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Mudando um paradigma: PTA é mais importante que o leito residual como fator de risco para ectasia pós-LASIK

A ectasia da córnea e seus mistérios

A ectasia da córnea após a cirurgia de laser in situ keratomileusis (LASIK) é uma complicação com ameaça de perda visual significativa, caracterizada por encurvamento e afinamento progressivo da córnea. Embora a maioria dos pacientes que desenvolvam ectasia pós-LASIK apresentem fatores de risco identificáveis, principalmente alterações pré-operatórias da topografia da córnea com discos de Plácido, a ectasia em pacientes com exames considerados normais ainda é um mistério (11 Randleman JB, Russell B, Ward MA, Thompson KP, Stulting RD. Risk factors and prognosis for corneal ectasia after LASIK. Ophthalmology. 2003;110(2):267-275.,22 Randleman JB, Woodward M, Lynn MJ, Stulting RD. Risk assessment for ectasia after corneal refractive surgery. Ophthalmology. 2008;115(1):37-50.). Este editorial apresenta um novo fator de risco chamado Percentual de Tecido Alterado ou PTA. Estudos prévios feitos por mim e pelos meus colaboradores demonstraram que o PTA apresenta maior relação com o risco de ectasia do que outros fatores já consagrados na literatura, como o leito residual estromal (33 Santhiago MR, Smadja D, Gomes BF, Mello GR, Monteiro ML, Wilson SE, Randleman JB. Association between the percent tissue altered and post-laser in situ keratomileusis ectasia in eyes with normal preoperative topography. Am J Ophthalmol. 2014;158(1):87-95.e1.

4 Santhiago MR, Wilson SE, Hallahan KM et al. Changes in custom biomechanical variables after femtosecond laser in situ keratomileusis and photorefractive keratectomy for myopia. J Cataract Refract Surg. 2014;40(6):918-28.

5 Santhiago MR, Kara-Junior N, Waring GO 4th. Microkeratome versus femtosecond flaps: accuracy and complications. Curr Opin Ophthalmol. 2014;25(4):270-4.

6 Santhiago MR. Common Warning Signs of High-Risk Eyes. Cataract Refract Surg Today. 2014; (Mar):18-19.

7 Santhiago MR, Smadja D, Mello G, Wilson SE, Randleman JB. Role of percentage of tissue altered as risk factor for ectasia after LASIK in eyes with normal preoperative topography. Paper presented at: the 2014 ASCRS meeting; April 25-29, 2014; Boston. (Best Paper award).

8 Santhiago MR, Smadja D, Mello G, Wilson SE, Randleman JB. Role of Percentage of Tissue Altered (PTA) as a risk factor in eyes with Normal preoperative topography that developed Ectasia after LASIK. In: ARVO Meeting 2014; 2014, Orlando, FL. IOVS, 2014. v. 55. p. 1548-9.

9 Santhiago MR, Smadja D, Mello G, Wilson SE, Randleman JB. Role of PTA as risk factor for ectasia after LASIK in eyes with normal and suspicious preoperative topography. Paper presented at: the 2014 AAO Meeting; Oct 17-21, 2014; Chicago.

10 Santhiago MR. Refractive surgery problem: Consultation Section. J Cataract Refract Surg. 2013;39(12):1933-4.
-1111 Santhiago MR, Wilson SE Cellular effects after laser in situ keratomileusis flap formation with femtosecond lasers. Cornea. 2012;31(2):198-205.). A melhor compreensão, aceitação e reconhecimento dos fatores de risco para ectasia após a cirurgia refrativa são fundamentais para diminuir a ocorrência deste efeito adverso.

De maneira simplificada, a ectasia pós-LASIK representa uma alteração da integridade biomecânica da córnea que excede o limite requerido para se manter a curvatura e a forma desse tecido. Esta alteração pode teoricamente acontecer em três cenários distintos: 1. quando uma córnea já destinada a desenvolver ectasia é submetida à cirurgia; 2. quando uma córnea cursando pré-operatório mais fraca, porém clinicamente estável, é submetida à cirurgia; 3. quando uma córnea relativamente normal é enfraquecida pela cirurgia de maneira que ultrapasse seu limiar de segurança. Este último cenário é justamente nossa principal área de pesquisa.

