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A política científica nacional e o desafio para revistas, editores e pesquisadores

EDITORIAL

A política científica nacional e o desafio para revistas, editores e pesquisadores

The National Scientific Policy and the Challenge for Journals, Editors and Researchers

No meio científico não existe reserva de informação. Uma vez terminado um estudo, o maior desejo dos pesquisadores é, por meio da publicação de artigos científicos, divulgar rapidamente para o mundo seus resultados, de modo a consolidar sua posição como referência no assunto. Entre as equipes de pesquisa mais organizadas, que no Brasil, em geral, estão ligadas a programas de pós-graduação, existem muitos estímulos para que esta mentalidade predomine, assim como verbas governamentais, prêmios, progressão na carreira, além da própria manutenção do credenciamento da pós-graduação1. Para muitos dos integrantes desses grupos, que, na maioria dos casos estão associados a universidades a pesquisa clínica é uma atividade profissional prioritária e sistemática, em que são investidos muito tempo e recursos.

Porém, tanto as revistas científicas, como seus leitores, também precisam de artigos realizados por pesquisadores eventuais, provenientes de equipes de pesquisa independentes dos programas de pós-graduação, em geral ligadas a serviços eminentemente assistenciais e/ou de ensino. Para tais grupos, o estímulo à publicação de artigos científicos é, na maioria dos casos, a divulgação da instituição e de seus membros. Para a evolução do conhecimento médico, a informação produzida por esta via é muito importante, tanto no aspecto epidemiológico, revelando características regionais, muitas vezes norteadoras de políticas de saúde pública, como no aspecto clínico, produzindo dados referentes a novos procedimentos e novas tecnologias.

Dentre os países emergentes do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), o Brasil tradicionalmente se destaca pela produção científica em termos quantitativos (número de artigos publicados em periódicos indexados), porém não é bem avaliado em termos qualitativos (impacto das publicações). Nos últimos anos, a política científica nacional tem estimulado, por meio de pressões na avaliação dos programas de pós-graduação, a publicação de artigos científicos em revistas de elevado fator de impacto, com o objetivo de incentivar a realização de pesquisas que gerem inovações e patentes2. Esta medida forçou os pesquisadores inseridos em programas de pós-graduação a melhorar a qualidade científica de seus estudos, a fim de publicá-los em revistas internacionais de adequado impacto. Assim, a qualidade da pesquisa desenvolvida no país melhorou, porém esta melhora foi mais rápida do que a qualidade dos periódicos nacionais.

As revistas científicas nacionais estão gradualmente se aprimorando, com reflexo também na melhora do fator de impacto3-6. A elevação do fator de impacto tem sido lenta, mas progressiva, atraindo paulatinamente, artigos importantes produzidos em centros de pós-graduação. O aprimoramento dos periódicos nacionais beneficia tanto os pesquisadores, por terem mais uma opção de onde publicar, assim como os leitores, por poderem acessar conhecimento científico mais preciso7, 8. Porém, há um preço, pois o anseio pela qualidade científica obriga os periódicos a rejeitar artigos com deficiências de desenho (planejamento), condução (coleta de dados) ou redação (escrita). Como os estudos produzidos em centros de pesquisa bem organizados já se adequaram aos padrões científicos internacionais, o ônus da busca dos periódicos nacionais pelo aperfeiçoamento recai sobre os pesquisadores independentes, que, por sua vez, estão sendo forçados pelas próprias revistas científicas a melhorar a qualidade das submissões para conseguir a publicação.

Neste contexto, e considerando que os periódicos nacionais continuarão tentando melhorar seu valor no meio científico, sendo obrigados a selecionar para publicação somente artigos bem estruturados, faz-se necessário, então, o aprimoramento dos pesquisadores eventuais, a fim de manter seu potencial de publicação. A maior parte dos artigos submetidos por essa via é formada por relatos de casos, os quais são importantes para os leitores e, embora não sejam muito valorizados cientificamente pelos periódicos, têm seu espaço assegurado devido ao valor clínico dessas informações9. Infelizmente, nota-se que, progressivamente, menos artigos originais, provenientes de pesquisadores independentes, têm sido enviados ou aceitos.

Desta maneira, considero que, nesse momento, um dos desafios dos editores científicos é o de capacitar os pesquisadores externos aos centros de pesquisas, para realizar ensaios clínicos prospectivos, ensinando a como adequadamente escolher o tema, desenhar a metodologia, conduzir a coleta de dados e estruturar a redação do artigo. Se a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), que é o órgão governamental que regula e avalia os programas de pós-graduação no Brasil, estimulou seus pesquisadores a melhorar o padrão científico, resta aos editores científicos explicar a missão e a visão dos periódicos, além de estimular o aprimoramento dos pesquisadores independentes na tentativa de preservar a publicação por esta via.

As ferramentas dos editores para cumprir tal tarefa são os editoriais, em que é possível manifestar idéias e ensinamentos; revisão de artigos com críticas construtivas, ensinando os autores a como melhorar a estrutura e a escrita científica; e a disponibilidade em organizar cursos de capacitação em congressos universitários, regionais e nacionais.

Os editores científicos, em geral, possuem condições e interesse em treinar autores. Alguns dos principais encontros científicos nacionais, como o Congresso Brasileiro de Oftalmologia e o Congresso da Sociedade Brasileira de Oftalmologia, disponibilizam simpósios para que as revistas científicas abordem estes temas. Entretanto, o que se nota é a falta de manifestação de interesse por parte do público alvo, pois são raros os pesquisadores independentes ou potenciais autores, que participam destas seções. Considero necessário que pesquisadores eventuais saiam da "zona de conforto" e passem também a investir algum tempo e recursos na ciência, buscando se aperfeiçoar, a fim de acompanhar a evolução científica nacional.

Newton Kara-Junior

Editor-Chefe da Revista Brasileira de Oftalmologia

Professor Colaborador, Livre-docente e de Pós-graduação da

Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP, São Paulo, SP, Brasil.

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  • 4. Portes AJ.  Mudanças na Revista Brasileira de Oftalmologia. Rev Bras Oftalmol. 2012; 71(5):279.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Nov 2013
  • Data do Fascículo
    Ago 2013
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