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Transplante de glândulas salivares labiais no tratamento de olho seco em cães pela autoenxertia

Resumos

OBJETIVO: Avaliar os efeitos clínicos da secreção das glândulas salivares labiais como alternativa de lubrificação ocular para alívio do olho seco, em casos moderados, severos e refratários ao tratamento clínico, através da técnica de transposição de glândulas salivares labiais para o fórnice conjuntival pela autoenxertia. MÉTODOS: Foram selecionados 17 cães os quais apresentavam olho seco autoimune sem reposta satisfatória ao tratamento clínico. O teste lacrimal de Schirmer e o tempo de ruptura do filme lacrimal foram realizados no pré-operatório para avaliar a quantidade e a qualidade da lágrima produzida. Os pacientes foram submetidos aos exames oftálmicos completos no pré-operatório, a cada 15 dias por dois meses e a cada 30 dias por mais dois meses, totalizando seis retornos pós-operatórios. No pré-operatório e em todos os pós-operatórios fotografias digitais foram tiradas para o arquivo fotográfico. Utilizou-se o programa photoshop para avaliação e marcação dos neovasos corneanos em todos os retornos. RESULTADOS: Houve redução em todos os casos da secreção mucopurulenta, hiperemia conjuntival e blefarospasmo, bem como estabilização de lesões pré-existentes e redução importante do número de neovasos corneanos. A transposição resultou na melhora do tempo de ruptura do filme lacrimal, porém sem alterações significativas no teste de Schirmer. CONCLUSÃO: O transplante das glândulas salivares labiais para o fórnice conjuntival é um procedimento de fácil execução, rápido, eficaz, acessível a qualquer cirurgião veterinário oftalmologista e de grande valia para casos moderados e severos de ceratoconjuntivite seca não responsivos às medicações existentes.

Ceratoconjuntivite seca/terapia; Cães; Glândulas salivares; Transplante autólogo


OBJECTIVE: To evaluate the clinical effects of lips salivary gland secretion as ocular lubricant for dry eye relief in mild cases, severe and refractory to medical treatment, through the transposition technique of salivary glands autograft to the conjunctival fornix. METHODS: Seventeen dogs exhibiting autoimmune dry eye with no satisfactory response to clinical treatment were selected. Lacrimal Schirmer Test and Tear Film break-up time (BUT) preoperative tests were performed to estimate the quantity and the quality of produced tear. Animals were submitted to complete ophthalmic exams routine preoperative, each 15 days for two months and then each 30 days for more two months after surgery, totalizing six returns. Photos were taken before and after surgical procedure for photo archive. Photoshop software was utilized for corneal neovascular evaluation. RESULTS: Mucopurulent secretion, conjunctival hyperemia and blepharospasm diminished in all cases, as well as occurred stabilization of pre existent damages with important reduction of corneal neovascularization. The transposition resulted on break-up time tests improvement but no significant changes on Schirmer tests. CONCLUSION: This technique is simple, quick and effective, accessible to any veterinary ophthalmologist surgeon and is of great value for moderate and severe cases of dry keratoconjunctivitis not responsive to medications.

Keratoconjunctivitis sicca/therapy; Dogs; Salivary glands; Transplantation, autologous


ARTIGO ORIGINAL

Transplante de glândulas salivares labiais no tratamento de olho seco em cães pela autoenxertia

Labial salivary glands transplantation in the treatment of dry eye in dogs by autograft

Leticia Séra CastanhoI; Hamilton MoreiraII; Carmen Austrália Paredes Marcondes RibasIII; Antônio Felipe Paulino de Figueiredo WoukIV; Manuella SampaioI; Tatiana GiordanoV

IAluno do curso de pós-graduação (mestrado) da Faculdade Evangélica do Paraná, Hospital Universitário Evangélico de Curitiba, Curitiba (PR), Brasil

IIDoutor em cirurgia, professor da Faculdade Evangélica do Paraná, Curitiba (PR), Brasil

IIIProfessor titular da Universidade Federal do Paraná, Curitiba (PR), Brasil

IVDoutor em cirurgia e oftalmologia Veterinária, professor titular da Universidade Federal do Paraná, Curitiba (PR), Brasil

