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Luxação traumática do bulbo ocular causada por acidente doméstico

Traumatic eyeball luxation caused by domestic accident

Resumos

A luxação do bulbo ocular ocorre quando há seu deslocamento anterior, de tal forma que as pálpebras se fecham espasmodicamente por detrás dele. Diversas causas não traumáticas são relatadas, sendo que, quando provocado por traumas contusos, com grande envolvimento do nervo óptico e da musculatura extrínseca ocular, o prognóstico em geral é desfavorável. Apresentamos um dramático caso de luxação do bulbo ocular em criança após acidente doméstico, destacando seu mecanismo fisiopatológico e apreciando as condutas.

Traumatismos oculares; Ferimentos e lesões; Acidentes domésticos; Criança; Relato de casos


The eyeball luxation is a dramatic phenomenon in which there is a forward displacement of the eyeball so that the eyelids spasmodically close behind it. There are many risk factors, non-related to trauma, but orbital contusions with optic nerve and extraocular muscles involvement carry the worst prognosis. The present paper reports a dramatic domestic case of globe luxation in childhood, its pathophysiology mechanisms and management.

Eye injuries; Wounds and injuries; Domestic, home; Child; Case reports


RELATO DE CASO

Luxação traumática do bulbo ocular causada por acidente doméstico

Traumatic eyeball luxation caused by domestic accident

Rogério de Almeida Tárcia

Médico oftalmologista do Hospital de Pronto-Socorro João XXIII da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais; Assistente do Núcleo de Oftalmologia Especializada de Belo Horizonte (MG), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Rogério de Almeida Tárcia Av. João Pinheiro 146 - 13º andar CEP 30130-922. Belo Horizonte - MG Telefax: (31) 3273-8116 Email: almeidatarcia@yahoo.com.br

RESUMO

A luxação do bulbo ocular ocorre quando há seu deslocamento anterior, de tal forma que as pálpebras se fecham espasmodicamente por detrás dele. Diversas causas não traumáticas são relatadas, sendo que, quando provocado por traumas contusos, com grande envolvimento do nervo óptico e da musculatura extrínseca ocular, o prognóstico em geral é desfavorável. Apresentamos um dramático caso de luxação do bulbo ocular em criança após acidente doméstico, destacando seu mecanismo fisiopatológico e apreciando as condutas.

Descritores: Traumatismos oculares; Ferimentos e lesões; Acidentes domésticos; Criança; Relato de casos [Tipo de publicação]

ABSTRACT

The eyeball luxation is a dramatic phenomenon in which there is a forward displacement of the eyeball so that the eyelids spasmodically close behind it. There are many risk factors, non-related to trauma, but orbital contusions with optic nerve and extraocular muscles involvement carry the worst prognosis. The present paper reports a dramatic domestic case of globe luxation in childhood, its pathophysiology mechanisms and management.

Keywords: Eye injuries; Wounds and injuries; Domestic, home; Child; Case reports [Publication type]

INTRODUÇÃO

O trauma ocular é responsável por meio milhão de casos de cegueira no mundo, além de um número considerável de perda parcial da visão, segundo a Organização Mundial da Saúde. Dentro deste contexto, os acidentes domésticos, geralmente subnotificados, são a terceira causa dessas lesões, perdendo tão somente para os acidentes de trabalho e os acidentes automobilísticos(1).

Conceitualmente, trauma não é sinônimo de acidente; este último é uma fatalidade, não passível de prevenção. Trauma é um termo médico que significa lesão. Estas lesões, por sua vez, podem ser prevenidas por medidas educacionais e por mudanças culturais, tais como: o uso sistemático dos óculos de proteção no trabalho e do cinto de segurança no trânsito(2). Nos casos de acidentes domésticos, envolvendo crianças, a prevenção de lesões passa por uma vigilância e educação sistemáticas, nem sempre praticadas nos dias atuais.

Este trabalho tem por objetivo relatar um caso dramático de luxação do bulbo ocular em criança, ocorrido em ambiente doméstico, discutindo as diversas causas relatadas na literatura internacional, as condutas tomadas pelos diversos autores e comentar os seus mecanismos fisiopatológicos.

Relato do caso

Paciente P.H.B.A. de 10 anos de idade, masculino, natural e procedente de Esmeraldas, MG. Familiares relataram que a criança ao brincar de " pique pega-pega" no escuro dentro de casa batera fortemente contra uma porta entreaberta, provavelmente na maçaneta, do tipo comum, mais popular e reta (alavanca). De imediato notaram a " saída do olho" direito para fora da órbita, sem se acompanhar de vômitos nem tampouco desmaio.

Encaminhado ao Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, na capital do Estado, onde o exame inicial revelou um paciente pediátrico lúcido, com preservação dos sinais vitais, e com luxação total do bulbo ocular direito, que se encontrava para fora da órbita, lateralizado e ainda parcialmente retido pela inserção do músculo reto lateral (Figuras 1 e 2). O exame de tomografia computadorizada confirmou a luxação, revelando ainda, fratura da parede anterior do seio maxilar e avulsão do nervo óptico ipsilaterais (Figura 3).




