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Osmolaridade lacrimal e superfície ocular em modelo de olho seco por toxicidade

Resumos

Objetivo:

Descrever um modelo animal de olho seco induzido pela aplicação tópica de cloreto de benzalcônio (BAC) e avaliar marcadores de integridade da superfície ocular e os achados histológicos.

Métodos:

Foram utilizados ratos wistar machos adultos. Foi realizada a administração tópica de colírio de BAC 0,2% no olho direito de cada animal duas vezes por dia, durante 7 dias, sendo o olho contralateral tido como controle. Após o tratamento foi realizada a avaliação da osmolaridade do filme lacrimal, o teste de fenol vermelho e a coloração com fluoresceína e lisamina verde. Os animais foram sacrificados e os tecidos extraídos para o estudo histológico da córnea, por microscopia óptica, corada com hematoxilina eosina (H&E).

Resultados:

Comparados com os controles não tratados o grupo BAC apresentou diminuição significativa na secreção lacrimal, defeitos na integridade epitelial da superfície ocular marcada por corantes vitais, fluoresceína e lisamina verde além do aumento da osmolaridade do filme lacrimal (p < 0,05). À avaliação histológica observou-se diminuição da espessura do epitélio e edema estromal induzidos pela aplicação de BAC.

Conclusão:

O modelo animal de olho seco por toxicidade induzido pela aplicação tópica de cloreto de benzalcônio apresentou alterações estruturais da córnea e da superfície ocular, diminuição do volume lacrimal e hiperosmolaridade da lágrima características dessa condição.

Síndromes do olho seco/induzido quimicamente; Concentração osmolar; Lágrimas/metabolismo; Compostos de benzalcônio/toxicidade; Modelos animais; Coelhos


Purpose:

Describe an animal model of dry induced by topical instillation of BAK and evaluate ocular surface biomarkers and histological findings.

Methods:

Male Wistar rats were used.Topical instillation of 0.2% BAK eyedrops twice a day during 7 days, in the right eye of each animal, while the other eye was taken as control. After 7 days treatment, we performed evaluation of tear film osmolarity, the red phenol thread and ocular surface staining with fluorescein and lissamine green. Afterwards, the animals were sacrificed for tissue extraction and histological evaluation under optical microscopy and H&E staining.

Results:

Compared with untreated controls, the BAK-group presented tear secretion significantly decreased, increased ocular surface staining by fluorescein and lissamine green and tear film hyperosmolarity (p <0,05). Histological evaluation revealed epithelial thinning and estromal oedema.

Conclusions:

A toxicity animal model of dry eye induced by topical instillation of benzalkonium chloride, which presents corneal and ocular surface alterations, decreased tear film volume and tear hyperosmolarity as seen in dry eye condition.

Dry eye; syndromes/chemically induced;; Osmolar concentration; Tears/metabolism; Bezalkonium compunds/toxicity; Models animal; Rabbits


INTRODUÇÃO

O olho seco é uma doença ocular multifatorial, de alta prevalência, que envolve alterações das lágrimas e da superfície ocular e resulta em sintomas de desconforto e distúrbio visual e instabilidade do filme lacrimal com potencial risco à integridade da superfície ocular(11 The definition and classification of dry eye disease: report of the Definition and Classification Subcommittee of the International Dry Eye WorkShop (2007). Ocul Surf 2007;5(2):75-92.

2 Lee AJ, Lee J, Saw SM, et al. Prevalence and risk factors associated with dry eye symptoms: a population based study in Indonesia. Br J Ophthalmol. 2002;86(12):1347-51.
-33 Schaumberg DA, Sullivan DA, Dana MR. Epidemiology of dry eye syndrome. Adv Exp Med Biol. 2002;506(Pt B):989-98.).

O potencial prejuízo a superfície ocular causado por alterações na quantidade e/ou na qualidade do filme lacrimal associadas ao olho seco tem sido exaustivamente estudado. (44 Research in dry eye: report of the Research Subcommittee of the International Dry Eye WorkShop (2007). Ocul Surf 2007;5(2):179-93.

5 Behrens A, Doyle JJ, Stern L, Chuck RS, McDonnell PJ, Azar DT, et al. Dysfunctional tear syndrome: a Delphi approach to treatment recommendations. Cornea. 2006;25(8):900-7.

6 Pflugfelder SC. Tear fluid influence on the ocular surface. Adv Exp Med Biol. 1998;438:611-7.
-77 Goto E, Yagi Y, Matsumoto Y, Tsubota K. Impaired functional visual acuity of dry eye patients. Am J Ophthalmol. 2002;133(2):181-6.) Essas alterações podem se justificar pelo acúmulo de mediadores inflamatórios, alterações hormonais, instilação de conservantes ou drogas com potencial tóxico ou alergênico(88 Pisella PJ, Pouliquen P, Baudouin C. Prevalence of ocular symptoms and signs with preserved and preservative free glaucoma medication. Br J Ophthalmol. 2002;86(4):418-23.

