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Evidências obtidas de um caso de melanoma de íris recidivado

Evidences from a case of recurrent iris melanoma

Resumos

O artigo apresenta uma análise histológica de um caso de melanoma recidivado de íris após sete meses da iridociclectomia, em uma paciente de 45 anos. Após enucleação, o exame histopatológico do globo ocular demonstrou a persistência de um pequeno fragmento do tumor no coto da íris remanescente, evoluindo para recorrência da neoplasia. O caso traz dados para uma discussão sobre a cirurgia conservadora de melanomas oculares, visando uma postura analítica dentro do espírito da Medicina Baseada em Evidência. Um caso raro, com documentação apenas do ponto de vista histopatológico, que motiva a utilização destes achados na discussão do assunto. A não contiguidade do que restou do tumor com as tumorações da recidiva fala em favor da disseminação e proliferação de células neoplásicas nas cirurgias conservadoras.

Neoplasias uveais; Neoplasias da íris; Melanoma; Iridectomia; Recidiva; Relatos de casos


The article presents a histologic study of a rare recurrent iris melanoma seven months after iridocyclectomy, in a 45-year-old female patient. After enucleation, the histopathological examination of the ocular globe demonstrated the persistence of a small tumor fragment in iridectomy stump, developing the neoplasia recurrence. The case brings data for a discussion about the conservative surgery of ocular melanomas and an analytical position of Evidence Based Medicine. A rare case, with documentation only histopathologic, motivates the use of this finding into the subject matter. The distance of what remained from the tumor with the recurrent tumors reinforces the dissemination and proliferation of neoplastic cells in the conservative surgeries.

Uveal neoplasms; Iris neoplasms; Melanoma; Iridectomy; Recurrence; Case reports


RELATO DE CASO

Evidências obtidas de um caso de melanoma de íris recidivado

Evidences from a case of recurrent iris melanoma

Juliana de Lucena Martins FerreiraI; Márjorie Sabino Façanha Barreto RolimII; Cícero Narciso Moreira LeiteIII; Fernando Queiroz MonteIV; Marineuza Rocha MemóriaV

IResidente do 3º ano de Oftalmologia da Sociedade de Assistência aos Cegos - SAC - Fortaleza (CE), Brasil

IIResidente do 2º ano de Oftalmologia da Sociedade de Assistência aos Cegos - SAC - Fortaleza (CE), Brasil

IIIPreceptor da Residência Médica da Sociedade de Assistência aos Cegos - SAC - Fortaleza (CE), Brasil

IVPreceptor da Residência Médica do Hospital Geral de Fortaleza - HGF e da Sociedade de Assistência aos Cegos - SAC; Patologista do Laboratório Biopse - Fortaleza (CE), Brasil

VDiretora Médica do Banco de Olhos do Hospital Geral de Fortaleza - HGF e Diretora Clínica da Clínica Neusa Rocha - Fortaleza (CE), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Juliana de Lucena Martins Ferreira Avenida Rui Barbosa, nº 258 - Ap. 500, Bairro Meireles CEP 60115-220 - Fortaleza - CE - Brasil E-mail: julianalmf@yahoo.com.br

RESUMO

O artigo apresenta uma análise histológica de um caso de melanoma recidivado de íris após sete meses da iridociclectomia, em uma paciente de 45 anos. Após enucleação, o exame histopatológico do globo ocular demonstrou a persistência de um pequeno fragmento do tumor no coto da íris remanescente, evoluindo para recorrência da neoplasia. O caso traz dados para uma discussão sobre a cirurgia conservadora de melanomas oculares, visando uma postura analítica dentro do espírito da Medicina Baseada em Evidência. Um caso raro, com documentação apenas do ponto de vista histopatológico, que motiva a utilização destes achados na discussão do assunto. A não contiguidade do que restou do tumor com as tumorações da recidiva fala em favor da disseminação e proliferação de células neoplásicas nas cirurgias conservadoras.

