Acessibilidade / Reportar erro

Expectativas e conhecimento entre pacientes com indicação de transplante de córnea

Expectation and knowledge among patients with keratoplasty indication

Resumos

OBJETIVO: Conhecer características e dificuldades de acesso aos pacientes selecionados para cirurgia de transplante de córnea em projetos comunitários realizados em um hospital universitário de São Paulo. MÉTODOS: Foi aplicado um questionário a pacientes em duas campanhas realizadas pelo hospital.Analisaram-se as seguintes variáveis: sexo, idade, renda mensal, escolaridade, número de oftalmologistas previamente consultados, acuidade visual corrigida no melhor olho, diagnóstico, indicação prévia, conhecimento sobre o procedimento, doença ocular, sobre a existência de limitações no estilo de vida, possíveis complicações após a cirurgia e expectativa de reabilitação, dentre outras. RESULTADOS: Dos 99 pacientes entrevistados, 57,8% havia abandonado o trabalho devido à dificuldade visual e dependiam da ajuda de terceiros para atividades cotidianas. Dos 90 pacientes que já apresentavam indicação prévia de transplante de córnea (91,0%), metade sequer havia conseguido ingressar na lista de bancos de olhos. Dos pacientes com indicação prévia de transplante, 18,9% desconheciam qual era o seu problema ocular, 27,8% não sabiam o que era o procedimento, 18,7% não estavam cientes de prováveis complicações per e pós-operatórias e 32,2% ignoravam a existência de limitações no estilo de vida após a cirurgia. CONCLUSÃO: Foi observado desconhecimento dos pacientes sobre a sua condição e tratamento. É importante salientar que para um resultado cirúrgico satisfatório há necessidade de uma seleção adequada de pacientes e orientação sobre seu problema ocular, a cirurgia proposta, cuidados e riscos per e pós-operatórios, e perspectivas de reabilitação visual.

Transplante de córnea; Listas de espera; Conhecimentos; atitudes e prática em saúde; Questionários


PURPOSE: To know characteristics and difficulties to access patients' treatment selected to keratoplasty in community projects carried out in a university hospital in São Paulo. METHODS: A questionnaire was applied on patients in two keratoplasty campaigns performed by the hospital. Was analyzed the following variables: gender, age, income, education, number of previous ophthalmologists 'appointment, visual acuity in the better eye, diagnosis, indication for keratoplasty, knowledge about it, the eye disease and the existence of limitations on lifestyle and possible complications after surgery, expectation of rehabilitation, among others. RESULTS: Most of the 99 patients interviewed (57.8%) had left the job because of visual difficulty and dependent on outside help for everyday activities. From the 90 patients who already had early indication of a keratoplasty (91.0%), half of them had not even managed to join the list of eye banks. From the patients with previous indication for keratoplasty, 18.9% didn't know what was their eye problem, 27.8% didn't know what was keratoplasty, 18.7% were not aware of possible complications during and after the surgery and 32, 2% ignored the existence of limitations in lifestyle after surgery. CONCLUSION: The patients' unknowledge about their condition and treatment is clear. It is extremely important to emphasize that to obtain a satisfactory surgical result, there is a need of an appropriate patient selection and guidance about their eye problem, the proposed surgery, care and risk per and post operative as well as the visual rehabilitation perspective.

Keratoplasty; Waiting lists; knowledge; Health attitudes and practice; Questionnaires


ARTIGO ORIGINAL

Expectativas e conhecimento entre pacientes com indicação de transplante de córnea

Expectation and knowledge among patients with keratoplasty indication

Newton Kara-JuniorI; Paula de Camargo Abou MouradII; Rodrigo França de EspíndolaII; Heloisa Helena AbilRussIII

ILivre-docente, Professor Colaborador da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo USP São Paulo (SP), Brasil

IIEstagiário no Serviço (Catarata) de Oftalmologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo USP São Paulo (SP), Brasil

IIIDoutora em Oftalmologia pela Universidade Estadual de Campinas UNICAMP Campinas (SP), Brasil

Endereço para Correspondência Endereço para Correspondência: Paula de Camargo Abou Mourad Avenida Bem Te Vi, nº 362 - apto. 74 C - Moema CEP 04524-030 - São Paulo (SP), Brasil e-mail: paulamourad_usp@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Conhecer características e dificuldades de acesso aos pacientes selecionados para cirurgia de transplante de córnea em projetos comunitários realizados em um hospital universitário de São Paulo.

