Acessibilidade / Reportar erro

Tratamento cirúrgico da blefaroptose congênita

Resumos

A blefaroptose é o posicionamento inadequado da pálpebra superior, estando abaixo de sua posição normal na posição primária do olhar, a qual seria 0,5 – 2mm abaixo do limbo superior. Pode causar bloqueio parcial ou completo do campo visual superior, além do comprometimento estético. As causas são categorizadas em congênitas ou adquiridas. É considerada congênita se presente ao nascimento ou diagnosticada no primeiro ano de vida. As principais técnicas utilizadas para o tratamento da ptose congênita são a ressecção da aponeurose do músculo levantador da pálpebra superior (MLPS) e a suspensão frontal. A medida da função do MLPS é o parâmetro mais importante na escolha da técnica cirúrgica. Quando a função é fraca, a suspensão frontal é mais indicada; a ressecção supramáxima do MLPS também pode ser empregada. Acima de 4 ou 5mm de função do MLPS, prefere-se a ressecção da aponeurose. Para a cirurgia de suspensão frontal, vários são os materiais utilizados, portanto apresentamos uma comparação entre os estudos mais relevantes. Discutiremos também particularidades em casos mais complicados, como as Síndromes da Blefarofimose e de Marcus-Gunn, além de técnicas cirúrgicas menos utilizadas e as complicações relatadas.

Blefaroptose/congênito; Blefaroptose/cirurgia; Blefaroptose/complicações; Pálpebra/patologia


The blepharoptosis is the improper positioning of the upper eyelid, being below its normal position in primary gaze, which is 0.5 - 2mm below the superior corneal limbus. It may block partially or completely the upper visual field, and lead to aesthetic commitment. The causes are categorized as congenital or acquired. It is considered congenital if present at birth or diagnosed during the first year of life. The main techniques used for the treatment of congenital ptosis are the resection of the levator muscle aponeurosis and the frontalis suspension. The function of the levator muscle is the most important parameter to define the surgical technique. When the function is weak, the frontalis suspension is more appropriate; the supra-maximal resection of the levator muscle may also be employed. With function above 4 or 5mm, the resection of the aponeurosis is preferred. For the frontalis suspension surgery, various materials can be used, so we present a comparison of the most relevant studies. We also discuss some characteristics in more complicated cases, such as the Blepharophimosis syndrome and the Marcus-Gunn syndrome, and surgical techniques less performed and complications reported.


INTRODUÇÃO

A blefaroptose é caracterizada pelo posicionamento inadequado da pálpebra superior, estando abaixo de sua posição normal na posição primária do olhar (PPO), a qual seria 0,5 - 2mm abaixo do limbo superior(1Callahan MA, Beard C. Beard's ptosis. 4a ed. Birmingham: Aesculapius; 1990.). A queda da margem palpebral geralmente resulta em bloqueio parcial ou completo do campo visual superior na posição primária do olhar e em infraversão, além de ter comprometimento estético.

A medida da diferença entre a posição da margem palpebral superior ptótica e a posição normal (que seria de uma cobertura de 2mm em relação ao limbo corneano às 12 horas) foi um dos primeiros parâmetros utilizados na semiologia da ptose. Assim, Beard(2Beard C, Sullivan JH. Ptosis-current concepts. Int Ophthalmol Clin. 1978;18(3):53-73. Review.) classificou a ptose em três grupos, sendo considerada leve (1,5-2mm), moderada (3mm) e grave (a partir de 4 mm).

Como pode ocorrer perda de precisão da medida, uma vez que há necessidade de o examinador elevar manualmente a pálpebra para a mensuração, Sarver e Putterman(3Sarver BL, Putterman AM. Margin limbal distance to determine amount of levator resection. Arch Ophthalmol. 1985;103(3):354-6.) propuseram considerar a utilização da distância entre a margem palpebral superior e o reflexo pupilar (DMR1), que corresponde clinicamente à distância entre a margem palpebral superior e o centro pupilar, para detecção da ptose. A DMR1 normal situa-se entre 2,6 e 4,4mm; assim, qualquer valor abaixo desse número poderia ser considerado como ptose(4Frueh BR. Graves' eye disease: orbital compliance and other physical measurements. Trans Am Ophthalmol Soc. 1984;82:492-598. Review.). Entretanto, esses números devem ser avaliados levando-se em conta outros fatores, como presença ou não de assimetria facial e/ou palpebral, além de proporções faciais e características raciais.

O paciente, de forma inconsciente, tenta compensar a ptose por meio de contração da musculatura frontal e dos músculos corrugadores, ou mudando o posicionamento da cabeça, por meio da elevação do queixo, ou ainda, através da elevação das pálpebras e/ou sobrancelhas com os dedos. O estímulo constante dos músculos da face pode causar cefaleia tensional.

A frequência da ptose é igual entre os sexos e as diferentes raças. Fatores de risco para queda da pálpebra superior são: idade, diabetes, miastenia gravis e tumor cerebral, os quais podem afetar a resposta neural ou muscular(5Finsterer J. Ptosis: causes, presentation, and management. Aesthetic Plast Surg. 2003;27(3):193-204. Review.).

As causas são categorizadas em congênitas ou adquiridas. É considerada congênita se presente ao nascimento ou diagnosticada no primeiro ano de vida. As adquiridas são ainda divididas em anormalidades anatômicas, neurogênicas, mecânicas, traumáticas e miogênicas(6Allard FD, Durairaj VD. Current techniques in surgical correction of congenital ptosis. Middle East Afr J Ophthalmol. 2010;17(2):129-33.,7Baroody M, Holds JB, Vick VL. Advances in the diagnosis and treatment of ptosis. Curr Opin Ophthalmol. 2005;16(6):351-5. Review.).

Em relação às estruturas anatômicas envolvidas, são 3 os músculos envolvidos na elevação palpebral superior: o músculo levantador da pálpebra superior (MLPS) (inervado pelo nervo oculomotor, é o principal músculo), o músculo liso de Müller (inervação simpática, responsável por até 2mm de elevação) e o músculo frontal (inervado pelo nervo facial, função adjuvante para a elevação).

O tratamento da ptose palpebral é cirúrgico e se baseia na abordagem dos três músculos acima referidos. A indicação pode ser funcional ou estética. É uma cirurgia eletiva, devendo ser planejada, avaliando-se os riscos e benefícios.

A escolha da técnica e o resultado final são influenciados pelo tipo de ptose, pela função do MLPS, idade, lateralidade, presença de anormalidades oftalmológicas ou neurológicas adicionais, e preferência do cirurgião. Basicamente são três as modalidades cirúrgicas mais utilizadas atualmente: a ressecção-reinserção da aponeurose do MLPS; a ressecção do músculo de Müller (conjuntivo-Müller ectomia ou conjuntivo-tarso Müller ectomia) e a suspensão ao músculo frontal(5Finsterer J. Ptosis: causes, presentation, and management. Aesthetic Plast Surg. 2003;27(3):193-204. Review.,6Allard FD, Durairaj VD. Current techniques in surgical correction of congenital ptosis. Middle East Afr J Ophthalmol. 2010;17(2):129-33.). Ao longo do artigo as técnicas serão melhor apresentadas e comentadas.

