraduate students’ sexual behavior from the perspective of social markers and cross-cultural care proposed by Madeleine Leininger.

Methods:

descriptive-exploratory qualitative research, with a theoretical-philosophical foundation in the Transcultural Theory. Convenience sample was composed of 57 young people from two universities in Rio de Janeiro. The focus groups’ content were analyzed lexically using the IRAMUTEQ software.

Results:

four classes emerged: Young people’s sexual scripts: between the fear of an unplanned pregnancy and the risk of exposure to sexually transmitted infections; Affective relationships: trust in steady sexual partners, apparent sense of security and disuse of condoms; Sexual practices, gender and cultural determinants: distinction in men’s and women’s role; Sexual partnerships, negotiation of condom use and vulnerability to sexually transmitted infections.

Final considerations:

challenges are perceived for the attention to undergraduate students’ sexual health, who verbalized risky sexual behaviors due to sociocultural vulnerabilities.

Descriptors:
Young Adult; Sexual Behavior; Cross-Cultural Nursing; Intersectional Framing; Sexually Transmitted Infections

RESUMEN

Objetivo:

discutir el comportamiento sexual de estudiantes universitarios en la perspectiva de los marcadores sociales y el cuidado transcultural propuesto por Madeleine Leininger.

Métodos:

investigación cualitativa descriptiva-exploratoria, con fundamento teórico-filosófico en la Teoría Transcultural. La muestra de conveniencia fue compuesta por 57 jóvenes de dos universidades de Río de Janeiro. Los contenidos de los grupos focales se analizaron léxicamente mediante el software IRAMUTEQ.

Resultados:

surgieron cuatro clases: Guiones sexuales de jóvenes: entre el miedo a un embarazo no planeado y el riesgo de exposición A INFECCIONES DE TRANSMISIÓN SEXUAL; Relaciones afectivas: confianza en parejas sexuales estables, aparente sensación de seguridad y desuso de preservativos; Prácticas sexuales, género y determinantes culturales: distinción en los roles de hombres y mujeres y; Parejas sexuales, negociación del uso del condón y vulnerabilidad a las infecciones de transmisión sexual.

Consideraciones finales:

se perciben desafíos para la atención a la salud sexual de estudiantes universitarios, quienes verbalizaron conductas sexuales de riesgo, debido a vulnerabilidades socioculturales.

Descriptores:
Adulto Joven; Conducta Sexual; Marco Interseccional; Enfermería Transcultural; Enfermedades de Transmisión Sexual

INTRODUÇÃO

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estimou um total de casos incidentes de infecções sexualmente transmissíveis (IST) curáveis em 376,4 milhões de pessoas. Acredita-se que haja uma ocorrência diária mundial de mais de um milhão de novas pessoas infectadas por algum tipo de IST. Aproximadamente 500 milhões são contaminadas anualmente por alguma IST curável, além dos elevados índices de infecções incuráveis(11 World Health Organization (WHO). Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Plano de ação para a prevenção e o controle do HIV e de infecções sexualmente transmissíveis 2016-2021[Internet]. Washington (DC): WHO; 2017 [cited 2023 Jan 05]. Available from: https://www.paho.org/hq/dmdocuments/2017/2017-cha-plan-action-prev-hiv-2016-2021-pt.pdf
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). Essas IST acarretam múltiplos impactos desfavoráveis na vida das pessoas. As altas taxas de contaminação, transmissão e morbimortalidade ocasionam preocupações com a saúde mundial(11 World Health Organization (WHO). Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Plano de ação para a prevenção e o controle do HIV e de infecções sexualmente transmissíveis 2016-2021[Internet]. Washington (DC): WHO; 2017 [cited 2023 Jan 05]. Available from: https://www.paho.org/hq/dmdocuments/2017/2017-cha-plan-action-prev-hiv-2016-2021-pt.pdf
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-22 Ministério da Saúde (BR). Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis - PCDT-IST 2020 [Internet]. Brasília (DF): MS; 2020 [cited 2023 Jan 05]. Available from: https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/wp-content/uploads/2020/08/pcdt_ist_final_revisado_020420.pdf
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). As IST ganharam maior visibilidade a partir da década de 80, com o surgimento da Acquired Immunodeficiency Syndrome (Aids), mas ainda são um problema de saúde pública que requer ações para o controle dos determinantes socioculturais(33 Melo LD, Spindola T, Brandão JL, Arreguy-Sena C. Policies for health-promoting universities and prevention of sexually transmitted infections: theoretical reflection in the light of Transcultural Theory. Rev Enferm UERJ. 2022;30(1):e64543. https://doi.org/10.12957/reuerj.2022.64543
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-44 Melo LD. Conhecimentos e comportamentos de universitários sobre prevenção de infecções sexualmente transmissíveis: estudo de método misto[Tese]. Rio de Janeiro. Faculdade de Enfermagem. Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2022 [cited 2023 Feb 20]. Available from: https://www.bdtd.uerj.br:8443/handle/1/18934
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).

Salienta-se que gonorreia, papilomavírus humano (HPV), sífilis, Human Immunodeficiency Virus (HIV), herpes e clamídia são as IST mais prevalentes entre jovens. Os danos socioeconômicos são crescentes, devido ao maior número de pessoas infectadas em muitos países, graves consequências à saúde sexual, reprodutiva e materno-fetal, alto potencial de transmissibilidade e contágio, e forte correlação com as formas de expressão da sexualidade e práticas sexuais(11 World Health Organization (WHO). Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Plano de ação para a prevenção e o controle do HIV e de infecções sexualmente transmissíveis 2016-2021[Internet]. Washington (DC): WHO; 2017 [cited 2023 Jan 05]. Available from: https://www.paho.org/hq/dmdocuments/2017/2017-cha-plan-action-prev-hiv-2016-2021-pt.pdf
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-22 Ministério da Saúde (BR). Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis - PCDT-IST 2020 [Internet]. Brasília (DF): MS; 2020 [cited 2023 Jan 05]. Available from: https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/wp-content/uploads/2020/08/pcdt_ist_final_revisado_020420.pdf
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,44 Melo LD. Conhecimentos e comportamentos de universitários sobre prevenção de infecções sexualmente transmissíveis: estudo de método misto[Tese]. Rio de Janeiro. Faculdade de Enfermagem. Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2022 [cited 2023 Feb 20]. Available from: https://www.bdtd.uerj.br:8443/handle/1/18934
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).

