Lesões mamilares precoces decorrentes da amamentação: análise de imagens fotográficas e associações clínicas

RESUMO

Objetivo:

analisar o grau de comprometimento tecidual das lesões mamilares precoces decorrentes da amamentação e associar achados com as manifestações clínicas de mulheres em amamentação.

Métodos:

estudo retrospectivo, transversal, envolvendo o uso de dados primários e de banco de imagens fotográficas provenientes de dois ensaios clínicos randomizados. Imagens fotográficas foram analisadas por duas avaliadoras independentes a partir do instrumento Nipple Trauma Score. Para análise, aplicou-se os testes Qui-Quadrado, Mann-Whitney e coeficiente Kappa.

Resultados:

foram analisadas 115 lactantes e respectivas 186 imagens fotográficas. O grau de concordância das avaliadoras pelo instrumento Nipple Trauma Score foi de 93,6%. O nível de dor mamilar encontrado durante as mamadas é moderado e há presença de lesões mamilares com mais de 25% de área da superfície do mamilo comprometida.

Conclusões:

a assistência a mulheres que amamentam deve priorizar o nível de dor apresentado em detrimento do tamanho da lesão mamilar.

Descritores:
Mamilos; Dor; Ferimentos e Lesões; Aleitamento Materno; Tomada de Decisão Clínica

ABSTRACT

Objective:

to analyze the initial nipple damage degree by breastfeeding practice and to associate findings with clinical manifestations of breastfeeding women.

Methods:

a retrospective, cross-sectional study with primary data and photographic images database from two randomized clinical trials. Photographic images were analyzed by two independent evaluators using the Nipple Trauma Score. For analysis, the chi-square, Mann-Whitney tests and Kappa coefficient were applied.

Results:

115 breastfeeding women and their respective 186 photographic images were analyzed. The degree of agreement of evaluators using the Nipple Trauma Score was 93.6%. The nipple pain score during breastfeeding was moderate and compromised more than 25% of the nipple surface area.

Conclusions:

assistance to breastfeeding women should prioritize nipple pain intensity instead of the nipple damage size.

Descriptors:
Nipples; Pain; Wounds and Injuries; Breast Feeding; Clinical Decision-Making

RESUMEN

Objetivo:

analizar el grado de afectación tisular en las lesiones tempranas del pezón resultantes de la lactancia materna y asociar los hallazgos con las manifestaciones clínicas de las mujeres que amamantan.

Métodos:

estudio retrospectivo, transversal, con datos primarios y banco de imágenes fotográficas de dos ensayos clínicos aleatorizados. Las imágenes fotográficas fueron analizadas por dos evaluadores independientes, utilizando el Nipple Trauma Score. Para el análisis se aplicaron las pruebas de Chi-Cuadrado, Mann-Whitney y coeficiente Kappa.

Resultados:

se analizaron 115 mujeres lactantes y sus respectivas 186 imágenes fotográficas. El grado de acuerdo de los evaluadores utilizando el Nipple Trauma Score fue del 93,6%. El nivel de dolor en el pezón durante la lactancia es moderado y existe presencia de lesiones del pezón con más del 25% de la superficie del pezón comprometida.

Conclusiones:

la asistencia a la mujer lactante debe priorizar el nivel de dolor que presenta en detrimento del tamaño de la lesión del pezón.

Descriptores:
Pezones; Dolor; Heridas y Lesiones; Lactancia Materna; Toma de Decisiones Clínicas

INTRODUÇÃO

A lesão mamilar (LM) é causa comum para a interrupção precoce do aleitamento materno exclusivo (AME), decorrente principalmente da dor intensa e limitante relacionada à pega incorreta da criança durante a amamentação(¹-²). A presença de LM é mais frequente na primeira semana pós-parto, e acomete cerca de 29 a 76% das mulheres que amamentam(³).

