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Influência da aplicação intraoperatória de mitomicina C tópica episcleral na proliferação e diferenciação de células epiteliais córneo-conjuntivais de coelhos

Resumos

Objetivo:

Avaliar a influência da mitomicina C a 0,02% (MMC), aplicada em dose única por 3 minutos, na proliferação e diferenciação das células epiteliais da córnea de coelhos.

Métodos:

A MMC tópica foi aplicada na episclera da área límbica temporal, mediante tecido epitelial corneano intacto (um olho) e após desepitelização epitelial parcial da córnea (outro olho). Durante o procedimento cirúrgico, MMC ou solução fisiológica 0,9% (SF) foi aplicada e a solução escolhida para cada animal foi determinada por sorteio. Os animais foram divididos em grupo A (20 olhos), grupo B (16 olhos) e grupo C (14 olhos). Foram sacrificados respectivamente em 4º, 15º e 45º dia de pós-operatório. Para estimular a proliferação celular, os animais do grupo C foram submetidos à desepitelização central da córnea 3 dias antes do dia do sacrifício. Marcadores de diferenciação celular (AE1, AE3 e AE5) e de proliferação (5Bromo-2-Deoxiuridina, BrdU) foram utilizados. Nas lâminas coradas com BrdU, as áreas nasal, temporal e central foram delimitadas. O número de células coradas pela BrdU foram contadas nos 3 diferentes campos e a média aritmética de cada área foi analisada estatisticamente.

Resultados:

Houve diferença estatística entre MMC e SF nas áreas central e temporal da córnea previamente desepitelizada em todos os grupos. Não houve diferença estatística durante a análise de diferenciação celular.

Conclusão:

A MMC na dose de 0,02%, aplicada por 3 minutos sobre a episclera, interfere na proliferação celular da área exposta à droga e previamente desepitelizada. Não interfere na diferenciação celular e sua ação possui efeito prolongado.

Córnea; Células epiteliais/efeito de drogas; Mitomicina/administração & dosagem; Coelhos


Objective:

To evaluate the influence of a three-minute application of 0.02% mitomycin C (MMC) on proliferation and differentiation of rabbit corneal epithelial cells.

Methods:

Topical MMC or 0.9% saline solution was applied to the episclera of the temporal limbal area of both eyes, maintaining intact epithelial tissue in one eye, and after partial corneal deepithelialization in the contralateral eye. The animals were arranged in groups A (20 eyes), B (16 eyes) and C (14 eyes) and sacrificed respectively on the 4th, 15th and 45th postoperative days. In order to stimulate cell proliferation, group C was submitted to central corneal deepithelialization three days before sacrifice. Cell differentiation markers (AE1, AE3 and AE5) were used for differentiation analysis and 5-bromo-2-deoxyuridine (BrdU) for detection of corneal epithelial cells proliferation.

Results:

There was no statistical difference in differentiation cells when drugs or surgical techniques were analyzed. Cell proliferation when using MMC or SF was statis-tically significant at central and temporal areas when applied after partial corneal deepithelialization in all groups.

Conclusion:

These results suggest that the three-minute episcleral application of 0.02% MMC does not affect epithelial cell differentiation; however, when MMC application occurs after corneal deepithelialization, it may affect cell proliferation.

Cornea; Epithelial cells/drug effects; Mitomycin/administration & dosage; Rabbits


INTRODUÇÃO

O crescimento celular e sua proliferação estão intima-men te relacionados à diferenciação celular. Célu-las indiferenciadas apresentam uma alta capacidade de divisão celular(1Tsai RJ, Sun TT, Tseng SC. Comparison of limbal and conjunctival autograft transplantation in corneal surface reconstruction in rabbits. Ophthalmology. 1990;97(4):446-55.). Uma regulação precisa do ciclo celular durante o período embrionário é fundamental para definir o tamanho, a forma e fornecer as condições necessárias para o crescimento e diferenciação celular(2Edgar B. Diversification of cell cycle controls in developing embryos. Curr Opin Cell Biol. 1995;7(6):815-24. Review.). Agentes antimitóticos podem bloquear este ciclo celular durante a diferenciação celular(3Neufeld TP, Edgar BA. Connections between growth and the cell cycle. Curr Opin Cell Biol. 1998;10(6):784-90. Review.).

A mitomicina C (MMC) é um antibiótico isolado do Streptomyces caespitosus, antineoplásico, que inibe seletivamente a síntese de DNA, RNA e a síntese proteica em células de crescimento rápido. Como os agentes alquilantes, forma ligações covalentes com os resíduos de guanina no DNA. Imita a radiação ionizante, podendo apresentar efeitos cumulativos e sua ação permanecer por longo tempo após cessado o tratamento. Por ser um inibidor potente da proliferação fibroblástica, a MMC é indicada para a prevenção de recidivas pós-operatórias de pterígio, e no aumento do índice de sucesso e manutenção das cirurgiasfistulizantes antiglaucomatosas. É utilizada também com sucesso no tratamento de outras doenças oculares(4Alves MR, Cardillo JA, Tranjan Neto A, Jose NK, Ambrosio LE, Serpa JF. [Topical effects of eye drops of 0,04 por cento mitomicin C applied before pterygium excision on corneal sensitivity, on precorneal tear film and on corneoconjunctival epithelium]. Arq Bras Oftal. 1995;58(2):112-140. Portuguese.). O uso tópico da MMC tem desencadeado complicações droga-relacionadas(5Kunitomo N, Mori S. Studies on the pterygium, Report IV. A treatment of the pterygium by mitomycin C instillation. Nippon Ganka Gakkai Zasshi. 1963;67:601-67.