A problemática de se adquirir IST coexiste no pensamento social a partir do momento em que as práticas sexuais são iniciadas. Nesse contexto, identificou-se uma lacuna científica, sendo oportuna uma releitura dos determinantes socioculturais atuais e os comportamentos sexuais adotados por jovens universitários, de modo a contemplar as peculiaridades do contexto acadêmico marcado pela diversidade, liberdade, descobertas e flexibilidade em exprimir individualidades e características comportamentais(44 Melo LD. Conhecimentos e comportamentos de universitários sobre prevenção de infecções sexualmente transmissíveis: estudo de método misto[Tese]. Rio de Janeiro. Faculdade de Enfermagem. Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2022 [cited 2023 Feb 20]. Available from: https://www.bdtd.uerj.br:8443/handle/1/18934
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). Além disso, em virtude da complexidade natural das questões que envolvem a saúde sexual de jovens universitários, é preciso contemplar a cultura nos moldes de atenção à saúde, preservando-se as subjetividades dos sujeitos cuidados(33 Melo LD, Spindola T, Brandão JL, Arreguy-Sena C. Policies for health-promoting universities and prevention of sexually transmitted infections: theoretical reflection in the light of Transcultural Theory. Rev Enferm UERJ. 2022;30(1):e64543. https://doi.org/10.12957/reuerj.2022.64543
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,55 Leininger MM, Mcfarland M. Culture care diversity and universality: a worldwide nursing theory. New York (NY): McGraw-Hill; 2006. 413p.). Nesse sentido, tal perspectiva possui relação com a Teoria do Cuidado Transcultural de Leininger, que está ancorada no planejamento e implementação de ações de (auto)cuidado que consideram o aporte cultural do ser cuidado, de modo a garantir um cuidado congruente às múltiplas demandas de saúde(55 Leininger MM, Mcfarland M. Culture care diversity and universality: a worldwide nursing theory. New York (NY): McGraw-Hill; 2006. 413p.).

Agrega-se ainda valor à presente investigação o fato de os resultados serem refletidos e discutidos na perspectiva de um referencial teórico-filosófico de enfermagem que inclua os marcadores sociais, com destaque para a compreensão dos comportamentos sexuais dos participantes. Isso porque o ambiente universitário corrobora para o surgimento de variáveis e condicionantes de comportamentos sexuais em prol da adoção de práticas de prevenção de IST e/ou de comportamentos sexuais de risco (CSR) como marcadores característicos da fase universitária que revelam vulnerabilidades interligadas aos determinantes socioculturais(44 Melo LD. Conhecimentos e comportamentos de universitários sobre prevenção de infecções sexualmente transmissíveis: estudo de método misto[Tese]. Rio de Janeiro. Faculdade de Enfermagem. Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2022 [cited 2023 Feb 20]. Available from: https://www.bdtd.uerj.br:8443/handle/1/18934
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).

Salientam-se a relevância epidemiológica da temática e a importância dos possíveis contributos desta investigação aos campos da enfermagem, saúde e educação como um eixo do cuidado que requer intervenções interdisciplinares, com enfoque nas ações de prevenção de doenças, promoção da saúde, diagnóstico precoce e abordagem sindrômica das IST. Esta investigação se insere na chamada temática “Boas práticas e desafios na atenção à saúde com grupos vivendo em situação de vulnerabilidade”, tendo a questão norteadora: de que forma os comportamentos sexuais adotados pelos jovens universitários se inter-relacionam com os marcadores sociais e do cuidado transcultural na perspectiva de Leininger?

OBJETIVO

Discutir os comportamentos sexuais de jovens universitários na perspectiva dos marcadores sociais e do cuidado transcultural proposto por Madeleine Leininger.

MÉTODOS

Aspectos éticos

A investigação matriz “Sexualidade e vulnerabilidade dos jovens em tempos de infecções sexualmente transmissíveis” foi aprovada em Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), para liberação de coleta de dados nas duas Instituições de Ensino Superior (IES) cariocas, cujo parecer consubstanciado encontra-se anexado à presente submissão. Foram atendidas todas as diretrizes e normas de ética em pesquisas em seres humanos nacionais e internacionais. A aquiescência dos participantes foi expressa pela assinatura, por escrito, do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), pós-informado, de forma presencial, como etapa que antecedeu a coleta dos dados.

Referencial teórico-metodológico

Na busca por um referencial de enfermagem coerente com a abordagem sociocultural pretendida, foi possível identificar que a Teoria Transcultural de Madeleine Leininger é capaz de fornecer o alicerce teórico-filosófico estruturante aos processos reflexivos e explicativos da presente investigação. Nas interações interpessoais e nos múltiplos contextos de assistência à saúde humana, devem-se utilizar ações profissionais diversificadas e de criatividade individual, de forma a preservar, negociar ou repadronizar os cuidados, buscando uma congruência sociocultural(55 Leininger MM, Mcfarland M. Culture care diversity and universality: a worldwide nursing theory. New York (NY): McGraw-Hill; 2006. 413p.).

A Teoria Transcultural pode ser concebida como o estudo de crenças, valores e práticas de cuidados de enfermagem, tal como percebidos e conhecidos cognitivamente por uma determinada cultura, por meio de sua experiência direta, pela expressão das crenças e dos sistemas de valores(33 Melo LD, Spindola T, Brandão JL, Arreguy-Sena C. Policies for health-promoting universities and prevention of sexually transmitted infections: theoretical reflection in the light of Transcultural Theory. Rev Enferm UERJ. 2022;30(1):e64543. https://doi.org/10.12957/reuerj.2022.64543
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-44 Melo LD. Conhecimentos e comportamentos de universitários sobre prevenção de infecções sexualmente transmissíveis: estudo de método misto[Tese]. Rio de Janeiro. Faculdade de Enfermagem. Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2022 [cited 2023 Feb 20]. Available from: https://www.bdtd.uerj.br:8443/handle/1/18934
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). Assim, valoriza-se a importância que as forças socioculturais exercem no ser humano e, consequentemente, incidem sob o processo de cuidar. Nessa concepção, a ausência do fator cultural na assistência resulta em um cuidado desvinculado da realidade da pessoa, e essa incongruência em relação aos valores e crenças poderá ocasionar sinais de conflitos culturais, frustrações, estresse e/ou preocupações de ordem moral e ética(55 Leininger MM, Mcfarland M. Culture care diversity and universality: a worldwide nursing theory. New York (NY): McGraw-Hill; 2006. 413p.). Assim, devem ser contemplados no estudo de realidades socioculturais os marcadores (gênero/sexo, classe/renda, etnia/raça, religião, orientação sexual, geração/idade) envolvidos no processo saúde-doença, e requerem um olhar interseccional(66 Ng R, Lim-Soh JW. Ageism Linked to Culture, Not Demographics: Evidence From an 8-Billion-Word Corpus Across 20 Countries. J Gerontol B Psychol Sci Soc Sci. 2021;76(9):1791-8. https://doi.org/10.1093/geronb/gbaa181
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).

Tipo de estudo

Pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória, com emprego de um aprofundamento da temática, além de objetivar a compreensão do fenômeno investigado(77 Carvalho LOR, Duarte FR, Menezes AHN, Souza TES. Metodologia científica: teoria e aplicação na educação a distância. Petrolina; 2019. 83p.). Para tanto, respeitou-se o protocolo COnsolidated criteria for REporting Qualitative research (COREQ), que resguarda a qualidade dos estudos qualitativos em checklist(88 Equator Network. Enhancing the Quality and Transparency of health Research [Internet]. 2019 [cited 2023 Jan 05]. Available from: https://www.equator-network.org/
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).

