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Alterações eletrofisiológicas na doença de Oguchi

Resumos

Descrever as alterações eletrofuncionais em um caso raríssimo da Doença de Oguchi. Paciente do sexo feminino, italiana de 17 anos de idade se queixava de cegueira noturna. A resposta escotópica de bastonetes, do ERG era não registrável. A resposta escotópica ao estímulo branco forte demonstrava uma diminuição de amplitude da onda B. As respostas ao flicker de 30Hz e ao EOG eram dentro dos limites da normalidade. Era presente o fenômeno de Mizuo-Nakamura. Os exames eletrofuncionais são muito importantes no diagnóstico de certeza da doença de Oguchi. É nítida, no presente caso, a discordância entre EOG e ERG. Considerando a função dos bastonetes, as respostas normais do EOG contrastam com a ausência de respostas dos bastonetes em condições escotópicas no ERG. Mais estudos são necessários para entender o complexo mecanismo eletrofuncional dessa doença e melhor definir a origem dos componentes sensíveis à luz do EOG.

Cegueira noturna; Doença de Oguchi; Eletrorretinografia; Eletro-oculografia; Fenômeno de Mizuo-Nakamura; Relatos de casos


To describe the electrophysiological alterations in a very rare case of Oguchi's disease. A 17-year-old italian girl complaining of night blindness underwent complete ophthalmological exams, including electrophysiological tests. Rod responses were nondetectable in full-field electroretinogram (ERG). The photopic ERG funtions, including the 30 Hz flicker ERG response was normal, while the scotopic b-wave was diminished in amplitude. The electrooculography (EOG) ratios within the normal range were 208% in the right eye and 222% in the left eye. The Mizuo-Nakamura phenomenon was present. The electrophysiological tests are important tools in Oguchi's disease diagnosis. In the present case, it's clear the non correspondance between EOG and ERG. Considering the rod function, the normal EOG ratio contrast with non-detectable rod ERG responses. More studies are necessary to understand the compless electrofuntional mecanism of the disease helping to understand the origin of the light-sensitive component of the EOG.

Night blindness; Oguchi's disease; Electroretinography; Electrooculography; Mizuo-Nakamura phenomenon; Case reports


RELATO DE CASO

Alterações eletrofisiológicas na doença de Oguchi

Regina Halfeld Furtado de MendonçaI; Stefania AbbruzzeseII; Rocco PlaterotiIII; Pasquale PlaterotiIV; Eliana Lucia FerreiraV

IDoutor, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) - Juiz de Fora (MG), Brasil; Professor convidado da Universidade La Sapienza, Roma - Itália

IIEspecialista pela Universidade La Sapienza, Roma - Itália

IIIProfessor da Universidade La Sapienza, Roma - Itália

IVAluno da graduação da Universidade La Sapienza, Roma - Itália

VDoutor, professor titular da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) - Juiz de Fora (MG), Brasil

Autor correspondente Autor correspondente:

RESUMO

Descrever as alterações eletrofuncionais em um caso raríssimo da Doença de Oguchi. Paciente do sexo feminino, italiana de 17 anos de idade se queixava de cegueira noturna. A resposta escotópica de bastonetes, do ERG era não registrável. A resposta escotópica ao estímulo branco forte demonstrava uma diminuição de amplitude da onda B. As respostas ao flicker de 30Hz e ao EOG eram dentro dos limites da normalidade. Era presente o fenômeno de Mizuo-Nakamura. Os exames eletrofuncionais são muito importantes no diagnóstico de certeza da doença de Oguchi. É nítida, no presente caso, a discordância entre EOG e ERG. Considerando a função dos bastonetes, as respostas normais do EOG contrastam com a ausência de respostas dos bastonetes em condições escotópicas no ERG. Mais estudos são necessários para entender o complexo mecanismo eletrofuncional dessa doença e melhor definir a origem dos componentes sensíveis à luz do EOG.