9 Rocha EM, Alves M, Rios JD, Dartt DA. The Aging Lacrimal Gland: Changes in Structure and Function. Ocul Surf. 2008;6(4):162-74.
-1010 Stevenson W, Chauhan SK, Dana R. Dry eye disease: an immune-mediated ocular surface disorder. Arch Ophthalmol. 2012;130(1):90-100.).

O filme lacrimal é fundamental para a qualidade óptica, conforto e manutenção da superfície ocular e pode ser alterado por doenças autoimunes, processos cicatriciais e degenerativos, além de comorbidades como diabetes, alergia ocular, menopausa e processos de senilidade e uso de medicações, sejam estas de administração tópica ou sistêmica(1111 Stern ME, Gao J, Siemasko KF, Beuerman RW, Pflugfelder SC. The role of the lacrimal functional unit in the pathophysiology of dry eye. Exp Eye Res. 2004;78(3):409-16.

12 Alves Mde C, Carvalheira JB, Modulo CM, Rocha EM. Tear film and ocular surface changes in diabetes mellitus. Arq Bras Oftalmol. 2008;71(6 Suppl):96-103.

13 Goebbels M. Tear secretion and tear film function in insulin dependent diabetics. Br J Ophthalmol. 2000;84(1):19-21.

14 Sullivan DA, Krenzer KL, Sullivan BD, Tolls DB, Toda I, Dana MR.. Does androgen insufficiency cause lacrimal gland inflammation and aqueous tear deficiency? Invest Ophthalmol Vis Sci 1999;40(6):1261-5.

15 Damato BE, Allan D, Murray SB, Lee WR. Senile atrophy of the human lacrimal gland: the contribution of chronic inflammatory disease. Br J Ophthalmol. 1984;68(9):674-80.
-1616 de Jong C, Stolwijk T, Kuppens E, de Keizer R, van Best J.. Topical timolol with and without benzalkonium chloride: epithelial permeability and autofluorescence of the cornea in glaucoma. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol. 1994;232(4):221-4.). É imprescindível que haja uma integração harmônica entre as glândulas lacrimais, a superfície ocular (córnea, conjuntiva e glândulas meibomianas), as pálpebras e os nervos sensoriais e motores. O dano ou doença de qualquer desses componentes pode desestabilizar o filme lacrimal e levar à condição de olho seco(1717 Stern ME, Beuerman RW, Fox RI, Gao J, Mircheff AK, Pflugfelder SC.. The pathology of dry eye: the interaction between the ocular surface and lacrimal glands. Cornea. 1998;17(6):584-9.).

Há uma grande variabilidade dos sintomas e da gravidade do dano à superfície ocular nos quadros de olho seco(1717 Stern ME, Beuerman RW, Fox RI, Gao J, Mircheff AK, Pflugfelder SC.. The pathology of dry eye: the interaction between the ocular surface and lacrimal glands. Cornea. 1998;17(6):584-9.,1818 Moore JE, Graham JE, Goodall EA, Dartt DA, Leccisotti A, McGilligan VE, et al. Concordance between common dry eye diagnostic tests. Br J Ophthalmol. 2009;93(1):66-72.). A fisiopatologia do olho seco apoia-se na hiperosmolaridade e inflamação da superfície ocular(1919 Solomon A, Dursun D, Liu Z, Xie Y, Macri A, Pflugfelder SC. Proand anti-inflammatory forms of interleukin-1 in the tear fluid and conjunctiva of patients with dry-eye disease. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2001;42(10):2283-92.20.,2020 Moore JE, Vasey GT, Dartt DA, McGilligan VE, Atkinson SD, Grills C, et al. Effect of tear hyperosmolarity and signs of clinical ocular surface pathology upon conjunctival goblet cell function in the human ocular surface. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2011;52(9):6174-80.). A hiperosmolaridade é uma alteração na composição da lágrima, pelo aumento na concentração de solutos e ocorre no olho seco, pela redução do volume da fração aquosa e tem sido vista como possível marcador para o diagnóstico de olho seco. O aumento da osmolaridade da lágrima leva à diferenciação anormal, perda acelerada das células epiteliais, indução de marcadores inflamatórios, instabilidade do filme, edema celular e alteração da barreira antimicrobiana(2121 Tomlinson A, Khanal S, Ramaesh K, Diaper C, McFadyen A. Tear film osmolarity: determination of a referent for dry eye diagnosis. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2006;47(10):4309-15.,2222 Lemp MA, Bron AJ, Baudouin C, Benítez Del Castillo JM, Geffen D, Tauber J, et al. Tear osmolarity in the diagnosis and management of dry eye disease. Am J Ophthalmol. 2011;151(5):792-8 e1.).