Procedimentos metodológicos

Os participantes foram recrutados por contato individual nas instituições cenários da investigação. Nessa ocasião, houve uma explicação pelos pesquisadores quanto aos objetivos, finalidades, riscos e benefícios da participação no estudo, com o esclarecimento de possíveis dúvidas apresentadas, bem como sobre os direitos dos participantes e deveres do pesquisador.

O instrumento de coleta de dados continha um roteiro temático destinado a subsidiar os grupos focais (GF), elaborado pela pesquisadora responsável pela investigação matriz, em que foram explorados os relatos dos estudantes sobre os comportamentos sexuais. Assim, foram selecionados seis temas, a saber: o jovem e sua caracterização; sexualidade; condutas sexuais e gênero; IST; vulnerabilidade às IST; e cuidados com a saúde sexual/educação para a saúde.

Cenário do estudo

Foram campos de coleta de dados duas IES da cidade do Rio de Janeiro (RJ), Brasil, sendo uma universidade pública e outra privada. A escolha desses cenários justificou-se pelas possibilidades investigativas almejadas com as aproximações do perfil de universitários, dos sistemas público e privado no que tange à construção de comportamentos sexuais.

Fonte de dados

Participaram do estudo universitários com idades entre 18 e 29 anos. Para delimitação da faixa etária, adotou-se como referência o Estatuto da Juventude Brasileira (jovens são pessoas com idade entre 15-29 anos)(33 Melo LD, Spindola T, Brandão JL, Arreguy-Sena C. Policies for health-promoting universities and prevention of sexually transmitted infections: theoretical reflection in the light of Transcultural Theory. Rev Enferm UERJ. 2022;30(1):e64543. https://doi.org/10.12957/reuerj.2022.64543
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). No entanto, optou-se por não incluir os estudantes com idade ≤17 anos, por questões éticas e legais (exigências do consentimento do responsável e o termo de assentimento).

Foram critérios de inclusão ter idade ≥18 anos, estar matriculado de forma regular em um dos cursos de graduação oferecidos pela instituição e ter iniciado a vida sexual. Foi critério de exclusão estar ausente do campo de coleta de dados - trancamento de matrícula ou licença médica.

Coleta e organização dos dados

Os dados foram coletados durante os períodos letivos de 2018 nas dependências das duas IES. Foram realizados os GF em horários e datas previamente agendados, com gravação de áudio em Mini Gravador Voz Digital Sony Px 240 - 4g Memo, visando à captação detalhada das informações, garantindo-se a fidedignidade dos conteúdos coletados. A técnica de GF é uma forma de entrevista com grupos integrados por oito a 12 participantes, baseada na comunicação e na interação, que objetiva a reunião de informações detalhadas sobre um tópico específico (proposto e apresentado pelo pesquisador) para um grupo de participantes selecionados(77 Carvalho LOR, Duarte FR, Menezes AHN, Souza TES. Metodologia científica: teoria e aplicação na educação a distância. Petrolina; 2019. 83p.,99 Souza LK. Recomendações para a realização de grupos focais na pesquisa qualitativa. PSI UNISC. 2020;4(1):52-66. https://doi.org/10.17058/psiunisc.v4i1.13500
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). Os papeis de observador e de secretário de registros em todos os GF foram desempenhados por dois mestrandos colaboradores na etapa de coleta.

Os GF tiveram duração compreendida entre 90 e 120 minutos, e ocorreram sem nenhum tipo de influência das concepções dos pesquisadores envolvidos(77 Carvalho LOR, Duarte FR, Menezes AHN, Souza TES. Metodologia científica: teoria e aplicação na educação a distância. Petrolina; 2019. 83p.). Na IES-1, foram viabilizados três encontros com dez participantes cada (n: 30). Na IES-2, os três encontros foram constituídos por nove, oito e dez estudantes, respectivamente (n: 27). Assim, foi adotada uma amostragem por conveniência, composta por 57 universitarios, conforme critérios de adensamento teórico(77 Carvalho LOR, Duarte FR, Menezes AHN, Souza TES. Metodologia científica: teoria e aplicação na educação a distância. Petrolina; 2019. 83p.).

Análise dos dados

Os conteúdos foram transcritos na íntegra no software Word for Windows 2016 da Microsoft® Office e, posteriormente, procedeu-se à formatação do corpus para utilização do software Interface de R Pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (IRAMUTEQ), versão 0,7 alfa 2, por análise lexical. Esse software é um gerenciador de dados qualitativos livre e gratuito, que permite a realização de análises estatísticas textuais clássicas, lexicográfica básica (cálculo de frequência de palavras), análises multivariadas (análise de similitude e nuvem de palavras), pesquisa de especificidades grupais e Classificação Hierárquica Descendente (CHD)(1010 Camargo BV, Justo AM. Iramuteq: a free software for analysis of textual data. Temas Psicol. 2013;21(2):513-8. https://doi.org/10.9788/TP2013.2-16
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). Nesta investigação, optou-se pela CHD, na qual os segmentos dos textos são divididos e classificados de acordo com o vocabulário a partir das palavras lematizadas.

RESULTADOS

Os 57 jovens universitários eram em sua maioria mulheres (48%), com idade entre 18 e 24 anos (82,7%), cor da pele branca (51,4%), solteiros (52,1%), heterossexuais (84,9%). Assim, residiam com os pais (70,9%); não trabalhavam (58,0%); tinham renda classificada como baixa classe alta (23,8%); consideravam-se praticantes religiosos (62%) e de matriz religiosa católica (43,3%). Na análise lexical, o corpus dos GF teve um aproveitamento de 81,09% pelo IRAMUTEQ, que identificou 312 unidades de contexto elementar (UCE), distribuídas em quatro classes, a partir de divisões binárias sucessivas do corpus (Figura 1).

Figura 1
Dendrograma com a distribuição das classes e conteúdos semânticos dos comportamentos sexuais, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil, 2023

O corpus dividiu-se, inicialmente, em dois eixos. O eixo 1 gerou a classe 4. O eixo 2 gerou a classe 3, e, após nova subdivisão, formou as classes 2 e 1. Dessa forma, ao término do processo de clivagem, o corpus foi dividido em quatro classes. Obedecendo ao conteúdo discursivo dos jovens e com vistas a favorecer a visualização da análise de clusteres, as classes foram renomeadas. As palavras de maior expressividade (x22 Ministério da Saúde (BR). Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis - PCDT-IST 2020 [Internet]. Brasília (DF): MS; 2020 [cited 2023 Jan 05]. Available from: https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/wp-content/uploads/2020/08/pcdt_ist_final_revisado_020420.pdf
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), para cada classe, constam na Figura 1.

Classe 4 - Roteiros sexuais de jovens - entre o receio de uma gestação não planejada e o risco da exposição às infecções sexualmente transmissíveis

É composta por 64 UCE, que corresponde a 25,3% do total de classes, sendo a segunda maior classe que emergiu no processo de análise. As palavras associadas a ela traduzem o pensamento social que modula os comportamentos dos jovens universitários entre o receio de uma gestação não planejada e os riscos de exposição às IST.

