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Definição da população e randomização da amostra em estudos clínicos

A primeira etapa para a elaboração de um estudo científico é estabelecer uma dúvida que, naquele momento, não podia ser tirada com as informações disponíveis na literatura (lacuna no conhecimento). Nos estudos clínicos o ideal é que a resposta para essa dúvida contribua para melhorar a prática médica. A etapa seguinte é definir a população que será estudada. Por exemplo, na avaliação da eficácia de uma lente intraocular (LIO) com pigmentação amarela na prevenção da degeneração macular relacionada à idade (DMRI), a população a ser estudada seria composta por pacientes operados de catarata, que receberam o implante desta LIO em um ou mais locais específicos em determinado momento(11. Siqueira RC. Pesquisa translacional na oftalmologia: o caminho para a medicina personalizada. Rev Bras Oftalmol. 2012;71(5):338-42.

2. Kara-Junior N, Espindola RF, Gomes BA, Ventura B, Smadja D, Santhiago MR. Effects of blue light-filtering intraocular lenses on the macula, contrast sensitivity, and color vision after a long-term follow-up. J Cataract Refract Surg. 2011;37(12):2115-9.
-33. Kara-Júnior N, Jardim JL, de Oliveira Leme E, Dall'Col M, Susanna R Jr. Effect of the AcrySof Natural intraocular lens on blue-yellow perimetry. J Cataract Refract Surg. 2006;32(8):1328-30.).

Caso seja considerado que os resultados possam ser diferentes para pacientes com menos de 50 anos de idade (menor probabilidade de desenvolver DMRI) e com mais de 70 anos de idade (maior probabilidade de desenvolver DMRI), a fim de aumentar a significância dos dados, pode-se restringir a população, para, por exemplo, pacientes com idade superior a 70 anos. É assim que é definido o que e quem será estudado na pesquisa.

Não é obrigatório que a população do estudo seja representativa do universo do quesito que será avaliado. Por exemplo, a população de pacientes operados de catarata que receberam o implante da LIO amarela no Hospital das Clínicas da USP (HCFMUSP) não é representativa de todos os pacientes operados de catarata com essa LIO no mundo. Porém, é provável que a evolução daqueles pacientes não seja muito distinta dos demais, tornando os resultados da pesquisa válidos, também, para pacientes de outras regiões (extrapolação das conclusões). Caso seja considerado que fatores constitucionais (olho claro) ou ambientais (exposição solar) sejam importantes e possam influenciar nos resultados, o estudo, então, deve ser repetido por outros grupos de pesquisa em outras circunstâncias e o leitor deverá valorizar os artigos em que a população estudada se assemelhe mais à sua realidade.

O estudo de uma população pode avaliar todos os seus elementos ou apenas uma parte deles. Na amostragem, a análise é realizada com base numa parte (representativa) da população. No caso da LIO amarela, se for inviável examinar todos os pacientes que foram operados de catarata e receberam a LIO amarela no HCFMUSP (população), então se seleciona uma amostra de sujeitos que represente essa população. O importante é que a única forma de garantir a representatividade dessa amostra será realizando sua seleção de forma aleatória, a fim de que cada elemento da população tenha exatamente a mesma probabilidade de ser selecionado. O ideal seria que essa seleção fosse mascarada, para garantir que não seja influenciada pelo pesquisador.

A randomização é um processo de seleção em que cada paciente tem a mesma probabilidade de ser sorteado para formar a amostra ou para ser alocado em um dos grupos de estudo. Em um estudo não-randomizado os pesquisadores poderiam, mesmo que involuntariamente, alocar no grupo de intervenção os melhores pacientes da amostra (que morem mais perto, mais colaborativos, de melhor prognóstico), o que poderia comprometer a validade dos resultados. A randomização contribui para que as características da amostra sejam homogêneas quanto ao sexo, idade e outros fatores prognósticos. Em geral, nos estudos caso-controle, a primeira tabela dos resultados expressa as características de ambos os grupos de estudo, enfatizando sua homogeneidade. A similaridade entre os grupos é uma segurança para o leitor de que os sujeitos de ambos os grupos possuam características semelhantes e que a intervenção seja a única variável divergente a ser estudada.