O desmame precoce impede que a mãe e seu filho recebam os benefícios que envolvem a prática do aleitamento materno (AM)(⁴), recomendado de forma exclusiva nos primeiros 6 meses de vida e prolongado por dois anos ou mais com alimentação complementar saudável(⁵). A interrupção do AM pode resultar em aumento da ocorrência de infecções gastrointestinais e respiratórias na criança, além de contribuir para estados nutricionais deficientes, elevando a morbidade e mortalidade infantil, especialmente em países em desenvolvimento(⁶).

Segundo dados do Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil(⁷), atualmente, a prevalência nacional de AME entre crianças menores de 6 meses é de 45,8%, taxa aquém dos 70% recomendado nas metas estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para 2030(⁸).

O cuidado de mulheres com LM durante a amamentação é um desafio antigo e, apesar do amplo conhecimento de sua causa e o entendimento da importância das orientações preventivas, como correção do posicionamento e pega durante a mamada, nem sempre é possível evitar sua ocorrência(⁹). Os principais fatores que contribuem para o aparecimento da LM são os relacionados aos parâmetros de pega e posicionamento inadequados, incluindo boca pouco aberta (angulação de abertura inferior a 140º), lábios voltados para dentro, pega simétrica, queixo distante da mama, corpo da criança desalinhado e distante em relação ao corpo materno, mulher sem apoio e com o corpo sobre a criança(¹⁰-¹¹).

Além desses, outros relacionados referem-se à anatomia da mulher e da criança e cuidados com as mamas, categorizados em: influências externas (tamanho e formato dos mamilos, tamanho e presença de anquiloglossia na criança e uso de bombas extratoras); modulação via sistema nervoso central (condições sociais e emocionais maternas, história pregressa e preparo); e estímulo local (características da LM e seus fatores de regeneração)(¹²).

Quanto à resolução da LM, não há um consenso quanto ao melhor método de tratamento para a reparação tecidual e alívio da dor(¹³), além da identificação e correção da causa(¹⁴). Revisão sistemática, que analisou os métodos de tratamento descritos na literatura, mostrou que não há evidências suficientes para recomendar qualquer tratamento para a dor mamilar decorrente da amamentação, e reforça a importância das orientações preventivas para que as mulheres continuem o AME(¹³). Foram destacados o uso de tratamentos medicamentosos (infecções fúngicas e bacterianas) e não medicamentosos (lanolina, fotobiomodulação, hidratação com leite materno extraído, protetores de mamilo)(¹⁴-¹⁵). Os resultados sugerem a importância da prevenção e manejo adequado, incluindo correção do posicionamento e pega(¹⁴-¹⁵).

A queixa de dor mamilar, frequentemente avaliada pelas escalas Visual Analógica e Escala Numérica de Dor(¹⁵), pode variar de acordo com a presença de LM e o período pós-parto, sendo identificada com níveis mais elevados na presença de LM(¹⁵-¹⁶) e com redução para níveis leves após cerca de 7 a 10 dias pós-parto, independentemente do tratamento utilizado(¹³).

As LMs relacionadas à fase da amamentação podem ocorrer em diferentes momentos, sendo mais frequente na primeira semana pós-parto, devido ao início e aprendizado da criança na mama(¹¹), denominadas como lesões precoces. A resolução da causa de seu aparecimento favorece sua reparação, independentemente do tratamento proposto. No entanto, observam-se também queixas de LM em períodos pós-parto mais avançados, comumente relacionadas às infecções fúngicas no complexo mamilo-areolar(¹⁷).

A sistematização da avaliação é fundamental para a proposição de tratamentos resolutivos e oportunos, adequados ao processo de regeneração tecidual e à percepção dolorosa, que confiram a celeridade necessária, possibilitando a manutenção linear da amamentação. Assim, a identificação dos tipos de LMs e do momento de sua ocorrência pode contribuir para a diferenciação do fator causal e da proposta de tratamento.

