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Associação de microburaco macular e fosseta de papila

Resumos

A fosseta de papila do nervo óptico e o microburaco macular são duas patologias raras, cuja probabilidade de coexistência se torna extremamente baixa, embora não haja relação fisiopatológica entre ambas, descreveremos um caso de associação das mesmas, acometendo comumente um olho, a fim de analisar as manifestações clínicas, os exames de OCT, angiografia, retinografia, biomocroscopia, o tratamento e a correlação entre ambas patologias.

Perfurações retinianas; Fundo de olho; Disco óptico; Tomografia de coerência óptica; Relatos de casos


Optic disc pit and macular microhole are two rare pathologies with an extremely low likelihood of coexistence, this paper will report an association of both pathologies in the same eye with the purpose of analyzing clinical manifestations, tests, angiography, OCT, retinography, biomocroscopy, treatment outcome and the connection between the optic disc pit and macular microhole.

Retinal perforations; Fundis oculi; Optic disc; Tomography, optical coherence; Case reports


RELATO DE CASO

Associação de microburaco macular e fosseta de papila

Renata Leite de PinhoTavaresI; Fernando José de NovelliII; Mário Junqueira NóbregaI; Evandro Luis RosaII

IFaculdade de Medicina, Universidade da Região de Joinville (Univille) - Joinville (SC), Brasil

IIHospital de Olhos Sadalla Amin Ghanem - Joinville (SC), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Fernando José de Novelli Hospital de Olhos Sadalla Amin Ghanem Rua Carlos Eberhardt,nº 321 CEP 89218-160 - Joinville (SC),Brasil e-mail: fernando.novelli@gmail.com

RESUMO

A fosseta de papila do nervo óptico e o microburaco macular são duas patologias raras, cuja probabilidade de coexistência se torna extremamente baixa, embora não haja relação fisiopatológica entre ambas, descreveremos um caso de associação das mesmas, acometendo comumente um olho, a fim de analisar as manifestações clínicas, os exames de OCT, angiografia, retinografia, biomocroscopia, o tratamento e a correlação entre ambas patologias.

Descritores: Perfurações retinianas/terapia; Fundo de olho; Disco óptico/anormalidades; Tomografia de coerência óptica; Relatos de casos

INTRODUÇÃO

A fosseta de papila e o microburaco macular são duas patologias incomuns cuja probabilidade de coexistên-cia aparentemente é extremamente baixa. A fosseta de papila apresenta incidência de 1:11.000, consiste em uma malformação congênita, secundária a um distúrbio do desenvolvimento do epitélio primitivo da papila do nervo óptico e ocorre na quinta semana da embriogênese(1,2). Geralmente unilateral (95% dos casos), a escavação do nervo óptico apresenta um aspecto oval, localizado mais frequentemente na região temporal da papila, com coloração variável entre tonalidades de cinza, amarelo e preto(1). Os sintomas se manifestam somente na ocorrência de descolamento seroso macular, que pode ocorrer em 25-75% dos casos, de forma a alterar a acuidade visual(3).

O descolamento seroso macular relacionado à fosseta de papila tem sua etiologia indeterminada. São três as possíveis origens do líquido sub-retiniano: o movimento de líquido do humor vítreo através da fissura da fosseta para o espaço sub-retiniano; o fluxo de líquido cefalorraquidiano proveniente do espaço subaracnóide para o espaço sub-retiniano; e o vazamento de líquido através dos coriocapilares periféricos à fosseta para o espaço sub-retiniano(4).

Primeiramente descrito por Cairns e McCombe, o microburaco macular é um defeito retiniano que consiste em uma fissura lamelar de aspecto avermelhado e de bordos bem nítidos. Localiza-se na camada interna da retina, na região central da fóvea correspondente aos segmentos interno e externo dos fotorreceptores(5). Apresenta etiologia indeterminada e, visto que não há fator causal diretamente relacionado à sua formação, considera-se a possibilidade de ser primária. Os sintomas manifestados, em geral, são: escotomas centrais; leve a moderada redução da acuidade visual; e metamorfopsia. No entanto muitos pacientes permanecem assintomáticos. O diagnóstico pode ser realizado através da combinação dos achados da biomicroscopia de polo posterior e tomografia de coerência óptica (OCT). Apresenta bom prognóstico, de modo a evoluir geralmente com estabilidade dos sintomas e do aspecto anatômico(5-8).

