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Macroadenoma hipofisário: alterações campimétricas visuais

Resumos

O macroadenoma de hipófise é um tumor de evolução lenta e que apresenta importantes distúrbios visuais como baixa acuidade visual e alterações campimétricas. Estes sintomas levam os pacientes a procurarem, muitas vezes, os oftalmologistas. Neste caso, analisaremos uma paciente portadora de glaucoma que apresentava, associadamente, um macroadenoma hipofisário.

Adenoma/diagnóstico; Neoplasias hipofisárias/complicações; Campos visuais; Glaucoma; Relatos de casos


The pituitary adenoma is a tumor of slow evolution and has important visual disturbances such as low visual acuity and field defects. These symptoms lead patients to seek often ophthalmologists. In this case, we will analyze a patient with glaucoma who had an associated pituitary macroadenoma.

Adenoma/diagnosis; Pituitary neoplasms/complications; Visual fields; Glaucoma; Case reports


INTRODUÇÃO

Os macroadenomas são tumores de crescimento benigno e lento (maior que 10 milímetros de tamanho), que podem afetar várias glândulas do corpo humano, dentre elas a hipófise(11. Cotran RS, Kumar V, Robbins SL. Robbins patologia estrutural e funcional. 4a ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan; 1991.). Embora sejam detectados por endocrinologistas e neurologistas, os pacientes portadores de macroadenoma hipofisário, pelos distúrbios visuais que apresentam, procuram, na maioria das vezes, os oftalmologistas. Dentre os distúrbios visuais apresentados, destacam-se a baixa acuidade visual e as alterações campimétricas. Vale lembrar, também, que a cefaléia é um dos sintomas frequentemente relatado e, em 50% dos casos, as alterações campimétricas evoluem para a atrofia do nervo óptico(22. Casarin P, Lague Júnior PA, Castagno VD, Vilela MA. Distúrbio visual campimétrico associado a adenoma de hipófise e acromegalia. Rev Med UCPEL. 2004;2(1):24-6.).

O objetivo deste relato é o de alertar para o cuidado que se deve ter no diagnóstico diferencial desta afecção para com outras de origem oftalmológica, levando em consideração as alterações campimétricas visuais.

RELATO DE CASO

MRP, 57 anos, mulher, natural e residente em Montes Claros (MG), veio ao consultório oftalmológico para uma segunda opinião sobre glaucoma. Relatava que há cerca de 8 anos apresentou um quadro de cefaléia, que a fez procurar um oftalmologista. Naquela avaliação, a paciente foi diagnosticada ser portadora de glaucoma e, desde então, estava em uso de colírios hipotensores oculares; naquele momento, estava usando colírio de prostaglandina (1x/dia) em ambos os olhos (AO). Relatava que usava regularmente o colírio e que, a despeito do bom controle pressórico intraocular, estava apresentando piora progressiva da acuidade visual e do campo visual em AO. Ao exame oftalmológico, apresentava acuidade visual com melhor correção de 20/400 (+1,00 : -0,75 a 90º) em olho direito (OD) e 20/20 (+0,75 : -0,50 a 75º) em olho esquerdo (OE). A biomicroscopia do segmento anterior não apresentava qualquer alteração e os reflexos pupilares direto e indireto estavam preservados em AO. As pressões intraoculares (PIO) estavam em 13/13 mmHg (14 h - em uso do colírio hipotensor) em AO. Na avaliação fundoscópica ocular, apresentava discos ópticos com escavações patológicas de glaucoma e máculas sem alterações em AO (figura 1). Por sua vez, apesar da similaridade biomicroscópica dos discos ópticos, observou-se que as alterações campimétricas não se correlacionavam, exclusivamente, com o aspecto dos mesmos em AO (figura 2).

Figura 1
Retinografia colorida do olho direito (0,8 x 0,6) e esquerdo (0,8 x 0,6), respectivamente
Figura 2
Campo visual dos olhos direito (OD) e esquerdo (OE), respectivamente; OD = Escotoma profundo acometendo significativamente os quadrantes temporais superior e inferior e, também, nasal inferior; OE = Escotoma em quadrantes temporal e nasal superiores

Desta forma, a mesma foi encaminhada para uma avaliação neurológica, a fim de melhor investigação do quadro clínico.

