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A escolha adequada do tema de um estudo científico para publicação

EDITORIAL

Professor de Pós-graduação, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo(USP), São Paulo (SP), Brasil

Estimulados, em grande parte, pela visibilidade das revistas científicas nos meios leigos e profissionais, decor-rente da indexação dos periódicos de boa qualidade em bases de dados eletrônicas e das ferramentas de busca que permitem ao leitor (clientes ou colegas) encontrar publicações relacionadas na internet e pela abertura dos Programas de Pós-graduação (stricto sensu - mestrado e doutorado) das principais universidades, aliada à necessidade do jovem oftalmologista de se diferenciar por meio de títulos acadêmicos, muitos médicos são motivados a realizar estudos científicos visando à publicação (1,2).

No meio acadêmico, costuma-se admitir que, em geral, 90% de um estudo científico corresponde à "inspiração" e somente 10% à "transpiração", ou seja, a energia investida na elaboração da estratégia do estudo é muito maior e mais relevante do que sua execução. A primeira etapa da elaboração de um estudo científico é, sem dúvida, a mais importante: a escolha do tema a ser investigado.

A pesquisa científica inicia-se por uma dúvida, algo que, na opinião dos pesquisadores, poderia ser diferente e, eventualmente, mais eficaz. O próximo passo seria, então, buscar na literatura, por meio da pesquisa bibliográfica em bases de dados eletrônicas, toda informação que já foi publicada sobre o assunto. Seria como perguntar ao restante do mundo o que eles sabem a respeito de determinado tema. Um dos objetivos da revisão bibliográfica é descobrir se alguém, em alguma parte do mundo, já teve esta mesma dúvida e também tentou solucioná-la (3).

A revisão da literatura, selecionando e lendo os principais artigos relacionados ao assunto, permite compreender detalhes de um conteúdo que não estará disponível de forma atualizada em livros-texto. Este estudo é a maneira mais eficaz e prática de se atualizar. Caso seja percebido que a dúvida inicial já tenha sido esclarecida (publicada), a expertise agora adquirida no assunto, em geral, permitirá descobrir uma "brecha" no conhecimento, que ainda poderá ser estudada de forma inédita. Por exemplo, se a dúvida original for a respeito da possibilidade de a lente intraocular asférica, ao melhorar a percepção visual de contraste, poder influenciar nos exames diagnósticos que utilizem a sensibilidade ao contraste, e se esta dúvida já tiver sido respondida para o exame de campo visual azul-amarelo, uma possível "brecha" que pode surgir seria questionar se os achados também seriam válidos para outros tipos de exames (FDT, por exemplo) ou para outros modelos de lentes asféricas(4,5).

No caso de pesquisas epidemiológicas, a "brecha" no conhecimento poderia ser, por exemplo, estudar variáveis já pesquisadas, porém em uma região com características demográficas diferentes. Assim sendo, características epidemiológicas e necessidades de pacientes com indicação de transplante de córnea, por exemplo, não seriam necessariamente as mesmas no sudeste e no nordeste. Essa informação poderia ser útil na elaboração de diretrizes em saúde pública (6,7).

Um estudo científico não visa responder de forma generalizada a todas as dúvidas existentes, esgotando, assim, o assunto. Os melhores estudos são aqueles elaborados para responder a uma única dúvida específica, sendo que, na maioria das vezes, idéias para estudos complementares adicionais são também sugeridas. É assim que evolui o conhecimento médico.

Ao se realizar pesquisa bibliográfica em banco de dados eletrônicos para um trabalho científico, dúvidas sobre o impacto de outros aspectos (variáveis), além daquele inicialmente formulado, em geral, irão aparecer, gerando idéias para estudos adicionais sobre o mesmo tema. Surgirá, então, uma linha de pesquisa, que confirmará a autoridade dos autores no assunto.

Uma vez definida a dúvida e confirmado o ineditismo, o passo seguinte é checar se a instituição em que o estudo será conduzido possui todos os requisitos humanos e materiais para que a pesquisa seja realizada. Seria, por exemplo, um ótimo estudo avaliar a eficácia do laser de femtosegundo para realização da capsulorrexe em cataratas intumescentes (8,9), só que, primeiro, seria necessário ter o laser e os pacientes disponíveis para a pesquisa. No Brasil a escassez de recursos materiais é a principal limitação para realização de trabalhos científicos.