Descritores: Neoplasias uveais; Neoplasias da íris; Melanoma; Iridectomia; Recidiva; Relatos de casos

ABSTRACT

The article presents a histologic study of a rare recurrent iris melanoma seven months after iridocyclectomy, in a 45-year-old female patient. After enucleation, the histopathological examination of the ocular globe demonstrated the persistence of a small tumor fragment in iridectomy stump, developing the neoplasia recurrence. The case brings data for a discussion about the conservative surgery of ocular melanomas and an analytical position of Evidence Based Medicine. A rare case, with documentation only histopathologic, motivates the use of this finding into the subject matter. The distance of what remained from the tumor with the recurrent tumors reinforces the dissemination and proliferation of neoplastic cells in the conservative surgeries.

Keywords: Uveal neoplasms; Iris neoplasms; Melanoma; Iridectomy; Recurrence; Case reports

INTRODUÇÃO

O melanoma da úvea representa a neoplasia maligna intraocular primária mais comum no adulto. É também o tumor maligno primário mais prevalente da íris, embora corresponda a cerca de 5% dos melanomas uveais (1-3).

A enucleação é o procedimento de eleição para os melanomas da coróide, devido ao fato de serem neoplasias de maior malignidade da úvea. Quanto aos tumores localizados no segmento anterior, sendo estes menos malignos, pode-se efetuar a ressecção por meio de iridectomia ou iridociclectomia, principalmente nos casos em que haja acuidade visual satisfatória. Uma das principais complicações da ressecção local é a recidiva do tumor. Estudos prévios sugerem que a sobrevida após enucleação não é significativamente maior que após radioterapia ou ressecção local, visto que esses tumores raramente originam metástases (3,4).

A forma mais prevalente de recidiva é no local que persistiu o tumor, como uma extensão do tecido residual. O objetivo deste relato é mostrar a recidiva do melanoma de íris não contíguo à lesão, apesar de estar sobre a íris, após ressecção local por iridociclectomia. Relança à discussão a vantagem da cirurgia conservadora nas neoplasias de baixa probabilidade de metástases.

Relato do caso

Paciente feminina, 45 anos, procurou o serviço de oftalmologia do Hospital Geral de Fortaleza (HGF) com queixa de uma mancha escura na região inferior da íris do olho direito (OD) há três meses. Relatou história prévia de cirurgia antiglaucomatosa no OD, há, aproximadamente 17 anos, após crise de glaucoma agudo, o que resultou na acuidade visual sem percepção luminosa deste olho. O exame fundoscópico do OD evidenciou uma escavação ocupando totalmente a papila, sem outras alterações. A pressão intraocular (PIO) foi 12mmHg em ambos os olhos. Paciente negou uso de medicações ou associação de outras patologias.

Planejou-se uma iridociclectomia clássica com formação de retalho retangular. Após ter-se realizado uma ciclodiálise e exposição do corpo ciliar, a incisão límbica foi lateralmente estendida para melhor visualização, o que tornou o ato cirúrgico mais próximo da técnica de STALLARD. Realizou-se a ressecção do tumor, dando uma aparente boa margem de segurança iridiana e ciliar. A exploração do corpo ciliar não mostrou sinais de invasão. Não houve intercorrências cirúrgicas. No pós-operatório imediato, o cristalino permaneceu transparente e não foi observado tumor residual.

O material foi fixado em formol neutro, a 10%, e encaminhado para o Laboratório de Anatomia Patológica do HGF, onde recebeu o número 1413/97. Executou-se inclusão em parafina, coloração pela hematoxilina-eosina (HE), pela técnica de Wilder e imunohistoquímica com o HMB-45.