Descritores: Cegueira noturna; Doença de Oguchi; Eletrorretinografia; Eletro-oculografia; Fenômeno de Mizuo-Nakamura; Relatos de casos

INTRODUÇÃO

Existem três formas de cegueira noturna estacionária (CNE): cegueira noturna congênita estacionária(CNCE), fundus albipunctatus e doença de Oguchi.

A doença de Oguchi é uma forma rara, congênita, autossômica recessiva de CNE, caracterizada por uma peculiar descoloração acinzentada ou verde-amarelada do fundo do olho 1, que reverte à normalidade após uma prolongada adaptação ao escuro (fenômeno de Mizuo-Nakamura)(2).

Pacientes com doença de Oguchi podem ser classificados em dois tipos, dependendo da morfologia da curva de adaptação ao escuro1. No tipo I, a adaptação dos bastonetes é marcadamente lenta. Nesse caso, a função se recupera totalmente após horas de adaptação ao escuro e os traçados são normais ou discretamente alterados. No tipo II, a adaptação de bastonetes não é evidenciada, a alteração da retina é menos evidente e o fenômeno de Mizuo pode ser ausente.

As alterações eletrofuncionais são muito importantes no diagnóstico de certeza na doença de Oguchi. Os exames de eletrorretinograma e eletro-oculograma ajudam a entender o complexo mecanismo dessa doença.

O objetivo deste trabalho é descrever as alterações eletrofuncionais em um caso raríssimo da doença de Oguchi.

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, branca, italiana de 17 anos de idade se queixava de cegueira noturna. Negava doenças sistêmicas ou outros antecedentes pessoais. A paciente foi submetida a exame oftalmológico completo, incluindo exames eletrofuncionais na Universidade la Sapienza em Roma no ano de 2007. O eletrorretinograma de campo total foi realizado com o aparelho da Metrovision (MONPAK3 Moniteur Ophtalmologique -Electrophysiologie visuelle). Os estímulos utilizados foram os padronizados pela ISCEV: resposta de bastonetes (luz branca fraca em condições escotópicas), resposta máxima (luz branca forte em condições escotópicas), potencial oscilatório, resposta de cones (luz branca forte em condições fotópicas), e flicker de 30 Hz. O eletrooculograma, de oscilação lenta, foi realizado com o aparelho da Biomedica Mangoni BM6000-MAXI. O paciente foi pré-adaptado por um período de 15 minutos.

A acuidade visual era de 20/20 nos dois olhos. Os exames de biomicroscopia e tonometria eram normais. No exame fundoscópico, evidenciava-se o aspecto amarelo metálico, com vasos de coloração acentuada (figura 1).


No ERG, a resposta de bastonetes (luz branca fraca em condições escotópicas), não era registrável(figura 2A). A resposta máxima (luz branca forte em condições escotópicas) demonstrava uma diminuição de amplitude da onda b (Figura 2B).





O potencial oscilatório era alterato (figura 2C). As respostas fotópicas (figura 2D) e ao flicker de 30Hz (figura 2E) eram dentro dos limites da normalidade. A resposta do eletro-oculograma (EOG) era de 208%, no olho direito, e de 222%, no olho esquerdo (Figura 2F). Era presente o fenômeno de Mizuo-Nakamura.

COMENTÁRIOS

A doença de Oguchi é uma forma de CNE muito rara. No Brasil, poucos casos foram descritos(2). Talvez a mais relevante característica da resposta elétrica na Doença de Oguchi seja a falta de correspondência entre a sensibilidade visual e a amplitude da onda B, apesar dos traçados escotópicos se normalizarem geralmente após 4 horas de adaptação ao escuro; a onda b permanece muito reduzida(4).

No exame fundoscópico, evidenciava-se o aspecto amarelo metálico, típico da doença de Oguchi (5,6). O fenômeno de Mizuo-Nakamura era presente (2,5,6) e a adaptação dos bastonetes era marcadamente lenta, tratando-se, provavelmente, de uma doença de Oguchi tipo I. É importante ressaltar que os fenômenos de Mizuo-Nakamura, verificados no fundo do olho, e a curva de adaptação ao escuro podem não se correlacionar (4).