Os pesquisadores também devem verificar se o protocolo científico atende às normas éticas da instituição, submetendo seus projetos à avaliação da Comissão de Ética em Pesquisa local.

As pesquisas não precisam ser necessariamente inéditas, mas têm que proporcionar alguma contribuição ao conhecimento já existente. Assim, é possível publicar um estudo com desfechos que já tenham sido descritos. Porém, nestes casos, a casuística estudada teria de ser bem maior do que o estudo original e o objetivo seria confirmar a informação anterior. Editores não querem publicar (e leitores não querem ler) estudos que simplesmente repitam o que já foi feito inúmeras vezes antes.

É fundamental que os pesquisadores, também, reflitam sobre a relevância do tema escolhido, pois as informações produzidas com o estudo têm que, ao se somar com o que já se sabe sobre o assunto, contribuir para a melhora da prática médica em geral. Assim, dificilmente, um artigo descrevendo, por exemplo, o perfil epidemiológico de pacientes atendidos pelo hospital X, seria aceito para publicação, pois esta informação só seria útil para os gestores daquele hospital ou daquela região. Estudos que trazem informações relevantes são aqueles que possibilitam extrapolar seus achados, transmitindo informações pertinentes para um grande número de leitores.

Editores são constantemente cobrados pelos leitores e periodicamente avaliados por índices bibliométricos. Portanto, a pressão neste sentido, definitivamente, é maior do que eventuais necessidades diplomáticas com autores que tiveram submissões negadas (10).

As revistas científicas procuram progressivamente melhorar sua qualidade e seu impacto. Artigos bem escritos, com metodologia adequada, que adicionem informações relevantes ao conhecimento existente, são cobiçados pelos melhores periódicos. Com o aperfeiçoamento constante das revistas, faz-se necessário, também, o aprimoramento progressivo dos pesquisadores. Além dos Programas de Pós-graduação universitários, existem grupos independentes de pesquisa bem preparados. Acreditamos que todos os pesquisadores deveriam estimular e cobrar dos líderes da oftalmologia nacional a realização de atividades relacionadas ao treinamento em pesquisa científica. Neste sentido, a Revista Brasileira de Oftalmologia procurará trazer sistematicamente, em seus editoriais, informações que ajudem no aprimoramento de pesquisadores. Nossa missão será melhorar a qualidade de nossas publicações por meio do aperfeiçoamento de nossos autores.

  • 1. Portes AJ. A RBO na era da informação digital, RevBrasOftalmol. 2011;70(1):5-6.
  • 2. Newton 2012 Kara-Junior N. A situação da pós-graduação stricto sensu no Brasil: instituição, docente e aluno. RevBras Oftalmol.2012(1):5-7.
  • 3. Kara-Junior N. A democratização do conhecimento médico e seus desafios. RevBras Oftalmol.2013;72(1):5-7.
  • 4. Kara-Junior N. Espindola RF, Gomes BA, Ventura B, Smadja D, Santhiago MR. Effects of blue light-filtering intraocular lenses on the macula, contrast sensitivity, and color vision after a long-term follow-up. J Cataract Refract Surg. 2011;37(12):2115-9.
  • 5. Espíndola RF, Santhiago MR, Kara-Júnior N. Effect of aspherical and yellow tinted intraocular lens on blue-on-yellow perimetry. Arq Bras Oftalmol.2012;75(5):316-9.
  • 6. Kara-Junior N, Mourad PC, de Espíndola RA, AbilRuss HH. Expectativas e conhecimento entre pacientes com indicação de transplante de córnea. RevBrasOftalmol. 2011;(70(4): 230-4.
  • 7. Barbosa AP, Almeida Junior GC, Teixeira MF, Barbosa JC. Avaliação das indicações de ceratoplastia penetrante no interior paulista. RevBras Oftalmol.2012;71(6):353-7.
  • 8. Kara-Junior N, de Santhiago MR, Kawakami A, Carricondo P, Hida WT. Mini-rhexis for white intumescent cataracts. Clinics (Sao Paulo). 2009;64(4):309-12.
  • 9. Ambrosio Junior R. A revolução dos lasers de femtossegundo na oftalmologia. RevBrasOftalmol.2011;70(4):207-10.
  • 10. Chamon W, Melo LA Jr. Impact factor and insertion of the ABO in the world scientific literature. Arq Bras Oftalmol. 2011;74(4):241-2.
  • A escolha adequada do tema de um estudo científico para publicação

    Newton Kara-Junior
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Abr 2013
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