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Oclusão de ramo arterial retiniano bilateral

Resumos

Os autores relatam o caso de uma paciente que apresentou quadro bilateral de oclusão de ramos arteriais da retina sem causas sistêmicas identificáveis para o aparecimento da doença.

Retina; Doenças vasculares; Oclusão arterial retiniana; Vasculite retiniana; Angiofluoresceinografia; Relatos de casos


The authors report a case of a patient who presented bilateral branch retinal artery occlusion without any meaningful systemic underlying conditions.

Retina; Vascular diseases; Retinal artery occlusion; Retinal vasculitis; Fuorescein angiography; Case reports


RELATO DE CASO

Oclusão de ramo arterial retiniano bilateral

Bilateral branch retinal artery occlusion

Luiz Guilherme Azevedo de FreitasI; David Leonardo Cruvinel IsaacII; Luiz Alexandre Rassi GabrielIII; Lívia Carla de Souza Nassar BianchiIV; Marcos Pereira de ÁvilaV

IDepartamento de retina e vítreo do Hospital de Olhos Santa Luzia/Fundação Santa Luzia – Recife (PE), Brasil

IISetor de retina e vítreo do Centro de Referência em Oftalmologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (UFG) – Goiânia (GO), Brasil

IIISetor de genética ocular da Universidade Federal de Goiás (UFG) – Goiânia (GO), Brasil

IVDepartamento de retina e vbítreo do Centro de Referência em Oftalmologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás - UFG – Goiânia (GO), Brasil

VCentro de Referência em Oftalmologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (UFG) – Goiânia (GO), Brasil

Autor correspondente Autor correspondente: Luiz Guilherme Azevedo de Freitas Hospital de Olhos Santa Luzia Estrada do Encanamento 909 – Casa Forte CEP 52070-000 – Recife (PE), Brasil Tel: (81) 2121-9100 / 7811-8559 / Fax: (81) 2121-9100 E-mail: luizgfreitas@gmail.com

RESUMO

Os autores relatam o caso de uma paciente que apresentou quadro bilateral de oclusão de ramos arteriais da retina sem causas sistêmicas identificáveis para o aparecimento da doença.

Descritores: Retina; Doenças vasculares; Oclusão arterial retiniana; Vasculite retiniana; Angiofluoresceinografia; Relatos de casos

ABSTRACT

The authors report a case of a patient who presented bilateral branch retinal artery occlusion without any meaningful systemic underlying conditions.

Keyworks: Retina; Vascular diseases; Retinal artery occlusion; Retinal vasculitis; Fuorescein angiography; Case reports

INTRODUÇÃO

O primeiro relato de obstrução da artéria central da retina (OACR) foi feito por von Graefe em 1859 em um paciente com endocardite e múltiplos êmbolos sistêmicos. Posteriormente, os achados histopatológicos encontrados na OACR foram descritos por Sweiger(1,2).

A oclusão da artéria central da retina é uma doença oftalmológica grave e de prognóstico ruim. A sua incidência é de 8,5 por 100 mil pessoas, acometendo mais frequentemente homens na faixa etária de 60 anos e portadores de doença sistêmica como a aterosclerose e a hipertensão arterial sistêmica (HAS)(3).

Geralmente, a oclusão na artéria central retiniana ou em um de seus ramos é provocada por um êmbolo proveniente de depósitos ateroscleróticos das carótidas. Outras fontes de obstrução podem ser de valvulopatias, vegetações reumáticas e mixoma atrial. Os êmbolos podem ser constituídos por colesterol (placas de Hollenhorst), plaquetas e cálcio, sendo a primeira a forma mais comum(4). Quando em jovens, a forma mais frequentemente observada de obstrução é devido a espasmos vasculares como nas enxaquecas(5).

O envolvimento bilateral ocorre em 1-2% dos casos. Quando os dois olhos são simultaneamente afetados pela obstrução da artéria central da retina, as possibilidades de doença valvular cardíaca, arterite de células gigantes ou vasculites devem ser fortemente consideradas como causa(6).

A artéria central da retina é um vaso terminal sem possibilidade de desenvolvimento de vasos colateraise, por esta razão, a sua oclusão desencadeará isquemia retiniana de rápida instalação, seguido de perda abrupta e unilateral da acuidade visual. Nestes casos a acuidade visual final normalmente é igual ou menor que conta dedos, e um pequeno percentual dos casos, que apresentaram um quadro obstrutivo de artéria central ou de ramos maculares, conseguem atingir uma visão maior(7,8).

A oclusão de ramo da artéria central da retina representa de 38 a 40% das oclusões arteriais da retina sendo, o ramo temporal o mais acometido, atingindo mais de 90% dos pacientes(9). Os sintomas apresentados são de acordo com a localização da lesão. As obstruções arteriais da retina são consideradas emergências oftalmológicas e o seu tratamento visa restabelecer a circulação retiniana o mais rapidamente possível a fim de evitar o infarto definitivo da retina. Atualmente, não há um tratamento de escolha comprovado que possa trazer um efeito benéfico.