O exame microscópico evidenciou uma neoplasia limitada posteriormente pelo epitélio pigmentar da íris, invadindo e destruindo o músculo dilatador, mantendo-se, porém, a regularidade do epitélio. A superfície anterior da íris estava rompida em certos pontos, havendo, na superfície, células neoplásicas e hemácias. A massa neoplásica era constituída pelas células fusiformes A e B de Callender, com predominância das células do tipo B (Figura 1). Havia pigmentação melânica e densa vascularização. Foi demonstrada, após a coloração de prata para a reticulina (técnica de Wilder), uma grande quantidade de fibras de reticulina coradas, na sua porção posterior e muito poucas anteriormente (Figura 2). O HMB-45 mostrou-se positivo (Figura 3).




No sétimo mês de pós-operatório, foram observados nódulos iridianos, circundados por neovasos, sobretudo entre as três e oito horas, conduzindo este caso à enucleação do OD. O material enucleado foi encaminhado para o Laboratório de Anatomia Patológica do HGF, com número 5511/97.

Ao exame microscópico, a córnea exibia suas estruturas normais, no entanto, a membrana de Descemet se estendia sobre o trabeculado e, tornando-se mais fina, seguia sobre a face anterior da íris até a parte média desta, sendo acompanhada pelo endotélio, nessa extensão. Na periferia, essa estrutura anômala cobria enclaves compactos de células fusiformes e bem pigmentados (Figura 4). Anteriormente ao músculo esfíncter da íris e o invadindo, havia massa de células fusiformes com pouca pigmentação e densamente vascularizada, tendo os vasos esclerose acentuada das suas paredes (Figura 5). No coto da íris remanescente, havia uma massa de células fusiformes que se limitava ao tecido iridiano, sem sinais de invasão no sentido do corpo ciliar (Figuras 6).




DISCUSSÃO

A idade da paciente corroborou com a faixa etária de 40 a 47 anos publicada em estudos sobre o tema. Muitos trabalhos encontraram uma incidência ligeiramente maior em mulheres, mas alguns têm mostrado o oposto (2,5).

Apresentava-se como uma massa pigmentada de crescimento gradual, sendo um achado assintomático, idêntico à literatura, na grande maioria dos casos. Além disso, a localização inferior concordou com séries de estudos que mostraram uma predileção pela região inferior da íris, provavelmente devido ao aumento da incidência de raios solares nesta localização (5).

Não foi encontrada relação entre cirurgia antiglaucomatosa e melanoma de íris na literatura. A assimetria entre a PIO dos dois olhos sugeriria fortemente acometimento do ângulo da câmara anterior (5), o que não ocorreu neste caso.

Zirm, em 1911, foi quem primeiro descreveu que a enucleação não se fazia necessária se o melanoma fosse restrito à íris e ao corpo ciliar (6). A técnica de Stallard resume-se em uma incisão em forma de T, com teto no limbo (7). Neste caso, realizou-se a cirurgia clássica e estendeu-se lateralmente a incisão límbica para exploração de maior extensão do corpo ciliar, permitindo uma melhor visualização dos limites posteriores do tumor e evitando uma maior perda vítrea. A persistência do tecido tumoral pode ser explicada pela margem de segurança ter sido maior no corpo ciliar do que na íris.

O tratamento do melanoma de íris é controverso, por causa do baixo potencial metastático. A cirurgia teve o objetivo de preservar o globo ocular, sobretudo devido ao aspecto clínico da tumoração, ainda que houvesse possibilidade de se estender para o corpo ciliar. Esta estrutura foi cuidadosamente explorada, embora a lesão fosse aparentemente limitada à íris. Gupta et al., em 2001, publicaram um caso de recorrência do tumor, após dois anos, fora das margens da iridociclectomia, e acreditaram que o novo foco fosse causado pela inoculação de células do tumor primário, espontaneamente ou durante a cirurgia (8). O exame microscópico do caso apresentado demonstrou que havia tecido tumoral no coto da íris remanescente, mas não havia contiguidade.