Singh G,Wilson MR, Foster CS. Mitomycin eye drops as treatment for pterygium. Ophthalmology. 1988;95(6):813-21.

Yamanouch U. Scleral changes induced by instillation of mitomycin C. Acta Med Nagasaki. 1983;28(1-4):99-110.
-8Rubinfeld RS, Pfister RR, Stein RM, Foster CS, Martin NF, Stoleru S, et al. Serious complications of topical mitomycin-C after pterygium surgery. Ophthalmology. 1992;99(11):1647-54.), ressaltando o fato de que a segurança no modo de aplicação e a melhor concentração a ser utilizada, devem ser avaliadas(9Sugar A.Who should receive mitomycin-C after pterygium surgery? Ophthalmology. 1992;99(11):1645-6.

10 Cardillo JA, Jose NK, Alves MR, Porterio MB, Coelho RP, Ambrosio LE. [Postoperative instillation of mitomycin eye drops in the treatment of primary pterygium]. Arq Bras Oftamol. 1995;58(2):138-40. Portuguese.
-1111 Cardillo JA, Alves MR, Ambrosio LE, Poterio MB, Jose NK. Single intraoperative application versus postoperative mitomycin C eye drops in pterygium surgery. Ophthalmology. 1995;102(12):1949-52.).

Observou-se, em estudos prévios, o aumento da frequência de complicações, quando se utilizava a técnica de esclera nua para a ressecção do pterígio, uma vez que esta técnica mantém a exposição da esclera após a aplicação da MMC nesta região(1212 Singh G. Postoperative instillation of low-dose mitomycin C in the treatment of primary pterygium. Am J Ophthalmol. 1989;107(5):570-1.

13 Penna EP. Mitomycin-C after pterygium excision. Ophthalmology. 1993;100(7):976; author reply 977-8.
-1414 Alves MR, Kara José N. Influência do uso tópico de mitomicina C na reparação de defeito eptelial corneano em coelhos. Arq Bras Oftalmol. 1996;59(1):77-82.).

Na tentativa de diminuir o índice de complicações relacionadas a exérese de pterígio e aplicação da MMC, foi desenvolvida uma técnica cirúrgica, onde a remoção da cabeça do pterígio na porção da córnea é realizada após a aplicação da droga. Esta técnica mantém protegido o tecido da córnea durante a aplicação da MMC, e os bons resultados obtidos sugerem que a técnica cirúrgica também influi nos índices de complicações pós-operatórias droga-relacionadas(1515 Potério MB, Alves MR, Cardillo JA, José NK. An improved surgical technique for pterygium excision with intraoperative application of mitomycin-C. Ophthalmic Surg Lasers. 1998;29(8):685-7.).

O objetivo deste estudo foi avaliar a influência do uso tópico episcleral intraoperatório de mitomicina C na proliferação e diferenciação de células epiteliais córneo-conjuntivais de coelhas em diferentes técnicas cirúrgicas.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo duplo cego, utilizando 24 coelhas albinas da raça Nova Zelândia, pesando de 800 a 1900g (média de 1135,60g ) e que não apresentavam anormalidades oculares detectadas ao exame biomicroscópico inicial à lâmpada de fenda. Após aprovação do estudo pelo Comitê de Ética Animal (nº 475-2), os animais foram tratados segundo as normas da Association of Research in Vision and Ophthalmology (ARVO) e do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA). Os animais foram distribuídos em 3 lotes de acordo com o tempo estipulado para o sacrifício. O lote A continha animais que foram sacrificados em 4 dias, o lote B em 15 dias e o lote C em 45 dias de pós-operatório. Após a sedação dos animais com injeção intramuscular de cloridrato de cetamina na dose de 50mg/kg de peso e de xilazina na dose de 5mg/kg de peso, os olhos dos coelhos foram irrigados com solução de cloreto de sódio 0,9% (SF) e após instilação de 1 gota de tetracaína a 0,5% (1 gota/olho) foram submetidos às técnicas cirúrgicas descritas a seguir. Duas soluções foram utilizadas: SF (para os animais controle) e MMC a 0,2mg/mL (para os olhos medicados) previamente preparadas por outro pesquisador, que não participou dos procedimentos cirúrgicos, e colocadas em frascos numerados 1 e 2. A solução a ser aplicada nos dois olhos, bem como a técnica cirúrgica empregada em cada olho das coelhas foi determinada por sorteio.

Estudo com desepitelização parcial prévia da córnea

A área conjuntival e a córnea temporal foram demarcadas com marcador de zona óptica de 8,0mm de diâmetro, corado previamente em violeta de genciana. O marcador de zona óptica foi centrado no limbo temporal do olho de cada coelho (figura 1). A área conjuntival demarcada foi divulsionada e a episclera foi exposta. As células epiteliais da córnea demarcada foram desidratadas com o auxílio de cotonete embebido em álcool etílico 95% por 30 segundos. Após a irrigação com SF, o epitélio da córnea foi removido com bisturi lâmina 15 e a total desepitelização confirmada com a aplicação de 1 gota de fluoresceína sódica a 2%. Aplicou-se na área episcleral por 3 minutos, a esponja de celulose medindo de 5,0 por 3,0mm da Weck-Cel (Weck-Cel modelo C00054, Edward & Company, Treton, NJ), embebida em solução 1 ou 2. A área episcleral foi irrigada com 100mL de SF e as bordas conjuntivais suturadas com fio absorvível 8-0 (figura 1).