Eu vejo que as pessoas se preocupam mais com o não engravidar do que com não pegar uma doença. Elas se preocupam mais em tomar uma pílula do dia seguinte que em usar camisinha. (P07, mulher, heterossexual)

Existem diversas condutas, tem aqueles jovens que são bem radicais, vivem a Deus dará, posso contrair ou posso não contrair. Eu conheço e tenho amigos que gostam dessa sensação de manter relação sem camisinha, não pelo medo de contrair ou não uma IST, mas porque é mais prazeroso. E se depois houver consequências, vamos ao posto e realizamos o tratamento. Mas existem os jovens conscientes que conhecem as doenças, as IST, os riscos e se previnem. Para outros, essa sensação de perigoso é mais gostoso. Eu gosto dessa sensação que eu posso ser infectada, ou posso manter relação sexual com alguém que tem HIV e não ser infectada. Às vezes, essa sensação para alguns jovens pode ser emocionante. (P14, mulher, bissexual)

O medo é ter filho, e não uma doença. O homem sempre quer se expor. (P33, mulher heterossexual)

A mulher tem mais medo de engravidar do que de pensar na doença. (P49, mulher, homossexual)

Classe 3 - Relacionamentos afetivos: a confiança em parcerias sexuais fixas, a aparente sensação de segurança e o desuso dos preservativos

Essa classe foi composta de 83 UCE, correspondendo a 32,8% do total de classes, sendo a mais significativa. As palavras associadas representam os contextos relacionais, afetivos e sexuais dos jovens universitários, nos quais os comportamentos são determinados pelo grau de confiança nas parcerias sexuais e o desuso do preservativo quando se sentem seguros.

Acredito que, ao longo do casamento, as pessoas acabam cedendo por conta da confiança. Tem também a questão de que você quer ter o contato pele a pele com o parceiro. (P09, mulher, heterossexual)

Tem a questão da confiança, vai passando e as pessoas pensam: “Não vou usar camisinha, vou só tomar o contraceptivo”. Vai adiantar alguma coisa? Não é só a gravidez que importa. (P12, mulher, heterossexual)

Eu estou casado, já acostumei a transar com uma só, então não precisa de camisinha. (P15, homem, homossexual)

Alguns ainda pedem e usam o psicológico e falam: “Se você me ama, você não vai usar camisinha”. (P32, homem, homossexual)

Se perguntar aos casados, eles quase não usam, porque é casal, tem essa questão da confiança. (P41, mulher, heterossexual)

Em todas as relações, a gente usa preservativo parcialmente, mas só daquela forma, só no final, para prevenir a gravidez. Eu até uso preservativo, mas só para prevenir mesmo a gravidez porque eu sempre tive confiança no meu namorado. (P44, mulher, heterossexual)

Classe 2 - Práticas sexuais, gênero e determinantes culturais: distinção nos papéis de homens e mulheres

A classe foi composta de 47 UCE, que correspondem a 18,58% de todas as classes (<classe do processo de análise). As palavras associadas a ela se traduzem em práticas sexuais e nos determinantes culturais dos jovens universitários sobre a distinção de papéis segundo o gênero.

Para mulheres, ocorre dominação sobre o sexo. Para o homem, basta dizer que não vai usar camisinha e, na cabeça dele, socialmente construída, ele está certo e a mulher não pode opinar. (P03, mulher, heterossexual)

Elas também têm o mesmo direito do homem. Hoje em dia, as mulheres também transam com múltiplos parceiros. (P10, homem, heterossexual)

A mulher espera muito do homem, ele que deve andar com a camisinha. O pensamento é que mulher não pode andar com camisinha. (P12, mulher, heterossexual)

Não quero, isso é a coisa mais rara do mundo, a mulher falar que não. Se você não a conhece, ela mesma acaba se sentindo mais confortável, porque, na verdade, a mulher tem dificuldade no dizer: “Não quero sem a camisinha” . (P16, homem, heterossexual)

Tem mulheres que andam com camisinha masculina na bolsa. (P25, homem, heterossexual)

O homem é mais vulnerável, porque ele é mais inconsequente e quer transar sem camisinha. (P32, homem, homossexual)

As mulheres são mais resolvidas, também fazem sexo casual, assumem que sentem prazer e têm necessidade sexual. (P42, mulher, heterossexual)

No geral, o homem está mais vulnerável que a mulher, tanto o heterossexual quanto o homossexual a essas doenças. (P45, homem, homossexual)

O homem assume a posição de insistir em não usar preservativo e a mulher assume a de ser quem deve ceder e não usar. (P53, homem, heterossexual)

Classe 1: Parcerias sexuais, negociação do uso do preservativo e a vulnerabilidade às infecções sexualmente transmissiíveis

A classe foi composta de 59 UCE, que correspondem a 23,3% de todas as classes (terceira classe mais significativa de análise). As palavras associadas retratam os tipos de parcerias sexuais de jovens universitários, suas vulnerabilidades às IST e a negociação do uso do preservativo.

O homem vai andar com camisinha da mesma forma que a mulher pode comprar e manter escondido. (P02, homem, heterossexual)

Você vai negociar, mas o cara vai falar: “Eu gosto de camisinha e só faço com”, e a mesma coisa a mulher falar comigo: “Só rola com e quer assim, então vamos, se não quer, então paciência”. Hoje, tem mulheres com um namorado ou ficante para cada dia da semana, não tem mais aquele pudor de “Eu não posso”. Tem gente que não usa camisinha ou está bêbado e não tem camisinha. (P10, homem, heterossexual)

A maioria transa sem camisinha. Tem muito cara que fala que incomoda. (P24, homem, heterossexual)

Muda completamente a percepção de qualquer situação com álcool, é mais complicado, mas já aconteceu de eu transar com o cara, tipo, o cara estar muito bêbado e de não conseguir nem colocar a camisinha direito, foi do jeito que estava mesmo. (P35, mulher, homossexual)

Amigas minhas dizem que não transam com camisinha, porque falam assim: “Se a iniciativa partir de mim, tipo, eu trouxe, eu tenho, vão pensar que eu saí para transar”. (P42, mulher, heterossexual)

As mulheres também carregam preservativo por conta de que, muitas vezes, os homens têm o discurso de “Eu não trouxe”, e tenta forçar a relação sem e você poder falar: “Mas eu trouxe”. (P54, mulher, heterossexual)