Além disso, a avaliação da LM também se relaciona com o manejo. Entre os recursos e métodos de avaliação, destacam-se a realização do exame clínico detalhado, incluindo o uso de instrumentos de medidas (escalas, índices ou escore) para a mensuração das lesões, a utilização de ferramentas para sua melhor visualização (lupas, luz direta) e o registro por imagens fotográficas para análise evolutiva das LMs(¹⁸).

Nesse contexto, na avaliação das LMs, tanto o grau de comprometimento do tecido quanto a classificação de sua morfologia podem contribuir para um tratamento mais específico. Sabe-se que LMs podem atingir a epiderme e/ou derme, e envolver estruturas da pele de forma diversa(¹⁸). Em estudo recente, as LMs foram classificadas segundo a interrupção da barreira cutânea do complexo mamilo-areolar, no intuito de padronizar terminologias e interpretações de suas características(¹⁸).

Esta avaliação ainda vem sendo explorada na literatura e sua aplicabilidade na prática clínica, portanto, pouco utilizada pelos profissionais de saúde, que ainda denominam as LMs como fissuras de forma generalizada(¹⁸). Dessa forma, estudos de aprofundamento nesta temática se tornam cada vez mais necessários, para que tratamentos adequados possam ser indicados.

OBJETIVO

Analisar o grau de comprometimento tecidual das LMs precoces decorrentes da amamentação e associar achados com as manifestações clínicas de mulheres em amamentação.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O estudo respeitou a Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, sendo realizada a coleta de dados após a aprovação pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi obtido de todas as mulheres envolvidas no estudo por meio escrito anterior à coleta de dados.

Desenho, período e local do estudo

Estudo retrospectivo, transversal, de análise secundária, que adotou como referencial o STrengthening the Reporting of OBservational studies in Epidemiology (STROBE), envolvendo o uso de dados primários e de banco de imagens fotográficas provenientes de dois ensaios clínicos randomizados, conduzidos pelas pesquisadoras do atual estudo e desenvolvidos com mulheres com LM em fase de lactação inicial(¹⁹-²⁰). Na ocasião, as autoras receberam a permissão para a obtenção das imagens das mamas das participantes, conforme aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa(¹⁹-²⁰).

Amostra: critérios de inclusão e exclusão

A amostra foi composta por 145 mulheres e 252 imagens fotográficas de LMs, definidas como interrupção da barreira cutânea(¹⁸) e localizadas no ápice do mamilo. A técnica de amostragem utilizada foi não probabilística por conveniência, onde foram analisadas todas as imagens fotográficas obtidas em ambos os estudos(¹⁹-²⁰).

As participantes foram recrutadas para os estudos primários (ensaios clínicos) a partir dos critérios de inclusão: mulheres com filho único; que apresentaram peso de nascimento igual ou superior a 2.500 gramas; e em AME diretamente na mama. Não foram incluídas mulheres com mamilos malformados, com mastite ou doença maligna. Já para a análise secundária, acrescentou-se aos critérios de elegibilidade a exclusão de mulheres cujas imagens apresentavam interferência na nitidez decorrente da iluminação natural do ambiente no momento do registro fotográfico, devido à dificuldade de avaliação das imagens.

Variáveis e métodos de mensuração

As LMs foram analisadas a partir dos registros fotográficos obtidos durante a execução dos ensaios clínicos prévios a esta análise secundária. Nos ensaios clínicos, padronizaram-se os registros fotográficos no modo macro, sob luz natural, orientação vertical/retrato a 5 centímetros do complexo mamilo-areolar, com a mulher em posição supina e recostada na parede, utilizando-se a câmera digital SONY Cybershot DSC-W330(¹⁹-²⁰).