Figura 1
A) marcador de zona óptica de 8,0mm de diâmetro posicionado em região limbar temporal de olho direito do coelho; B) a região demarcada, abrange a área da córnea desepitelizada e a área episcleral exposta; C) a esponja de “weck-cell” embebida em solução é aplicada na região episcleral; D) a conjuntiva é suturada com fio absorvível 8-0

Estudo com córnea íntegra

Foi aplicada no olho contralateral de cada animal obedecendo-se a sequência descrita a seguir: após a exposição da área episcleral a esponja de celulose embebida na mesma solução utilizada no procedimento cirúrgico do primeiro olho foi aplicada por 3 minutos. A seguir a área episcleral foi irrigada com 100mL SF e o epitélio demarcado da córnea foi desidratado e removido. As bordas conjuntivais foram suturadas com fio absorvível 8-0 para a proteção da área episcleral que recebeu a aplicação da solução (figura 2).

Figura 2
A) marcador de zona óptica de 8,0mm de diâmetro posicionado em região limbar temporal de olho direito do coelho; B) A região demarcada, abrange a área da córnea íntegra e a área episcleral exposta; C) a esponja de “weck-cell” embebida em solução é aplicada na região episcleral; D) a córnea demarcada é desidratada e desepitelizada e a seguir a conjuntiva é suturada com fio absorvível 8-0

Todos os olhos receberam colírio de dexametasona e cloranfenicol, 1 gota em cada olho de 8/8hs por 7 dias. A avaliação das complicações externas, como a presença de secreção, áreas desepitelizadas da córnea, alterações conjuntivais e palpebrais foi realizada em exame macroscópico e biomicroscópico.

Procedimento realizado nos animais do lote C

Para avaliação dos efeitos prolongados da MMC, os coelhos sacrificados em 45 dias foram submetidos a uma nova desepitelização da córnea central em área previamente demarcada com trépano de 8mm de diâmetro, no 42º dia de pósoperatório. A córnea demarcada foi desidratada e desepitelizada com lâmina 15 conforme procedimento realizado na córnea temporal.

Aplicação do antígeno BrdU (Calbiochem - laboratório sigma)

A injeção endovenosa, em veia marginal da orelha do animal, de 100mg/kg de 5-bromo-2-deoxiuridine (BrdU) diluído em 20,0mg/mL de fosfato esterilizado (PBS) com pH=7,4, foi aplicada 24 horas antes do sacrifício do animal. As células que estavam na fase S da divisão celular durante o período de 24h após a aplicação da injeção endovenosa contendo BrdU foram coradas. A quantificação da positividade das células do epitélio, foi definida utilizando-se o reagente BrdU e o anticorpo anti-BrdU.

Análise imuno-histoquímica das células

Após o sacrifício dos animais, com aprofundamento do plano anestésico utilizando-se uma solução de tiopental a 3% (25mg/kg de peso vivo) aplicado via endovenosa, as córneas foram fixadas in-situ perfundindo-se a câmara anterior com 1% de paraformaldeído diluída em fosfato por 5 minutos. O material retirado foi conservado em formalina tamponada a 10%. Uma marcação com fio seda 4-0 foi realizada na região da córnea nasal exatamente oposta à área submetida ao procedimento cirúrgico, como ponto de referência. Todos os frascos foram identificados para posterior inclusão do material em parafina. Depois de preparadas, as lâminas foram encaminhadas para o processamento dos diversos reagentes (AE1/AE3, AE5 e BrdU). A diferenciação epitelial foi avaliada pelos anticorpos monoclonais AE1/AE3 e AE5. As análises foram executadas sem conhecimento prévio do procedimento cirúrgico realizado e de qual lote de animais provinha o material de estudo.

Reagente AE1/AE3 e AE5

A absorção dos reagentes AE1/AE3 e AE5 pelas células, após reação com as ceratinas do epitélio da córnea foi revelada pelo método ABC (complexo redutor-estreptovidina e biotina peroxidase revelada). As lâminas foram desparafinadas com imersões rápidas em xilol I previamente aquecido em estufa a 110ºC por 30 minutos, e a seguir com imersões em xilol II e III na temperatura ambiente, em álcool absoluto I, II, III, 80 e 50% (temperatura ambiente) e em água corrente e destilada. A seguir foram submetidas ao bloqueio da peroxidase endógena com 10mL de H2O2 (30%) diluída em metanol 90mL. Foram realizadas 3 trocas de 3 minutos em temperatura ambiente. Após lavagem em água corrente e destilada, foram submetidas à recuperação antigênica por 30 minutos em panela a vapor a 95ºC com tampão citrato 10mM em pH=6,0 e lavadas em água corrente (5 minutos), água destilada (5 minutos) e PBS (5 minutos). Os anticorpos AE1/AE3 (1:50) diluído em tampão PBS e BSA (soro albumina bovina na concentração de 1,25mL), pH=7,5 e AE5 (1:50), diluído em tampão PBS e BSA pH=7,5, foram instilados em lâminas diferentes e incubados em câmara úmida e estufa a 37ºC por 30 minutos. As lâminas foram retiradas da incubação com anticorpo primário e lavadas, no agitador em PBS, em temperatura ambiente por 5 minutos cada (3x) a temperatura ambiente. A seguir receberam o anticorpo secundário - Multi-Link diluído em PBS 1:80, em temperatura ambiente e incubação por 1 hora na estufa a 37ºC. Foram lavadas por 3 vezes, em agitador, em PBS à temperatura ambiente por 5 minutos cada etapa e secadas com papel de filtro. Receberam então o complexo ABC diluído em PBS a 1:100 e foram incubadas por 40 minutos a 37ºC em estufa. Após colocação das lâminas no tampão PBS e coloração por 5 minutos com DAB (diaminobenzidina) e lavagem com água corrente, foram contracoradas com hematoxilina de Mayer por 30 a 60 segundos de acordo com a coloração macroscópica e lavadas em água amoniacal (Nh4OH), água corrente e destilada por alguns segundos. As lâminas foram desidratadas e montadas para análise.