Características clínicas da ptose congênita

A ptose congênita mais frequentemente resulta de uma falha no desenvolvimento embrionário do MLPS. Durante a embriogênese, o MLPS começa a se formar a partir do músculo reto superior e atinge sua posição normal por volta do quarto mês. É nesse período que as anormalidades começam a aparecer. O músculo de Muller também se desenvolve nesse estágio. Na ptose congênita miogênica, as fibras do MLPS são distróficas e substituídas por tecido fibroso(8Baldwin HC, Manners RM. Congenital blepharoptosis: a literature review of the histology of levator palpebrae superioris muscle. Ophthal Plast Reconstr Surg. 2002;18(4):301-7. Review.).

Ao contrário da ptose adquirida, a ptose congênita apresenta características diferentes em relaçao às versões: na supraversão se acentua e na infraversão mostra lid lag (o músculo não consegue o relaxamento normal), além do sulco palpebral ser ausente na maioria dos casos(9Meyer DR, Rheeman CH. Downgaze eyelid position in patients with blepharoptosis. Ophthalmology. 1995;102(10):1517-23.).

A avaliação inicial de crianças com ptose congênita inclui medida da distância margem palpebral superior ao reflexo corneano (MRD1), excursão do MLPS, altura do sulco palpebral superior, presença de fenômeno de Bell e exclusão de síndromes como a de Marcus-Gunn e estrabismo vertical associado(1Callahan MA, Beard C. Beard's ptosis. 4a ed. Birmingham: Aesculapius; 1990.). Geralmente, apresentam redução significativa da função do MLPS (4 mm ou menos). Apesar de ser considerada uma condição não progressiva, crianças com ptose apresentam maior incidência de ambliopia (14-23%), além de outros distúrbios do desenvolvimento visual, como miopia, astigmatismo, anisometropia, torcicolo e estrabismo(1010 Takahashi Y, Leibovitch I, Kakizaki H. Frontalis suspension surgery in upper eyelid blepharoptosis. Open Ophthalmol J. 2010;4:91-7.).

É unilateral em 70% dos casos, e pode estar ou não associa-da a alterações de um ou mais músculos extraoculares e/ou doença sistêmica. Casos mais graves envolvem hipoplasia do MLPS ou da aponeurose, com sulco palpebral ausente ou atenuado(6Allard FD, Durairaj VD. Current techniques in surgical correction of congenital ptosis. Middle East Afr J Ophthalmol. 2010;17(2):129-33.).

A medida da função do MLPS, ou melhor da excursão palpebral, é o parâmetro mais importante na escolha da técnica cirúrgica. Necessita de cooperação da criança para que a mensuração seja correta.

Tratamento cirúrgico da ptose congênita

Registros do século 19 já detalhavam o tratamento cirúrgico da ptose congênita. Bowman primeiramente relatou a resecção do MLPS em 1857 e Dransart descreveu a primeira suspensão frontal em 1880. Em 1909, Payr introduziu o uso de fáscia lata autóloga e depois, foi reintroduzida por Wright em 1922. Em 1966, Tillett e Tillett descreveram pela primeira vez o uso de silicone para a correção de ptose por suspensão frontal. Em meados do século 20 autores como Berke, Jones e Beard sistematizaram conceitos e técnicas cirúrgicas(1111 Gonzalez MO, Durairaj VD. The history of ptosis surgery. In: Cohen AJ, Weinberg DA. Evaluation and management of blepharoptosis. New York: Springer; 2011.).

As técnicas principalmente utilizadas atualmente são a ressecção do MLPS e a suspensão frontal.

Se não há risco ou sinais de ambliopia, a correção cirúrgica pode ser adiada até a idade de 3 a 5 anos, quando as estruturas palpebrais estão melhor desenvolvidas e é possível a retirada da fáscia lata. Se ambliopia é presente, deve-se realizar a correção da ptose precocemente e materiais aloplásticos podem ser usados como forma de suspensão temporária até que o paciente atinja a idade necessária para utilização de fáscia lata autóloga.

Ressecção da aponeurose do MLPS

A cirurgia tradicional para acesso da aponeurose se inicia com incisão horizontal da pele de aproximadamente 20 a 22mm, dissecção do músculo orbicular, abertura do septo, identificação da aponeurose (estrutura branco-nacarada que se situa abaixo da gordura palpebral), ressecção da mesma na altura pretendida e subsequente avanço até o terço médio da placa tarsal com 3 suturas em U, distribuídas na região central, medial e lateral(1Callahan MA, Beard C. Beard's ptosis. 4a ed. Birmingham: Aesculapius; 1990.).

Para facilitar a identificação e individualização da aponeurose, pode-se injetar lidocaína a 2% com vasoconstrictor (adrenalina 1:200000) por via subconjuntival, que separa facilmente a aponeurose do MLPS do complexo músculo de Mullerconjuntiva. Pequena incisão horizontal da aponeurose no terço superior do tarso, seguida de ampliação medial e lateral, desconectam a aponeurose do tarso. Cortes oblíquos na direção vertical dos cornos medial e lateral da aponeurose mobilizam melhor a anteriorização da mesma. O uso da pinça de Berke pode também facilitar a manipulação da aponeurose (figura 1). Deve ser usado fio não absorvível, já que a sutura com fio absorvível pode levar à falência tardia do procedimento(1212 Frueh BR, Musch DC, McDonald HM. Efficacy and efficiency of a small-incision, minimal dissection procedure versus a traditional approach for correcting aponeurotic ptosis. Ophthalmology. 2004;111(12):2158-63. Review.).

Figura 1
Esquema da ressecção da aponeurose do MLPS, utilizando-se a pinça de Berke

O sulco ou prega palpebral pode ser confeccionado pela sutura envolvendo margem superior da pele, aponeurose e pele da margem inferior da incisão. Habitualmente são aplicadas 3 ou 4 suturas.

A dúvida maior nessa cirurgia se relaciona à quantidade de aponeurose que será ressecada. Depende muito da experiência do cirurgião. A ressecção pode ser pequena (10-13mm), média (14-20mm) ou grande (acima de 21mm) tendo como parâmetro a função do MLPS e o grau de ptose. Em geral as medidas se baseiam na tabela de ressecção proposta por Beard(1Callahan MA, Beard C. Beard's ptosis. 4a ed. Birmingham: Aesculapius; 1990.) (tabela 1).

