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Facoemulsificação sob anestesia tópica: série de casos

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a eficácia e a segurança da facoemulsificação sob anestesia tópica em casos com complexidade diversa. MÉTODOS: Os prontuários dos pacientes submetidos à facoemulsificação sob anestesia tópica no período de janeiro de 2009 a abril de 2011 foram revisados. Os dados pré-operatórios avaliados foram: sexo, idade, cor, a presença de doenças sistêmicas, comorbidades oculares, o tipo da catarata e a acuidade visual pré-operatória. As informações intra e pós-operatórias colhidas foram: acuidade pósoperatória, complicações intra e pós-operatórias, a necessidade de conversão anestésica e o poder da LIO utilizada. Foram excluídos pacientes com prontuários incompletos. RESULTADOS: Cento e onze (111) casos foram avaliados. Apenas comorbidades oculares mostraram significância estatística na acuidade visual pós-operatória (p=0,004). CONCLUSÃO: A análise indica que a facoemulsificação realizada sob anestesia tópica em casos com complexidades variadas é eficaz e segura.

Facoemulsificação; Anestesia tópica; Anestesia; Comorbidades


PURPOSE: To evaluate the outcome and safety of phacoemulsification performed under topical anesthesiain cases with several complexities. METHODS: Cases performed under topical anesthesia from january 2009 to april 2011 were analyzed. Variables analyzed included patients age, sex, race, systemic diseases, eyes comorbidities, type of cataract, visual acuity before and after the surgery, complications, number of conversions to peribulbar anesthesia and IOL power. Patients with uncompleted data were excluded from analysis. RESULTS: A total of 111 eyes were analyzed; only cases with ocular comorbidities were statistically significant (p=0,004). CONCLUSION: the data analysis suggests that phacoemulsification performed under topical anesthesia is safeand effective in cases of different complexities.

Phacoemulsification; Anesthesia, topical; Anesthesia; Comorbidity


ARTIGO ORIGINAL

Facoemulsificação sob anestesia tópica: série de casos

Vinícius Neumann TavaresI; Carina Graziottin ColossiII; Vitor SaalfeldII; Manuel Augusto Pereira VilelaIII

IResidente do Instituto de Oftalmologia Ivo Correa-Meyer – Porto Alegre (RS), Brasil

IIMédico Preceptor do Instituto de Oftalmologia Ivo Correa-Meyer – Porto Alegre (RS), Brasil

IIIPós-Doutor; Professor Titular de Oftalmologia, Universidade Federal de Pelotas (RS), Brasil

Autor correspondente Autor correspondente: Vinicius Neumann Tavares Rua Felix da Cunha, nº 496 Bairro Floresta Temuco Porto Alegre (RS), Brasilo Fax: (51) 3346-3423 E-mail: viniciusnt@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a eficácia e a segurança da facoemulsificação sob anestesia tópica em casos com complexidade diversa.

MÉTODOS: Os prontuários dos pacientes submetidos à facoemulsificação sob anestesia tópica no período de janeiro de 2009 a abril de 2011 foram revisados. Os dados pré-operatórios avaliados foram: sexo, idade, cor, a presença de doenças sistêmicas, comorbidades oculares, o tipo da catarata e a acuidade visual pré-operatória. As informações intra e pós-operatórias colhidas foram: acuidade pósoperatória, complicações intra e pós-operatórias, a necessidade de conversão anestésica e o poder da LIO utilizada. Foram excluídos pacientes com prontuários incompletos.

RESULTADOS: Cento e onze (111) casos foram avaliados. Apenas comorbidades oculares mostraram significância estatística na acuidade visual pós-operatória (p=0,004).

CONCLUSÃO: A análise indica que a facoemulsificação realizada sob anestesia tópica em casos com complexidades variadas é eficaz e segura.

Descritores: Facoemulsificação; Anestesia tópica; Anestesia/métodos, Comorbidades

Registrado no clinicaltrials.gov com a seguinte ID: NCT01381783

INTRODUÇÃO

A anestesia tópica vem se popularizando nas cirurgias de catarata como uma opção segura e barata. Ela tem ampla aceitação especialmente nos EUA onde Ezra e Allan estimam que é adotada por 61% dos cirurgiões(1).