Reagente BRDU

As córneas foram desparafinizadas com xilol I por 15 minutos na estufa a 60ºC. Depois, xilol II, III por 10 minutos cada em temperatura ambiente. Aplicou-se solução contendo etanol a 100%, 3 vezes por 1 minuto cada, a 95% por 1 minuto e a 70% por 3 vezes, 1 minuto em cada passagem. As lâminas foram lavadas com água destilada, 3 vezes por 1 minuto cada e em PBS por 3 vezes, 5 minutos cada, e permaneceram em banho a 31ºC com 2NHCl por 20 minutos. A seguir foram banhadas por 2 minutos em solução de tripsina 0,005g diluída em 100mL de PBS a 37ºC e colocadas em leite desnatado Molico ® 1g para 100mL de PBS previamente homogeneizado. Permaneceram nesta solução por 1 hora em temperatura ambiente. O Ac BrdU (1:50) foi diluído em BSA (albumina bovina) a 1% e aplicado sobre as lâminas, que permaneceram em câmara escura e úmida por 1 hora. Após lavagem das lâminas com PBS por 3 vezes (5 minutos cada sessão), foi aplicado o anticorpo secundário Multi-Link 1:80 diluído em BSA permanecendo por 1 hora em câmara úmida e escura. Após lavagem com PBS 3 vezes por 5 minutos cada e bloqueio endógeno com peroxidase em H2O2 a 3% por 5 minutos, as lâminas receberam complexo ABC em PBS (A e B = 1:50), por 30 minutos, em câmara úmida e escura. O DAB (1 gota em 1mL do tampão) foi aplicado e imediatamente após a reação, as lâminas foram colocadas na cuba com água destilada corrente por 5 minutos e coradas com hematoxilina. As lâminas foram lavadas, desidratadas e montadas para análise.

Análise do padrão de diferenciação do epitélio da córnea

As células epiteliais das regiões límbica e central da córnea foram analisadas. O reagente AE1, cora células que apresentam ceratinas de 40-56Kd e o reagente AE3 as células que possuem ceratinas de 52-67Kd. As ceratinas coradas pelos reagentes AE1/ AE3 encontram-se no citoplasma, principalmente nas células basais e suprabasais do epitélio, próximas ao limbo ou na periferia da córnea e o reagente AE5 para as ceratinas de 64Kd específicas das células maduras ou suprabasais da córnea(1616 Holzchuh N. Efeitos do uso tópico da mitomicina C no epitélio corneano de coelhos. [tese]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 1999.).

Quantificação das células

Nas imagens microscópicas os núcleos celulares corados com BrdU foram contados utilizando-se a seguinte metodologia. Sob microscopia óptica (microscópio Nikon - Labophot) com aumento de 4 vezes e utilizando-se uma caneta de retroprojetor, foram determinados as 2 extremidades (temporal e nasal) da córnea. O tecido foi então dividido em 3 partes iguais com régua milimetrada e delimitado por marcações na lâmina com a caneta. Determinaram-se 2 áreas periféricas e 1 central da córnea. O tecido da lâmina foi comparado com o tecido emblocado em parafina (com fio de seda na região nasal) e as áreas periféricas das lâminas (nasal e temporal) foram identificadas. Para análise microscópica foram escolhidos três campos em cada região numa amostra aleatória com a objetiva para aumento de 40 vezes. Utilizando-se ocular milimetrada Kpl 8x - Carl Zeiss - Germany com a objetiva de 40 vezes, contou-se o número de células coradas em cada campo milimetrado escolhido (equivalente a 0,25mm). A contagem de células em três campos de cada região (0,75mm) englobou aproximadamente 90% da área total do epitélio da córnea. Foram consideradas positivas, as células íntegras, redondas e intensamente coradas. As células não intensamente coradas foram consideradas negativas(1717 Szerenyi K, Wang X, Gabrielian K, LaBree L, McDonnell PJ. Immunochemistry with 5-bromo-2-deoxyuridine for visualization of mitotic cells in the corneal epithelium. Cornea. 1994;13(6):487-92).

Para análise estatística foi utilizada a média aritmética dos resultados obtidos nos 3 campos de cada área (nasal, central e temporal). Utilizou-se o modelo fatorial de análise de variância para o teste do efeito das drogas, em associação aos lotes em cada região da córnea de acordo com a técnica cirúrgica. Em todos os testes estatísticos utilizou-se a medida descritiva p e adotou-se um nível de significância de 5% (p< 0,05)(1818 Montgomery CD. Design and analysis of experiments. 3th ed. New York: John Wiley & Sons; 1991. cap 7.). Os dados foram editados em Microsoft Excel, versão Windows 98.

RESULTADOS

Análise macroscópica e biomicroscópica

Não foram observadas hiperemia ou secreção durante o período pré-operatório nos olhos dos animais. No período pósoperatório, observou-se leucoma no local da área desepitalizada de 1 olho de 1 animal integrante do lote A (que recebeu MMC e desepitelização parcial prévia à aplicação da MMC). Secreção amarelada em moderada quantidade foi observada em 3 olhos, sendo 2 coelhos do lote A (recebeu MMC e técnica de depitelização parcial prévia e outro que recebeu SF e desepitelização parcial da córnea após a aplicação da solução) e 1 do lote B (recebeu SF e desepitelização parcial antes da aplicação da solução). Este último apresentou no mesmo olho uma área de afilamento escleral com abaulamento do tecido na área operada.