Uma nova medida: o PTA

Há uma relação entre a espessura da córnea, a espessura do flap e a profundidade de ablação na determinação da alteração biomecânica que ocorre após o LASIK. A força tensional da córnea não é uniforme em toda a sua espessura central, havendo um enfraquecimento progressivo nos seus dois terços posteriores. Isso repercute na dimensão do comprometimento biomecânico pós-cirurgia refrativa, expressada pela espessura do flap associada à profundidade de ablação, exercendo definitivamente um papel significativo no enfraquecimento pós-operatório (1212 Randleman JB, Dawson DG, Grossniklaus HE, McCarey BE, Edelhauser HF. Depth-dependent cohesive tensile strength in human donor corneas: implications for refractive surgery. J Refract Surg.2008;24(1):S85-9.). Nós propomos e investigamos uma nova medida, o PTA, que melhor descreve as repercussões na córnea e que para o LASIK é derivado da equação: PTA = (EF + PA)/ECC (33 Santhiago MR, Smadja D, Gomes BF, Mello GR, Monteiro ML, Wilson SE, Randleman JB. Association between the percent tissue altered and post-laser in situ keratomileusis ectasia in eyes with normal preoperative topography. Am J Ophthalmol. 2014;158(1):87-95.e1.

4 Santhiago MR, Wilson SE, Hallahan KM et al. Changes in custom biomechanical variables after femtosecond laser in situ keratomileusis and photorefractive keratectomy for myopia. J Cataract Refract Surg. 2014;40(6):918-28.
-55 Santhiago MR, Kara-Junior N, Waring GO 4th. Microkeratome versus femtosecond flaps: accuracy and complications. Curr Opin Ophthalmol. 2014;25(4):270-4.).

Onde EF = espessura do flap do LASIK; PA = profundidade de ablação e ECC = espessura central da córnea. Esta medida representa uma medida mais acurada do risco de ectasia do que cada um dos componentes que a compõem, quando avaliados isoladamente.

Conceito de fator de risco

O principal objetivo de avaliar o risco não é determinar quem vai ou não desenvolver ectasia, mas sim, baseado em análise científica rígida e adequada, determinar quem apresenta maior chance de desenvolver tal evento. Há uma diferença crucial entre as definições de prevalência de um fator em um grupo e a influência que tal fator tem no grupo. O primeiro termo se refere ao número de pessoas daquele grupo que apresentam tal fator, enquanto o último se relaciona a algo que pode ocorrer naquele grupo quando exposto a tal fator (11 Randleman JB, Russell B, Ward MA, Thompson KP, Stulting RD. Risk factors and prognosis for corneal ectasia after LASIK. Ophthalmology. 2003;110(2):267-275.).

A análise de prevalência é insuficiente para se investigar um fator de risco. Para se pesquisar a associação entre um fator de risco e a ocorrência de um evento, a ferramenta adequada consolidada em toda a medicina é o valor de razão de chances (Odds Ratio).A razão de chances representa a probabilidade de um desfecho ou evento ocorrer diante da presença de determinado fator, comparado a de um desfecho ou evento ocorrer diante da ausência de determinado fator. Sendo uma razão, quando: > 1 é fator de risco e < 1 é fator protetor.

PTA: novo fator de risco cientificamente validado

  1. Nossos estudos fornecem evidência científica suficiente de que um valor alto de PTA, principalmente acima de 40%, está significativamente associado ao desenvolvimento de ectasia em pacientes que apresentam topografia de córnea normal no período pré-operatório. Assim, nossas análises mostraram que um valor alto de PTA é um indicador mais importante de risco do que fatores previamente conhecidos, como leito residual estromal (33 Santhiago MR, Smadja D, Gomes BF, Mello GR, Monteiro ML, Wilson SE, Randleman JB. Association between the percent tissue altered and post-laser in situ keratomileusis ectasia in eyes with normal preoperative topography. Am J Ophthalmol. 2014;158(1):87-95.e1.