RELATO DE CASO

SCB, 54 anos, feminina, branca, encaminhada para avaliação oftalmológica com queixa de episódios de baixa visual em ambos os olhos (AO), não simultâneas, com intervalo de aproximadamente 24 horas entre os eventos.

Em relação aos antecedentes pessoais, negava: tabagismo, uso de álcool, uso de drogas ilícitas, medicações de controle especial, trauma ocular, hipertensão arterial sistêmica, diabetes ou alergias. Antecedente ocular pessoal prévio relatou amaurose fugaz em ambos os olhos dois anos antes da baixa visual apresentada à época da primeira avaliação. História familiar negativa para doenças oculares.

Ao exame oftalmológico, a acuidade visual com a melhor correção era de 20/400 em ambos os olhos. O exame biomicroscópico apresentava defeito pupilar aferente relativo e a pressão intraocular era de 18mmHg, em AO. À fundoscopia apresentava, em ambos os olhos, área de edema pálido na região macular e feixe papilomacular, hemorragia epirretiniana nasal à mácula além de tortuosidade vascular aumentada.

Foi solicitada angiografia fluoresceínica que evidenciou isquemia retiniana com staining tardio de arteríolas e capilares retinianos, defeito de enchimento capilar e isquemia macular bilateral no trajeto da obstrução (figura 1). Foi prescrito tartarato de brimonidina 0,2% de 8/8 horas e betametasona intramuscular (1mL / 3mg).


Foi solicitada investigação sistêmica com os exames: fator antinuclear (FAN), velocidade de hemossedimentação (VHS), anticorpo anticardiolipina (IgG e IgM), anticoagulante lúpico, eletroforese de proteínas séricas. Todos os exames solicitados apresentaram-se dentro dos padrões da normalidade.

Foram realizados ressonância magnética de carótidas, eletrocardiograma de repouso, teste ergométrico, ecodopplecardiograma transesofágico, ecodopplercardiograma com mapeamento de fluxos a cores que também se mostraram normais. Ao exame de duplex scan de carótidas a cores foi demonstrada placa fibrótica, regular com estenose de 10 a 20% no bulbo carotídeo esquerdo.

Em nova visita, realizada dois meses depois, a paciente apresentou AV, com correção, de 20/200 no OD e 20/50 no OE. À fundoscopia, apresentava oclusão de vasos periféricos com hemorragias. Foi mantido tartarato de brimonidina 0,2% de 8/8 horas e acompanhamento dos sintomas. Diante curso da doença, a paciente foi acompanhada periodicamente onde apresentou quadro estável em ambos os olhos.

Ao exame oftalmológico realizado 92 meses após a primeira visita, apresentava AV com correção de 20/400 em OD e 20/25 em OE. À biomicroscopia, apresentava catarata córtico-nuclear incipiente em AO e pressão intraocular de 16 mmHg em AO. A retinografia monocromática e colorida mostravam em AO: retina colada, nervo óptico com palidez temporal, hemorragias epirretinianas temporais à mácula, exsudatos algodonosos na retina temporal inferior em OD e superior em OE, vasos em fio de prata e dilatação capilar temporal à mácula. Angiografia fluoresceínica apresentou em AO: área de não-perfusão retiniana temporal superior à mácula, pontos isolados de hiperfluo-rescência que se mantiveram por todo o exame e dilatações telangiectásicas dos capilares temporais (Figura 2).


DISCUSSÃO

Os autores apresentam um caso raro de obstrução de ramos arteriais da retina que ocorreram quase que simultaneamente em ambos os olhos. O fator etiológico para a obstrução não foi claramente detectado e a acuidade visual final em um dos olhos foi preservada.

Pacientes do sexo masculino e acima de 60 anos portadores de doenças sistêmicas como HAS, valvulopatias cardíacas e aterosclerose carotídea são os mais propensos a apresentarem algum tipo de oclusão arterial retiniana. Geralmente a oclusão arterial da retina é provocada por um êmbolo originário das carótidas. O caso relatado foi de uma paciente com idade inferior aos 60 anos e que não apresentava história pregressa de doenças sistêmicas.

Após investigação sistêmica, os exames FAN, VHS, anticorpo anticardiolipina (IgG e IgM), anticoagulante lúpico, eletroforese de proteínas séricas apresentaram resultados normais, descartando eventuais fatores de risco que poderiam estar associados a uma maior probabilidade da ocorrência de fenômenos oclusivos.

As causas trombóticas de oclusão geralmente estão relacionadas com alterações do endotélio vascular, velocidade de fluxo sanguíneo e distúrbios de coagulação sanguínea. As principais doenças relacionadas a essas causas são: vasculopatias (arteriosclerose, HAS), alterações hematológicas (hemoglo–binopatias, policitemia vera), inflamações desencadeadas por vasculites (doença de Behçet, sífilis, arterite temporal) e colagenoses (lúpus eritematoso sistêmico associado ou não à sindrome de anticorpo antifosfolipídico).