Pode ser acompanhada de anestesia intracameral e de sedação do paciente. Mesmo que ambos diminuam a dor, nos estudos disponíveis na literatura não se encontra nenhuma diferença estatística significante a favor da necessidade dessa suplementação(1,2).

Como vantagens desta técnica, destaca-se a ausência dos riscos das injeções na órbita e a recuperação funcional muito mais rápida. Além disso, elimina o risco de diplopia no pós-operatório, reduz o tempo e o custo da cirurgia(3), dispensa uso de oclusor, minimiza o risco de náuseas e mal-estar, permitindo a possibilidade de operar via transcorneana casos com distúrbio de coagulação(4).

Estudos mostram que, apesar de potencialmente mais prováveis de produzir dor, as anestesias tópicas resultam em níveis de satisfação comparáveis às técnicas de anestesia tradicionais(5-7).

A anestesia tópica, por outro lado, deve ser usada em pacien-tes selecionados e por um cirurgião experimentado. Não propiciando acinesia, pode ser perigosa em doentes pouco colaborativos(8,9). Deve-se estar preparado para usar formas de imobilização ocular caso necessário(10). A percepção de experiências visuais durante a cirurgia pode causar ansiedade ao paciente e convém ser informada no pré-operatório(11,12). Reflexo óculo-cardíaco pode ocorrer nessa modalidade de anestesia(13).

Outra possível intercorrência é o risco de irritação causada pela instilação do anestésico, causando instabilidade do filme lacrimal, toxicidade corneana e reação alérgica(4).

Existem poucos artigos na literatura disponíveis sobre a anestesia tópica relacionando com complicações trans e pós-operatórias. Desta forma a proposta deste trabalho foi a de analisar o uso desta técnica em uma série de casos.

MÉTODOS

Foram analisados retrospectivamente os prontuários das cirurgias realizadas no setor de catarata de nossa instituição no período de janeiro de 2009 a abril de 2011. Os casos incluídos foram aqueles submetidos à facoemulsificação com o uso de colírio de cloridrato de tetracaína 1% (Anestésico® colírio) via transcorneana, sem o uso de suplementação intracameral, com e sem comorbidades. Todos foram operados pelo mesmo cirurgião, experimentado com a técnica (VS), utilizando-se dos equipamentos Universal II e Infinity (Alcon).

Os dados pré-operatórios avaliados foram: sexo, a idade, a cor, a presença de doenças sistêmicas, comorbidades oculares e a acuidade visual pré-operatória. As informações intra e pósoperatórias colhidas foram: acuidade pós-operatória, complicações intra e pós-operatórias, a necessidade de conversão anestésica e o poder da LIO utilizada.

Foram excluídos os casos sem as informações completas disponíveis nos prontuários e procedimentos onde trabeculectomia estava combinada.

As variáveis foram analisadas através do programa STATA 11.0, utilizando-se os testes T de Student, Qui-Quadrado e Regressão Logística. Dois desfechos foram analisados: necessidade de conversão e acuidade pós-cirúrgica. Foram considerados significantes valores de p<0,05.

RESULTADOS

Todos os casos operados neste período tinham as informações necessárias nos prontuários e foram incluídos no estudo (sem perdas).

A média de idade foi de 72 anos (36-91 anos, DP=12), sendo que as mulheres representaram 56,4% dos casos.

Doenças sistêmicas estavam presentes em 59,5% dos pacientes, sendo as mais comuns as moléstias cardiocirculatórias e o diabetes.

Trinta e cinco por cento (35%) dos pacientes tinham comorbidades oculares, sendo as mais comuns o glaucoma (11 casos) e a DMRI (9 casos). Seis (6) casos com descolamento de retina prévio foram operados, três destes com silicone presente. Três (3) casos com retinopatia diabética proliferativa e 2 casos com buraco macular foram submetidos à cirurgia de catarata e foram incluídos no estudo.

Os pacientes operados tinham acuidade visual média antes da cirurgia de 0,3 (0,4-0,7) (figura 1). A acuidade visual média pós-operatória foi de 0,8 (0,4-1,0) (p<0,001, teste T) (figura2).