No caso de uma população de indivíduos operados com LIOs amarelas, em um estudo prospectivo, pode-se randomizar a amostra, ao sortear alguns indivíduos que serão acompanhados. Em um estudo retrospectivo, após alguns anos da cirurgia, pode-se sortear os sujeitos que serão convocados ou que terão seus prontuários avaliados. Em um estudo controlado randomizado, onde teremos o grupo estudado e o grupo controle, a partir de todos os pacientes elegíveis para participar da pesquisa (com indicação de cirurgia de catarata) sorteia-se os sujeitos que formarão o grupo de estudo (LIO amarela) e os sujeitos que integrarão o grupo controle (LIO transparente). Na randomização, é fundamental assegurar que todos os indivíduos da população tenham a mesma chance de serem selecionados para a amostra e serem alocados em cada um dos grupos em estudo. Qualquer erro cometido na fase da amostragem é classificado como viés (erro metodológico) de seleção e pode influenciar os resultados obtidos. Assim, se houver uma tendência do pesquisador colocar pacientes, por exemplo, mais jovens no grupo de estudo, pode haver um desvio sistemático nos resultados, pois é possível que os sujeitos mais jovens tenham menor incidência de DMRI. Provavelmente os dados dessa pesquisa divergirão de outros estudos semelhantes e a equipe poderá perder credibilidade.

Em amostras selecionadas aleatoriamente (randomizadas) de uma população, é possível mensurar a precisão dos resultados do estudo, ao se calcular 1- o intervalo de confiança (IC), que indica a precisão em que o valor da percentagem de cada variável estudada corresponda ao real valor da percentagem da população e 2- o valor "p" (nível de significância) que reflete a chance de os resultados terem sido atribuídos à intervenção ou ao acaso.

É fato que nem todos os pacientes que foram randomizados, para compor a amostra, efetivamente chegam a concluir o estudo, podendo haver casos de perda de seguimento ou ocorrência de evento adverso durante o acompanhamento. A regra é que todo indivíduo randomizado e selecionado para participar do estudo, seja incluído na análise dos resultados. O número (n) de sujeitos participantes da pesquisa nunca pode diminuir no decorrer do estudo. Eventuais casos de perda de seguimento ou de interrupção do tratamento devem ser sempre considerados, mesmo que analisados em separado. Perdas de seguimento maiores do que 10% da amostra ou assimétricas para ambos os grupos de estudo podem comprometer a validade dos resultados (viés de exclusão). Por exemplo, no caso da avaliação da eficácia das LIOs, uma perda de seguimento muito maior no grupo da LIO amarela, poderia ser devido a esses indivíduos terem ficado tão satisfeitos que não precisaram mais retornar, o que falsearia os dados, uma vez que os melhores resultados poderiam não ser analisados.

Assim, amostragem é uma técnica estatística que significa extrair do todo (população) uma parte (amostra) com o objetivo de avaliar certas características dessa população. A validade do estudo está diretamente ligada à randomização, ao tamanho da amostra, aos indicadores de precisão dos dados (IC e "p") e à magnitude de perda de seguimento. É importante que os leitores analisem os itens acima, a fim de avaliar a possibilidade de extrapolação dos resultados da amostra para a população em estudo e avaliar se as condições do estudo, as características e os fatores prognósticos da população estudada se assemelham à sua realidade, para se considerar a extrapolação das conclusões do artigo para seus pacientes ou para sua própria pesquisa(44. Chamon W. Plagiarism and misconduct in research: where we are and what we can do. Arq Bras Oftalmol. 2013;76(6):V-VIII-55. Chamon W. Fine prints at the bottom of the page.Arq Bras Oftalmol. 2013;76(3):v-vi.). Sabe-se que tais questões fazem parte da essência da análise crítica da literatura.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Siqueira RC. Pesquisa translacional na oftalmologia: o caminho para a medicina personalizada. Rev Bras Oftalmol. 2012;71(5):338-42.
  • 2
    Kara-Junior N, Espindola RF, Gomes BA, Ventura B, Smadja D, Santhiago MR. Effects of blue light-filtering intraocular lenses on the macula, contrast sensitivity, and color vision after a long-term follow-up. J Cataract Refract Surg. 2011;37(12):2115-9.
  • 3
    Kara-Júnior N, Jardim JL, de Oliveira Leme E, Dall'Col M, Susanna R Jr. Effect of the AcrySof Natural intraocular lens on blue-yellow perimetry. J Cataract Refract Surg. 2006;32(8):1328-30.
  • 4
    Chamon W. Plagiarism and misconduct in research: where we are and what we can do. Arq Bras Oftalmol. 2013;76(6):V-VIII
  • 5
    Chamon W. Fine prints at the bottom of the page.Arq Bras Oftalmol. 2013;76(3):v-vi.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2014
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