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Medicações sistêmicas e queixa ocular: alguma correlação?

EDITORIAL

Medicações sistêmicas e queixa ocular: alguma correlação?

Ao ser convidado para escrever este editorial, pensei em um tema diferente, que pudesse oferecer alguma contribuição ao leitor. Refiro-me aos possíveis efeitos colaterais oculares associados com medicações sistêmicas, comumente utilizadas por nossos pacientes. Estaria cada oftalmologista ciente que drogas familiares e tradicionalmente não apontadas como tóxicas ao olho, podem estar associadas com a queixa principal de uma avaliação ocular?

Recentemente, examinei um jovem com 26 anos de idade e dificuldade de adaptação ao escuro, notada pela primeira vez e há poucas semanas. Com um histórico familiar negativo, perfil psicológico e exame oftalmológico normais, estava diante de um caso atípico de distrofia ou simulação. Durante questionário informal sobre a existência, ou não, de alguma medicação, me interessei mais pela droga acutane (isotretinoina), a única que o paciente utilizava nas últimas semanas para acne cutânea. Confesso que meu conhecimento sobre a droga acutane se limitava ao seu potencial efeito tóxico ocular quando utilizado localmente, sob forma de loção (ceratoconjuntivite). Aprendi que seu uso sistêmico pode interferir com o metabolismo da vitamina A e causar danos visuais funcionais do tipo demonstrado por este paciente(1). Também aprendi que já foram descritos casos semelhantes e outros com meibomite, discromatopsia e redução visual permanente associado ao uso desta medicação (1-2). A isotretinoina reduz a atividade da dehidrogenase 11-cis-retinol, prejudicando a regeneração da rodopsina no ciclo visual. Por atuar na transcrição do DNA, reduz eficazmente a secreção de glândulas sebáceas, motivo principal de sua indicação para acne (1-2). Após suspenção da medicação e desaparecimento do sintoma, ficou mais evidente o papel iatrogênico do acutane sistêmico neste caso. Para minha surpresa, experiência semelhante associada com o uso de acutane sistêmico acaba de ser relatada na revista Retina (3) em um paciente portador de distrofia retiniana prévia. Não pretendo com este editorial, sob forma de apresentação de um raro e único caso, comprometer a indicação correta desta medicação, já consagrada entre os melhores tratamentos para acne, há mais de 20 anos no mercado (4). Pretendo, sim, alertar aos colegas oftalmologistas sobre os efeitos "concomitantes e silenciosos" que medicações sistêmicas familiares exercem no globo ocular humano. O mesmo tem ocorrido com diuréticos, anti-hipertensivos, hipoglicemiantes, anti-depressivos e inibidores da fosfodiesterase (Viagra), medicações rotineiras e comumente desacreditadas com relação a possíveis efeitos oculares adversos. A manifestação clínica destes efeitos poderá, ou não, ser desvendada pelo paciente ou pelo próprio médico.

Eduardo Cunha de Souza

Doutor em Oftalmologia pela Universidade de São Paulo

UNIFESP São Paulo (SP) - Brasil

  • 1. Fraunfelder FW. Ocular side effects associated with isotretinoin. Drugs Today (Barc). 2004;40(1):23-7. Review.
  • 2. Fraunfelder FT, Fraunfelder FW, Edwards R. Ocular side effects possibly associated with isotretinoin usage.Am J Ophthalmol. 2001;132(3):299-305.
  • 3. Sanchez-Chicharro D, Pastor JC, Galvez MI, Martin RM, Asensio RC, Spirn M, et al. Diagnostic and therapeutic challenges. Retina. 2008;28(1):174-179
  • 4. Katsambas A, Dessinioti C. New and emerging treatments in dermatology: acne. Dermatol Ther. 2008; 21(2):86-95.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jul 2008
  • Data do Fascículo
    Jun 2008
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