O tamanho refere-se ao comprimento da LM, mensurado por meio de régua acrílica e apresentado em milímetros (mm). Na vigência de múltiplas LMs, foi considerada a de maior extensão. O nível de dor mamilar para amamentar foi verificado pela Escala Visual Analógica (EVA, 0-10), na qual, na ocasião dos ensaios clínicos, as mulheres reportaram a intensidade da dor durante a mamada na mama acometida (0= sem dor e 10= pior dor imaginável)(¹⁵,²¹). A dor foi classificada como ausente (0 pontos), leve (1-3 pontos), moderada (4-6 pontos) e intensa (7-10 pontos)(¹⁵,²¹).

Quanto ao grau de comprometimento tecidual das LMs, utilizou-se o instrumento Nipple Trauma Score (NTS)(²²), que foi traduzido para o português via técnica de back-translation pelas pesquisadoras (Quadro 1). O NTS caracteriza a LM com base na profundidade e extensão do dano tecidual. O escore do NTS vai de 0 a 5, sendo que 0 significa sem alterações macroscopicamente visíveis na pele, e 5, uma lesão de espessura parcial de mais de 25% da superfície do mamilo, com ou sem formação de crosta. O grau de comprometimento das LMs pela escala NTS foi categorizado em escores 2 e 3 para aplicação de teste de hipóteses, sendo 2 considerado LMs com comprometimento tecidual inferior a 25% da superfície do mamilo (incluídas pontuações entre 0-2), e 3, com comprometimento tecidual superior a 25% da superfície do mamilo (incluídas pontuações entre 3-5).

Quadro 1
Nipple Trauma Score⁽²²⁾ - Escore de Lesão Mamilar: versão traduzida pelas pesquisadoras via back-translation. São Paulo, São Paulo, Brasil, 2023

Nipple Trauma Score (NTS)
Escore	Características
0	Não há mudança visível na pele do mamilo
1	Eritema ou edema ou ambos
2	Dano superficial com ou sem crosta formada em menos de 25% da superfície do mamilo
3	Dano superficial com ou sem crosta formada em mais de 25% da superfície do mamilo
4	Lesão com espessura parcial com ou sem crosta formada em menos de 25% da superfície do mamilo
5	Lesão com espessura parcial com ou sem crosta formada em mais de 25% da superfície do mamilo

https://doi.org/10.1159/000318228

As variáveis foram classificadas, para análise, em variáveis independentes e dependentes. As variáveis independentes eleitas foram idade (numérica, em anos completos), paridade (nominal, primípara e multípara), dia pós-parto de inclusão da mulher no estudo (nominal, sendo 1º dia= inferior a 24 horas após o parto e 2º dia= entre 24 e 48 horas após o parto), condição das mamas (nominal, flácida, túrgida e/ou ingurgitada) e lateralidade da LM (nominal, unilateral e bilateral).

As variáveis dependentes associadas foram tamanho da lesão (numérica, em milímetros), nível de dor para amamentar (ordinal, ausente (0)/leve (1-3)/moderada (4-6)/intensa (7-10) e grau de comprometimento tecidual dos mamilos lesionados (nominal, categorização NTS 2 e NTS 3).

Protocolo do estudo

A coleta de dados foi realizada durante o período de permanência das mulheres em unidade de alojamento conjunto, com imagens fotográficas obtidas nos primeiros dois dias pós-parto, entre os anos de 2011 e 2017, em São Paulo, Brasil(¹⁹-²⁰). A análise das imagens fotográficas foi realizada entre outubro de 2021 e setembro de 2022. As variáveis foram extraídas de bancos de dados dos respectivos estudos pelas pesquisadoras, após realização de agrupamento de dados e codificação universal via programa Excel^®. Para a análise do grau de comprometimento tecidual, foram utilizadas as imagens fotográficas em meio físico, aleatoriamente ordenadas e identificadas especificamente para este estudo.

Foi utilizado um instrumento construído especificamente para o estudo no qual as avaliadoras registravam os parâmetros de avaliação das LMs ao visualizar as imagens.