Tabela 1
Grau de ptose e quantificação da ressecção da aponeurose do MLPS

1. Suspensão no ligamento de Whitnall: resseca-se a aponeurose até o ligamento de Whitnall, o tarso é suturado diretamente no ligamento. Tem indicação nos casos de função entre 4-5mm. O ponto negativo é que alguns advogam que o ligamento de Whitnall funciona como uma "luva" móvel para o MLPS, transformando sua força horizontal em força vertical para a pálpebra superior. A dissecção dos pilares medial e lateral do ligamento poderia comprometer seu papel de sustentação(1313 Holmström H, Bernström-Lundberg C, Oldfors A. Anatomical study of the structures at the roof of the orbit with special reference to the check ligament of the superior fornix. Scand J Plast Reconstr Surg Hand Surg. 2002;36(3):157-9.). Pode haver eversão palpebral se a sutura for realizada próximo a borda inferior do tarso.

2. Ressecção supramáxima da aponeurose: consiste na ressecção de mais de 30mm de tecido, englobando aponeurose e MLPS. Para a liberação da porção posterior ao ligamento, resseca-se a adesão do mesmo medial e lateralmente. A dissecção deve evitar lesionar o músculo reto superior(1414 Epstein GA, Putterman AM. Super-maximum levator resection for severe unilateral congenital blepharoptosis. Ophthalmic Surg. 1984;15(12):971-9.). É uma forma de se evitar a suspensão frontal evitando o risco de infecção e extrusão, ou de retirada de fáscia lata, evitando outra cicatriz e reduzindo o tempo cirúrgico.

Suspensão frontal

A técnica de suspensão frontal é amplamente utilizada para reparo da ptose com função pobre do MLPS e com boa função do músculo frontal, principalmente na ptose congênita, mas também na síndrome de blefarofimose e nas neurogênicas (paralisia de terceiro nervo craniano e síndrome de Marcus-Gunn)(1010 Takahashi Y, Leibovitch I, Kakizaki H. Frontalis suspension surgery in upper eyelid blepharoptosis. Open Ophthalmol J. 2010;4:91-7.,1515 Demirci H, Frueh BR, Nelson CC. Marcus Gunn jaw-winking synkinesis: clinical features and management. Ophthalmology. 2010;117(7):1447-52.). Esse procedimento conecta a unidade motora (músculo frontal) à pálpebra superior (figura 2).

Figura 2
Suspensão frontal. A seta indica o ponto de união das extremidades do elemento suspensor na cabeça do supercílio

A maioria das técnicas se baseia em incisões cutâneas ao nível do tarso e do supercílio, as quais permitem a passagem do material para a suspensão no plano suborbicular(1010 Takahashi Y, Leibovitch I, Kakizaki H. Frontalis suspension surgery in upper eyelid blepharoptosis. Open Ophthalmol J. 2010;4:91-7.). O material utilizado é alojado anteriormente ao plano do septo orbitário, dessa forma a pálpebra é elevada em direção ao supercílio e não ao longo da superfície do olho, diminuindo a interação pálpebra-córnea. Pode haver também a formação de "tenda" sob a pele pré-tarsal e pré-septal e retardo na descida da pálpebra superior no olhar para baixo(6Allard FD, Durairaj VD. Current techniques in surgical correction of congenital ptosis. Middle East Afr J Ophthalmol. 2010;17(2):129-33.).

Materiais endógenos versus exógenos

Os materiais endógenos mais comumente utilizados são fáscia lata ou temporal preservadas ou não, tendão palmar longo e veia umbilical. Diferentes materiais exógenos têm sido utilizados para a suspensão, como fio de silicone, nylon, colágeno, seda, aço inoxidável, malha de Mersilene (Ethicon, Blue Ash, OH, U.S.A.), Supramid (polifilamento de nylon, S. Jackson, Alexandria,VA,U.S.A.) e Gore-Tex (politetrafluoroetileno,W.L. Gore and Associates, Newark, DE, U.S.A.)(1717 Wasserman BN, Sprunger DT, Helveston EM. Comparison of materials used in frontalis suspension. Arch Ophthalmol. 2001;119(5):687-91.).

A fáscia lata autóloga apresenta risco mínimo de infecção, extrusão e ruptura, além de maior tempo de viabilidade e compatibilidade, apesar de exigir um segundo sitio cirúrgico(1616 Yoon JS, Lee SY. Long-term functional and cosmetic outcomes after frontalis suspension using autogenous fascia lata for pediatric congenital ptosis. Ophthalmology. 2009;116(7):1405-14.). Exige também que o paciente tenha pelo menos 3 anos de idade para ter o tamanho da perna suficiente para a retirada de fáscia adequada(1616 Yoon JS, Lee SY. Long-term functional and cosmetic outcomes after frontalis suspension using autogenous fascia lata for pediatric congenital ptosis. Ophthalmology. 2009;116(7):1405-14.,1818 Bernardini FP, Devoto MH, Priolo E. Treatment of unilateral congenital ptosis. Ophthalmology. 2007;114(3):622-3.). O aloenxerto de fáscia lata é outra opção, mas apresenta taxa de recorrência maior (8 a 63,2%) quando comparada a fáscia lata autóloga (0,8 a 5%), principalmente a longo prazo(1010 Takahashi Y, Leibovitch I, Kakizaki H. Frontalis suspension surgery in upper eyelid blepharoptosis. Open Ophthalmol J. 2010;4:91-7.,1313 Holmström H, Bernström-Lundberg C, Oldfors A. Anatomical study of the structures at the roof of the orbit with special reference to the check ligament of the superior fornix. Scand J Plast Reconstr Surg Hand Surg. 2002;36(3):157-9.,1919 Ramirez OM, Peña G. Frontalis muscle advancement: a dynamic structure for the treatment of severe congenital eyelid ptosis. Plast Reconstr Surg. 2004;113(6):1841-9; discussion 1850-1.). A fáscia lata preservada pode ser substituída por tecido fibroso, levando a um efeito permanente, porém, pode também ser absorvida prematuramente, além do risco de transmissão de doenças infecciosas. Embora vários autores prefiram a fáscia lata como o melhor material para a suspensão frontal(1010 Takahashi Y, Leibovitch I, Kakizaki H. Frontalis suspension surgery in upper eyelid blepharoptosis. Open Ophthalmol J. 2010;4:91-7.), outros tem optado pelo silicone(2020 Lee V, Konrad H, Bunce C, Nelson C, Collin JR. Aetiology and surgical treatment of childhood blepharoptosis. Br J Ophthalmol. 2002;86(11):1282-6.).

O silicone é facilmente acessível e ajustável, elástico, o que o torna um material conveniente para suspensão frontal com fenômeno de Bell fraco, como na oftalmoplegia externa progressiva crônica, miastenia gravis e paralisia do terceiro nervo craniano(2020 Lee V, Konrad H, Bunce C, Nelson C, Collin JR. Aetiology and surgical treatment of childhood blepharoptosis. Br J Ophthalmol. 2002;86(11):1282-6.). A sutura do silicone no tarso traz como benefícios uma menor migração e consequente menor recorrência, além de ser importante para a confecção do sulco palpebral(2121 Lee MJ, Oh JY, Choung HK, Kim NJ, Sung MS, Khwarg SI. Frontalis sling operation using silicone rod compared with preserved fascia lata for congenital ptosis a three-year follow-up study. Ophthalmology. 2009;116(1):123-9.).