Embora a fosseta de papila e o microburaco macular tenham baixa incidência na população, descreveremos um caso de associação das duas patologias acometendo simultaneamente o mesmo olho. Os objetivos são analisar as manifestações clínicas; os exames de OCT; angiografia, a retinografia, biomicroscopia e o tratamento.

Relato de caso

V.L, 30 anos de idade, branca sexo feminino, natural de Nova Trento-SC, foi diagnosticada há 3,5 anos com descolamento seroso de retina em olho esquerdo (OE), em outro serviço. Ao exame oftalmológico inicial apresentava acuidade visual de 20/20 em olho direito (OD) e 20/40 em OE. A biomicroscopia de segmento anterior não apresentou alterações em nenhum dos olhos. A fundoscopia evidenciou a presença de fosseta de papila temporal em OD. A avaliação da região foveal deste olho mostrou alteração puntiforme profunda de coloração avermelhada, sugerindo a existência de microburaco macular.

No olho esquerdo foi observado descolamento sensorial de retina, acometendo a região macular e chegando ao bordo temporal da papila. Procedeu-se, desta forma, ao exame de OCT (Figuras 1 e 2), que confirmou a fosseta de papila em região temporal do disco e a presença de microburaco macular no OD. No OE a OCT mostrou claramente a fosseta de papila, com uma comunicação entre o espaço sub-retiniano e a região temporal inferior do disco, indicando o possível pertuito de comunicação entre estas estruturas. Além disso, observou-se perda do contorno foveal, com descolamento neurossensorial retiniano seroso, maior em setor nasal à fóvea, e conteúdo da média refletividade na região macular central (Figura 1).


Figura1: As imagens sequenciais dos OCTs, de cima para baixo, mostram a regressão do descolamento sensorial da retina ao longo dos meses; a data de cada exame está indicada na coluna da esquerda. Na figura à direita superior (A) vemos o descolamento sensorial na região macular, e na figura (B) a resolução do mesmo após o tratamento

Figura 2:
Na imagem (A) vemos o vaso optociliar saindo da borda da fosseta de papila, e a alteração puntiforme foveal, no OCT (a imagem C e D) mostra nitidamente a alteração puntiforme da retina externa no setor foveal ( microburaco macular); As imagens B e D mostram o descolamento sensorial da retina, e ao OCT a nítida adesão vítrea na região do descolamento ( imagem D) e a anatomia restabelecida após a vitrectomia posterior ( imagem F)

No OD, o diagnóstico de fosseta de papila associado ao microburaco macular nos levou à conduta expectante, com avaliação oftalmológica completa frequente: tela de Amsler mensal e OCT a cada dois meses.

No olho esquerdo foi realizada a fotocoagulação a laser na borda temporal da papila, com melhora lenta, porém gradativa do descolamento, sendo que, após cinco meses, a mácula se encontrava aplicada por completo (Figura 1B).

O quadro se manteve estável por 1 ano e 7 meses. Porém, ao exame fundoscópico, revelou-se a recidiva do descolamento sensorial junto à papila, acometendo à área macular inferior no OE. A OCT confirmou o descolamento sensorial, com a aderência do vítreo posterior exatamente na região da retina elevada, o que configura a possibilidade de uma força tracional localizada (Figura 2D). Com OCTs seriadas, notou-se a progressão do descolamento, sendo então proposta e realizada a vitrectomia posterior com infusão de gás C3F8 na concentração de 12%. A paciente evoluiu satisfatoriamente, apresentou diminuição gradativa do líquido sub-retiniano e resolução completa do quadro em 6 meses. Após seguimento de 9 meses, apresentou-se com visão estável (20/20) e mácula aplicada.

O OD apresenta visão de 20/20, sem queixas visuais no período.

DISCUSSÃO

A fosseta de papila é uma anomalia congênita incomum, de aspecto oval, corada por amarelo ou tons de cinza. É Geralmente unilateral e encontrada principalmente na porção temporal da papila no nervo óptico. É possível observar em mais de 50% dos casos a emergência de uma ou duas artérias ciliorretinianas da região da fosseta(3). Mudanças na coloração do epitélio pigmentar, ao longo da borda temporal do disco, e descolamento do vítreo posterior são achados associado a esta patologia(2).