Reagentes AE1/AE3 e AE5

As células consideradas positivas ou marcadas pelos anticorpos primários AE1/AE3 ou AE5 apresentavam expressão de ceratinas presentes na camada basal e suprabasal do epitélio. Na análise do padrão de diferenciação das células epiteliais basais das regiões periféricas da córnea e central, observou-se que as células da periferia e da área central reagiram com os anticorpos AE1/AE3 em todos os lotes avaliados nas duas técnicas cirúrgicas, independentemente da droga utilizada (tabela 1). A figura 3A ilustra o padrão de positividade aos reagentes AE1/AE3 das ceratinas do epitélio da córnea. O padrão foi semelhante nos diferentes lotes e também para as diferentes drogas (MMC e SF) e técnicas cirúrgicas (desepitelização parcial prévia e córnea íntegra). As células epiteliais da região central da córnea reagiram com o anticorpo AE5 nos animais dos lotes estudados (tabela 2 e figura 3B). Para este anticorpo primário, o padrão de diferenciação celular foi semelhante nos animais que receberam SF e MMC, independente da técnica cirúrgica utilizada ou do lote analisado.

Tabela 1
Resultados da análise imuno-histoquímica, da expressão de citoceratinas de células epiteliais de córneas de coelhos, dos 3 lotes, com os anticorpos AE1/AE3, distribuídos de acordo com a técnica cirúrgica (desepitelização parcial prévia = desepitelização da córnea antes da aplicação da solução; córnea íntegra = desepitelização da córnea após a aplicação da solução) e da solução aplicada (SF; MMC)
Figura 3
A) Microscopia óptica de espécime contendo epitélio corneano, exemplo das células basais e da lâmina reticular marcadas com AE1/ AE3 (400X); B) microscopia óptica de espécime contendo epitélio corneano, exemplo das células basais e da lâmina reticular marcadas com AE5 (400X); C) microscopia óptica de espécime contendo epitélio corneano, exemplo das células basais e da lâmina reticular marcadas com BrdU (400X)
Tabela 2
Resultados da análise imuno-histoquímica, da expressão de citoceratinas de células epiteliais de córneas de coelhos, dos 3 lotes, com o anticorpo AE5, distribuídos de acordo com a técnica cirúrgica (desepitelização parcial prévia = desepitelização da córnea antes da aplicação da solução; córnea íntegra = desepitelização da córnea após a aplicação da solução) e da solução aplicada (SF; MMC)

Reagente BrdU

As células consideradas positivas ou marcadas pela BrdU (figura 3C) estão presentes na camada basal e suprabasal do epitélio, nos três lotes. A tabela 3 demonstra que neste modelo experimental, para a técnica de desepitelização parcial prévia, existem evidências estatísticas de diferença para o fator droga, entre SF e MMC, nas regiões central e temporal e na associação de ambas as regiões (p<0,05), ou seja, existem evidências estatísticas que, para esta técnica, a MMC afetou a quantidade de células medidas, nas regiões citadas.

Tabela 3
Modelo fatorial para análise estatística considerando como fatores: drogas utilizadas (MMC e SF) e lotes (A, B e C). Estudo considerando a proliferação celular em toda a córnea e em cada região específica, após a técnica de desepitelização parcial prévia = desepitelização parcial da córnea antes da aplicação da solução

A análise estatística evidencia que para a técnica de córnea íntegra, não existem evidências estatísticas de diferença para o fator droga entre SF e MMC. Existem evidências estatísticas de diferença entre os lotes, na região temporal e na associação de ambas as regiões (p<0,05), ou seja, para esta técnica, o lote A e o lote B são estatisticamente diferentes na quantidade de células medidas nas regiões citadas. O lote C foi comparado e não apresentou diferença estatística. A interação dos fatores droga e lote foi testada e não apresentou diferença estatística (tabela 4).

Tabela 4
Modelo fatorial para análise estatística considerando como fatores: drogas utilizadas (MMC e SF) e lotes (A, B e C). Estudo considerando a proliferação celular em toda a córnea e em cada região específica, após a técnica de córnea íntegra (isto é, desepetilezação parcial da córnea após a aplicação da solução)

DISCUSSÃO

Os efeitos das drogas oftálmicas usadas topicamente sobre a córnea podem influenciar na cinética celular do epitélio(1919 Ren DH, Petroll WM, Jester JV, Cavanagh HD. The effect of rigid gas permeable contact lens wear on proliferation of rabbit corneal and conjunctival epithelial cells. CLAO J. 1999;25(3):136-41.,2020 Jabbur NS, Blair SD, Rubinfield RS, et al. The effect of mitomycin C on corneal limbal stem cells. Invest Ophthalmol Vis Sci. March 15, 1994;35(4):1254-2383.). Os coelhos foram os animais escolhidos, pela semelhança do tecido da córnea com o tecido humano. Possuem um rápido turnover das células epiteliais, e grande semelhança no padrão de ceratinas humanas(2121 Cresta FB. Avaliação da cinética do epitélio corneano de coelhas com marcadores de proliferação celular [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2002.