A tabela 2 mostra resumidamente os estudos que comparam os diversos materiais utilizados na cirurgia de suspensão frontal. Nota-se que os resultados são muito díspares nos estudos, tanto em relação à recorrência da ptose ao longo do tempo quanto ao índice de complicações. Até 2005 era praticamente unânime a aceitação da fáscia lata como melhor material, porém estudos mais recentes tem-se inclinado para o silicone, inclusive em relação à superioridade nos resultados estéticos e menor recorrência(2121 Lee MJ, Oh JY, Choung HK, Kim NJ, Sung MS, Khwarg SI. Frontalis sling operation using silicone rod compared with preserved fascia lata for congenital ptosis a three-year follow-up study. Ophthalmology. 2009;116(1):123-9.).

Tabela 2
Comparação dos diversos materiais utilizados na suspensão frontal

Na realidade há necessidade de estudos prospectivos e randomizados para se confirmar a superioridade do silicone sobre a fáscia lata(2121 Lee MJ, Oh JY, Choung HK, Kim NJ, Sung MS, Khwarg SI. Frontalis sling operation using silicone rod compared with preserved fascia lata for congenital ptosis a three-year follow-up study. Ophthalmology. 2009;116(1):123-9.) ou na comparação de quaisquer outros materiais.

Em relação a outros materiais, estudos indicam que o nylon, o mersilene e o politetrafluoretileno (PTFE ou "Gore-tex"), tem uma boa aceitação, mas com variados graus de extrusão, infecção e formação de granulomas(1717 Wasserman BN, Sprunger DT, Helveston EM. Comparison of materials used in frontalis suspension. Arch Ophthalmol. 2001;119(5):687-91.,1919 Ramirez OM, Peña G. Frontalis muscle advancement: a dynamic structure for the treatment of severe congenital eyelid ptosis. Plast Reconstr Surg. 2004;113(6):1841-9; discussion 1850-1.,2222 Ben Simon GJ, Macedo AA, Schwarcz RM, Wang DY, McCann JD, Goldberg RA. Frontalis suspension for upper eyelid ptosis: evaluation of different surgical designs and suture material. Am J Ophthalmol. 2005;140(5):877-85.).

A utilização de fáscia lata autóloga continua a ser o método preferido pela maioria dos cirurgiões e considerado procedimento padrão ouro(7Baroody M, Holds JB, Vick VL. Advances in the diagnosis and treatment of ptosis. Curr Opin Ophthalmol. 2005;16(6):351-5. Review.,1010 Takahashi Y, Leibovitch I, Kakizaki H. Frontalis suspension surgery in upper eyelid blepharoptosis. Open Ophthalmol J. 2010;4:91-7.,1616 Yoon JS, Lee SY. Long-term functional and cosmetic outcomes after frontalis suspension using autogenous fascia lata for pediatric congenital ptosis. Ophthalmology. 2009;116(7):1405-14.,1818 Bernardini FP, Devoto MH, Priolo E. Treatment of unilateral congenital ptosis. Ophthalmology. 2007;114(3):622-3.,2323 Bagheri A, Aletaha M, Saloor H, Yazdani S. A randomized clinical trial of two methods of fascia lata suspension in congenital ptosis. Ophthal Plast Reconstr Surg. 2007;23(3):217-21.). Fáscia lata preservada aparece com segunda melhor opção(2323 Bagheri A, Aletaha M, Saloor H, Yazdani S. A randomized clinical trial of two methods of fascia lata suspension in congenital ptosis. Ophthal Plast Reconstr Surg. 2007;23(3):217-21.). Apesar da altura, contorno e sulco palpebrais se apresentarem satisfatórios no período pós-operatório precoce, com o passar do tempo o resultado cosmético pode sofrer mudança, principalmente com relação à simetria da altura palpebral em casos unilaterais e sulco palpebral em casos uni e bilaterais, mesmo se o resultado funcional continua bom. Outros autores, porém, descrevem bons resultados funcionais em longo prazo, com manutenção da altura e do sulco palpebrais(1616 Yoon JS, Lee SY. Long-term functional and cosmetic outcomes after frontalis suspension using autogenous fascia lata for pediatric congenital ptosis. Ophthalmology. 2009;116(7):1405-14.).

Há risco de afrouxamento do material, diminuindo sua função e efetividade(6Allard FD, Durairaj VD. Current techniques in surgical correction of congenital ptosis. Middle East Afr J Ophthalmol. 2010;17(2):129-33.). Pacientes asiáticos são mais propensos à inversão palpebral após cirurgia de suspensão frontal(1616 Yoon JS, Lee SY. Long-term functional and cosmetic outcomes after frontalis suspension using autogenous fascia lata for pediatric congenital ptosis. Ophthalmology. 2009;116(7):1405-14.).

Alça da suspensão

Não há consenso quanto ao formato da alça; triângulo simples, triângulo duplo, romboide simples (método de Friedenwald-Guyton), romboide dupla (método de Iliff), trapezóide dupla (método de Wright), pentagonal simples (método de Fox) e pentagonal dupla (método de Crawford) são configurações usadas(1616 Yoon JS, Lee SY. Long-term functional and cosmetic outcomes after frontalis suspension using autogenous fascia lata for pediatric congenital ptosis. Ophthalmology. 2009;116(7):1405-14.,2323 Bagheri A, Aletaha M, Saloor H, Yazdani S. A randomized clinical trial of two methods of fascia lata suspension in congenital ptosis. Ophthal Plast Reconstr Surg. 2007;23(3):217-21.). Alguns autores acreditam que o método monotriangular é melhor para sobrancelhas com pontas e o tipo pentagonal ou romboide para sobrancelhas difusamente elevadas. Outros recomendam o modelo monotriangular (método de Fox modificado) para crianças e o bitriangular (método de Crawford modificado) para adultos(2323 Bagheri A, Aletaha M, Saloor H, Yazdani S. A randomized clinical trial of two methods of fascia lata suspension in congenital ptosis. Ophthal Plast Reconstr Surg. 2007;23(3):217-21.). Outros ainda, recomendam o método romboide simples para crianças pequenas, por prevenir dobras palpebrais pós-operatórias(1010 Takahashi Y, Leibovitch I, Kakizaki H. Frontalis suspension surgery in upper eyelid blepharoptosis. Open Ophthalmol J. 2010;4:91-7.). Ben Simon et al. não encontraram diferença em recorrência, função ou estética quando comparadas a alça romboide simples e o pentágono duplo(2222 Ben Simon GJ, Macedo AA, Schwarcz RM, Wang DY, McCann JD, Goldberg RA. Frontalis suspension for upper eyelid ptosis: evaluation of different surgical designs and suture material. Am J Ophthalmol. 2005;140(5):877-85.). Para a fáscia lata, é recomendada a utilização da técnica de Crawford e para os materiais aloplásticos, o método de Fox(5Finsterer J. Ptosis: causes, presentation, and management. Aesthetic Plast Surg. 2003;27(3):193-204. Review.). Quanto às incisões, aquelas feitas no sulco mostraram melhores resultados em termos de contorno palpebral e simetria do sulco quando comparadas as realizadas acima dos cílios(2222 Ben Simon GJ, Macedo AA, Schwarcz RM, Wang DY, McCann JD, Goldberg RA. Frontalis suspension for upper eyelid ptosis: evaluation of different surgical designs and suture material. Am J Ophthalmol. 2005;140(5):877-85.).