MÉTODOS: Foi aplicado um questionário a pacientes em duas campanhas realizadas pelo hospital.Analisaram-se as seguintes variáveis: sexo, idade, renda mensal, escolaridade, número de oftalmologistas previamente consultados, acuidade visual corrigida no melhor olho, diagnóstico, indicação prévia, conhecimento sobre o procedimento, doença ocular, sobre a existência de limitações no estilo de vida, possíveis complicações após a cirurgia e expectativa de reabilitação, dentre outras.

RESULTADOS: Dos 99 pacientes entrevistados, 57,8% havia abandonado o trabalho devido à dificuldade visual e dependiam da ajuda de terceiros para atividades cotidianas. Dos 90 pacientes que já apresentavam indicação prévia de transplante de córnea (91,0%), metade sequer havia conseguido ingressar na lista de bancos de olhos. Dos pacientes com indicação prévia de transplante, 18,9% desconheciam qual era o seu problema ocular, 27,8% não sabiam o que era o procedimento, 18,7% não estavam cientes de prováveis complicações per e pós-operatórias e 32,2% ignoravam a existência de limitações no estilo de vida após a cirurgia.

CONCLUSÃO: Foi observado desconhecimento dos pacientes sobre a sua condição e tratamento. É importante salientar que para um resultado cirúrgico satisfatório há necessidade de uma seleção adequada de pacientes e orientação sobre seu problema ocular, a cirurgia proposta, cuidados e riscos per e pós-operatórios, e perspectivas de reabilitação visual.

Descritores: Transplante de córnea; Listas de espera; Conhecimentos, atitudes e prática em saúde; Questionários

ABSTRACT

PURPOSE: To know characteristics and difficulties to access patients' treatment selected to keratoplasty in community projects carried out in a university hospital in São Paulo.

METHODS: A questionnaire was applied on patients in two keratoplasty campaigns performed by the hospital. Was analyzed the following variables: gender, age, income, education, number of previous ophthalmologists 'appointment, visual acuity in the better eye, diagnosis, indication for keratoplasty, knowledge about it, the eye disease and the existence of limitations on lifestyle and possible complications after surgery, expectation of rehabilitation, among others.

RESULTS: Most of the 99 patients interviewed (57.8%) had left the job because of visual difficulty and dependent on outside help for everyday activities. From the 90 patients who already had early indication of a keratoplasty (91.0%), half of them had not even managed to join the list of eye banks. From the patients with previous indication for keratoplasty, 18.9% didn't know what was their eye problem, 27.8% didn't know what was keratoplasty, 18.7% were not aware of possible complications during and after the surgery and 32, 2% ignored the existence of limitations in lifestyle after surgery.

CONCLUSION: The patients' unknowledge about their condition and treatment is clear. It is extremely important to emphasize that to obtain a satisfactory surgical result, there is a need of an appropriate patient selection and guidance about their eye problem, the proposed surgery, care and risk per and post operative as well as the visual rehabilitation perspective.

Keywords: Keratoplasty; Waiting lists; knowledge, Health attitudes and practice; Questionnaires

Introdução

Segundo a Organização Mundial de Saúde a cegueira é a mais onerosa de todas as formas de invalidez( 1 ) . As doenças da córnea representam importante causa de perda da capacidade visual, podendo levar a consequências psicológicas e econômicas para o indivíduo e sociedade.

O avanço das técnicas cirúrgicas e a melhora nos resultados obtidos pela cirurgia do transplante de córnea nas últimas décadas, propiciaram melhores perspectivas de reabilitação visual às pessoas que não dispunham de outra opção de recuperação(2) .

Nos países em desenvolvimento, a dificuldade de acesso à assistência oftalmológica, decorrente tanto de fatores socioeconômico culturais, bem como de obstáculos impostos pelo sistema de saúde insuficiente, impede a utilização das medidas terapêuticas em sua plena potencialidade(3 , 4) .

Ao estudar características sociais de pacientes atendidos nos projetos "Zona Livre de Catarata", idealizados pelo serviço de oftalmologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, Kara-Junior et al. em 1996( 5 ) sugeriram que não é suficiente apenas oferecer assistência médica especializada gratuita à comunidade, é necessário também, assegurar condições de acesso e aderência ao tratamento. Estas facilidades devem ser disponibilizadas principalmente às parcelas sociais mais carentes e que geralmente são pouco conscientizadas para as possibilidades de reabilitação visual( 5 ) .