VMestre em anestesiologia veterinária, Faculdade Evangélica do Paraná, Curitiba (PR), Brasil

Autor correspondente Autor correspondente: Leticia Séra Castanho Tel: (41) 3039 6644 / Cel. (41) 99985-6262 E-mail: lecastanho@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar os efeitos clínicos da secreção das glândulas salivares labiais como alternativa de lubrificação ocular para alívio do olho seco, em casos moderados, severos e refratários ao tratamento clínico, através da técnica de transposição de glândulas salivares labiais para o fórnice conjuntival pela autoenxertia.

MÉTODOS: Foram selecionados 17 cães os quais apresentavam olho seco autoimune sem reposta satisfatória ao tratamento clínico. O teste lacrimal de Schirmer e o tempo de ruptura do filme lacrimal foram realizados no pré-operatório para avaliar a quantidade e a qualidade da lágrima produzida. Os pacientes foram submetidos aos exames oftálmicos completos no pré-operatório, a cada 15 dias por dois meses e a cada 30 dias por mais dois meses, totalizando seis retornos pós-operatórios. No pré-operatório e em todos os pós-operatórios fotografias digitais foram tiradas para o arquivo fotográfico. Utilizou-se o programa photoshop para avaliação e marcação dos neovasos corneanos em todos os retornos.

RESULTADOS: Houve redução em todos os casos da secreção mucopurulenta, hiperemia conjuntival e blefarospasmo, bem como estabilização de lesões pré-existentes e redução importante do número de neovasos corneanos. A transposição resultou na melhora do tempo de ruptura do filme lacrimal, porém sem alterações significativas no teste de Schirmer.

CONCLUSÃO: O transplante das glândulas salivares labiais para o fórnice conjuntival é um procedimento de fácil execução, rápido, eficaz, acessível a qualquer cirurgião veterinário oftalmologista e de grande valia para casos moderados e severos de ceratoconjuntivite seca não responsivos às medicações existentes.

Descritores: Ceratoconjuntivite seca/terapia; Cães; Glândulas salivares; Transplante autólogo

ABSTRACT

OBJECTIVE: To evaluate the clinical effects of lips salivary gland secretion as ocular lubricant for dry eye relief in mild cases, severe and refractory to medical treatment, through the transposition technique of salivary glands autograft to the conjunctival fornix.

METHODS: Seventeen dogs exhibiting autoimmune dry eye with no satisfactory response to clinical treatment were selected. Lacrimal Schirmer Test and Tear Film break-up time (BUT) preoperative tests were performed to estimate the quantity and the quality of produced tear. Animals were submitted to complete ophthalmic exams routine preoperative, each 15 days for two months and then each 30 days for more two months after surgery, totalizing six returns. Photos were taken before and after surgical procedure for photo archive. Photoshop software was utilized for corneal neovascular evaluation.

RESULTS: Mucopurulent secretion, conjunctival hyperemia and blepharospasm diminished in all cases, as well as occurred stabilization of pre existent damages with important reduction of corneal neovascularization. The transposition resulted on break-up time tests improvement but no significant changes on Schirmer tests.

CONCLUSION: This technique is simple, quick and effective, accessible to any veterinary ophthalmologist surgeon and is of great value for moderate and severe cases of dry keratoconjunctivitis not responsive to medications.

Keywords: Keratoconjunctivitis sicca/therapy; Dogs; Salivary glands; Transplantation, autologous

Introdução

A síndrome da disfunção lacrimal, conhecida como olho seco, tem uma alta prevalência em humanos, atingindo cerca de 14 a 33% da população mundial. Caracterizada por uma desordem multifatorial lacrimal e da superfície ocular, associada a sintomas de desconforto ou distúrbios visuais. Estes sintomas incluem ardor, prurido, hiperemia conjuntival, lacrimejamento, sensação de corpo estranho e fotofobia(1).