DISCUSSÃO

O perfil de caracterização sociodemográfica foi similar ao encontrado em outras investigações com jovens universitários(33 Melo LD, Spindola T, Brandão JL, Arreguy-Sena C. Policies for health-promoting universities and prevention of sexually transmitted infections: theoretical reflection in the light of Transcultural Theory. Rev Enferm UERJ. 2022;30(1):e64543. https://doi.org/10.12957/reuerj.2022.64543
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,1111 Ferrari W, Peres S, Nascimento M. Experiment and learning in the affective and sexual life of young women from a favela in Rio de Janeiro, Brazil, with experience of clandestine abortion. Cienc Saúde Colet. 2018;23(9):2937-50. https://doi.org/10.1590/1413-81232018239.11312018
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12 Tuddenham S, Hamill MM, Ghanem KG. Diagnosis and treatment of sexually transmitted infections: a review. JAMA. 2022;327(2):161-72. https://doi.org/10.1001/jama.2021.23487
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-1313 Gagnon JH. Uma interpretação do desejo: ensaios sobre o estudo da sexualidade. Rio de Janeiro: Garamond Universitária; 2006. 455p.). Para os jovens, a sexualidade se apresenta em um campo de experiências, comunicações, sentimentos, vivências e descobertas, na construção da capacidade de tomar decisões, de suas preferências e da certificação de uma identidade individual. Na busca pela autonomia das práticas sexuais, a sexualidade vem sendo desempenhada de maneira peculiar e individualizada(1111 Ferrari W, Peres S, Nascimento M. Experiment and learning in the affective and sexual life of young women from a favela in Rio de Janeiro, Brazil, with experience of clandestine abortion. Cienc Saúde Colet. 2018;23(9):2937-50. https://doi.org/10.1590/1413-81232018239.11312018
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-1212 Tuddenham S, Hamill MM, Ghanem KG. Diagnosis and treatment of sexually transmitted infections: a review. JAMA. 2022;327(2):161-72. https://doi.org/10.1001/jama.2021.23487
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). É oportuna a realização da análise dos comportamentos sexuais dos universitários em uma perspectiva permeada por marcadores socioculturais e de vulnerabilidade.

Os roteiros sexuais dos jovens, descritos na classe 4, denotam comportamentos sexuais inconsequentes, possivelmente pelo pouco discernimento quanto aos riscos em adquirir IST ou prazer do perigo, sendo uma gravidez não planejada a maior precoupação. Percebe-se que o pensamento imaturo, presente desde a adolescência, é uma etapa e, embora as habilidades básicas necessárias para perceber riscos estejam ativas, a capacidade de regular comportamentos de forma consistente e com maturidade ainda é incipiente(22 Ministério da Saúde (BR). Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis - PCDT-IST 2020 [Internet]. Brasília (DF): MS; 2020 [cited 2023 Jan 05]. Available from: https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/wp-content/uploads/2020/08/pcdt_ist_final_revisado_020420.pdf
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).

Acrescenta-se que é na adolescência que mais atenção é dada para as recompensas em potencial vindas de uma escolha arriscada do que para as consequências dessa decisão. A fala da P14 denota a vulnerabilidade dos jovens no pensamento que o sexo desprotegido gera maior prazer, ou que a possibilidade de exposição ao risco os excite, podendo sobressair sem se contaminar, com a falsa sensação de poder e invulnerabilidade(1212 Tuddenham S, Hamill MM, Ghanem KG. Diagnosis and treatment of sexually transmitted infections: a review. JAMA. 2022;327(2):161-72. https://doi.org/10.1001/jama.2021.23487
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).

A sexualidade é um comportamento socialmente aprendido, no qual diversos roteiros orientam as pessoas em suas experiências sexuais, tendo em vista que nem tudo é praticável a todo o momento. Os indivíduos elaboram suas ações conforme a capacidade de se relacionar, fantasias, linguagem cultural e papéis sociais exercidos(1111 Ferrari W, Peres S, Nascimento M. Experiment and learning in the affective and sexual life of young women from a favela in Rio de Janeiro, Brazil, with experience of clandestine abortion. Cienc Saúde Colet. 2018;23(9):2937-50. https://doi.org/10.1590/1413-81232018239.11312018
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). Esses roteiros são estruturados em três níveis que se apresentam no plano subjetivo, na intenção das convivências sociais e no nível cultural, a saber: intrapsíquicos, a exemplo das informações sobre a prevenção de IST; interpessoais, que envolvem as práticas sexuais com ou sem o uso de estratégias preventivas de IST; e os de cenários culturais, retratados pelo ambiente universitário e pelas interações interpessoais(1111 Ferrari W, Peres S, Nascimento M. Experiment and learning in the affective and sexual life of young women from a favela in Rio de Janeiro, Brazil, with experience of clandestine abortion. Cienc Saúde Colet. 2018;23(9):2937-50. https://doi.org/10.1590/1413-81232018239.11312018
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,1313 Gagnon JH. Uma interpretação do desejo: ensaios sobre o estudo da sexualidade. Rio de Janeiro: Garamond Universitária; 2006. 455p.).

Os roteiros sexuais dos jovens são guiados ainda pelo medo de uma gestação não planejada, conforme explicitado por P07 e P33, que, por vezes, recorrem a métodos emergenciais, como a pílula do dia seguinte. A maior exposição social da mulher no caso de uma gestação e a crença que a responsabilidade de contracepção e as consequências de uma gravidez são responsabilidades do sexo feminino, justificando a contracepção de emergência(1414 Miranda PSF, Aquino JMG, Monteiro RMPDC, Dixe MDACR, Luz AMBD, Moleiro P. Sexual behaviors: study in the youth. Einstein (São Paulo). 2018;16(3):1-7. https://doi.org/10.1590/S1679-45082018AO4265
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). A fala do P48 destaca que o cuidado em saúde deve ser compartilhado entre as pessoas, pelas informações que possuem sobre a temática e experiências vividas. Essa afirmação é essencial aos jovens no exercício de suas práticas sexuais, porque a sexualidade é compreendida como um aspecto fundamental do ciclo de vida humano envolvendo desejos e práticas relacionados ao prazer, liberdade, sentimentos e saúde, onde o corpo físico é somente um alicerce para a construção histórica e de identidade que envolve outras construções, como individualidade, satisfação sexual e apetite erótico(1111 Ferrari W, Peres S, Nascimento M. Experiment and learning in the affective and sexual life of young women from a favela in Rio de Janeiro, Brazil, with experience of clandestine abortion. Cienc Saúde Colet. 2018;23(9):2937-50. https://doi.org/10.1590/1413-81232018239.11312018
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).

Nesse contexto, insere-se a necessidade do cuidado transcultural ao ser humano, que é impregnado de significados na sua integralidade, indispensável para o conhecimento, a explicação, a interpretação e a predição do fenômeno “cuidar” em enfermagem. O cuidado cultural, em seus conceitos, significados, expressões, padrões, processos e formas estruturais, pode ser utilizado de forma diferente (diversidade) ou similar (universalidade). Essas modalidades são comuns a qualquer tipo de cultura do mundo(55 Leininger MM, Mcfarland M. Culture care diversity and universality: a worldwide nursing theory. New York (NY): McGraw-Hill; 2006. 413p.). As culturas possuem características próprias de cuidar, desenvolvendo uma prática genérica de cuidado, e essas características são influenciadas pela visão de mundo, linguagem, religião, contexto sociopolítico, educacional, econômico, teológico, etno-histórico e ambiental, inter-relacionadas ao grupo social em que se vive(55 Leininger MM, Mcfarland M. Culture care diversity and universality: a worldwide nursing theory. New York (NY): McGraw-Hill; 2006. 413p.).