Durante a avaliação neurológica ficou constatado que a paciente apresentava, concomitantemente ao glaucoma, um macroadenoma hipofisário, de localização intra e supraselar, comprimindo as vias ópticas assimetricamente, de maneira a explicar as diferenças campimétricas visuais (figura 3). Após ressecção neurocirúrgica do tumor, a paciente encontra-se estável e sem piora dos escotomas campimétricos de AO.

Figura 3
Imagem de ressonância magnética do macroadenoma hipofisário; corte sagital: lesão expansiva intra e supraselar comprimindo as vias ópticas.

DISCUSSÃO

Os tumores da glândula pituitária, quase sempre adenomas, representam de 7 a 17,8% dos tumores intracranianos(33. Anderson D, Faber P, Marcovitz S, Hardy J, Lorenzetti D. Pituitary tumors and the ophthalmologist. Ophthalmology. 1983;90(11):1265-70.,44. Monteiro ML. Sensibilidade ao contraste em portadores de defeitos campimétricos atribuídos a tumores hipofisários. Arq Bras Oftalmol. 1994;57(5):339-47.). Segundo a literatura médica, os sintomas mais comuns dos adenomas de hipófise são a cefaléia e a diminuição da acuidade visual(55. Jain IS, Gupta A, Khuarana GS, Khosla VK. Visual prognosis in pituitary tumors. Ann Ophthalmol. 1985;17(7):392-6.

6. Lundström M. Atrophy of optic nerve fibres in compression of the chiasm. Observer variation in assessment of atrophy. Acta Ophthalmol (Copenh). 1977;55(2):217-26.

7. Dantas AM, Zangalli A. Neuro-oftalmologia. Rio de Janeiro: Cultura Médica: 1999.
-88. Poon A, McNeill P, Harper A, O'Day J. Patterns of visual loss associated with pituitary macroadenomas. Aust N Z J Ophthalmol. 1995;23(2):107-15.). A cefaléia costuma ser o sintoma mais proeminente, sendo de natureza inespecífica e não melhorando mesmo com o uso de analgésicos. Destaca-se, também, que a característica marcante do campo visual nos adenomas hipofisários é a hemianopsia bitemporal, poupando a visão central e resultante da compressão ou destruição das fibras decussantes no centro do quiasma óptico. Por sua vez, a variedade de lesões que afetam o quiasma óptico (dependendo da variação anatômica), como no caso relatado, pode influenciar na natureza exata do defeito campimétrico encontrado nos tumores hipofisários(22. Casarin P, Lague Júnior PA, Castagno VD, Vilela MA. Distúrbio visual campimétrico associado a adenoma de hipófise e acromegalia. Rev Med UCPEL. 2004;2(1):24-6.,77. Dantas AM, Zangalli A. Neuro-oftalmologia. Rio de Janeiro: Cultura Médica: 1999.). Estas lesões hemianópticas podem ser congruentes ou incongruentes, sendo que nos defeitos incongruentes, um dos olhos costuma ser muito mais afetado do que o outro, como ocorreu no presente caso(77. Dantas AM, Zangalli A. Neuro-oftalmologia. Rio de Janeiro: Cultura Médica: 1999.). Apesar dos avanços obtidos nos métodos de imagem, que permitem identificar com detalhes os tumores, o exame do campo visual é ainda de fundamental importância para o diagnóstico e controle dos pacientes portadores de tais lesões neuroftalmológicas(99. Monteiro ML, Pereira A. Perimetria computadorizada na detecção de defeitos campimétricos discretos (ao perímetro de Goldmann) causados por tumores hipofisários. Arq Bras Oftalmol. 2003;66(6):803-9.). Outro fato importante a ser mencionado é a importância da correlação clínica dos dados campimétricos com o aspecto fundoscópico ocular, a fim de facilitar o raciocínio clínico adequado. No presente caso, o fato de a paciente apresentar um quadro clínico de glaucoma, poderia facilmente passar desapercebido a suspeita tumoral numa avaliação de rotina oftalmológica. Além disso, outros distúrbios visuais podem estar presentes no macroadenoma hipofisário, como a diplopia (por expansão lateral do adenoma no seio cavernoso), paralisia dos nervos oculomotores e, mais raramente, o nistagmo e a proptose(1010. Pereira A, Monteiro ML. Proptose causada por adenoma pituitário gigante: relato de caso. Arq Bras Oftalmol. 2003;66(4):485-8.). Todavia, no presente caso, estes achados estiveram ausentes. Convém ressaltar a importância da atrofia óptica como resultado do processo expansivo do tumor. Como já salientado anteriormente, aproximadamente 50% dos pacientes portadores de adenoma hipofisário, com alterações campimétricas, evoluem para atrofia do nervo óptico(11. Cotran RS, Kumar V, Robbins SL. Robbins patologia estrutural e funcional. 4a ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan; 1991.). Isto ocorre, especialmente, quando a palidez do disco óptico é diagnosticada antes da cirurgia. Muitos estudos enfatizam que o diagnóstico precoce do adenoma de hipófise acarreta em um melhor prognóstico de recuperação oftalmológica(1111. Blaauw G, Braakman R, Cuhadar M, Hoeve LJ, Lamberts SW, Poublon RM, et al. Influence of transsphenoidal hypophysectomy on visual deficit due to a pituitary tumour. Acta Neurochir (Wien). 1986;83(3-4):79-82.,1212. Gruber H, Schindler E, Kitz K. [Visual field fluctuations in necrotic hypophyseal adenoma]. Klin Monbl Augenheilkd. 1986;189(3):249-50. German.). No presente caso, não foi observado qualquer alteração setorial do disco óptico neste sentido, indicando, assim, um bom prognóstico visual(55. Jain IS, Gupta A, Khuarana GS, Khosla VK. Visual prognosis in pituitary tumors. Ann Ophthalmol. 1985;17(7):392-6.).