A síndrome do olho seco constitui frequentemente, grande fonte de frustração, tanto para os pacientes, como para os oftalmologistas que, não raramente, são vencidos pela persistência dos sintomas, apesar dos esforços para sua abordagem diagnóstica e terapêutica. O tema adquire sua real importância quando nos defrontamos com o fato do olho seco ser uma das queixas mais comuns na prática oftalmológica. Na medicina veterinária esta afirmação também é verdadeira, sendo que os sinais clínicos apresentados pelos animais tendem a ser muito mais severos(2).

Entre as doenças mais comuns em pacientes humanos que podem causar olho seco está a artrite reumatóide e a síndrome de Sjögren. A artrite reumatoide (AR) é uma doença autoimune inflamatória de origem desconhecida que se manifesta por artrite erosiva simétrica e cursa frequentemente com manifestações extra-articulares. O olho é uma das estruturas extra-articulares envolvidas nesta entidade e o envolvimento mais comumente encontrado neste contexto é a ceratoconjuntivite seca. Um paciente com AR e ceratoconjuntivite seca pode ter um olho seco isolado ou essa pode fazer parte da síndrome de Sjögren secundária quando existe infiltração progressiva de glândulas exócrinas por linfócitos e plasmócito (3).

Existe também uma preocupação constante por parte dos oftalmologistas em relação a cirurgias de blefaroplastia. A blefaroplastia é uma das cirurgias estéticas mais realizadas no mundo e o olho seco é uma das complicações reconhecidas e temidas pelos cirurgiões neste tipo de procedimento, com uma incidência de 8 a 21% (1).

Atualmente, devido à grande importância alcançada pelos animais de estimação na vida do ser humano, surge crescente preocupação relacionada ao bem-estar e ao aumento de sua expectativa de vida. Dentre os vários males acometidos nos animais de estimação, mais precisamente nos cães, estão as oftalmopatias (4).

A oftalmologia veterinária vem crescendo nos últimos anos, buscando diagnósticos mais precisos e tratamentos cada vez mais eficazes e precoces.

Doenças do sistema lacrimal e nasolacrimal não são incomuns e a deficiência da lágrima, ceratoconjuntivite seca (CCS) ou olho seco é frequentemente encontrada na prática clínica. A ceratoconjuntivite seca é uma doença ocular comum em cães, resultante da deficiência do componente aquosa (desordem quantitativa) ou deficiências dos componentes lacrimais, normalmente deficiência na camada de mucina (desordens qualitativas), o que resulta em ressecamento e inflamação da conjuntiva e córnea, dor ocular, doença corneana progressiva e deficit visual. Isto ocorre comumente em cães e com menor frequência em gatos (4).

Entre as drogas utilizadas no tratamento do olho seco, existem deficiências na efetividade de algumas delas, especialmente no que diz respeito às causas imunomediadas. Este fato demonstra a necessidade de busca por novas alternativas de tratamento.

O transplante de glândulas salivares labiais no fórnice conjuntival para tratamento do olho seco grave apresentou resultados satisfatórios em experimento com humanos, ocorrendo melhora clínica estatisticamente significativa (5).

Sendo assim, esta nova alternativa de tratamento para cães com CCS foi utilizada e a avaliação dos sinais clínicos da ceratoconjuntivite seca – secreção ocular, hiperemia conjuntival, blefarospasmo, brilho corneano neovascularização corneana, quantificação da produção lacrimal (teste de Schirmer) e tempo de ruptura do filme lacrimal (TRFL), permitiram estabelecer os efeitos e a eficácia desta técnica.

O objetivo deste estudo foi avaliar os efeitos clínicos da secreção das glândulas salivares labiais como alternativa de lubrificação ocular para alívio do olho seco através da técnica de transposição de glândulas salivares labiais para o fórnice conjuntival pela autoenxertia.

Métodos

O estudo foi desenvolvido no Hospital Veterinário Batel e na Faculdade Evangélica do Paraná, Curso de Medicina Veterinária, Curitiba (PR), Brasil, depois de aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Animais da entidade.