As imagens fotográficas foram analisadas por duas avaliadoras independentes, enfermeiras obstetras com o título de International Board Certified Lactation Consultant (IBCLC), domínio do idioma inglês e experiência mínima de 10 anos no manejo clínico na amamentação. Em seguida, as avaliações das imagens fotográficas foram comparadas, e as divergências foram discutidas entre as avaliadoras, sendo chamada uma terceira avaliadora em caso de discordância (Figura 1).

Figura 1
Imagens fotográficas de lesões mamilares incluídas. São Paulo, São Paulo, Brasil, 2023

Análise dos resultados e estatística

A análise descritiva contemplou as medidas de média ou mediana, desvio padrão ou intervalo interquartil para as variáveis numéricas. Foi utilizado o Teste de Shapiro-Wilk para avaliação da distribuição normal dos dados, considerando-se p<0,05, que identificou amostra não paramétrica.

As variáveis categóricas foram mensuradas por frequência simples e percentual. Para verificar a associação entre variáveis dependentes e independentes, foram utilizados os Testes Qui-Quadrado e Mann-Whitney.

O coeficiente Kappa foi empregado para medir o grau de concordância dos pesquisadores quanto ao comprometimento das LMs, considerando-se os valores: <0,00, concordância insignificante; 0,00-0,20, concordância fraca; 0,21-0,40, concordância razoável; 0,41-0,60, concordância moderada; 0,61-0,80, concordância forte; e 0,81-1,00, concordância quase perfeita(²³). Os dados foram tabulados utilizando-se o programa Excel^® (Microsoft, USA) e análises inferenciais, mediante software estatístico STATA 14 (Stata#Corp, USA). O nível de significância estatística foi fixado em 0,05.

A coleta de dados de acordo com o referencial STROBE está disposta abaixo (Figura 2).

Figura 2
Fluxograma STrengthening the Reporting of OBservational studies in Epidemiology. São Paulo, São Paulo, Brasil, 2023

RESULTADOS

Foram analisados dados de 145 mulheres lactantes e 252 imagens fotográficas de LMs decorrentes da amamentação. Dessas, 66 imagens foram excluídas por não apresentarem a LM com nitidez macroscópica, que correspondeu à exclusão de 30 mulheres, compondo a amostra final: 115 mulheres lactantes e respectivas 186 imagens fotográficas.

A mediana (P25-P75) de idade das mulheres lactantes incluídas no estudo foi de 26 anos (21/31), sendo a maioria primípara (52,2%) com mamas em condição flácida (92,1%), LMs em ambas as mamas (79,1%) e com ocorrência de LM no 1º dia após o parto (64%) (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição dos dados de caracterização das mulheres e das lesões mamilares. São Paulo, São Paulo, Brasil, 2023

Variáveis	Total
Características da mulher
Idade (anos)
Mediana (P25-P75)	26 (21-31)
Paridade (n= 115) n (%)
Primíparas	60 (52,2)
Multíparas	55 (47,8)
Condição das mamas (n=115) n (%)
Flácida	106 (92,1)
Túrgida/ingurgitada	9 (7,8)
Lateralidade da lesão mamilar (n=115) n (%)
Unilateral	24 (20,9)
Bilateral	91 (79,1)
Característica da lesão mamilar
Dia pós-parto de inclusão (n=186) n (%)
1º dia pós-parto	119 (64)
2º dia pós-parto	67 (36)

Na Tabela 2, encontram-se dados relacionados ao nível de dor apresentado pelas mulheres e tamanho das LMs. No que se refere ao nível de dor (EVA) durante a mamada, identificou-se dor moderada, com mediana de 5 pontos em ambas as mamas, enquanto o tamanho mediano da LM foi de 8 mm e 9 mm em mamas direita e esquerda, respectivamente. A maioria das mulheres (82,8%) apresentou um grau de comprometimento tecidual superficial com ou sem crosta formada superior a 25% da superfície do mamilo (Tabela 2).