Devido à diminuição da fila de espera de transplante de córnea decorrente do aumento do número de doações, e consequente acréscimo do número de transplantes de córnea realizados num hospital universitário em São Paulo, realizaram-se duas campanhas de transplantes de córnea em diferentes ocasiões com o objetivo de facilitar o acesso de pacientes carentes ao tratamento adequado, mediante ampla divulgação publicitária, processo semelhante ao desenvolvido pelos projetos "Zona Livre de Catarata"( 6, 7 ).

O serviço de oftalmologia do hospital colocou-se à disposição (nos dias 12/06/1999 e 29/04/2000), para realizar a triagem e o exame oftalmológico completo em todos os indivíduos portadores de doenças corneanas de difícil solução ou com prévia indicação de transplante e que desejassem ser submetidos à cirurgia, porém sem possibilidade de sua realização ou que buscassem orientação sobre seu problema corneano.

O presente estudo avalia as características socioeconômicas, conhecimento sobre a doença e dificuldades de acesso ao tratamento de pacientes selecionados para cirurgia de transplante de córnea.

Métodos

Foi aplicado questionário a 99 pacientes atendidos nas campanhas de transplante de córnea realizados em um hospital universitário (nos dias 12/06/1999 e 29/04/2000), e que preencheram os critérios de indicação do serviço para ceratoplastia penetrante, sendo então inseridos na lista do banco de córnea daquela instituição.

Apesar de a avaliação sofrer variação individual, os critérios básicos para indicação de transplante foram:

- Acuidade visual (AV) < 0,4 (Tabela de Snellen) no olho de melhor visão com previsível melhora pós-operatória;

- Intolerância ao uso de lentes de contato;

- Doença corneana progressiva bilateral que tenha no olho de pior visão AV < 0,3 com previsível melhora pós-operatória;

- Olho dolorido e/ou desfigurante.

Outros pontos a serem considerados:

a) Os pacientes antes da indicação de transplante de córnea deveriam fazer testes com óculos e lentes de contato, rígida ou hidrofílica, com o objetivo de obter melhora da AV;

b) Pacientes muito idosos com olho doloroso e boa AV no olho contralateral deveriam ser avaliados para uso de lente de contato hidrofílica ou submetidos a recobrimento conjuntival;

c) Apresentar condições pessoais, familiares ou institucionais de entender a problemática do tratamento e de cumprir as recomendações pós-operatórias, bem como de comparecer aos retornos agendados;

d) Dificuldades importantes na execução das atividades da vida diária (AVD).

Foram incluídas as seguintes variáveis: sexo, idade, renda mensal, escolaridade, tempo e bilateralidade da baixa AV, número de oftalmologistas previamente consultados, AV corrigida no melhor olho, diagnóstico no hospital universitário, indicação prévia de transplante, conhecimento do que é transplante de córnea, de qual era o seu problema ocular e da existência de limitações no estilo de vida e possíveis complicações após a cirurgia, expectativa de reabilitação, tempo de permanência na fila de espera do banco de olhos, interrupção de atividade profissional devido à baixa AV, dependência de terceiros para AVD, motivo de não ter sido operado antes e se havia desistido da busca do tratamento.

Resultados

Foram incluídos 99 indivíduos nas campanhas promovidas pelo hospital, sendo que 90 deles já apresentavam indicação de transplante de córnea de outros serviços.

Após serem submetidos à avaliação pelos médicos do hospital, 90 indicações foram mantidas e nove pacientes tiveram a primeira indicação naquele momento.

Houve maior proporção de indivíduos adultos jovens do sexo feminino (64,7%), na faixa etária de 21 a 40 anos (58,8%), e o ceratocone foi o diagnóstico predominante (73,8%).

Dos pacientes com ceratocone que já tinham indicação de ceratoplastia penetrante, 91,8% referiram já ter feito testes com lentes de contato.

A maioria dos pacientes situa-se na faixa etária economicamente ativa, observando-se que 68,7% eram financeiramente dependentes ou dispunham de renda mensal entre 1 e 5 salários mínimos (49,5%) (tabela 1), em 57,8% dos casos houve interrupção da atividade profissional devido à deficiência visual e a maioria (58,9%) dependia de ajuda de terceiros para atividades cotidianas.

Quanto ao grau de escolaridade, 47,5% dos pacientes se limitavam ao primeiro grau, 10,1% com formação de segundo grau incompleto, 27,3% com segundo grau completo, 5,0% com terceiro grau incompleto e 10,1% com terceiro grau completo.