O paciente foi submetido à cirurgia sob anestesia geral para reposicionamento do bulbo ocular e realizado blefarorrafia com suturas de contenção com seda 4-0 (Figuras 4 e 5). O reposicionamento do bulbo ocular dentro da órbita foi conseguido após uma cantotomia lateral, com a ajuda de quatro pinças hemostáticas delicadas, firmemente presas junto às inserções musculares e a quatro mãos. A laceração conjuntival foi reparada com fio absorvível 7-0, mas não foi possível a reinserção dos músculos retos, devido à retração dos cotos.



No seguimento ambulatorial, feito em outro Serviço, tive a notícia de que o olho estava preservado, mas já com sinais de pré-atrofia, com três meses de seguimento e sem percepção luminosa.

DISCUSSÃO

A luxação do bulbo ocular, termo derivado do latim Luxatio bulbi, ocorre quando há um deslocamento do bulbo anteriormente, de tal forma que as pálpebras se fecham espasmodicamente por detrás dele, por um espasmo do músculo orbicular. Além de ser um fenômeno raro, esta lesão cria uma forte e negativa impressão em quem a presencia. Quando há lacerações do nervo óptico e de músculos extra-oculares, o termo avulsão do bulbo também pode ser usado(3), como no caso em questão.

Os traumatismos são na sua grande maioria contusos, muitas vezes com o envolvimento dos ossos do terço médio da face. Há relatos de acidentes automobilísticos(4-5), ferimentos por projéteis de arma de fogo(6) e em práticas esportivas(7). O arrancamento do bulbo ocular por agressão(8) ou mesmo por auto-mutilação (Edipismo), encontrado em doentes psicóticos ou usuários de drogas(9), são também relatadas.

Existem diversas causas não traumáticas de luxação do bulbo ocular, algumas vezes provocadas voluntariamente como método de exibição, passíveis de reversibilidade espontânea e que não necessariamente estão associadas a estiramentos do nervo óptico. Exemplos: Síndrome de Crouzón(10), Histiocitose X(11), Síndrome da Frouxidão Palpebral (floppy eyelid syndrome)(12-14), Doença de Hashimoto(12), anomalias venosas orbitárias congênitas(15) e por manipulação palpebral excessiva, em usuários de lente de contato(16).

Nestas causas não traumáticas fica evidente que aspectos predisponentes estão sempre envolvidos, tais como: órbitas rasas, ligamentos naturalmente mais frouxos, septo orbitário muito posterior e anormalidades musculares(3).

As rupturas dos músculos retos - que são potentes retratores do olho - ajudam a promover a saída do bulbo ocular nos casos traumáticos, além das fraturas ósseas cominutivas e o abrupto aumento da pressão intra-orbitária.

Se a luxação do bulbo ocular não é acompanhada de avulsão do nervo óptico, a recuperação da visão pode ocorrer. Nesses casos, devemos tentar sob sedação recolocar o olho dentro da órbita, explorando a conjuntiva e não se esquecendo do uso de antiinflamatórios sistêmicos hormonais ou não-hormonais. Exames fundoscópicos subseqüentes são fundamentais no acompanhamento, em busca de hiperemia do disco óptico, palidez e/ou congestão venosa(17). Como mecanismo de proteção do olho, a exemplo de pós-operatório de cirurgias eletivas (ex. catarata)(18), a tarsorrafia lateral pode ser útil em caso de risco de recidiva da luxação.

A grande dúvida está quando a avulsão do bulbo se faz com envolvimento grave do n. óptico e da musculatura extra-ocular. Na literatura se identifica forte tendência em se completar a enucleação, devido ao mau prognóstico(6). No entanto, em crianças, a necessidade de se promover um crescimento facial simétrico faz com que a manutenção do bulbo seja importante e devemos pensar em seu reposicionamento(19). Além do ganho psicológico inicial, tanto para o paciente, quanto para a família, uma adaptação de prótese escleral pintada pode ser facilmente experimentada sobre o olho atrófico(20).

CONCLUSÃO

Este relato vem demonstrar que os cuidados com nossas crianças deve ser uma constante preocupação da família e da sociedade, devendo as mesmas receber educação para prevenção de acidentes de forma sistemática. A luxação do bulbo ocular tem diversas causas não traumáticas, sendo que, nos traumas contusos com grande envolvimento do nervo óptico e da musculatura extrínseca ocular, o prognóstico geralmente é desfavorável. O caso em questão corrobora os relatos da literatura quanto a isto.

AGRADECIMENTOS

Ao Dr. Vagner Carvalho Rocha, do Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, e ao Dr. Valênio Perez França, do Hospital Mater Dei, pelas preciosas participações na condução do caso.

Recebido para publicação em: 17/08/2007

Aceito para publicação em 19/12/2007

Trabalho realizado no setor de emergência do Hospital de Pronto-Socorro João XXIII (Fhemig), Belo Horizonte (MG), Brasil.

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    Dr. Rogério de Almeida Tárcia
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Mar 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Aceito
      19 Dez 2007
    • Recebido
      17 Ago 2007
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