22 Hanna C, O'Brien JE. Cell production and migration in the epithelial layer of the cornea. Arch Ophthalmol. 1960;64:536-9.
-2323 Schermer A, Galvin S, Sun TT. Differentiation-related expression of a major 64K corneal keratin in vivo and in culture suggests limbal location of corneal epithelial stem cells. J Cell Biol. 1986;103(1):49-62.). A MMC, droga utilizada em diversos procedimentos oftalmológicos como terapia adjuvante, atua como inibidor da proliferação celular e tem sido vinculada ao surgimento de complicações durante o período pós-operatório, como erosões de córnea, hiperemias conjuntivais, blefaroespasmos, afilamentos de córnea e esclera e perfurações(8Rubinfeld RS, Pfister RR, Stein RM, Foster CS, Martin NF, Stoleru S, et al. Serious complications of topical mitomycin-C after pterygium surgery. Ophthalmology. 1992;99(11):1647-54.,1010 Cardillo JA, Jose NK, Alves MR, Porterio MB, Coelho RP, Ambrosio LE. [Postoperative instillation of mitomycin eye drops in the treatment of primary pterygium]. Arq Bras Oftamol. 1995;58(2):138-40. Portuguese.). No presente estudo, não foram verificadas complicações como secreções, hiperemia, afilamentos de córnea e/ou esclera atribuídas ao uso da MMC a 0,02% aplicada em dose única por 3 minutos na região episcleral. Os mesmos achados foram observados por Sampaio et al., quando instilou MMC a 0,02 e 0,04% em olhos de ratas(2424 Haddad A. Renewal of the rabbit corneal epithelium as investigated by autoradiography after intravitreal injection of 3H-thymidine.Cornea. 2000;19(3):378-83.).

Ainda é desconhecido o mecanismo regulador do número de células basais que penetra na córnea, provindas das células germinativas situadas no limbo e que é responsável pelo controle da proliferação das células basais, sua diferenciação e pela sua descamação(2525 Sampaio MW, José NK, Alves MR. [Effects of the topical use of mitomycin C in rat eyes]. Arq Bras Oftamol. 1995;58(1):56-9. Portuguese.). Os relatos da literatura, enfatizando que a MMC é um potente agente antineoplásico capaz de inibir a proliferação celular e desta forma colaborar para o sucesso de diversos procedimentos oftálmicos, como por exemplo, a diminuição da proliferação celular de tecido tenoniano e conjuntival em pós-operatório de cirurgias fistulizantes, ou a diminuição dos índices de recidivas em pós-operatórios de cirurgias de pterígio, bem como a diminuição dos índices de haze em pós-operatórios de cirurgias refrativas. O baixo custo e a facilidade na manipulação, justificam a sua utilização e a necessidade de melhores conhecimentos relativos às possíveis complicações droga-dependentes(5Kunitomo N, Mori S. Studies on the pterygium, Report IV. A treatment of the pterygium by mitomycin C instillation. Nippon Ganka Gakkai Zasshi. 1963;67:601-67.,6Singh G,Wilson MR, Foster CS. Mitomycin eye drops as treatment for pterygium. Ophthalmology. 1988;95(6):813-21.,1010 Cardillo JA, Jose NK, Alves MR, Porterio MB, Coelho RP, Ambrosio LE. [Postoperative instillation of mitomycin eye drops in the treatment of primary pterygium]. Arq Bras Oftamol. 1995;58(2):138-40. Portuguese.,2626 Beebe DC, Masters BR. Cell lineage and the differentiation of corneal epithelial cells. Invest Ophthalmol Vis Sci 1996;37:1815-25.).

Como a MMC provavelmente induz maior dano às células com intensa atividade proliferativa, a droga atuaria especificamente nos processos de síntese do DNA e funcionamento do fuso mitótico das células germinativas presentes no limbo da córnea(5Kunitomo N, Mori S. Studies on the pterygium, Report IV. A treatment of the pterygium by mitomycin C instillation. Nippon Ganka Gakkai Zasshi. 1963;67:601-67.,2727 Chen CW. Enhanced intraocular pressure controlling effectiveness of trabeculectomy by local application of mitomycin C. Trans Asia Pacific Acad Ophthalmol. 1983;9:172-7.). Em 1992, Kawase et al.(2828 Kawase K, Matsushita H, Yamamoto T, Kitazawa Y. Mitomycin concentration in rabbit and human ocular tissues after topical administration. Ophthalmology. 1992;99(2):203-7.) mediram a concentração da MMC na conjuntiva, esclera e humor aquoso de coelhos após injeções subconjuntivais cujas concentrações da droga variavam de 0,002 a 0,2mg/mL. Estes autores observaram que a MMC apresenta uma meia-vida de 0,18 até 0,48 hora. A concentração da mesma foi reduzida para 1/15 quando a conjuntiva e a esclera foram irrigadas com 200mL de solução de cloreto de sódio a 0,9%, porém, a meia-vida da droga permanecia inalterada. Estes resultados reforçam que a droga desaparece rapidamente dos tecidos e a irrigação diminui significativamente a concentração da MMC. Neste estudo, a irrigação da área episcleral que recebeu MMC com 100mL de SF foi suficiente para não permitir interferência na proliferação celular da área nasal da córnea (tabelas 3 e 4).