Em relação à perspectiva de transculturalidade e de determinantes de vulnerabilidade, apresentada na classe 3, nota-se que, com parcerias sexuais fixas, em sua maioria ligadas por laços afetivos, relacionais estáveis ou à formalidade do casamento, os jovens tendem a deixar o uso da camisinha facultativo ou o abolirem. Isso porque se sentem seguros com suas parcerias sexuais, de modo a adotarem a camisinha apenas como estratégia à prevenção de uma gravidez não planejada. Nesses relacionamentos, existe um vínculo afetivo-amoroso e expectativa de confiança na seguridade do casamento. A prevenção de IST possui aspectos complexos e multifacetados. Fatores culturais, afetivos e comportamentais, como a excessiva confiança no parceiro, exercem forte influência nas condutas de desuso do preservativo(1515 Melo LD, Sodré CP, Spindola T, Martins ERC, André NLNO, Motta CVV. Prevention of sexually transmitted infections among young people and the importance of health education. Enferm Global. 2022;06:88-101. https://doi.org/10.6018/eglobal.481541
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16 Oliveira BI, Spindola T, Melo LD, Marques SC, Moraes PC, Costa CMA. Factors influencing condom misuse from the perspective of young university students. Rev Enferm Ref. 2022;5(9):e21043. https://doi.org/10.12707/RV21043
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-1717 Silva JWSB, Almeida MEP, Souza AS, Vieira IM, Veras DL, Vasconcelos GS, et al. Mandala of Combined Prevention: pedagogical tool to face the STI, Aids and viral hepatitis epidemic in Pernambuco. Saúde Redes. 2021;7(2):1-15. https://doi.org/10.18310/2446-4813.2021v7n2p45-59
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). O uso do preservativo está relacionado à disponibilidade e acessibilidade desse recurso, e não requer prescrição, proporcionando uma proteção de baixo custo e alta efetividade contra as IST e a gestação não planejada. A redução da utilização desse recurso nas relações com parcerias fixas pode ser justificada pela imaturidade e impulsividade dos jovens e/ou pela maior idade, que corroboram com a sensação de seguridade, por utilização de outro método contraceptivo pela parceira ou por existência de uma relação mais sólida(1414 Miranda PSF, Aquino JMG, Monteiro RMPDC, Dixe MDACR, Luz AMBD, Moleiro P. Sexual behaviors: study in the youth. Einstein (São Paulo). 2018;16(3):1-7. https://doi.org/10.1590/S1679-45082018AO4265
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,1818 Freitas NS, Silva IG, Filgueiras KF. The body and the guilt: the building of female sexuality under the influence of Christian religions. Rev Bras Sex Humana. 2022;33:994-8 https://doi.org/10.35919/rbsh.v33.998
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).

Alguns descreveram a camisinha como um recurso acessório necessário, apenas, para prevenção de uma gestação não planejada. O preservativo é amplamente reconhecido para prevenção primária às IST. Os jovens tendem a usá-lo como estratégia de gestão de risco, conforme a situação vivenciada, como a gestação não planejada. Entre os homens, o preservativo tem sido mais frequentemente usado no sexo casual e homoafetivo. Já entre as mulheres, o teste do HIV tem sido mais utilizado como forma compensatória para relações sexuais desprotegidas(1818 Freitas NS, Silva IG, Filgueiras KF. The body and the guilt: the building of female sexuality under the influence of Christian religions. Rev Bras Sex Humana. 2022;33:994-8 https://doi.org/10.35919/rbsh.v33.998
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).

Na classe 2, o gênero definiu aos papéis entre homens e mulheres no exercício das práticas sexuais. Os comportamentos sexuais foram permeados por vulnerabilidades masculinas, já que é deles a responsabilidade para definir se a camisinha seria ou não utilizada, pela postura submissa adotada por muitas mulheres, retratada na dominação dos corpos e das condutas sexuais das mulheres. Percebe-se, então, uma forte influência do contexto histórico e dos papéis sociais nas relações afetivas e sexuais(1919 Santos VP, Coelho MTÁD, Rodrigues-Júnior NM. Knowledge, income and prevention practices about HIV/Aids among university students. Saúde Pesqui. 2022;15(1):1-15. https://doi.org/10.17765/2176-9206.2022v15n1.e9040
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). Papéis de gênero são ensinados desde a infância e estabelecem as diferenças entre meninas e meninos. As condutas femininas e masculinas são incentivadas e reforçadas pelos pais, pelas instituições sociais e pessoas mais próximas em um processo de dominação dos corpos e da sexualidade humana(44 Melo LD. Conhecimentos e comportamentos de universitários sobre prevenção de infecções sexualmente transmissíveis: estudo de método misto[Tese]. Rio de Janeiro. Faculdade de Enfermagem. Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2022 [cited 2023 Feb 20]. Available from: https://www.bdtd.uerj.br:8443/handle/1/18934
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,1111 Ferrari W, Peres S, Nascimento M. Experiment and learning in the affective and sexual life of young women from a favela in Rio de Janeiro, Brazil, with experience of clandestine abortion. Cienc Saúde Colet. 2018;23(9):2937-50. https://doi.org/10.1590/1413-81232018239.11312018
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). Essa dominação é atribuída a comportamentos socioculturais e condicionantes do homem sobre a mulher, como que carregar a camisinha é responsabilidade do homem, além do poder decisório em querer usar ou não esse recurso.

Os homens se sentem mais vulneráveis em relação às mulheres, considerando as múltiplas justificativas e o maior número de parcerias sexuais. Os comportamentos sexuais são diferenciados segundo o gênero, e a maior experiência sexual do homem é esperado e valorizado. Quanto às mulheres, espera-se um comportamento mais discreto, menor exposição sexual, não sendo “aprovada” uma conduta sexual semelhante à dos homens.

A religião tem influenciado o comportamento humano desde os primórdios da humanidade, induzindo os hábitos e costumes em todas as culturas. A sexualidade e o comportamento sexual da humanidade, no passado, foram determinados pela religião, e muitas dessas determinações estão presentes na moralidade dos dias atuais. A sexualidade ainda é estruturada em valores e crenças que determinam o que é proibido e o que deve ser resguardado, variando conforme a cultura(1919 Santos VP, Coelho MTÁD, Rodrigues-Júnior NM. Knowledge, income and prevention practices about HIV/Aids among university students. Saúde Pesqui. 2022;15(1):1-15. https://doi.org/10.17765/2176-9206.2022v15n1.e9040
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).