Cirurgia bilateral versus unilateral na ptose unilateral grave

Alguns autores recomendam a cirurgia bilateral de suspensão frontal para tratamento de ptose congênita unilateral, com a justificativa de melhora da simetria ao fechar os olhos, piscar e olhar para baixo(1616 Yoon JS, Lee SY. Long-term functional and cosmetic outcomes after frontalis suspension using autogenous fascia lata for pediatric congenital ptosis. Ophthalmology. 2009;116(7):1405-14.,1818 Bernardini FP, Devoto MH, Priolo E. Treatment of unilateral congenital ptosis. Ophthalmology. 2007;114(3):622-3.). Por outro lado, a cirurgia bilateral coloca os dois olhos sob o risco de complicação pós-operatória, como lagoftalmo, ceratite de exposição, entrópio de pálpebra superior, ptose de cílios, ausência de sulco palpebral, excesso de pele e paralisia de músculo oblíquo superior. Outros autores, porém, sugerem que a cirurgia unilateral preservando o lado saudável, traz maior aceitação do procedimento pelos pais, tempo e riscos cirúrgicos reduzidos. A presença de elevação espontânea do supercílio no pré-operatório no lado afetado pode predizer o sucesso de uma suspensão frontal unilateral. A cirurgia unilateral é recomendada para ptose congênita unilateral com função pobre do MLPS sem ambliopia(2828 Kersten RC, Bernardini FP, Khouri L, Moin M, Roumeliotis AA, Kulwin DR. Unilateral frontalis sling for the surgical correction of unilateral poor-function ptosis. Ophthal Plast Reconstr Surg. 2005;21(6):412-6; discussion 416-7.). Pacientes com ambliopia estão sujeitos ao risco de hipocorreção da mesma se submetidos à cirurgia unilateral, portanto suspensão frontal bilateral é preferida nesses casos(1616 Yoon JS, Lee SY. Long-term functional and cosmetic outcomes after frontalis suspension using autogenous fascia lata for pediatric congenital ptosis. Ophthalmology. 2009;116(7):1405-14.).

Outras técnicas menos utilizadas

Tarsectomia

Descrita inicialmente por Gillet de Grandmont em 1891, segundo Reifler(2929 Reifler DM. The tarsectomy operation of A.P.L. Gillet de Grandmont (1837-1894) and its periodic rediscovery. Doc Ophthalmol. 1995;89(12):153-62.) ganhou popularidade nos últimos 20 anos por sua flexibilidade em se associar à ressecção da aponeurose do MLPS(3030 Patel SM, Linberg JV, Sivak-Callcott JA, Gunel E. Modified tarsal resection operation for congenital ptosis with fair levator function. Ophthal Plast Reconstr Surg. 2008;24(1):1-6.,3131 Bassin RE, Putterman AM. Full-thickness eyelid resection in the treatment of secondary ptosis. Ophthal Plast Reconstr Surg. 2009;25(2):85-9.) e à ressecção do Músculo de Muller pela via posterior (Fasanella-Servat, 1961)(3232 Fasanella RM, Servat J. Levator resection for minimal ptosis: another simplified operation. Arch Ophthalmol. 1961;65:493-6.). Foi também descrita como técnica para correção de ptoses recidivadas e de pouca resposta a outras técnicas cirúrgicas habituais(3131 Bassin RE, Putterman AM. Full-thickness eyelid resection in the treatment of secondary ptosis. Ophthal Plast Reconstr Surg. 2009;25(2):85-9.). Esta técnica se baseia no encurtamento vertical da pálpebra, com a consequente elevação da margem palpebral. A ressecção do tarso deve manter 3mm pelo menos a partir da margem palpebral para manter a estabilidade da pálpebra(3232 Fasanella RM, Servat J. Levator resection for minimal ptosis: another simplified operation. Arch Ophthalmol. 1961;65:493-6.).

'Frontalis transfer'

Trata-se de um flap dinâmico de músculo frontal tunelizado até a pálpebra superior e suturado à placa tarsal, para casos de ptose congênita, adquirida ou ambas que recidivaram após outros tipos de correção, e função do MLPS menor que 4mm(6Allard FD, Durairaj VD. Current techniques in surgical correction of congenital ptosis. Middle East Afr J Ophthalmol. 2010;17(2):129-33.,7Baroody M, Holds JB, Vick VL. Advances in the diagnosis and treatment of ptosis. Curr Opin Ophthalmol. 2005;16(6):351-5. Review.,1919 Ramirez OM, Peña G. Frontalis muscle advancement: a dynamic structure for the treatment of severe congenital eyelid ptosis. Plast Reconstr Surg. 2004;113(6):1841-9; discussion 1850-1.). O músculo frontal é dissecado do periósteo e do músculo orbicular, o septo orbital é separado da margem orbitária e cria uma polia semielástica para acomodar o flap(1919 Ramirez OM, Peña G. Frontalis muscle advancement: a dynamic structure for the treatment of severe congenital eyelid ptosis. Plast Reconstr Surg. 2004;113(6):1841-9; discussion 1850-1.). O MLPS é avançado e dobrado sobre a aponeurose por 12 a 16mm. O flap é suturado a placa tarsal com fio inabsorvível 6-0 ou 7-0 (3 pontos: centro da pupila, limbo lateral e limbo medial). A margem palpebral é ajustada para permanecer ao nível do limbo superior e os pacientes tem que aprender a posicionar a pálpebra de forma funcional e estética. As complicações relatadas foram excursão reduzida da pálpebra em extremas supraversão e infraversão (principalmente no pós-operatório imediato), sangramento pela dissecção do músculo frontal, denervação, deformidades no local doador com assimetria de sobrancelhas, cicatriz supraciliar e lagoftalmo. Exposição corneana não foi relatada. Simetria no posicionamento das pálpebras foi atingido mais frequentemente quando o procedimento foi realizado bilateralmente(717 Wasserman BN, Sprunger DT, Helveston EM. Comparison of materials used in frontalis suspension. Arch Ophthalmol. 2001;119(5):687-91.,1919 Ramirez OM, Peña G. Frontalis muscle advancement: a dynamic structure for the treatment of severe congenital eyelid ptosis. Plast Reconstr Surg. 2004;113(6):1841-9; discussion 1850-1.). Esse procedimento pode ser realizado em crianças mais novas, já que o músculo frontal está bem desenvolvido aos 2 anos de idade(6Allard FD, Durairaj VD. Current techniques in surgical correction of congenital ptosis. Middle East Afr J Ophthalmol. 2010;17(2):129-33.).