O achado histopatológico de células fusiformes A e B de Callender, com predominância do tipo B, coincidiu com os demais estudos, em que a maioria dos melanomas de íris tem células fusiformes como padrão histológico. Os tumores fusiformes, normalmente, são menos agressivos clinicamente e apresentam menor prevalência de metástases à distância (5,9). Sunba et al. publicaram que o conteúdo de reticulina nos melanomas de íris não parecia se relacionar com o prognóstico (2), sendo encontrado em grande quantidade no presente caso. Entretanto, foi realizado um marcador melanocítico, HMB-45, técnica que Henderson & Margo consideram de maior sensibilidade e especificidade para as proliferações melanocíticas da úvea (10).

Embora o seguimento seja importante para avaliação dos riscos em qualquer melanoma uveal, é particularmente importante para melanomas de íris e pequenos melanomas de coróide. Muitos autores têm reconhecido que pequenos tumores com citologia menos maligna requerem um intervalo longo para suas metástases tornarem-se aparentes (5). Como, formalmente, era necessário acompanhar a evolução para se assegurar da ausência de metástases, constatou-se o reaparecimento da lesão.

Às afirmações otimistas pré-operatórias até então disponíveis, lança-se outras que permitem suscitar uma importante discussão. Peyman et al. encontraram, mesmo com esclerectomia lamelar nos tumores uveais de sete dos onze casos que sofreram enucleação, evidência de células tumorais na margem da ressecção (11), fato também confirmado por trabalhos como o de Naumann et al. (12). Lommatzsch & Bauke falaram que a recidiva ocorre em raros casos e somente uma pequena parte delas é visualizada fora da área de incisão (13), como no caso relatado.

No presente caso, a indicação da iridociclectomia objetivava evitar mutilação da paciente, embora esta apresentasse amaurose do olho acometido. O procedimento cirúrgico foi satisfatório, tendo-se em vista a extensão anterior do tumor e a retirada com aparente margem de segurança iridiana. Acrescentou-se ao procedimento uma ciclectomia, que reduziria a probabilidade de persistência de tecidos tumorais. Após a recidiva, verificou-se que as afirmações de Kara sobre a incerteza na retirada dos melanomas da coróide (14) podem ser também consideradas para os casos de melanomas do corpo ciliar e da íris. O achado de tecido tumoral na íris remanescente mostra que as afirmações de Peyman et al. são elementos de reflexão, quando não, motivo para prudência na proposição de uma cirurgia conservadora nos casos destes tumores (11).

A escolha do tratamento será fundamentada na possibilidade de manutenção da visão, do globo ocular afetado e na redução de metástases (9). No entanto, a evolução deste caso fez acrescentar às reflexões de Soares & Monte, sobre a iridociclectomia para o melanoma de corpo ciliar (15), um tom mais reticente. Relançam-se as indagações: valerá para o impedimento de mutilação, ou a manutenção de uma visão satisfatória, ter uma conduta conservadora diante de tumores uveais? Ou será um ato inútil por causar um risco desproporcional à vida dos pacientes?

CONCLUSÃO

O presente trabalho, apesar de relatar um caso, foge à formalidade descritiva para uma postura analítica visando oferecer dados, dentro do espírito da Medicina Baseada em Evidência. Um caso raro, com documentação apenas do ponto de vista histopatológico, motiva a utilização destes achados na discussão do assunto.

Os dados aqui obtidos apóiam a posição de Gupta et al. sobre a contaminação de células tumorais pela cirurgia e ilustram com achados semelhantes aos de Peyman et al. Retoma-se a discussão aberta por Soares & Monte sobre a validade da postura conservadora de melanomas da úvea anterior.

Recebido para publicação em: 15/6/2008

Aceito para publicação em 30/1/2009

Trabalho realizado no Hospital Geral de Fortaleza - HGF - Fortaleza (CE), Brasil.

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  • Endereço para correspondência:
    Juliana de Lucena Martins Ferreira
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Mar 2009
    • Data do Fascículo
      Fev 2009
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