Havendo comunicação patológica entre o nervo óptico e a retina, permite-se a passagem de líquido entre duas estruturas. A origem deste líquido, se proveniente do humor vítreo, dos ciliorretinianos ou de líquido cefaloraquidiano, permanece desconhecida. A consequente maculopatia, provocada pelo vazamento do líquido, pode ser observada na OCT como a separação da retina em uma estrutura bilaminar. O fluído proveniente da fosseta da papila pode se acumular em camadas distintas da retina, sendo que a nuclear interna e a externa são as mais frequentes, o aspecto se assemelha à retinosquise, ou seja, é sobrejacente ao descolamento sensorial macular(9). Incidente entre 40% e 60% dos pacientes, o descolamento sensorial macular é considerado a causa primária de baixa acuidade visual em portadores de fosseta de papila do nervo óptico(2,3).

O microburaco macular é uma patologia pouco conhecida e diagnosticada. Identificada pela fundoscopia e confirmada com a OCT é descrita como um pequeno ponto avermelhado no centro da fóvea, que alcança dimensões médias entre 50 e 150 micra, pode levar à discreta perda de acuidade visual, escotoma central e metamorfopsia(4-8).

No caso relatado, a paciente apresentou fosseta de papila nos dois olhos. No OD em que sua visão era 20/20, sem sintomas ou queixas de alteração visual, a fundoscopia apresentou alteração puntiforme avermelhada foveal, sugestiva de microburaco macular, confirmado com a OCT. Frente a este diagnóstico, foi explicado à paciente o caráter geralmente não progressivo desta patologia, orientando-a ao acompanhamento com exame ocular completo e tomografia óptica de controle. Não encontramos descrição na literatura médica que relacionasse as duas patologias. É possível que as patologias, ainda que manifestada em um mesmo olho, apresentem mecanismo fisiológicos diferentes.

O OE apresentou fosseta de papila e descolamento seroso da região macular. Várias modalidades de tratamento são propostas para esta situação: exclusiva fotocoagulação a laser, injeção de gás intravítrea, terapia de fotocoagulação a laser combinada com injeção intravítrea de gás, e vitrectomia associada com temponamento de gás, com ou sem adição de laser(10).

Em decisão conjunta com a paciente, optou-se pela alternativa mais simples e menos invasiva inicialmente: aplicação da fotocoagulação a laser na borda temporal da papila, na região da comunicação de passagem do líquido para o espaço sub-retiniano. Após a aplicação do laser, houve regressão lenta porém completa do descolamento. Todavia, após alguns meses, houve rescidiva do descolamento. Então a paciente foi submetida à cirurgia de vitrectomia posterior com infusão de gás C3F8 na concentração de 12%.

A opção de realizar a vitrectomia posterior foi tomada devido ao achado tomográfico de adesão vítrea na área exata do descolamento, exercendo a possível força de tração. O provável papel de força tracional do vítreo e as outras condições anatômicas presentes na fosseta de papila compõem os fatores etiológicos do descolamento sensorial da retina. Esta força tracional foi previamente mencionada por outros autores(11,12), tendo sido a OCT, neste caso, muito útil em apontar o quadro e, por conseguinte, fundamental para eleição da cirurgia como modalidade terapêutica.

O descolamento seroso macular relacionado à fosseta de papila apresenta prognóstico ruim para os pacientes que não recebem tratamento e o descolamento macular quando crônico pode levar a uma visão pior que 20/200 em 80% dos casos(1).

A OCT neste caso foi fundamental para a confirmação diagnóstica do microburaco macular do OD e para condução do tratamento do OE, permitindo a avaliação minunciosa e o acompanhamento da regressão do descolamento sensorial macular após a aplicação do laser. Permitiu ainda perceber o momento do início da rescidiva, diagnosticando a existência e a localização precisa do fator tracional, tendo sido uma ferramenta decisiva na decisão da modalidade adequada de tratamento.

Recebido para publicação em: 12/9/2011

Aceito para publicação em: 14/10/2012

O autor declara não haver conflitos de interesse

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  • Endereço para correspondência:
    Fernando José de Novelli
    Hospital de Olhos Sadalla Amin Ghanem
    Rua Carlos Eberhardt,nº 321
    CEP 89218-160 - Joinville (SC),Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Abr 2013

    Histórico

    • Recebido
      12 Set 2011
    • Aceito
      14 Out 2012
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