Tabela 2
Nível de dor apresentado pelas mulheres e tamanho das lesões mamilares: análise descritiva. São Paulo, São Paulo, Brasil, 2023

Variáveis dependentes	P50	P25-P75
Nível de dor (EVA*)
Mama direita (n= 90)	5	0-8
Mama esquerda (n= 96)	5	1,5-8
Tamanho da lesão mamilar (mm)
Mama direita (n= 90)	8	5-10
Mama esquerda (n= 96)	9	7-11

• ^*
  EVA= Escala Visual Analógica;
• ^**
  NTS 2= escore atribuído ao grau de comprometimento tecidual da lesão mamilar compreendido entre pontuações 0-2;
• ^***
  NTS 3= escore atribuído ao grau de comprometimento tecidual da lesão mamilar compreendido entre pontuações 3-5.

Ressalta-se que o grau de concordância das avaliadoras na classificação do grau de comprometimento tecidual das LMs pelo instrumento NTS foi de 93,6%. O valor do coeficiente de Kappa para a confiabilidade interna foi considerado quase perfeito (k= 0,82).

A associação entre o tamanho das LMs precoces e a classificação das avaliadoras quanto ao grau de comprometimento tecidual pela NTS revelou ser estatisticamente significante. Quanto maior a mediana do tamanho da LM, maior o grau de comprometimento tecidual (p<0,001).

Em relação ao grau de comprometimento tecidual das LMs e nível de dor, observou-se que a mediana de dor de mulheres com lesão superficial com ou sem crosta formada em menos de 25% de superfície do mamilo (NTS 2) foi maior, quando comparada à mediana de dor referida pelas mulheres com lesão superficial com ou sem crosta formada em mais de 25% da superfície do mamilo (NTS 3), porém sem relevância estatística.

Não foram observadas associações entre o nível de dor e o momento de ocorrência da LM com o grau de comprometimento tecidual de LM, conforme NTS.

As associações entre as variáveis dependentes estão dispostas na Tabela 3 a seguir.

Tabela 3
Associações entre as variáveis dependentes: tamanho da lesão mamilar, nível de dor para amamentar e dia pós-parto de inclusão. São Paulo, São Paulo, Brasil, 2023

Variáveis dependentes	n	Mediana (P25-P75)	Valor de p
Tamanho da lesão mamilar (mm)			< 0,001A
NTS 2*	32	5 (4-5)
NTS 3**	154	9 (7-11)
Nível de dor (EVA***)			0,055A
NTS 2*	32	7 (4,5-8)
NTS 3**	154	5 (0-7)
Dia pós-parto de inclusão (1º ou 2º dia)			0,551B
NTS 2*	32	1 (1-2)
NTS 3**	154	1 (1-2)

• ^*
  NTS 2= escore atribuído ao grau de comprometimento tecidual da lesão mamilar compreendido entre pontuações 0-2;
• ^**
  NTS 3= escore atribuído ao grau de comprometimento tecidual da lesão mamilar compreendido entre pontuações 3-5;
• ^***
  EVA= Escala Visual Analógica; A= Teste Mann-Whitney; B= Teste Qui-quadrado.

DISCUSSÃO

O nível de dor mamilar encontrado nos primeiros dois dias pós-parto durante as mamadas é moderado, e há presença de LM com mais de 25% de área da superfície do mamilo comprometida. O nível de dor da mulher durante a mamada e o momento de ocorrência da LM não interferiram no grau de comprometimento da LM.

Este estudo apresenta uma temática inédita na literatura, ao avaliar o grau de comprometimento tecidual de LMs por meio do NTS, a partir de imagens fotográficas, comparando tamanho da LM e nível de dor associado na mamada. A importância de explorar essas abordagens se destaca na implementação de condutas clínicas diferenciais que promovam a regeneração tecidual da LM e, dessa forma, favoreçam a duração do AME.

A avaliação de LMs encontra limitações que permeiam a definição de sua classificação, associação à temporalidade de ocorrência e grau de comprometimento dos tecidos envolvidos, o que possibilita inúmeras interpretações profissionais, gerando condutas por vezes generalizadas e pouco baseadas em evidências científicas.