O fato de um paciente apresentar glaucoma com alterações campimétricas visuais sem correlação clínica com o (s) disco óptico (s) e outros sintomas clínicos associados, como os supracitados, sempre merecerá uma investigação mais detalhada à nível neurológico. Finalmente, o diagnóstico e a intervenção cirúrgica precoces nestes casos serão imprescindíveis para o prognóstico visual. A participação do médico oftalmologista torna-se, desta forma, imprescindível para uma investigação diagnóstica adequada e consequente acompanhamento clínico apropriado nestas afecções neuroftalmológicas.

  • Trabalho realizado na Clínica Oftalmos - Montes Claros (MG), Brasil.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Cotran RS, Kumar V, Robbins SL. Robbins patologia estrutural e funcional. 4a ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan; 1991.
  • 2
    Casarin P, Lague Júnior PA, Castagno VD, Vilela MA. Distúrbio visual campimétrico associado a adenoma de hipófise e acromegalia. Rev Med UCPEL. 2004;2(1):24-6.
  • 3
    Anderson D, Faber P, Marcovitz S, Hardy J, Lorenzetti D. Pituitary tumors and the ophthalmologist. Ophthalmology. 1983;90(11):1265-70.
  • 4
    Monteiro ML. Sensibilidade ao contraste em portadores de defeitos campimétricos atribuídos a tumores hipofisários. Arq Bras Oftalmol. 1994;57(5):339-47.
  • 5
    Jain IS, Gupta A, Khuarana GS, Khosla VK. Visual prognosis in pituitary tumors. Ann Ophthalmol. 1985;17(7):392-6.
  • 6
    Lundström M. Atrophy of optic nerve fibres in compression of the chiasm. Observer variation in assessment of atrophy. Acta Ophthalmol (Copenh). 1977;55(2):217-26.
  • 7
    Dantas AM, Zangalli A. Neuro-oftalmologia. Rio de Janeiro: Cultura Médica: 1999.
  • 8
    Poon A, McNeill P, Harper A, O'Day J. Patterns of visual loss associated with pituitary macroadenomas. Aust N Z J Ophthalmol. 1995;23(2):107-15.
  • 9
    Monteiro ML, Pereira A. Perimetria computadorizada na detecção de defeitos campimétricos discretos (ao perímetro de Goldmann) causados por tumores hipofisários. Arq Bras Oftalmol. 2003;66(6):803-9.
  • 10
    Pereira A, Monteiro ML. Proptose causada por adenoma pituitário gigante: relato de caso. Arq Bras Oftalmol. 2003;66(4):485-8.
  • 11
    Blaauw G, Braakman R, Cuhadar M, Hoeve LJ, Lamberts SW, Poublon RM, et al. Influence of transsphenoidal hypophysectomy on visual deficit due to a pituitary tumour. Acta Neurochir (Wien). 1986;83(3-4):79-82.
  • 12
    Gruber H, Schindler E, Kitz K. [Visual field fluctuations in necrotic hypophyseal adenoma]. Klin Monbl Augenheilkd. 1986;189(3):249-50. German.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2014

Histórico

  • Recebido
    27 Jun 2011
  • Aceito
    26 Set 2012
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