Foram submetidos ao experimento 17 cães, de diferentes raças, pesos e idades, os quais foram triados no local de realização do projeto. Esses cães passaram por exame oftalmológico completo e testes específicos, como o de Schirmer e TRFL, para a confirmação de ceratoconjuntivite seca. Eles foram avaliados clinicamente, sendo aceitos os que possuíam a enfermidade por causa imunomediada, não responsivos ao tratamento clínico. Todos os cães tinham proprietários ou, se pertencentes às Organizações não governamentais (ONG), um responsável ficava encarregado pelos cuidados pós-operatórios e pelos retornos necessários.

Os proprietários assinaram termo de anuência ao tratamento e de compromisso para comparecer às avaliações pós--operatórias a cada 15 dias, durante dois meses e, após, a cada 30 dias por mais dois meses, totalizando seis retornos para acompanhamento, cientes de sua responsabilidade e da possibilidade da não obtenção dos efeitos esperados do transplante.

Os exames realizados para confirmação da ceratoconjuntivite seca foram o teste de Schirmer, teste de ruptura do filme lacrimal (TRFL) e a oftalmoscopia. Eles foram realizados na seleção dos animais, antes do experimento e após o transplante, durante os quatro meses de observação.

O teste de Schirmer, é um método semiquantitativo da mensuração da produção do filme lacrimal pré-corneano. Ele é realizado com tiras estéreis e individualmente embaladas, manufaturadas com papel absorvente (Whatman paper 41), com um entalhe a 5 mm de sua extremidade. Cada tira é dobrada neste entalhe e inserida na porção medial da pálpebra inferior durante 60 segundos. A distância do entalhe até a extremidade umedecida do papel é mensurada imediatamente após a remoção da tira do olho. A interpretação dos resultados baseou-se na mensuração de valores feita da seguinte forma: 1) de 15 mm/min ou acima: produção normal; 2) entre 11 e 14 mm/min: CCS incipiente; 3) entre 6 e 10 mm/min: CCS moderada; 4) entre 0 e 5 mm/min: CCS severa.

Foram aceitos no estudo os animais que apresentavam valores do teste lacrimal de Shirmer abaixo dos considerados normais, ou seja abaixo de 14 mm/min.

O corante vital de fluoresceína, em tiras estéreis, foi utilizado para avaliar o TRFL (tempo de ruptura do filme lacrimal) ou break-up time (BUT). Colocada na superfície ocular, o cão piscava uma vez e então, com o auxílio da luz de cobalto do oftalmoscópio direto, era contado o tempo para que o filme iniciasse a ruptura, com as pálpebras mantidas abertas. Os valores normais para cães devem estar entre 15 e 20 segundos. Em todos os cães deste estudo foi observado TRFL sempre abaixo de 10 segundos no pré-operatório.

Os resultados subjetivos obtidos através de vários parâmetros, avaliados em todos os retornos sempre pelo mesmo observador foram: 1) brilho da córnea: ausente ou presente; 2) secreção mucóide: severa, moderada, leve ou ausente; 3) blefarospasmo: ausente ou presente; 4) hiperemia conjuntival: severa, moderada, leve ou ausente; 5) neovascularização clínica: severa, moderada, leve ou ausente.

Os resultados objetivos foram obtidos através da análise quantitativa do número de neovasos corneanos contabilizados por fotografia digital, no programa "photoshop". As fotografias foram obtidas antes e depois das operações, em todos os retornos, com uma câmera digital Sony, modelo DSC-H50 de 9.1 megapixels. Dois observadores marcaram na mesma imagem em vermelho o que eles consideraram neovascularização corneana antes da operação e em todos os retornos pós-operatórios. Para isso, utilizaram a ferramenta pincel padrão do programa photoshop (figura 1). Os observadores não receberam informações sobre os procedimentos e tratamentos realizados nos animais.


Técnica do transplante

Todos os animais foram internados para o procedimento, passaram pela avaliação do anestesista e, após, iniciavam-se os procedimentos. A técnica anestésica utilizada consistiu em medicação pré-anestésica (acepromazina 0.02 mg/kg e meperidina 5mg/Kg), indução com propofol 5 mg/kg e manutenção com isoflurano.