As LMs poderem ser classificadas conforme sua temporalidade, isto é, de acordo com o período em que se iniciam. Podem ocorrer desde o primeiro contato do lactente com a mama, sendo que a principal causa associada e determinante reside na inadequação da pega e posicionamento durante a mamada(¹³,²⁴-²⁷). Considera-se relevante neste período a inexperiência com a prática da amamentação atribuída tanto ao lactente quanto à mulher que amamenta, independentemente de esta já ter amamentado anteriormente, o que pode contribuir para essa dificuldade(⁹). Essas LMs podem ser definidas como precoces dado seu processo de início abrupto, agudo e com causa relativamente determinada.

LMs precoces podem acontecer em ambas as mamas ou de forma unilateral. Neste estudo, a maioria das LMs ocorreu de forma bilateral, condição que se traduz em um desafio ainda maior para a manutenção da oferta das mamas por parte da mulher.

O nível de dor referido durante a mamada da criança na mama pelas mulheres foi avaliado de forma individual entre mamas e, tanto na mama direita quanto na mama esquerda, a intensidade moderada foi relatada, correspondendo a 4 e 5, respectivamente. Esse dado condiz com a literatura disponível(¹⁵) que, em revisão sistemática da literatura, encontrou o relato de média ponderada de 6,2 de intensidade de dor na EVA na mamada na primeira semana pós-parto. Outros estudos comparativos entre tratamentos para LMs precoces também revelaram moderada intensidade de dor em mulheres com LM em amamentação no mesmo período(²⁸-³¹).

O nível de dor para amamentar pode ter repercussões em outras situações vivenciadas pelas nutrizes e levar à interrupção da amamentação, tais como redução do reflexo de ejeção láctea em consequência da redução ou limitação da oferta da mama lesionada, o que repercute na força de sucção exercida pelo lactente, podendo contribuir para o agravamento e persistência da LM, além de predispor à ocorrência de complicações, como infecções fúngicas e bacterianas, locais e disseminada para a mama(²²,³²-³⁴).

O tamanho médio das LMs inseridas neste estudo correspondeu a 8,3 mm na mama direita e 8,8 mm na mama esquerda, com variações entre 2 mm e 23 mm. Estabelecer o tamanho da LM com a finalidade de avaliar a regeneração tecidual a partir dos tratamentos e orientações propostas compreende um desafio para a prática. Considerou-se que os parâmetros usualmente utilizados para caracterizar essa evolução, como área da lesão, quantidade de exsudato e aparência do leito da lesão (Pressure Ulcer Scale for Healing (PUSH))(³⁵), são, por vezes, infactíveis nessas LMs, uma vez que apresentam bordas irregulares, diâmetros diversos, profundidade de difícil mensuração e aparência e quantidade de exsudato influenciados pela umidade da mucosa oral do lactente ao mamar.

Esforços para a padronização da avaliação de LMs considerando suas peculiaridades vêm sendo explorados. Recentemente publicado, o Instrumento de Classificação das Lesões Mamilo-Areolares (ILMA)(³⁶) traz em sua proposta a unificação da nomenclatura de LMs sob enfoque dermatológico, diferenciando lesões sem interrupção da barreira cutânea (eritema, equimose, edema e vesícula) e com interrupção da barreira cutânea (fissura, erosão e crosta). Outro estudo, também com o intuito de estabelecer terminologias a partir de consenso entre especialistas, propõe o instrumento “Sete Sinais de Lesões Mamilares Relacionados à Amamentação” (Eritema, Inchaço, Crostas, Bolhas, Fissuras, Púrpura e Descamação), que conta com imagens para guiar a avaliação(³⁷-³⁸). Diferenciar as LMs é fundamental para direcionar tratamentos e condutas, a fim de que se obtenham resultados satisfatórios.