Pesquisa diagnóstica para trombofilia como: deficiência de proteína S, deficiência de proteína C, resistência à proteína C, hiperhomocisteinemia, desfibrinogenemia, fator V de Leiden, antitrombina III, síndrome AC antifosfolípides, não foram realizadas durante a investigação das possíveis causas da oclusão.

Um quadro de vasculite de causa não identificada foi observado nas grandes arcadas de ambos os olhos. Existe uma possibilidade da vasculite ter sido desencadeada como um quadro reacional ao processo oclusivo, no entanto não há como comprovar o responsável por esse processo inflamatório como também se ele foi o responsável pela obstrução dos vasos.

A obstrução de ramo arterial da retina foi bilateral, mas o resultado final da visão foi bem diferente entre os olhos. Um dos olhos (esquerdo) restabeleceu uma boa acuidade visual, quadro bastante incomum frente a literatura, e o outro mostrou-se com importante perda da visão. Acreditamos que o motivo pela qual a paciente apresentou melhor acuidade visual somente no olho esquerdo foi devido ao menor acometimento isquêmico na região da mácula nesse olho, como também as dilatações telangectásicas serem menores e estarem mais distantes do centro da fóvea (Figura 2).

Preconiza-se como um dos tratamentos a redução da pressão intraocular, com o uso de hipotensores tópicos e sistêmicos, com o intuito de tentar melhorar a perfusão retiniana. O tartarato de brimonidina, hipotensor tópico, foi utilizado com essa finalidade e obteve-se efeito, além de que, aventa-se nos últimos anos que essa droga também poderia ter um efeito neuroprotetor. Diante do quadro da vasculite, o uso sistêmico da betametasona pode ter apresentado benefícios na diminuição do quadro inflamatório vascular com melhora na perfusão de alguns dos ramos acometidos.

O curso da doença apresentado por essa paciente, assim como nenhum novo episódio desencadeado após oito anos, nos faz questionar sobre evento oclusivo isolado, sem alterações oculares ou sistêmicas posteriormente detectadas. A exata etiologia do caso permanece indefinida. Como limitações podemos citar o fato de não ter sido realizada à época investigação de trombofilia, sendo este grupo de doenças uma possível causa para tal apresentação clínica.

A raridade do caso o faz importante de ser relatado, a fim de que pacientes com quadros semelhantes possam receber investigação para todos os tipos de doenças que possam cursar com quadro de oclusão vascular. Desta forma, pode ser possível prevenir eventuais processos oclusivos, evitando danos isquêmicos em orgãos susceptíveis a esses eventos tais como coração, rins e cérebro.

CONCLUSÃO

É importante estar ciente de que as oclusões retinianas não seguem uma apresentação de forma limitada aos casos que já foram reportados. É preciso estar sempre preparado para se deparar com as improváveis formas de apresentação das doenças e seguros diante das condutas a serem tomadas.

Recebido para publicação em 26/10/2011

Aceito para publicação em 27/3/2012

Os autores declaram não haver conflitos de interesse

Trabalho realizado no Centro de Referência em Oftalmologia do Hospital das Clínicas da UFG

  • 1. Von Graefe A. Ueber Embolie der arteria centralis retinae als Urscahe plotzlicher Erblingdung. Arch fur Ophthalmol. 1859; 5:136-57.
  • 2. Duke-Elder S, Dobree H. System of ophthalmology. St. Louis: Mosby; 1967. Diseases of the retina. p. 66-97.
  • 3. Rumelt S, Dorenboim Y, Rehany U. Aggressive systematic treatment for central retinal artery occlusion. Am J Ophthalmol. 1999;128(6):733-8. Erratum in Am J Ophthalmol. 2000;130(6): 908.
  • 4. Abujamra S, Ávila M, Barsante C, Farah ME, Gonçalves JO, Lavinsky J, et al. Retina e vítreo: clínica e cirurgia. São Paulo: Roca; 2000.
  • 5. Hykin PG, Gartry D, Brazier DJ, Graham E. Bilateral cilio-retinal artery occlusion in classic migraine. Postgrad Med J. 1991;67(785):282-4.
  • 6. Brown GC, Shields JA. Cilioretinal arteries and retinal arterial occlusion. Arch Ophthalmol. 1979;97(1):84-92.
  • 7. Augsburger JJ, Magargal LE. Visual prognosis following treatment of acute central retinal artery obstruction. Br J Ophthalmol. 1980;64(12):913-7.
  • 8. Brown GC, Magargal LE. Central retinal artery obstruction and visual acuity. Ophthalmology. 1982;89(1):14-9.
  • 9. Ávila M, Lavinsky J, Moreira Jr CA. Retina e vítreo. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, Cultura Médica; 2008. p. 243-8.
  • Autor correspondente:
    Luiz Guilherme Azevedo de Freitas
    Hospital de Olhos Santa Luzia
    Estrada do Encanamento 909 – Casa Forte
    CEP 52070-000 – Recife (PE), Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Nov 2013
    • Data do Fascículo
      Ago 2013

    Histórico

    • Recebido
      26 Out 2011
    • Aceito
      27 Mar 2012
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