Os marcadores sociais são interseccionais, porque muitos deles são indissociáveis, como gênero, etnia e classe social. Ao analisar socialmente uma pessoa, devem-se considerar todos os marcadores sociais e como eles se articulam(66 Ng R, Lim-Soh JW. Ageism Linked to Culture, Not Demographics: Evidence From an 8-Billion-Word Corpus Across 20 Countries. J Gerontol B Psychol Sci Soc Sci. 2021;76(9):1791-8. https://doi.org/10.1093/geronb/gbaa181
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). A cultura deve ser concebida como uma produção social que nasce do confronto da interseccionalidade de determinantes sociais, manifestados por comportamentos sociais, transculturais, na combinação do sistema de crenças individual e coletivo(44 Melo LD. Conhecimentos e comportamentos de universitários sobre prevenção de infecções sexualmente transmissíveis: estudo de método misto[Tese]. Rio de Janeiro. Faculdade de Enfermagem. Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2022 [cited 2023 Feb 20]. Available from: https://www.bdtd.uerj.br:8443/handle/1/18934
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-55 Leininger MM, Mcfarland M. Culture care diversity and universality: a worldwide nursing theory. New York (NY): McGraw-Hill; 2006. 413p.). Notam-se, ainda, condutas que retratam o movimento emancipatório e de liberdade sexual feminina, que são associadas ao aumento de suas vulnerabilidades com a adoção de CSR, como práticas sexuais casuais e múltiplas parcerias. Soma-se o fato de as mulheres com idades entre 15 e 49 anos não identificarem seu real nível de risco para IST(22 Ministério da Saúde (BR). Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis - PCDT-IST 2020 [Internet]. Brasília (DF): MS; 2020 [cited 2023 Jan 05]. Available from: https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/wp-content/uploads/2020/08/pcdt_ist_final_revisado_020420.pdf
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).

A família, embora influenciada por meios de controle, como religião, economia, mídia e cultura, possui valor ímpar para a estruturação sócio-histórica dos papéis de homens e mulheres na sociedade. O contexto familiar tem papel preponderante no aspecto cultural, atuando como uma instituição controladora que impõe aos membros determinado comportamento. As informações sobre certo e errado, aceitável ou não, são iniciadas e moldadas nesse ambiente, que deve incluir as práticas sexuais e as estratégias preventivas de IST(2020 Landin I, Borsa JC. Conceptions of families: a study on the graphic representations of children from Rio de Janeiro. Estud Pesqui Psicol[Internet]. 2019 [cited 2023 Jan 05];19(2):503-21. Available from: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revispsi/article/view/44284/30182
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).

A negociação do uso do preservativo foi permeada por inúmeras vulnerabilidades, como o uso de álcool e outras drogas, sendo fator de forte influência sobre comportamentos sexuais. A adoção de CSR com exposição às IST não é incomum, mesmo entre jovens com maior acesso à informação, como os universitários(2121 Spindola T, Oliveira CSR, Costa DM, André NLNO, Motta CVV, Melo LD. Use and negotiation of condoms by nursing academics. Rev Recien. 2020;10(32):81-91. https://doi.org/10.24276/rrecien2020.10.32.81-91
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). Outros fatores incidem sobre a recorrência de práticas sexuais sem uso da camisinha. Entre as justificativas, encontram-se o medo de julgamento da mulher se estiver portando a camisinha e sugerir o uso nas práticas sexuais, sendo percebido como um condicionante de promiscuidade. É dever de homens e mulheres ter camisinha, para aumentar o poder de negociação e/ou imposição do uso nas práticas sexuais. Os resultados reforçam a existência da relação de poder entre homens e mulheres, forte controle por parte dos homens e mulheres com baixo poder de negociação e posição de submissão. Estudo ratifica esses achados, ao afirmar que a negociação do uso da camisinha foi realizada por apenas 31,65% dos participantes, além da baixa adesão para o uso contínuo de preservativo favorecendo a exposição às IST. Nas relações afetivas/sexuais, muitas mulheres são silenciadas culturalmente e não apresentam poder de negociação, como se percebe em relação ao (des)uso de preservativo(2121 Spindola T, Oliveira CSR, Costa DM, André NLNO, Motta CVV, Melo LD. Use and negotiation of condoms by nursing academics. Rev Recien. 2020;10(32):81-91. https://doi.org/10.24276/rrecien2020.10.32.81-91
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).

Para se compreender as condutas sexuais dos jovens universitários, é necessário entender o contexto sociocultural onde elas emergiram, ou seja, analisar e refletir os marcadores sociais e aspectos transculturais dos comportamentos sexuais adotados. A aposta na educação sexual é premente e envolve não somente os cuidados de saúde, mas também as universidades e a sociedade, de forma a traçar as consequências que podem ser decorrentes de CSR(33 Melo LD, Spindola T, Brandão JL, Arreguy-Sena C. Policies for health-promoting universities and prevention of sexually transmitted infections: theoretical reflection in the light of Transcultural Theory. Rev Enferm UERJ. 2022;30(1):e64543. https://doi.org/10.12957/reuerj.2022.64543
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). Nelas, devem-se incluir a análise de seus roteiros sexuais e dos estilos de vida dos jovens, bem como de suas vulnerabilidades(1515 Melo LD, Sodré CP, Spindola T, Martins ERC, André NLNO, Motta CVV. Prevention of sexually transmitted infections among young people and the importance of health education. Enferm Global. 2022;06:88-101. https://doi.org/10.6018/eglobal.481541
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).

Faz-se necessária uma releitura dos comportamentos sexuais, na perspectiva do Sunrise Model e dos marcadores sociais dos jovens universitários. Assim, as estruturas sociais e a acomodação cultural de como lidar com o processo saúde/doença influenciam padrões de cuidado, suas expressões, decisões e ações profissionais (preservação, manutenção, acomodação e negociação), por meio da repadronização e da reestruturação de cuidados, agregando coerência ao cuidado cultural(55 Leininger MM, Mcfarland M. Culture care diversity and universality: a worldwide nursing theory. New York (NY): McGraw-Hill; 2006. 413p.). A sexualidade precisa ser compreendida como uma produção sociocultural, na qual as formas de viver prazeres e desejos do sexo não são proporcionadas pela natureza, mas existe uma complexa combinação de sentidos e atribuições que efetivamente vão constituí-las. A individualidade sexual é, portanto, um conjunto resultante do desenvolvimento de fatores históricos e socioculturais, exercida através dos mitos, tabus e relações de poder. As práticas sexuais são conduzidas segundo as relações interpessoais vivenciadas em cada etapa do ciclo vital(1111 Ferrari W, Peres S, Nascimento M. Experiment and learning in the affective and sexual life of young women from a favela in Rio de Janeiro, Brazil, with experience of clandestine abortion. Cienc Saúde Colet. 2018;23(9):2937-50. https://doi.org/10.1590/1413-81232018239.11312018
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).