O grau de comprometimento tecidual mensurado através do NTS revelou pontuações atribuídas a todos os escores, demonstrando variações relacionadas à profundidade e à extensão das LMs observadas entre as primeiras 48 horas pós-parto.

A diferenciação do grau de comprometimento das LMs é fundamental para o estabelecimento de condutas clínicas. O NTS utilizado para avaliação das LMs se mostrou válido, preciso e de fácil aplicação, com potencial para uso na prática, demonstrado pelo elevado grau de concordância entre avaliadoras neste estudo e em estudo com temática semelhante(²²).

Neste estudo, LMs classificadas como NTS 2 apresentaram nível de dor maior do que aquelas classificadas como NTS 3, revelando que a intensidade da dor deve ser valorizada, independentemente do tamanho da LM. Diante dos achados, recomenda-se que seja considerado o momento de aparecimento da LM, ou seja, de forma precoce, tardia ou persistente, uma vez que há variação entre as causas relacionadas.

O avanço da classificação e associações com as diversas características da lesão trarão grande benefício para as mulheres com tal afecção, contribuindo para direcionamento do cuidado na fase de lactação. A educação em saúde de nutrizes voltada para técnicas adequadas de mamada realizada no período pós-parto continua sendo importante na prevenção de LMs; no entanto, o tratamento assertivo de acordo com as especificadas das lesões pode reduzir as taxas de desmame(³⁹).

Limitações do estudo

Trata-se de um estudo de análise secundária a partir de dados primários e respectivas imagens fotográficas no primeiro e segundo dia após o parto. Nesse período, a dor presente na LM abrupta e decorrente das primeiras exposições do lactente na mama pode influenciar a ocorrência de níveis de dor mais elevados, ao passo que, no segundo dia, movimentos de adaptação e correção possam ter acontecido, influenciando na percepção materna de redução da dor para amamentar. A exclusão de imagens também foi uma limitação. Definir o dia inicial da LM ao invés do dia pós-parto pode conferir melhores resultados.

Contribuições para as áreas da enfermagem, saúde ou políticas públicas

Os resultados deste artigo contribuem para a tomada de decisão clínica de profissionais de saúde, com destaque para enfermeiros que assistem a mulher que amamenta nas primeiras exposições do lactente à mama. Ampliar o olhar para a dor presente nas mamadas em detrimento da existência ou não de uma LM visível pode tanto prevenir sua ocorrência quanto nortear condutas como a correção de pega e o posicionamento e a proposição de condutas apropriadas de tratamento. Estudos adicionais que propõem tratamentos de acordo com as características especificadas dessas lesões se fazem necessários.

CONCLUSÕES

O nível de dor mamilar de lactantes que apresentam lesão é elevado no primeiro dia pós-parto, independentemente do tamanho e grau de comprometimento do tecido mamilar. O profissional que assiste a puérpera durante as primeiras exposições do lactente na mama deve compreender a necessidade de acompanhar com frequência essas mamadas, direcionando sua atenção para a prevenção da ocorrência e de agravos de LMs.

A ampliação do olhar clínico para além do tamanho da LM também se faz necessário. É fundamental que o enfoque da assistência esteja no nível de dor para amamentar, e não no tamanho e grau de comprometimento da LM. As LMs precoces decorrentes da amamentação podem impactar a continuidade do AM e a qualidade de vida de mãe e filho na vigência dessa prática.

• FOMENTO
  Este estudo foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) Brasil nº. 449244/2014-8.

AGRADECIMENTOS

As autoras agradecem a contribuição de Lucíola Sant’Anna de Castro, Ana Carolina de Prima Souza e Ana Carolina Lavio Rocha, pela participação na análise estatística e documental deste manuscrito.

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  » https://doi.org/10.1542/peds.2012-1295
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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa

EDITOR ASSOCIADO: Alexandre Balsanelli

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  08 Dez 2023
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  11 Jan 2023
• Aceito
  14 Ago 2023