Indicações para a escolha da técnica cirúrgica

As recomendações atuais para correção de ptose congênita são variáveis, porém em crianças com menos de 3-4 anos com função pobre do MLPS, é recomendada suspensão frontal. Em crianças com menos de 3mm de função do MLPS, as opções são suspensão frontal, flap do músculo frontal e suspensão utilizando o ligamento de Whitnall. Em pacientes com mais de 5mm de função do MLPS, podem ser realizadas a ressecção ou avanço do MLPS. Para casos com recidiva após suspensão frontal, pode-se realizar a suspensão pelo ligamento de Whitnall (com ou sem tarsectomia) e vice-versa(6Allard FD, Durairaj VD. Current techniques in surgical correction of congenital ptosis. Middle East Afr J Ophthalmol. 2010;17(2):129-33.).

A dificuldade maior é indicar a cirurgia em casos de função entre 5-7mm porque a ressecção da aponeurose do MLPS pode não ser suficiente. Outras opções consistem em suspensão frontal, ressecção máxima do MLPS e suspensão ao ligamento de Whitnall ou associado à tarsectomia superior(2020 Lee V, Konrad H, Bunce C, Nelson C, Collin JR. Aetiology and surgical treatment of childhood blepharoptosis. Br J Ophthalmol. 2002;86(11):1282-6.,3030 Patel SM, Linberg JV, Sivak-Callcott JA, Gunel E. Modified tarsal resection operation for congenital ptosis with fair levator function. Ophthal Plast Reconstr Surg. 2008;24(1):1-6.).

Cirurgia na Síndrome da Blefarofimose

Pacientes apresentam como características principais: epicanto inverso, estreitamento horizontal e vertical da fenda palpebral, telecanto e ptose grave (hipoplasia do MLPS). Outras alterações associadas são: estrabismo, ambliopia, supercílios arqueados e mais altos, deformidades de orelha, hipogonadismo e infertilidade(3333 Tyers A, Meyer-Rüsenberg HW. [Blepharophimosis ptosis epicanthus inversus syndrome (BPES) (corrected)]. Klin Monbl Augenheilkd. 2012;229(1):28-30. Review. German. Erratum in: Klin Monbl Augenheilkd. 2012;229(1):E1.).

Se possível a correção do telecanto e do epicanto devem preceder a correção da ptose devido à possibilidade de diminuição vertical da fenda palpebral com as manipulações cirúrgicas(3434 Li H, Li D, Jie Y, Qin Y. Multistage correction of blepharophimosis: our rationale for 18 cases. Aesthetic Plast Surg. 2009;33(4):576-81.) (figura 3).

Figura 3
Blefarofimose - notam-se as marcas da correção do epicanto inverso; ptose grave com arqueamento de supercílios, diminuição de fenda horizontal e euribléfaro

A cirurgia mais indicada é a suspensão frontal com fáscia lata(3333 Tyers A, Meyer-Rüsenberg HW. [Blepharophimosis ptosis epicanthus inversus syndrome (BPES) (corrected)]. Klin Monbl Augenheilkd. 2012;229(1):28-30. Review. German. Erratum in: Klin Monbl Augenheilkd. 2012;229(1):E1.). Alguns autores relatam boa experiência na ressecção supra-máxima do MLPS(1414 Epstein GA, Putterman AM. Super-maximum levator resection for severe unilateral congenital blepharoptosis. Ophthalmic Surg. 1984;15(12):971-9.).

Apesar de todos os procedimentos, mesmo nos casos de sucesso, os pacientes com blefarofimose continuam com fácies característicos e mantêm a fenda palpebral mais estreita.

Síndrome de Marcus-Gunn

É uma sincinesia trigêmio-oculomotora, consiste em ptose congênita unilateral na qual há retração da pálpebra ptótica com a estimulação do músculo pterigoideo ispsilateral. Essa estimulação pode ser por meio da abertura da boca, mastigação, sucção, sorriso, movimentação lateral da mandíbula para o mesmo lado afetado e/ou para o outro, protusão da mandíbula ou da língua e contração do músculo esternocleidomastoideo(3535 Cahill KV, Bradley EA, Meyer DR, Custer PL, Holck DE, Marcet MM, et al. Functional indications for upper eyelid ptosis and blepharoplasty surgery: a report by the American Academy of Ophthalmology. Ophthalmology. 2011;118(12):2510-7.). Existem casos bilaterais, mas são muito raros. Afeta igualmente ambos os sexos e ambos os lados e é observada em 2 a 13% dos pacientes com ptose congênita. Como etiologia, acredita-se que um ramo do quinto nervo craniano é desviado para o terceiro nervo craniano, porém outros nervos cranianos podem estar envolvidos. Alguns pacientes aprendem com o tempo a controlar a posição e a excursão da pálpebra afetada(1515 Demirci H, Frueh BR, Nelson CC. Marcus Gunn jaw-winking synkinesis: clinical features and management. Ophthalmology. 2010;117(7):1447-52.).

É classificada de acordo com a excursão da pálpebra superior conforme a estimulação da boca, graduada em milímetros: leve (< 2mm), moderada (2-5mm) e severa (> 5mm)(3636 Khwarg SI, Tarbet KJ, Dortzbach RK, Lucarelli MJ. Management of moderate-to-severe Marcus-Gunn jaw-winking ptosis. Ophthalmology. 1999;106(6):1191-6.). Quando a síndrome acarreta comprometimento funcional ou cosmético, deve-se considerar o tratamento cirúrgico, como por exemplo, a excisão do MLPS (aponeurose e músculo terminal) no lado afetado, enfraquecimento ou excisão do MLPS contralateral, seguidas de suspensão frontal bilateral(1515 Demirci H, Frueh BR, Nelson CC. Marcus Gunn jaw-winking synkinesis: clinical features and management. Ophthalmology. 2010;117(7):1447-52.,3636 Khwarg SI, Tarbet KJ, Dortzbach RK, Lucarelli MJ. Management of moderate-to-severe Marcus-Gunn jaw-winking ptosis. Ophthalmology. 1999;106(6):1191-6.). Em pacientes que não querem ser submetidos a cirurgia bilateral envolvendo o lado normal ou que não são ambliogênicos, podese realizar o procedimento somente no lado afetado, porém isso pode gerar assimetria palpebral no olhar para baixo. Pacientes submetidos à cirurgia bilateral obtiveram melhor simetria das pálpebras superiores em posição primária do olhar(3636 Khwarg SI, Tarbet KJ, Dortzbach RK, Lucarelli MJ. Management of moderate-to-severe Marcus-Gunn jaw-winking ptosis. Ophthalmology. 1999;106(6):1191-6.).