    4 Santhiago MR, Wilson SE, Hallahan KM et al. Changes in custom biomechanical variables after femtosecond laser in situ keratomileusis and photorefractive keratectomy for myopia. J Cataract Refract Surg. 2014;40(6):918-28.
    -55 Santhiago MR, Kara-Junior N, Waring GO 4th. Microkeratome versus femtosecond flaps: accuracy and complications. Curr Opin Ophthalmol. 2014;25(4):270-4.).

Em comparação com outros fatores de risco, como leito residual estromal fino, baixa espessura corneana central, baixa idade e alta miopia e o alto valor de PTA apresentam não apenas maior prevalência no grupo de pacientes com ectasia, como principalmente maior Odds Ratio e maior capacidade de previsão, baseado em regressão logística para o risco de ectasia. Além disso, o PTA alto é mais fortemente associado ao risco de ectasia do que os fatores individuais que formam sua equação, incluindo profundidade de ablação (alta miopia), espessura corneana central e indiretamente o leito residual estromal. Nosso grupo foi o primeiro no mundo a investigar especificamente o conceito de PTA e seu papel na ectasia pós-LASIK (33 Santhiago MR, Smadja D, Gomes BF, Mello GR, Monteiro ML, Wilson SE, Randleman JB. Association between the percent tissue altered and post-laser in situ keratomileusis ectasia in eyes with normal preoperative topography. Am J Ophthalmol. 2014;158(1):87-95.e1.

4 Santhiago MR, Wilson SE, Hallahan KM et al. Changes in custom biomechanical variables after femtosecond laser in situ keratomileusis and photorefractive keratectomy for myopia. J Cataract Refract Surg. 2014;40(6):918-28.
-55 Santhiago MR, Kara-Junior N, Waring GO 4th. Microkeratome versus femtosecond flaps: accuracy and complications. Curr Opin Ophthalmol. 2014;25(4):270-4.).

Nossa longa linha de pesquisa evidenciou ainda que:

  • 2. Quando utilizado em diferentes ferramentas de screening, o PTA se destaca e aumenta a sensibilidade de detecção do paciente de risco de maneira significativa. Novos estudos de nosso grupo já estão sendo publicados e mostram formas validadas de se empregar estes novos métodos de rastreamento de pacientes de risco.

  • 3. Em pacientes que tem alterações na topografia com discos de Plácido, sejam elas mínima ou altamente suspeitas para desenvolvimento de ectasia pós-LASIK, os valores de PTA associados à ectasia são significativamente menores que o valor maior ou igual aos de 40% associados à ectasia em pacientes com topografia normal. Isso mostra que nesse grupo com alterações topográficas pré-operatórias, o limiar de PTA para causar desequilíbrio biomecânico é menor (33 Santhiago MR, Smadja D, Gomes BF, Mello GR, Monteiro ML, Wilson SE, Randleman JB. Association between the percent tissue altered and post-laser in situ keratomileusis ectasia in eyes with normal preoperative topography. Am J Ophthalmol. 2014;158(1):87-95.e1.

    4 Santhiago MR, Wilson SE, Hallahan KM et al. Changes in custom biomechanical variables after femtosecond laser in situ keratomileusis and photorefractive keratectomy for myopia. J Cataract Refract Surg. 2014;40(6):918-28.

    5 Santhiago MR, Kara-Junior N, Waring GO 4th. Microkeratome versus femtosecond flaps: accuracy and complications. Curr Opin Ophthalmol. 2014;25(4):270-4.

    6 Santhiago MR. Common Warning Signs of High-Risk Eyes. Cataract Refract Surg Today. 2014; (Mar):18-19.

    7 Santhiago MR, Smadja D, Mello G, Wilson SE, Randleman JB. Role of percentage of tissue altered as risk factor for ectasia after LASIK in eyes with normal preoperative topography. Paper presented at: the 2014 ASCRS meeting; April 25-29, 2014; Boston. (Best Paper award).