Observou-se que 44,1% dos pacientes apresentavam acuidade visual corrigida no melhor olho igual ou inferior a 0,1(tabela 2).

O tempo de evolução da baixa da acuidade visual era superior a 6 anos para 56,6% dos entrevistados, todos os indivíduos haviam sido previamente consultados por oftalmologistas desde o início de seu problema ocular, sendo que 79,0% destes haviam sido examinados por três ou mais especialistas.

Dos 90 pacientes (91,0%) que já apresentavam indicação de transplante de córnea em outros serviços, 50,0% sequer haviam conseguido ingressar em lista de banco de olhos e 23,3% já estavam há pelo menos dois anos aguardando por doação de córnea. Os principais motivos alegados para não haverem sido operados eram a fila de espera da córnea (31,1%) e problemas financeiros (33,3%), (tabela 3), sendo que, alguns indivíduos (12,2%), já haviam desistido da tentativa de reabilitação visual.

Quanto ao conhecimento, verificou-se que 17 dos pacientes com indicação prévia de transplante (17,2%) desconheciam qual era seu problema ocular, e que 25 deles (25,2%) sequer sabiam o que era transplante de córnea.

Um número expressivo de entrevistados desconhecia as limitações no estilo de vida após a cirurgia (36,3%) ou a existência de complicações per e pósoperatórias da cirurgia (21,2%), (tabela 4). Dentre as formas de complicações a rejeição foi citada por 58,0% desses pacientes, seguida de infecção (18,2%). Mais de um terço dos pacientes (35,6%) tinham expectativas exacerbadas em relação ao procedimento, presumindo a total recuperação da capacidade visual e quase metade desses mesmos pacientes (44,5%), esperavam do procedimento cirúrgico a possibilidade de retornar ao mercado de trabalho.

Discussão

Os resultados deste estudo reafirmam as limitações no desempenho econômico da população com problemas corneanos em função das condições visuais, com possíveis repercussões tanto no aspecto individual (perda da autoestima e dependência de familiares), como no social (perda de força de trabalho e diminuição de renda).

Em muitos casos, apesar da importante perda visual, do longo tempo de evolução da doença corneana e do interesse e condição de acesso ao exame oftalmológico, o tratamento definitivo não foi alcançado.

A maioria dos pacientes com ceratocone, disfunção corneal de maior indicação de transplante de córnea no Brasil(8,9) , possuía indicação prévia de ceratoplastia penetrante e quase todos (91,8%) referiram já ter feito testes com lentes de contato. Olson&Pingre(10) relatam que a indicação de ceratoplastia penetrante deve basear-se preferencialmente em dois fatores: intolerância ao uso de lentes de contato e baixa acuidade visual sem melhora com correção (óculos e/ou lentes de contato), fato esse reiterado por Crews&Driebe e Dana et al.( 11, 12 ).

O tratamento preconizado para pacientes com ceratocone é inicialmente o uso de óculos, seguido da adaptação de lentes de contato e, como última opção, transplante de córnea( 10, 13 ). Portanto é imperativa a tentativa de readaptação das lentes de contato nos intitulados "intolerantes" antes de indicar um procedimento cirúrgico. Com o avanço das técnicas de manufatura, alterações na forma e composição dos polímeros, atualmente é possível adaptar lentes de contato na grande maioria das córneas saudáveis ou com alterações topográficas(14). Muitos autores descrevem sucesso na readaptação de lentes de contato em pacientes encaminhados para realização de transplante de córnea, obtendo índices de sucesso que variam de 65% a 95% (11, 12, 15, 16), fato esse que adia ou evita a realização de um procedimento cirúrgico complexo como a ceratoplastia penetrante bem como exposição a eventuais riscos e complicações decorrentes de tal procedimento, não aumentando a fila de espera e poupando gastos para o sistema de saúde.

A persistência de erros refracionais residuais, corroborado pelo astigmatismo pós-operatório em torno de 4 a 6 DC, contribui para o descontentamento pós-operatório. Devemos ainda ressaltar que a realização de um transplante de córnea não exime o paciente da necessidade do uso de óculos ou lentes de contato no período pós-operatório para obter melhora da acuidade visual. A necessidade do uso de lentes de contato no pós-operatório de transplante em casos de ceratocone atinge índices consideráveis, que variam de 20% a 70% (12, 15, 17-19). Esse fato deve ser exposto claramente antes da realização do procedimento, especialmente nos casos de intolerância ao uso de lentes de contato.