A operação teve três etapas:

1) Obtenção do enxerto com auxílio da localização anatômica e da irritação por iodo no local para melhor visualização, optou-se em retirar o enxerto das glândulas labiais da porção interna do lábio superior ou inferior, 5 mm da comissura labial, em um corte elíptico com lâmina de bisturi B, número 15. A incisão foi aprofundada até o plano muscular e, em seguida, com uma tesoura de pontas rombas, retirou-se o enxerto fazendo dissecção, seguindo o folheto areolar que separa o manto glandular do plano muscular. O enxerto foi retirado com aproximadamente 6 mm x 4 mm em um conjunto único, constituído pela mucosa e glândulas salivares subjacentes (figura 2). Após, foi ele mergulhado em solução fisiológica estéril até que o fórnice conjuntival superior ipsilateral à mucosa labial incisada fosse preparado para recebê-lo. A área doadora foi suturada com vicryl 4-0 em padrão simples contínuo.


2) Preparo do leito receptor no fórnice conjuntival: Foi criada uma área cruenta fusiforme, na face posterior da pálpebra superior. A preparação do leito receptor iniciava-se com a aplicação de solução fisiológica estéril através de seringa de 1 ml no espaço subconjuntival para separar a mucosa do plano muscular subjacente e expor a conjuntiva a ser incisada (figura 3A). A incisão de aproximadamente 5 mm da conjuntiva foi realizada em região mais temporal no fundo do fórnice no sentido horizontal. O objetivo era criar uma área cruenta fusiforme na face posterior da pálpebra superior.


3) Sutura do enxerto glândulo-mucoso foi levado até o leito receptor com a face glandular em contato com a superfície cruenta. A mucosa do enxerto foi então suturada à conjuntiva, em padrão simples interrompido, realizando-se aproximadamente seis pontos com fio nylon 6-0 (figura 3B).

No pós-operatório foi adiministrado anti-inflamatório não- esteroidal meloxican via oral 0,1 mg/kg (Meloxivet®, Duprat laboratório, RJ- Brasil) em dose única, colírio antibiótico moxifloxacino 0,5% (Vigamox®, Alcon Laboratório (SP), Brasil), quatro vezes ao dia por sete dias e substitutos da lágrima a base de Aminomethylpropanol, ácido bórico, guar hidroxipropil, polyquaternium-1, conservante, cloreto de potássio 0,001% de água purificada, cloreto de sódio, sorbitol. Pode conter o ácido clorídrico e / ou hidróxido de sódio para ajustar o pH (Systane®, Alcon Laboratório, SP- Brasil), três vezes ao dia. Neste período, os animais foram observados a cada 15 dias por dois meses e, após, a cada 30 dias por mais dois meses, totalizando seis retornos.

Análise estatística

Os dados obtidos foram submetidos ao teste de Shapiro-Wilk para avaliar a normalidade da distribuição da amostra em relação às variáveis quantitativas. No teste de Schirmer, TRFL e número de neovasos corneanos, foi suposto que na hipótese 1 a amostra provinha de distribuição paramétrica e na hipótese 2 não-paramétrica. Após a avaliação do resultado do teste de Shapiro-Wilk, foi utilizado o teste de Wilcoxon para análise dos resultados no esquema de pareamento. Para comparação dos momentos em relação às variáveis nominais dicotômicas (secreção, hiperemia, blefarospasmo, neovascularização clínica e brilho corneano) foi considerado o teste de Mc Nemar, em que na hipótese 1 não existia diferença antes e depois do tratamento e na hipótese 2 existia. Valores de p menores ou iguais a 0,05 indicaram significância estatística.

Resultados

Os procedimentos cirúrgicos transcorreram de forma adequada, sem intercorrências durante o trans e pós-operatórios, com tempo cirúrgico e anestesia inalatória em média de 40 minutos para cada cão.

Houve melhora significativa do quadro clínico no pós-operatório em todos os cães, traduzido pela redução da secreção mucopurulenta presente em todos os casos de CCS moderada e severa, redução da hiperemia conjuntival, blefarospasmo e número de neovasos corneanos, assim como a recuperação do brilho corneano e o aumento do TRFL.