Deve-se antes resolver alterações associadas, como ambliopia tratável (23 a 59% dos pacientes), estrabismo vertical (23 a 48%) e estrabismo horizontal (34%)(3636 Khwarg SI, Tarbet KJ, Dortzbach RK, Lucarelli MJ. Management of moderate-to-severe Marcus-Gunn jaw-winking ptosis. Ophthalmology. 1999;106(6):1191-6.). Se a sincinesia mandíbula-pálpebra trouxer mínimo comprometimento cosmético, ela pode ser ignorada no tratamento da ptose e esta pode ser corrigida conforme as técnicas adequadas para cada nível de função do MLPS. Se a sincinesia é moderada a severa e traz problemas ao paciente, o tratamento cirúrgico deve levá-la em consideração. Se a sincinesia é leve, o tratamento inclui observação, resecção MLPS ou técnica de Fasanella-Servat(1515 Demirci H, Frueh BR, Nelson CC. Marcus Gunn jaw-winking synkinesis: clinical features and management. Ophthalmology. 2010;117(7):1447-52.).

A aponeurose do MLPS apresenta numerosas conexões abaixo do ligamento de Withnall e divide a glândula lacrimal em porções orbitária e palpebral, dessa forma, a excisão do MLPS nem sempre é completa e tais conexões entre o MLPS e a pálpebra podem ser restauradas. Por isso, alguns autores recomendam a excisão do aponeurose e do MLPS terminal e suspensão frontal bilateral. Com isso, o resultado final seria melhor devido à simetria de fraqueza da pálpebra superior, de elevação pela suspensão frontal e de uso do músculo frontal para elevar ambas pálpebras superiores(3636 Khwarg SI, Tarbet KJ, Dortzbach RK, Lucarelli MJ. Management of moderate-to-severe Marcus-Gunn jaw-winking ptosis. Ophthalmology. 1999;106(6):1191-6.).

Complicações da cirurgia de correção de ptose

Dentre as complicações, a mais comum é a hipocorreção (10-15% dos casos), que pode resultar de ressecção inadequada, identificação incorreta das estruturas, cicatrização excessiva ou suturas inapropriadas(6Allard FD, Durairaj VD. Current techniques in surgical correction of congenital ptosis. Middle East Afr J Ophthalmol. 2010;17(2):129-33.,7Baroody M, Holds JB, Vick VL. Advances in the diagnosis and treatment of ptosis. Curr Opin Ophthalmol. 2005;16(6):351-5. Review.) (figura 4). A hipercorreção resulta na oclusão palpebral incompleta e é condição rara na correção da ptose congênita, mas pode ocorrer se a pálpebra é suturada ao ligamento de Whitnall ou se o septo orbitário é encurtado excessivamente(7Baroody M, Holds JB, Vick VL. Advances in the diagnosis and treatment of ptosis. Curr Opin Ophthalmol. 2005;16(6):351-5. Review.). Apesar de desejável no pós-operatório, a simetria na altura palpebral pode gerar exposição corneana, por isso é recomendada a realização da sutura de Frost ao final da cirurgia e sua retirada após 48 horas.

Figura 4
Hipocorreção de ptose à esquerda no 15o pós-operatório de ressecção de aponeurose de MLPS

Existe ainda o risco de diplopia transitória ou permanente em casos de paralisia residual de terceiro nervo craniano, reação adversa aos agentes anestésicos, sangramento intra ou pós-operatório, processo infeccioso, ceratite leve e abrasão corneana devido a suturas em locais inadequados, reações aos materiais aloplásticos (figura 5) ou abscessos nas suturas, sulco palpebral ausente ou baixo pode resultar de incisão incorreta ou falha na confecção do sulco e distorções na margem palpebral podem resultar de avanço assimétrico da aponeurose(6Allard FD, Durairaj VD. Current techniques in surgical correction of congenital ptosis. Middle East Afr J Ophthalmol. 2010;17(2):129-33.). Assimetria palpebral e sensação de corpo estranho corneano podem ser complicações tardias.

Figura 5
Reação a silicone com processo inflamatório local e exposição parcial do material

Podem ocorrer ainda ptose de cílios, entrópio e dobra por excesso de pele. A fixação da fáscia na porção mais baixa do tarso cria um torque anterior na margem palpebral e reduz a chance de entrópio, mas pode levar ao afastamento da margem simulando euribléfaro superior.A criação do sulco palpebral também é importante. Para evitar a dobra de pele, deve-se retirar o excesso de pele apropriadamente(1616 Yoon JS, Lee SY. Long-term functional and cosmetic outcomes after frontalis suspension using autogenous fascia lata for pediatric congenital ptosis. Ophthalmology. 2009;116(7):1405-14.).

CONCLUSÃO

As principais técnicas utilizadas para o tratamento da ptose congênita são a ressecção da aponeurose do MLPS e a suspensão frontal. Na existência de ambliopia a correção da ptose deve ser precoce, de outra forma pode ser realizada a partir dos 3 anos de idade.

A medida da função do MLPS, ou melhor da excursão palpebral, é o parâmetro mais importante na escolha da técnica cirúrgica. Quando a função é fraca a suspensão frontal é mais indicada; como alternativa a ressecção supramáxima do MLPS também pode ser empregada. Acima de 4 ou 5 mm de função do MLPS, prefere-se a ressecção da aponeurose.

Na Síndrome da Blefarofimose, os resultados são menos eficazes do que nos casos de ptose congênita simples. A suspensão frontal bilateral ainda é a técnica mais usada, embora nesses casos posssa se cogitar na ressecção supramáxima do MLPS. Na Síndrome de Marcus-Gunn ressecção máxima do MLPS aliado à suspensão frontal oferece os melhores resultados.

A complicação mais frequente é a hipocorreção, seguida de deformidades de sulco, lagoftalmo, ceratopatia, extrusão de implante e formação de granulomas (no uso de materiais aloplásticos na suspensão frontal).

Embora a literatura seja vasta, a ausência de estudos randomizados e controlados envolvendo várias técnicas cirúrgicas e materiais aloplásticos ou homólogos nessa área dificultam uma análise mais objetiva e a escolha da melhor abordagem da ptose congênita.