O prognóstico visual depende da doença corneana pré-existente, sendo pior em afecções como seqüela de ceratite infecciosa e cicatrizes corneanas(20). O baixo índice sócio-econômico é correlacionado com maior índice de falência do enxerto, principalmente devido ao não cumprimento das orientações médicas no longo período pós-operatório(17, 20, 21). Além disso, um importante fator de risco para rejeição é a vascularização da córnea receptora( 22).

Mesmo tendo sido instruídos a buscar o transplante, grande parte desses pacientes não foi corretamente orientado ou não compreendeu a orientação, não teve condições socioeconômicas para buscar tratamento e não houve adesão ao tratamento proposto. Adicionalmente, não houve motivação ou interesse de buscar outras fontes de informação sobre seu problema ocular e sobre a cirurgia propriamente dita, seus riscos e eventuais complicações. As perspectivas de reabilitação, limitações no estilo de vida e possíveis complicações após a cirurgia eram praticamente desconhecidas.

A maioria dos pacientes sequer foi incluído em uma lista de espera de transplante de córnea, o que sugere que o intercâmbio entre os níveis de saúde secundário e terciário é falho, privando o paciente do atendimento especializado. De acordo com Sommer( 7), o maior obstáculo ao tratamento não reside na falta de tecnologia adequada, mas sim na inabilidade de criar condições propiciadoras de motivação das pessoas, de viabilizar o acesso aos serviços, e de fornecer infraestrutura e organização da assistência oftalmológica.

Segundo estudo realizado por Jeffrey ( 23) em pacientes submetidos a transplante de córnea, após 10 anos da realização do procedimento, apenas 48% compareceram às consultas agendadas e destes, 21% apresentavam glaucoma, 21% rejeição e 21% falência do enxerto, o que sugere um risco cumulativo de complicações.

O grau de conhecimento e compreensão individual do paciente em relação ao transplante de córnea é tão importante quanto à própria técnica cirúrgica. A escassa informação sobre o procedimento a ser realizado e a falta de conscientização sobre a gravidade do caso e limitações na recuperação visual, pode gerar no pacientes falsas expectativas e descaso com cuidados e retornos necessários no período pós-operatório, podendo comprometer o resultado cirúrgico, além de gerar descontentamento.

O acesso prévio ao exame oftalmológico, com indicação de transplante de córnea, não foi suficiente para muitos obterem tratamento definitivo. É necessário que se garanta o acesso à cirurgia do transplante de córnea, facilitando o encaminhamento a médicos e instituições especializadas, bem como orientação para seu ingresso em filas de espera de transplante de córnea.

É de suma importância salientar que para obter um resultado cirúrgico satisfatório há necessidade de uma seleção adequada de pacientes e orientação sobre seu problema ocular, a cirurgia proposta, os cuidados e riscos per e pós-operatórios, bem como as perspectivas de reabilitação visual.

Conclusão

Mesmo a maioria dos pacientes já serem acompanhados em outros serviços e muitos com indicação cirúrgica, eles não apresentaram conhecimento satisfatórios, alguns básicos, sobre sua condição e ainda apresentaram expectativas exacerbadas sobre os resultados do transplante de córnea.

Grupos de orientação constituídos por médicos, enfermeiros, auxiliares de oftalmologia e pacientes previamente operados podem auxiliar na divulgação e orientação sobre o procedimento, sanando dúvidas e receios dos potenciais candidatos cirúrgicos. Cartilhas ou manuais de orientação também podem ser de grande valia para conscientização de pacientes e familiares, conforme já demonstrado nos projetos "Zona Livre de Catarata" e "Olho no Olho".

Recebido para publicação em 1/6/2010

Aceito para publicação em 30/3/2011

Trabalho realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo USP São Paulo (SP), Brasil.

Os autores declaram inexistir conflitos de interesse.