Houve melhora significativa na redução da hiperemia conjuntival a partir de 15 até 120 dias do pós-operatório (p<0,05) (tabela 1). Pôde-se observar significativa melhora pela redução do número de olhos com quadro severo (11) antes da operação para apenas dois nos últimos exames (90 e 120 dias), e ausência de hiperemia conjuntival em um caso.

Foi utilizado o teste estatístico de Shapiro-Wilk para avaliar a normalidade da distribuição da amostra do teste de Schirmer. O estudo indicou que a amostra provinha de uma distribuição não-paramétrica. Como ela se originava de distribuição não paramétrica, a significância estatística foi avaliada utilizando-se o teste de Wilcoxon para dados emparelhados, comparando-se o dia 0 (pré-operatório) com os demais dias pós-operatórios (15, 45 e 120 dias). Os resultados mostram p>0,05 o que indicou que os resultados estatísticos para o teste de Schirmer não foram significativos.

A saliva lubrificou eficientemente a superfície ocular sem produzir grandes modificações no teste de Schirmer. Apesar da melhora clínica observada nos cães após o enxerto, não houve mudanças significativas nos valores de Schirmer, ou seja, não houve aumento dos valores do teste compatíveis com a melhora clínica. Os valores iniciais mostraram média de 4,4 mm/min, com pequena melhora na média aos 60 dias com 7,2 mm/min e, ao final dos 120 dias, redução para 6,5 mm/min, porém com resposta clínica positiva. Observou-se também grande dispersão dos resultados através da variação do desvio padrão.

Observou-se em todos os animais redução significativa da secreção mucopurulenta, assim como o aumento do TRFL.

Os resultados pelo teste de Shapiro-Wilk (utilizado para avaliar a normalidade da distribuição da amostra do TRFL) mostrou que a amostra provinha de uma distribuição não-paramétrica. Desta forma a significância estatística foi avaliada utilizando-se o teste de Wilcoxon para dados emparelhados. Os resultados mostraram p<0,05, o que indica que os resultados estatísticos para o TRFL foram significativos.

A figura 4 mostra os valores do TRFL em todos os retornos. Nota-se que o valor da média realizado no pré-operatório era de 6,8 segundos aumentando para 7,9 segundos com 45 dias do pós-operatório e para 8,9 segundos ao final dos 120 dias. Estes valores indicaram que a secreção produzida pelas glândulas salivares labiais podiam manter por mais tempo a estabilidade do filme lacrimal, aumentando desta forma os valores do TRFL.


Para avaliação da secreção ocular foi utilizado o teste qui-quadrado de McNemar, que mostrou melhora significativa na redução da secreção em todos os momentos, comparados dois a dois, ou seja, p<0,05 na presença de secreção do dia zero (pré-operatório) com 15, 45 e 120 dias do pós-operatório.

A figura 5 mostra a evolução do número de cães com presença de secreção conjuntival desde a análise pré-operatória até a avaliação realizada 120 dias do pós-operatório. Verificou-se significativa melhora pela redução do número de olhos com quadro severo (13) antes da operação p e, ao final dos 120 dias, nenhum caso severo. Houve melhora nos casos moderados com 13 cães no pré-operatório e apenas quatro após 120 dias. Notou-se que seis animais aos 120 dias mostraram ausência de secreção e 18 cães tinham secreção leve.


A figura 6 mostra a evolução positiva do pós-operatório de um dos cães do estudo com CCS severa, sem resposta terapêutica adequada, com grande quantidade de secreção mucopurulenta, hiperemia conjuntival, desconforto ocular, ausência de brilho corneano e neovascularização intensa. Com 30 dias após a transposição das glândulas salivares labiais, a secreção, hiperemia e neovascularização e recuperação do brilho corneano reduziram-se de forma muito significativa.


O alívio dos sintomas da CCS foi observado logo na segunda semana do pós-operatório com recuperação do brilho da superfície ocular, diminuição do quadro irritativo, da fotofobia e do blefarospasmo, presentes no pré-operatório. Houve melhora estatisticamente significativa para o parâmetro blefarospasmo e brilho corneano. Para avaliação do blefarospasmo e do brilho corneano foi utilizado o teste qui-quadrado de McNemar, que mostrou melhora significativa em todos os momentos, comparados dois a dois (p<0,05) no dia 0 (pré-operatório) e na evolução em 15, 45 e 120 dias.