Os estudos sobre o potencial regenerador das células epiteliais da córnea, para a reparação rápida do tecido, sugerem que o processo de regeneração pode ocorrer de maneira centrípeta pela migração das células germinativas provenientes do limbo ou de forma circunferencial por deslizamento das células adjacentes às bordas da área desepitelizada(2323 Schermer A, Galvin S, Sun TT. Differentiation-related expression of a major 64K corneal keratin in vivo and in culture suggests limbal location of corneal epithelial stem cells. J Cell Biol. 1986;103(1):49-62.,2828 Kawase K, Matsushita H, Yamamoto T, Kitazawa Y. Mitomycin concentration in rabbit and human ocular tissues after topical administration. Ophthalmology. 1992;99(2):203-7.,2929 Dua HS, King AJ, Joseph A. A new classification of ocular surface burns. Br JOphthalmol. 2001;85(11):1379-83.). Mesmo com a rapidez do potencial regenerador, houve diferença significante na proliferação celular das regiões central e periférica temporal dos animais que receberam SF ou MMC avaliados no 4º, 15º e 45° dias de pós-operatório quando a técnica de desepitelização parcial prévia da córnea foi aplicada (tabela 3). Esses resultados sugerem que a MMC atuou onde foi aplicada, ou seja, a inibição celular observada nas regiões temporal e central sugere que a MMC influencia as células expostas após defeito epitelial e não influencia as células com o epitélio íntegro. A utilização da técnica cirúrgica que preserva a integridade do epitélio da córnea durante a aplicação da MMC pode ser um fator importante durante a cicatrização no período pós-operatório. A inibição da proliferação celular observada nas fases consideradas tardias (15 e 45 dias de pós-operatório) sugere que a MMC tem efeito inibidor prolongado sobre as células epiteliais da córnea de coelhos (tabela 3).

Nesta investigação, além dos anticorpos AE1/AE3, marcadores de células em proliferação, empregou-se também o AE5, um anticorpo monoclonal, altamente específico para a ceratina de 64Kd, considerado marcador específico da célula epitelial da córnea diferenciada(2222 Hanna C, O'Brien JE. Cell production and migration in the epithelial layer of the cornea. Arch Ophthalmol. 1960;64:536-9.). Dessa forma observou-se a presença de células diferenciadas, ou seja, que apresentavam ceratinas que reagem com o anticorpo monoclonal AE5, em todos os lotes estudados (tabelas 1 e 2). Holzchuh(1616 Holzchuh N. Efeitos do uso tópico da mitomicina C no epitélio corneano de coelhos. [tese]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 1999.), em 1999, observou que após instilação de colírio de MMC a 0,02% ou água destilada, as células do epitélio íntegro de coelhos apresentaram um padrão de diferenciação quando marcadas pelos anticorpos AE1 e AE5, onde as células do limbo coravam na presença do anticorpo AE1 e as células centrais coravam com o AE5 em todos os lotes avaliados. No presente estudo, nos animais sacrificados no 4º e 15º dias de pós-operatório observou-se a presença de células basais coradas com o anticorpo monoclonal AE5 na periferia da córnea (tabela 2). Em 1986, Schermer et al.(2323 Schermer A, Galvin S, Sun TT. Differentiation-related expression of a major 64K corneal keratin in vivo and in culture suggests limbal location of corneal epithelial stem cells. J Cell Biol. 1986;103(1):49-62.), usaram o AE5 em estudos de cinética das células epiteliais e demonstraram que em colônias de epitélio da córnea as ceratinas de 55/64Kd estão localizadas suprabasalmente, bem como na região límbica. Em contraste, a resposta das células basais do epitélio da região central da córnea foi positiva quanto à presença de ceratina 64Kd. Esses achados sugerem que as células basais do limbo estão em um estado mais avançado de diferenciação em relação às células germinativas. Os ceratócitos das camadas basais presentes em cultura de tecidos da córnea podem corar com o anticorpo monoclonal AE5, sugerindo que a localização suprabasal não é um pré-requisito para a expressão das ceratinas de 64Kd. No presente estudo, em todos os lotes estudados, não houve diferença entre o padrão de diferenciação observado nos animais que receberam SF (controle) ou MMC, e, portanto, a MMC não interferiu no padrão de diferenciação celular independente da técnica cirúrgica utilizada.

Em 1982, Gratzner(3030 Gratzner HG. Monoclonal antibody to 5-bromo- and 5-iododeoxyuridine: A new reagent for detection of DNA replication. Science. 1982;218(4571):474-5.) desenvolveu e testou a BrdU para o estudo da cinética celular. O autor sugeriu que a BrdU poderia ser um reagente alternativo, eficiente, de fácil e rápido manuseio para evidenciar o processo de divisão celular do epitélio da córnea. A BrdU substitui a timidina e é incorporada no DNA celular durante a fase S de replicação celular. Na década de 90 Raska et al.(3131 Raska I, Michel LS, Jarnik M, Dundr M, Fakan S, Gasser S, et al. Ultrastructural cryoimmunocytochemistry is a convenient tool for the study of DNA replication in cultured cells. J Electron Microsc Tech. 1991;18(2):91-105.) e Szerenyi et al.(1717 Szerenyi K, Wang X, Gabrielian K, LaBree L, McDonnell PJ. Immunochemistry with 5-bromo-2-deoxyuridine for visualization of mitotic cells in the corneal epithelium. Cornea. 1994;13(6):487-92) relataram que o tempo de exposição à BrdU influencia as taxas de marcação sendo que o intervalo de tempo ideal dependeria da duração do ciclo celular. No presente estudo, a BrdU foi escolhida pela facilidade de manuseio, por não ser um agente radioativo e por ser eficaz na determinação das células em proliferação. Foi aplicada em injeção endovenosa, 24 horas antes do sacrifício dos animais, abrangendo assim o ritmo circadiano de mitoses das células epiteliais cujo pico de mitose é de 9 horas, como descrito por Haaskjold et al.(3232 Haaskjold E, Refsum H, Refsum SB, Bjerknes R. Cell kinetics of the rat corneal epithelium. APMIS. 1992;100(12):1123-8.), em 1992. O sacrifício dos animais 24 horas após a aplicação da BrdU permitiu sua incorporação ao DNA celular e posterior quantificação das células da córnea durante as análises laboratoriais dos tecidos.