No ERG, a resposta de bastonetes (luz branca fraca em condições escotópicas), era não registrável e a resposta máxima (luz branca forte em condições escotópicas) demonstrava uma diminuição de amplitude da onda B, concordando com a literatura segundo a qual, em condições escotópicas, a amplitude da onda a é normal e da onda B é marcadamente diminuída ou ausente (7). As respostas dentro dos limites da normalidade ao flicker de 30 Hz confirmam a perfeita função dos cones, fato comum na doença de Oguchi (4).

O EOG dentro dos limites da normalidade concorda com al-guns casos já relatados (4) e discorda de outros (8). Exames histológicos demonstram que os bastonetes estão presentes e que existe uma adaptação secundária, demonstrando que, em certas circunstâncias, esses bastonetes podem funcionar. Acredita-se também que os bastonetes possam ter dificuldades de converter a energia luminosa em nervosa por causa da menor concentração ou ausência de pigmentos fotossensíveis(9). De qualquer modo, a resposta normal do EOG confirma a hipótese de que a fase sensível à luz do EOG pode não depender somente da função dos bastonetes.

Os exames eletrofuncionais são muito importantes no diagnóstico de certeza da doença de Oguchi. É nítida, no presente caso, a discordância entre EOG e ERG. Considerando a função dos bastonetes, as respostas normais do EOG contrastam com a ausência de respostas dos bastonetes em condições escotópicas no ERG. Mais estudos são necessários para se entender o complexo mecanismo eletrofuncional dessa doença e melhor definir a origem dos componentes sensíveis à luz do EOG.

Regina Halfeld Furtado de Mendonça

Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)

Faculdade de Educação Física e Desportos

Grupo de Pesquisa em Inclusão, Movimento e Ensino à Distância

Campus Universitário s/nº Bairro - Martelos

CEP 36036-900 - Juiz de Fora (MG), Brasil

Fone: 55 (32) 2102-3283

E-mail: regina.halfeld@uab.ufjf.br

Recebido para publicação em: 7/8/2011

Aceito para publicação em: 24/10/2012

Os autores declaram não haver conflitos de interesse

Trabalho realizado na Universidade La Sapienza - Roma - Itália; Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) - Juiz de Fora (MG), Brasil.

  • 1. Krill AE. Congenital stationary night-blindness. In: Krill AE. Krill's hereditary retinal and choroidal disease. Maryland, USA: Harper & Row; 1977. v. 2. p. 391-420.
  • 2. Mizuo G. On new discovery in dark adaptation in Oguchi's disease. Acta Soc Ophthalmol Jpn. 1913;17:1148-50.
  • 3. Goulart DG, Myai C, Atique D, Takahashi WY, Aihara T. Doença de Oguchi: relato de caso e revisão bibliográfica. Arq Bras Oftalmol. 2002;65(6):669-73
  • 4. Carr RE, Ripps H. Rhodopsin kinetics and rod adaptation in Oguchi's disease. Invest Ophthalmol Vis Sci. 1967;6(4):426-36.
  • 5. Yamamoto S, Hayashi M, Takeuchi S, Shirao Y, Kita K, Kawasaki K. Normal S cone electroretinogram b-wave in Oguchi's disease. Br J Ophthalmol. 1997;81(12):1043-5. Comment in Br J Ophthalmol. 1997;81(12):1027.
  • 6. Yoshii M, Murakami A, Akeo K, Nakamura A, Shimoyama M, Ikeda Y, et al. Visual function and gene analysis in a family with Oguchi's disease. Ophthalmic Res. 1998;30(6):394-401.
  • 7. Carr RE, Gouras P. Oguchi's disease.Arch Ophthalmol. 1965;73:646-56.
  • 8. Miyake Y, Horiguchi M, Suzuki S, Kondo M, Tanikawa A. Electrophysiological findings in patients with Oguchi's disease. Jpn J Ophthalmol. 1996;40(4):511-9.
  • 9. François J, Verriest G, De Rouck A. La maladie d'Oguchi. Ophthalmologica. 1956;131(1):1-40.
  • Autor correspondente:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Out 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      07 Ago 2011
    • Aceito
      24 Out 2012
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