Após o transplante houve redução importante da neovascularização corneana, assim como do processo inflamatório envolvido. Como a amostra não provém de uma distribuição normal, a significância estatística foi avaliada utilizando-se o teste de Wilcoxon para dados emparelhados. Os resultados mostraram valor de p<0,05 o que indica que houve redução do número de neovasos corneanos de forma significativa. A figura 7 mostra a evolução do número de neovasos corneanos presentes no pré-operatório até a avaliação realizada 120 dias pós-operatório. Pôde-se observar significativa melhora pela redução do número de neovasos, inicialmente com média de 17,7 olhos antes da operação, reduzindo para 12,2 a média com 45 dias do pós-operatório e, no final dos 120 dias, média de 8,4 olhos. A redução do número de neovasos indica também redução importante do processo inflamatório e irritativo presentes nos casos de CCS.


No presente estudo a área doadora no lábio mostrou aparência semelhante a de um leve trauma cirúrgico, sem dor ou incômodos importantes e o local da incisão resultou em cicatriz linear. Observou-se também discreta palidez do enxerto nas primeiras horas do pós-operatório, mas retomando sua coloração rosada nas áreas sem pigmentação nas primeiras 12 horas. Não houve rejeição do enxerto e sua incorporação ocorreu em todos os cães (figura 8).


Discussão

O transplante de glândulas salivares labiais no fórnice conjuntival para tratamento do olho seco grave apresentou resultados satisfatórios em experimento com humanos, ocorrendo melhora clínica estatisticamente significativa (5). A despeito de existirem várias alternativas disponíveis para o tratamento do olho seco, esta síndrome, particularmente a de fundo imune, permanece como um desafio terapêutico, o que torna a busca por novas alternativas de tratamento uma necessidade.

A lubrificação da superfície ocular produzida pela secreção salivar mostrou ser eficiente, bem tolerada e constante em humanos (5). Este relato motivou o presente estudo em cães, espécie portadora de olho seco de fundo autoimune e, portanto, um bom modelo de oftalmologia comparada.

As glândulas salivares labiais constituem a fonte principal de secreção de imunoglobulinas A da saliva, já que são responsáveis pela produção de cerca de 1/3 de IgA de toda a cavidade oral. A alta concentração de IgA nesta saliva forma importante atividade reguladora de microorganismos da cavidade oral. As glândulas salivares menores labiais são numerosas pequenas glândulas nos cães que medem de 1 a 3 mm de diâmetro, situadas na submucosa dos lábios superior e inferior. Elas chegam a formar uma camada quase contínua entre a mucosa e o músculo orbicular da boca e são palpáveis quando se passa a língua na superfície interna dos lábios (6).

A saliva produzida pelas glândulas labiais possui concentração média de IgA quatro vezes maior que a saliva produzida pela glândula parótida (6). Este fato é muito desejável ao se pensar nesta secreção como alternativa para a lubrificação da superfície ocular e na vantagem do uso da técnica da transposição das glândulas labiais ao invés da antiga técnica da transposição do ducto parotídeo.

A saliva tem função de defesa por possuir proteínas antimicrobianas como as lisozimas, lactoferrinas, apolactoferrina, IgA, fibronectina, histatinas, β2 - microglobulina, aglutininas salivares e mucinas (7). A melhora significativa a partir dos 45 dias do pós-operatório no processo infeccioso e inflamatório ocular verificado neste estudo - traduzido clinicamente pela redução da hiperemia conjuntival, da secreção mucopurulenta e ausência de blefarospasmo -, pode, em parte, ser atribuído a esta composição da saliva produzida pelas glândulas labiais transplantadas.