    8 Santhiago MR, Smadja D, Mello G, Wilson SE, Randleman JB. Role of Percentage of Tissue Altered (PTA) as a risk factor in eyes with Normal preoperative topography that developed Ectasia after LASIK. In: ARVO Meeting 2014; 2014, Orlando, FL. IOVS, 2014. v. 55. p. 1548-9.

    9 Santhiago MR, Smadja D, Mello G, Wilson SE, Randleman JB. Role of PTA as risk factor for ectasia after LASIK in eyes with normal and suspicious preoperative topography. Paper presented at: the 2014 AAO Meeting; Oct 17-21, 2014; Chicago.

    10 Santhiago MR. Refractive surgery problem: Consultation Section. J Cataract Refract Surg. 2013;39(12):1933-4.
    -1111 Santhiago MR, Wilson SE Cellular effects after laser in situ keratomileusis flap formation with femtosecond lasers. Cornea. 2012;31(2):198-205.).

Em conclusão, nossos estudos demonstraram que o PTA é atualmente o fator mais efetivo para predizer o risco de desenvolvimento de ectasia pós-LASIK, principalmente em olhos com topografia normal, mas também um importante indicador aditivo em olhos com quaisquer anormalidades nos exames pré-operatórios. Isso representa um importante avanço no campo da cirurgia refrativa, uma vez que o PTA passa a ser um instrumento eficaz, auxiliando o oftalmologista no screening dos pacientes, e diminuindo significantemente as chances de se ter ectasia após cirurgia refrativa.

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    Randleman JB, Russell B, Ward MA, Thompson KP, Stulting RD. Risk factors and prognosis for corneal ectasia after LASIK. Ophthalmology. 2003;110(2):267-275.
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    Randleman JB, Woodward M, Lynn MJ, Stulting RD. Risk assessment for ectasia after corneal refractive surgery. Ophthalmology. 2008;115(1):37-50.
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    Santhiago MR, Smadja D, Gomes BF, Mello GR, Monteiro ML, Wilson SE, Randleman JB. Association between the percent tissue altered and post-laser in situ keratomileusis ectasia in eyes with normal preoperative topography. Am J Ophthalmol. 2014;158(1):87-95.e1.
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    Santhiago MR, Wilson SE, Hallahan KM et al. Changes in custom biomechanical variables after femtosecond laser in situ keratomileusis and photorefractive keratectomy for myopia. J Cataract Refract Surg. 2014;40(6):918-28.
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    Santhiago MR, Kara-Junior N, Waring GO 4th. Microkeratome versus femtosecond flaps: accuracy and complications. Curr Opin Ophthalmol. 2014;25(4):270-4.
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    Santhiago MR. Common Warning Signs of High-Risk Eyes. Cataract Refract Surg Today. 2014; (Mar):18-19.
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    Santhiago MR, Smadja D, Mello G, Wilson SE, Randleman JB. Role of percentage of tissue altered as risk factor for ectasia after LASIK in eyes with normal preoperative topography. Paper presented at: the 2014 ASCRS meeting; April 25-29, 2014; Boston. (Best Paper award).
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    Santhiago MR, Smadja D, Mello G, Wilson SE, Randleman JB. Role of Percentage of Tissue Altered (PTA) as a risk factor in eyes with Normal preoperative topography that developed Ectasia after LASIK. In: ARVO Meeting 2014; 2014, Orlando, FL. IOVS, 2014. v. 55. p. 1548-9.
  • 9
    Santhiago MR, Smadja D, Mello G, Wilson SE, Randleman JB. Role of PTA as risk factor for ectasia after LASIK in eyes with normal and suspicious preoperative topography. Paper presented at: the 2014 AAO Meeting; Oct 17-21, 2014; Chicago.
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    Santhiago MR. Refractive surgery problem: Consultation Section. J Cataract Refract Surg. 2013;39(12):1933-4.
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    Randleman JB, Dawson DG, Grossniklaus HE, McCarey BE, Edelhauser HF. Depth-dependent cohesive tensile strength in human donor corneas: implications for refractive surgery. J Refract Surg.2008;24(1):S85-9.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2015
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