  • Trabalho realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo (SP), Brasil.
  • 1
    Callahan MA, Beard C. Beard's ptosis. 4a ed. Birmingham: Aesculapius; 1990.
  • 2
    Beard C, Sullivan JH. Ptosis-current concepts. Int Ophthalmol Clin. 1978;18(3):53-73. Review.
  • 3
    Sarver BL, Putterman AM. Margin limbal distance to determine amount of levator resection. Arch Ophthalmol. 1985;103(3):354-6.
  • 4
    Frueh BR. Graves' eye disease: orbital compliance and other physical measurements. Trans Am Ophthalmol Soc. 1984;82:492-598. Review.
  • 5
    Finsterer J. Ptosis: causes, presentation, and management. Aesthetic Plast Surg. 2003;27(3):193-204. Review.
  • 6
    Allard FD, Durairaj VD. Current techniques in surgical correction of congenital ptosis. Middle East Afr J Ophthalmol. 2010;17(2):129-33.
  • 7
    Baroody M, Holds JB, Vick VL. Advances in the diagnosis and treatment of ptosis. Curr Opin Ophthalmol. 2005;16(6):351-5. Review.
  • 8
    Baldwin HC, Manners RM. Congenital blepharoptosis: a literature review of the histology of levator palpebrae superioris muscle. Ophthal Plast Reconstr Surg. 2002;18(4):301-7. Review.
  • 9
    Meyer DR, Rheeman CH. Downgaze eyelid position in patients with blepharoptosis. Ophthalmology. 1995;102(10):1517-23.
  • 10
    Takahashi Y, Leibovitch I, Kakizaki H. Frontalis suspension surgery in upper eyelid blepharoptosis. Open Ophthalmol J. 2010;4:91-7.
  • 11
    Gonzalez MO, Durairaj VD. The history of ptosis surgery. In: Cohen AJ, Weinberg DA. Evaluation and management of blepharoptosis. New York: Springer; 2011.
  • 12
    Frueh BR, Musch DC, McDonald HM. Efficacy and efficiency of a small-incision, minimal dissection procedure versus a traditional approach for correcting aponeurotic ptosis. Ophthalmology. 2004;111(12):2158-63. Review.
  • 13
    Holmström H, Bernström-Lundberg C, Oldfors A. Anatomical study of the structures at the roof of the orbit with special reference to the check ligament of the superior fornix. Scand J Plast Reconstr Surg Hand Surg. 2002;36(3):157-9.
  • 14
    Epstein GA, Putterman AM. Super-maximum levator resection for severe unilateral congenital blepharoptosis. Ophthalmic Surg. 1984;15(12):971-9.
  • 15
    Demirci H, Frueh BR, Nelson CC. Marcus Gunn jaw-winking synkinesis: clinical features and management. Ophthalmology. 2010;117(7):1447-52.
  • 16
    Yoon JS, Lee SY. Long-term functional and cosmetic outcomes after frontalis suspension using autogenous fascia lata for pediatric congenital ptosis. Ophthalmology. 2009;116(7):1405-14.
  • 17
    Wasserman BN, Sprunger DT, Helveston EM. Comparison of materials used in frontalis suspension. Arch Ophthalmol. 2001;119(5):687-91.
  • 18
    Bernardini FP, Devoto MH, Priolo E. Treatment of unilateral congenital ptosis. Ophthalmology. 2007;114(3):622-3.
  • 19
    Ramirez OM, Peña G. Frontalis muscle advancement: a dynamic structure for the treatment of severe congenital eyelid ptosis. Plast Reconstr Surg. 2004;113(6):1841-9; discussion 1850-1.
  • 20
    Lee V, Konrad H, Bunce C, Nelson C, Collin JR. Aetiology and surgical treatment of childhood blepharoptosis. Br J Ophthalmol. 2002;86(11):1282-6.
  • 21
    Lee MJ, Oh JY, Choung HK, Kim NJ, Sung MS, Khwarg SI. Frontalis sling operation using silicone rod compared with preserved fascia lata for congenital ptosis a three-year follow-up study. Ophthalmology. 2009;116(1):123-9.
  • 22
    Ben Simon GJ, Macedo AA, Schwarcz RM, Wang DY, McCann JD, Goldberg RA. Frontalis suspension for upper eyelid ptosis: evaluation of different surgical designs and suture material. Am J Ophthalmol. 2005;140(5):877-85.
  • 23
    Bagheri A, Aletaha M, Saloor H, Yazdani S. A randomized clinical trial of two methods of fascia lata suspension in congenital ptosis. Ophthal Plast Reconstr Surg. 2007;23(3):217-21.
  • 24
    Wagner RS, Mauriello JA Jr, Nelson LB, Calhoun JH, Flanagan JC, Harley RD. Treatment of congenital ptosis with frontalis suspension: a comparison of suspensory materials. Ophthalmology. 1984;91(3):245-8.
  • 25
    Berry-Brincat A, Willshaw H. Paediatric blepharoptosis: a 10-year review. Eye. 2009;23(7):1554-9.
  • 26
    Mehta P, Patel P, Olver JM. Functional results and complications of Mersilene mesh use for frontalis suspension ptosis surgery. Br J Ophthalmol. 2004;88(3):361-4.
  • 27
    Junceda-Moreno J, Suárez-Suárez E, Dos-Santos-Bernardo V. Treatment of palpebral ptosis with frontal suspension: a comparative study of different materials. Arch Soc Esp Oftalmol. 2005;80(8):457-61.
  • 28
    Kersten RC, Bernardini FP, Khouri L, Moin M, Roumeliotis AA, Kulwin DR. Unilateral frontalis sling for the surgical correction of unilateral poor-function ptosis. Ophthal Plast Reconstr Surg. 2005;21(6):412-6; discussion 416-7.
  • 29
    Reifler DM. The tarsectomy operation of A.P.L. Gillet de Grandmont (1837-1894) and its periodic rediscovery. Doc Ophthalmol. 1995;89(12):153-62.
  • 30
    Patel SM, Linberg JV, Sivak-Callcott JA, Gunel E. Modified tarsal resection operation for congenital ptosis with fair levator function. Ophthal Plast Reconstr Surg. 2008;24(1):1-6.
  • 31
    Bassin RE, Putterman AM. Full-thickness eyelid resection in the treatment of secondary ptosis. Ophthal Plast Reconstr Surg. 2009;25(2):85-9.
  • 32
    Fasanella RM, Servat J. Levator resection for minimal ptosis: another simplified operation. Arch Ophthalmol. 1961;65:493-6.
  • 33
    Tyers A, Meyer-Rüsenberg HW. [Blepharophimosis ptosis epicanthus inversus syndrome (BPES) (corrected)]. Klin Monbl Augenheilkd. 2012;229(1):28-30. Review. German. Erratum in: Klin Monbl Augenheilkd. 2012;229(1):E1.
  • 34
    Li H, Li D, Jie Y, Qin Y. Multistage correction of blepharophimosis: our rationale for 18 cases. Aesthetic Plast Surg. 2009;33(4):576-81.
  • 35
    Cahill KV, Bradley EA, Meyer DR, Custer PL, Holck DE, Marcet MM, et al. Functional indications for upper eyelid ptosis and blepharoplasty surgery: a report by the American Academy of Ophthalmology. Ophthalmology. 2011;118(12):2510-7.
  • 36
    Khwarg SI, Tarbet KJ, Dortzbach RK, Lucarelli MJ. Management of moderate-to-severe Marcus-Gunn jaw-winking ptosis. Ophthalmology. 1999;106(6):1191-6.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2014

Histórico

  • Recebido
    03 Fev 2014
  • Aceito
    23 Mar 2014
Sociedade Brasileira de Oftalmologia Rua São Salvador, 107 , 22231-170 Rio de Janeiro - RJ - Brasil, Tel.: (55 21) 3235-9220, Fax: (55 21) 2205-2240 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rbo@sboportal.org.br