A saliva tem função lubrificante por conter em sua composição uma quantidade maior de mucina (7). O teste de Schirmer avalia a porção aquosa da lágrima. A saliva não possui conteúdo gorduroso e seu conteúdo em água é menos importante que seu conteúdo mucoso. Desta maneira, a saliva lubrifica eficientemente a superfície ocular sem produzir modificações muito expressivas no teste de Schirmer. Houve melhora no quadro clínico de todos os cães do estudo, porém sem mudanças significativas no teste de Schirmer, o que corrobora com os resultados alcançados por Lawrence (7).

A melhora clínica observada após o enxerto, juntamente com o uso dos colírios lubrificantes, são devidas ao fato da secreção dessas glândulas conterem elementos que conservam e protegem a superfície ocular, principalmente através da mucina produzida em maior quantidade, que aumenta a viscosidade da "lágrima salivar". Essa secreção mais consistente diminui a evaporação e forma uma camada umidificante mais duradoura e estável (5). Neste estudo, houve redução significativa da secreção mucopurulenta, assim como o aumento do TRFL, promovendo estabilidade do filme lacrimal, reduzindo sua evaporação.

O alívio dos sintomas da CCS foi observado logo na segunda semana do pós-operatório, traduzido pela recuperação do brilho da superfície ocular acompanhado de grande diminuição do quadro irritativo, da fotofobia e do blefarospasmo presentes no início (8). Neste estudo houve melhora estatisticamente significativa para o parâmetro blefarospasmo e brilho corneano, o que revela o conforto ocular produzido no pós-operatório.

Na síndrome do olho seco frequentemente observa-se desconforto ocular, secreção ocular mucóide ou mucopurulenta, ressecamento da superfície ocular, hiperemia conjuntival, neovascularização e pigmentação da córnea (9). A córnea normal é transparente e avascular, tem sua nutrição baseada principalmente nos vasos sanguíneos do limbo, humor aquoso e lágrimas, porém em estágios terminais de diversos processos patológicos, a hipóxia crônica e a inflamação prolongada, como nos casos de CCS, estimulam os vasos do limbo a proliferarem na espessura da córnea, conduzindo perda de sua transparência e consequente perda da acuidade visual (10,11). Em todos os animais do estudo, por serem portadores de CCS de moderada à severa, observou-se processo inflamatório importante; como consequência, um número elevado de neovasos corneanos, após o transplante, reduziram-se de forma significativa.

Os enxertos das glândulas salivares labiais apresentaram-se pálidos somente nas primeiras horas, mas sem nenhum sinal de sofrimento, sendo sua incorporação vital à área receptora processada, readquirindo a sua coloração rosada original a partir do segundo dia pós-operatório (5). A integração do enxerto ao leito receptor se processou antes de 48 horas, evidenciada pela rápida recuperação da coloração normal e pela melhor lubrificação observada concomitantemente com a recuperação do brilho da superfície ocular, alívio dos sintomas e melhoria das condições visuais. Neste estudo houve a incorporação do enxerto em todos os cães, discreta palidez do enxerto nas primeiras horas no pós-operatório, mas o retorno à coloração normal após 12 horas. A cicatrização da área doadora também foi completa, resultando em uma cicatriz linear quase imperceptível.

Conclusão

A melhora do quadro clínico da ceratoconjuntivite seca de moderada e severa, assim como as não-responsivas ao tratamento clínico observada nos cães após o enxerto das glândulas salivares labiais, foi significativa, podendo ser comprovada através da avaliação clínica e de testes estatísticos. O transplante das glândulas salivares labiais demonstrou que a lubrificação da superfície ocular produzida pela secreção salivar é estável e eficaz.

6. Localização e comparação morfo-funcional dos diferentes tipos de glândulas salivares menores [Internet]. [citado 2012 Fev 9]. Disponível em: http://www.ebah.com.br/content/ABAAABTZQAB/histologia

Recebido para publicação em 20/12/2012

Aceito para publicação em 26/6/2013

Os autores declaram não haver conflitos de interesses

Trabalho realizado no programa de pós-graduação em princípios da cirurgia da Faculdade Evangélica do Paraná/Hospital Universitário Evangélico de Curitiba, Curitiba (PR), Brasil

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  • Autor correspondente:

    Leticia Séra Castanho
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Mar 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      20 Dez 2012
    • Aceito
      26 Jun 2013
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