A transposição de alguns conceitos(44 Melo LD. Conhecimentos e comportamentos de universitários sobre prevenção de infecções sexualmente transmissíveis: estudo de método misto[Tese]. Rio de Janeiro. Faculdade de Enfermagem. Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2022 [cited 2023 Feb 20]. Available from: https://www.bdtd.uerj.br:8443/handle/1/18934
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-55 Leininger MM, Mcfarland M. Culture care diversity and universality: a worldwide nursing theory. New York (NY): McGraw-Hill; 2006. 413p.) abarcou: a) Cultura: conjunto de valores, crenças, normas e práticas de vida de jovens universitários, aprendidos, partilhados e transmitidos, que orientam suas formas de pensar e práticas sexuais de forma padronizada; b) Visão de mundo: maneira pela qual os estudantes universitários percebem o mundo a sua volta; c) Estrutura social: fatores estruturais/organizacionais relacionados à universidade e seus determinantes, que agregam sentido culturalmente congruente as experiêncis dos jovens; d) Contexto ambiental: totalidade de experiências que conferem sentido à fase universitária. Alguns metaparadigmas(44 Melo LD. Conhecimentos e comportamentos de universitários sobre prevenção de infecções sexualmente transmissíveis: estudo de método misto[Tese]. Rio de Janeiro. Faculdade de Enfermagem. Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2022 [cited 2023 Feb 20]. Available from: https://www.bdtd.uerj.br:8443/handle/1/18934
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-55 Leininger MM, Mcfarland M. Culture care diversity and universality: a worldwide nursing theory. New York (NY): McGraw-Hill; 2006. 413p.), quando transpostos, possibilitaram deduzir os conceitos: pessoa: indivíduo entre 18-29 anos susceptível à adoção de CSR e à contaminação pelas IST, culturalmente inserido nas IES; ambiente: dimensão sociocultural da IES permeada por vulnerabilidades que influenciam sobre a adoção de CSR.

Na realização do cuidado transcultural(44 Melo LD. Conhecimentos e comportamentos de universitários sobre prevenção de infecções sexualmente transmissíveis: estudo de método misto[Tese]. Rio de Janeiro. Faculdade de Enfermagem. Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2022 [cited 2023 Feb 20]. Available from: https://www.bdtd.uerj.br:8443/handle/1/18934
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-55 Leininger MM, Mcfarland M. Culture care diversity and universality: a worldwide nursing theory. New York (NY): McGraw-Hill; 2006. 413p.), a preservação/manutenção se constitui um dos cuidados já praticados pela pessoa, que são benéficos ou inócuos à sua saúde. Assim, objetivam-se a identificação e o estímulo à manutenção de comportamentos sexuais seguros pelos universitários. A acomodação e a negociação são ações e decisões para assistir, dar suporte e facilitar as pessoas a adaptar-se com os provedores de saúde profissionais. Espera-se que os comportamentos sexuais possam ser remodelados a partir da compreensão do contexto sociocultural, de modo a se reconhecerem como sexualmente vulneráveis e aprenderem a acomodar suas práticas sexuais para negociarem os CSR, a fim de eliminá-los. A repadronização e a reestruturação são ações e decisões que visam facilitar e dar suporte na reordenação, troca ou modificação dos modos de vida, para se beneficiar com padrões de cuidado à saúde disponíveis. Os universitários receberiam intervenções e cuidados profissionais para estimular a autonomia através da substituição dos CSR por comportamentos sexuais seguros, gestão das vulnerabilidades, sensibilização e mobilização desses jovens.

A perspectiva de um cuidado culturalmente congruente com dimensões educacionais políticas e legais tecnológicas e econômicas necessita considerar a estrutura sociocultural(55 Leininger MM, Mcfarland M. Culture care diversity and universality: a worldwide nursing theory. New York (NY): McGraw-Hill; 2006. 413p.) e a realidade das IES. O ambiente universitário foi reconhecido como favorável à adoção de CSR. Essa percepção coletiva se justifica pela: dimensão tecnológica, religiosa, social, cultural, de modos de vida e educacional, cujas acomodações requerem a remodelação dos modos de vida; a inserção de tecnologias assistenciais; políticas públicas que tornem o ambiente universitário seguro; adequação das IES e seus docentes para a construção e viabilização efetiva da perspectiva que a universidade seja reconhecida como uma instituição promotora da saúde(44 Melo LD. Conhecimentos e comportamentos de universitários sobre prevenção de infecções sexualmente transmissíveis: estudo de método misto[Tese]. Rio de Janeiro. Faculdade de Enfermagem. Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2022 [cited 2023 Feb 20]. Available from: https://www.bdtd.uerj.br:8443/handle/1/18934
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,2222 Melo LD, Spindola T, Brandão JL, Taroco FE, Fernandes MTACN. Sexually transmitted diseases prevention by university students: reflections in the light of Hessen's theory of knowledge. Res, Soc Develop. 2021;10(2):e43110212735. https://doi.org/10.33448/rsd-v10i2.12735
https://doi.org/10.33448/rsd-v10i2.12735...
-2323 Spindola T, Fonte VRF, Francisco MTR, Martins ERC, Moraes PC, Melo LD. Sexual practices and risk behaviors for sexually transmitted infections among university students. Rev Enferm UERJ. 2021;29:e63117. https://doi.org/10.12957/reuerj.2021.63117
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).

Limitações do estudo

A possível limitação deste estudo está associada ao fato de não ter voltado atenção para as áreas de conhecimento na formação dos estudantes. Assim, outras investigações poderiam analisar comportamentos sexuais de jovens universitários, na perspectiva da área do conhecimento de cada subgrupo de estudantes, para verificar se existem distinções.

Contribuições para a área da enfermagem

A investigação colabora com a prática profissional da enfermagem, ao apresentar uma lacuna existente no atendimento deste grupo, identificando componentes de vulnerabilidades no perfil de universitários passíveis de serem preservados/mantidos, acomodados/negociados e repadronizados/estruturados no planejamento de um cuidado com congruência cultural, seguindo os elementos, conceitos e metaparadigmas orientados pelo referencial teórico-filosófico de enfermagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os jovens universitários, em suas práticas sexuais, costumam adotar CSR associados a marcadores sociais e transculturais. As ações culturais do cuidado requerem intervenções sobre os fatores determinantes dos comportamentos sexuais para viabilizar padrões e práticas de expressão de (auto)cuidado. Desse modo, é possível preservar/manter condutas sexuais seguras, acomodar e negociar os CSR na repadronização/reestruturação de práticas sexuais mais seguras para a prevenção de IST entre os jovens universitários.

Os comportamentos sexuais não seguros, adotados pelos jovens universitários, são associados aos marcadores sociais que determinam as condutas sexuais de forma interseccional e transcultural. Essa problemática epidemiológica, educacional e de saúde relacionada à ocorrência de IST, resultante das múltiplas vulnerabilidades envolvidas nas práticas sexuais dos universitários, poderia ser reduzida se as IES, na qualidade de instituições promotoras da saúde, desenvolvessem ações educativas problematizadas, atraentes e envolventes para a construção de um conhecimento sobre as IST e práticas preventivas que pudessem converter as vivências/experiências em um saber útil, capaz de remodelar os comportamentos sexuais dos jovens universitários.

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  • EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
  • EDITOR ASSOCIADO: Ana Fátima Fernandes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    05 Jan 2023
  • Aceito
    29 Maio 2023
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