Durante a análise do BrdU, observou-se que a MMC interferiu na proliferação celular nas áreas temporais e nasais das córneas que previamente foram desepitelizadas. No presente estudo, a MMC agiu no local da aplicação e não afetou áreas com epitélio intacto, portanto, em casos cirúrgicos onde o epitélio da córnea será retirado, sugere-se aplicar a MMC antes do início da desepitelização(17;3333 Mattar DB; Alves, MR; Silva, MHT; Kara José, N Estudo comparativo da ação do tiotepa e da mitomicina C na reparação do epitélio corneano em coelhas. Arq Bras Oftal. 1994; 57(4):270-3,.,3434 Poterio MB, Amstalden EM, Marcondes AM, Jose NK. Influência do uso tópico episcleral intra-operatório de mitomicina c na proliferação de células epiteliais da córnea de coelhas. Arq Bras Oftalmol 2003;66(4 Suppl):89.).

Atualmente a MMC está sendo utilizada em procedimentos cirúrgicos como a ceratectomia fotorrefrativa para correção da hipermetropia consecutiva à ceratotomia radial ou para a diminuição da incidência de haze no pós-operatório de cirurgias refrativas. O fato de esta droga agir unicamente no local da aplicação, e após desepitelização prévia da córnea, pode auxiliar como embasamento para estudos que visam avaliar a eficácia e segurança do uso de MMC durante cirurgias fotorrefrativas(3535 Zagon IS, Sassani JW, Ruth TB, McLaughlin PJ. Cellular dynamics of corneal wound re-epithelialization in the rat. III. Mitotic activity. Brain Res. 2000;882(1-2):169-79.,3636 Ghanem RC, Ghanem EA, Kara-José N. [Safety of photorefractive keratectomy with mitomycin-C for the treatment of hyperopia after radial keratotomy]. Arq Bras Oftalmol. 2010;73(2):165-70. Portuguese.).

O presente estudo, assim como os resultados obtidos por, Mattar et al.(3333 Mattar DB; Alves, MR; Silva, MHT; Kara José, N Estudo comparativo da ação do tiotepa e da mitomicina C na reparação do epitélio corneano em coelhas. Arq Bras Oftal. 1994; 57(4):270-3,.), Lacayo et al.(3737 Lacayo GO 3rd, Majmudar PA. How and when to use mitomycin-C in refractive surgery. Curr Opin Ophthalmol. 2005;16(4):256-9. Review.), Mietz et al.(3838 Mietz H,Addicks K, Bloch W, Krieglstein GK. Long-term intraocular toxic effects of topical mitomycin C in rabbits. J Glaucoma. 1996;5(5):325-33.), Holzchuz et al.(3939 Holzchuh N, Alves MR, Santo RM, Matayoshi S, Jose NK. [Effects of use of mitomycin C on ocular surface in rabbits eyes]. Rev Med (São Paulo). 1997;76(6):302-5. Portuguese.), Ando et al.(4040 Ando H; Ido T; Kawai Y; Yamamoto T; Kitazawa Y. Inhibition of corneal epithelial wound healing. A comparative study of mitomicin C and 5-fluorouracil. Ophthalmology, 1992; 99:1809-14.), sugere que a MMC, por ser um agente antimitótico, pode interferir no processo de cicatrização celular. Sua aplicação, portanto, deve ser controlada, minimizando o contato com a córnea. A importância dos cuidados no manuseio e aplicação da droga, da escolha da técnica cirúrgica a ser utilizada, além da necessidade de determinação da concentração mínima suficiente para a inibição da proliferação celular, é fundamental para o êxito cirúrgico ou clínico e para a diminuição dos índices de complicações droga-relacionadas.

CONCLUSÃO

A mitomicina C na concentração de 0,02%, embebida em esponja de celulose, em aplicação única por 3 minutos na região episcleral temporal dos olhos de coelhos, nas avaliações realizadas no 4º, 15º e 45º dia de pós-operatório, nas condições deste estudo, sugere que as complicações clínicas observadas nos olhos dos animais durante o período não podem ser atribuídas à MMC. A presença de células diferenciadas em todos os tempos de pós-operatório avaliados sugere que a MMC não interfere no processo de maturação celular.

A atuação da MMC permaneceu restrita ao local da aplicação e às células expostas após desepitelização e inibiu a proliferação celular da córnea na técnica de desepitelização parcial prévia. A irrigação com 100mL de SF após aplicação intraoperatória de MMC foi suficiente para impedir a inibição da proliferação celular de outras regiões da córnea de epitélio íntegro durante o emprego das duas técnicas cirúrgicas. A permanência do efeito da MMC no epitélio da córnea, na avaliação realizada no 45º dia após aplicação única, sugere que a droga tem um efeito prolongado e sinaliza para necessidade de estudos, objetivando melhor avaliar o potencial tóxico da droga.

  • Estudo realizado no Departamento de Otorrino/oftalmologia, Medicina Experimental da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) - Campinas (SP), Brasil

Agradecimentos

Os autores agradecem aos integrantes do Núcleo de Medicina e Cirurgia Experimental pelo auxílio durante os procedimentos cirúrgicos e os cuidados com os animais, ao prof. dr. José Butori Lopes de Faria, chefe do laboratório de Nefrologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas por ceder o laboratório para a confecção das lâminas e ao prof. dr. José Vassalo, prof. livre-docente do Departamento de Anatomia Patológica pela orientação na confecção das lâminas direcionadas à análise da diferenciação celular.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    17 Mar 2013
  • Aceito
    23 Nov 2013
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