  • 1
    Organización Mundial de la Salud. Prevencion de la ceguera Informe de un grupo de estudio de la OMS. Geneva: OMS;1972. p.7-21.
  • 2. Acedo JT. Queratoplastia penetrante. In: Temprano J. Queratoplastias y queratoprotesis. 2 ed. Barcelona: Edika-Med AS; 1992. p.129-45.
  • 3. Kara José N, Temporini ER. Cirurgia de catarata: o porquê dos excluídos. Rev PanamSalud Publica.1999;6(4):242-8.
  • 4. Kara-José N, Arieta CE,Temporini ER, Ambrósio LE. Tratamento cirúrgico de catarata senil: óbices para o paciente. ArqBras Oftalmol. 1996,59:573- 7.
  • 5. Kara-Junior N, Schellin AS, Silva MR, Bruni LF, Almeida AG. Projeto catarata - Qual a sua importância para a comunidade? ArqBras Oftalmol. 1996;59 (5):490-96.
  • 6. Temporini ER, Kara-José N, Kara-Junior N. Catarata senil: Características e percepções de pacientes atendidos em projeto comunitário de reabilitação visual. ArqBras Oftalmol. 1997;60 (1):79-83.
  • 7. Sommer, A. Organizing to prevent third world blindness. Am J Ophthalmol.1989;107 (5):544-6.
  • 8. Santhiago MR, Monica LA, Kara-Junior N, Gomes BA, Bertino PM, Mazurek MG, et al. Perfil do paciente com ceratopatiabolhosa pós facectomia atendidos em hospital público. RevBras Oftalmol. 2009; 68 (4) : 201 5.
  • 9. Neves RC, Boteon JE, Santiago AP. Indicação de transplante de córnea no Hospital São Geraldo da Universidade Federal de Minas Gerais. Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (2): 84 8 .
  • 10. Olson RJ, Pingree M, Ridges R, Lundergan ML, Alldredge C Jr, Clinch TE. Penetrating keratoplasty for keratoconus: a long- term review of results and complications .J Cataract Refract Surg. 2000; 26(7):987-991.
  • 11. Crews MJ, Driebe WT Jr, Stern GA. The clinical management of keratoconus: a 6 year retrospective study. CLAO J. 1994; 20(3):194-7.
  • 12. Dana MR, Putz JL, Viana MA, Sugar J, McMahon TT.Contact lens failure in keratoconus management. Ophthalmology. 1992; 99(8)1187- 92.
  • 13. Krachmer JH, Feder RS, Belin MW. Keratoconus and related noninflammatory corneal thinning disorders. Surv Ophthalmol. 1984; 28(4)293-322.
  • 14. Donshik PC. A look back and a glance ahead. CLAO J. 2000; 26 (1):6-8.
  • 15. Weed KH, McGhee CN. Referral patterns, treatment management and visual outcome in keratoconus. Eye (Lond); 1998,12(Pt 4):663- 8.
  • 16. Kastl PR, Donzis PB, Cole HP 3rd, Rice J, Baldone JA. A 20-year retrospective study of the use of contact lenses in Keratoconus. CLAO J. 1987; 13(2):102-4.
  • 17. Silbiger JS, Cohen EJ, Laibson PR.The rate of visual recovery after penetrating keratoplasty for keratoconus. CLAO J. 1996; 22(4):266-9.
  • 18. Fowler WC, Belin MW, Chambers WA. Contact lenses en the visual correction of keratoconus. CLAO J. 1988;14(4):203-6.
  • 19. Belin MW, Fowler WC, Chambers WA. Keratoconus. Evaluation of recent trends in the surgical and non surgical correction of keratoconus. Ophthalmology. 1988; 95(3):335- 9.
  • 20. Dandona L, Naduvilath TJ, Janarthanan M, Ragu K, Rao GN. Survival analysis and visual outcome in a large series of corneal transplants in India. Br J Ophthalmol. 1997;81(9):726-31.
  • 21. Dandona L, Ragu K, Janarthanan M, Naduvilath TJ, Shenoy R, Rao GN. Indications for keratoplasty in India. Indian J Ophthalmol. 1997; 45(3):163-8.
  • 22. Costa DC, Kara-José N. Rejeição de transplante de córnea. Rev BrasOftalmol. 2008; 67(5): 255 63.
  • 23. Ing JJ, Ing HH, Nelson LR, Hodge DO, Bourne WM. Ten-year postoperative results of penetrating keratoplasty. Ophthalmology. 1998:105 (10):1855-65.
  • Endereço para Correspondência:
    Paula de Camargo Abou Mourad
    Avenida Bem Te Vi, nº 362 - apto. 74 C - Moema
    CEP 04524-030 - São Paulo (SP), Brasil
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Out 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Recebido
      01 Jun 2010
    • Aceito
      30 Mar 2011
    Sociedade Brasileira de Oftalmologia Rua São Salvador, 107 , 22231-170 Rio de Janeiro - RJ - Brasil, Tel.: (55 21) 3235-9220, Fax: (55 21) 2205-2240 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: rbo@sboportal.org.br