Cinco pacientes (4,5%) tiveram complicações transoperatórias, sendo que 3 tiveram ruptura de cápsula e 2 perda de vítreo. Em nenhum caso foi necessário converter a anestesia.

Não houve complicações pós-operatórias significativas.

Em apenas um paciente foi necessário o uso de sedação (<1%). Sutura na incisão foi necessária em 2 pacientes (1,8%).

Na regressão logística apenas um fator (comorbidade ocular) mostrou associação com acuidade visual pós-cirúrgica (p=0,004). Os demais (sexo, idade, raça, comorbidade sistêmica, tipo de catarata, acuidade pré-operatória, necessidade de sutura, tipo de implante) não mostraram associação.

DISCUSSÃO

Apesar do uso cada vez maior da anestesia tópica não são muitos os trabalhos comparativos e com adequado tamanho amostral disponíveis.

Em 1996, Rezende e Bernardes apresentaram um estudo sobre a anestesia tópica na facotranscorneana temporal em 50 casos. A técnica mostrou-se eficaz e segura, permitindo conforto e rápida recuperação visual dos pacientes(14).

Em uma série de 476 cirurgias, Jacobi et al. não encontraram diferença nas complicações intra e pós-operatórias comparando a anestesia tópica com a retrobulbar em olhos considerados de maior risco(15). Os mesmos autores, em outro estudo, não detectaram aumento nas complicações usando a anestesia tópica em pacientes glaucomatosos(16).

Menapace analisou a capsulotomia posterior primária em uma série de 500 casos e escolheu a anestesia tópica como método, e esta se mostrou uma opção segura(17).

Zhaoet al., em uma meta-análise de 15 estudos, mostraram que, apesar de uma maior percepção de dor por parte dos pacientes, a anestesia tópica foi preferida em relação às técnicas tradicionais(6). Em sua série de 40 cirurgias, Roman et al. registraram queixa de dor em 10% dos casos(18). Weller et al., em 281 olhos operados, obtiveram relato de dor em 16% das vezes(19).

Fichman investigou a pressão arterial, frequência cardíaca e respiratória dos pacientes submetidos à anestesia tópica e as outras modalidades, e não percebeu diferença nesses parâmetros(20). Não há, igualmente, diferença significativa no nível de cortisol durante a cirurgia, indicando que o procedimento é bem tolerado e não gera stress adicional ao paciente(20).

Em nosso estudo, depois de testadas todas as variáveis, os casos com comorbidades oculares foram os mais relacionados com baixa acuidade visual e foram os únicos que tiveram significância estatística (p=0,004, qui-quadrado). Todas as outras variáveis não foram estatisticamente significantes na relação com baixa acuidade visual, ou necessidade de conversão.

A amostra do estudo permite inferir que existe segurança na anestesia tópica, para casos com diferentes complexidades, quando feitas por cirurgiões experimentados. Nossa série incluiu olhos com glaucoma, vitrectomizados, com e sem óleo de silicone, e com ruptura capsular.

O número de complicações encontradas nas cirurgias realizadas foi de 4,5%, percentual compatível com os dados encontrados na literatura e comparável com a chance de complicações de outras técnicas cirúrgicas(21).O manejo das intercorrências foi feito sem necessidade de conversão anestésica.

A anestesia tópica é uma opção atrativa, de menor custo, segura e confortável, mesmo em casos com diferentes formas de complexidades.

Recebido para publicação em: 19/6/2012

Aceito para publicação em: 11/2/2013

Os autores declaram não haver conflitos de interesse

Trabalho realizado na Universidade Federal de Pelotas (RS) e Curso de Especialização Prof. Ivo Corrêa-Meyer, Porto Alegre (RS), Brasil.

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  • Autor correspondente:
    Vinicius Neumann Tavares
    Rua Felix da Cunha, nº 496 Bairro Floresta Temuco
    Porto Alegre (RS), Brasilo
    Fax: (51) 3346-3423
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Out 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      19 Jun 2012
    • Aceito
      11 Fev 2013
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