A inflamação da superfície ocular pode estar envolvida tanto na indução quanto na manutenção do olho seco: a disfunção das glândulas lacrimais altera a composição da lágrima, levando a um estado de hiperosmolaridade e estimulando a produção de mediadores inflamatórios, que por sua vez levam à disfunção das glândulas secretórias, a lise da membrana basal epitelial e das junções intercelulares, e no processo de exfoliação celular com conseqüente erosão do epitélio(1010 Stevenson W, Chauhan SK, Dana R. Dry eye disease: an immune-mediated ocular surface disorder. Arch Ophthalmol. 2012;130(1):90-100.).

Os conservantes são importantes componentes das preparações oftalmológicas, promovendo atividade antimicrobiana e prevenindo que a droga ativa se decomponha. No entanto, efeitos citotóxicos significativos na superfície ocular tem sido relacionados ao uso crônico destas substâncias(2323 Baudouin C, Labbe A, Liang H, Pauly A, Brignole-Baudouin F. Preservatives in eyedrops: the good, the bad and the ugly. Prog Retin Eye Res. 2010;29(4):312-34.). O conservante mais comum das preparações oftalmológicas comerciais para glaucoma e doenças da superfície ocular (irritações, alergias e infecções) é o cloreto de benzalcônio (BAC), utilizado em concentrações que variam de 0,004% a 0,02% em soluções tópicas multidoses(2424 Baffa Ldo P, Ricardo JR, Dias AC, Módulo CM, Braz AM, Paula JS, et al. Tear film and ocular surface alterations in chronic users of antiglaucoma medications. Arq Bras Oftalmol. 2008;71(1):18-21.). O BAC é um composto de amônia quaternária, que tem ação detergente, antibacteriana e antifúngica, tem ainda, a capacidade de quebrar a barreira epitelial da superfície ocular nas junções intercelulares o que em tese, aumentaria a penetração e ação do princípio ativo. Diversos estudos tem demonstrado que o BAC atua na superfície ocular como citotóxico, pró apoptótico e pró inflamatório, diminuindo a viabilidade celular e estimulando a expressão de citocinas inflamatórias(2525 Lin Z, Liu X, Zhou T,Wang Y, Bai L, He H, et al.A mouse dry eye model induced by topical administration of benzalkonium chloride. Mol Vis. 2011;17:257-64.). A exposição ao BAC pode ter papel importante na precipitação e aceleração do processo de instalação da síndrome do olho seco e na piora de olho seco preexistente, afetando tanto a córnea quanto a conjuntiva. O mecanismo fisiopatológico responsáveis por estes efeitos deletérios proporcionados pelo BAC relacionam-se a desequilíbrio no filme lacrimal, inflamação da superfície ocular e dano epitelial(2323 Baudouin C, Labbe A, Liang H, Pauly A, Brignole-Baudouin F. Preservatives in eyedrops: the good, the bad and the ugly. Prog Retin Eye Res. 2010;29(4):312-34.).

Independentemente do estímulo inicial, ocorre um ciclo vicioso inflamatório na superfície ocular, levando à gradual disfunção da secreção ou retenção da lágrima. O que não está claro é se, com tantos mecanismos diferentes e mesmo sem a inflamação nas fases iniciais, existiria um exame diagnóstico comum e para esse um valor de corte similar em diferentes grupos de doenças e como seria a correlação deste parâmetro a outros utilizados na prática clínica e suas limitações(2626 Khanal S, Tomlinson A, McFadyen A, Diaper C, Ramaesh K. Dry eye diagnosis. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2008;49(4):1407-14.). Mais ainda, não temos hoje medidas curativas para reverter o olho seco, apenas tratamentos crônicos e paliativos(2727 Management and therapy of dry eye disease: report of the Management and Therapy Subcommittee of the International Dry Eye WorkShop (2007). Ocul Surf. 2007;5(2):163-78.). Diante dessas dúvidas se faz necessário o aprimoramento de modelos animais para o estudo da doença e aprimoramento do conhecimento dos mecanismos de doença e estratégias terapêuticas definitivas.

O objetivo desse estudo foi descrever um modelo animal de olho seco por toxicidade utilizando o BAC e avaliar os parâmetros clínicos utilizados para o diagnóstico de olho seco e as alterações histológicas induzidas pela toxicidade ao BAC.

MÉTODOS

Esse estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa animal da (CETEA-FMRP) – Comissão de Ética em Experimentação Animal da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP) e segue as diretrizes internacionais para estudos com animais.

O olho seco foi induzido pela instilação tópica de cloreto de benzalcônio, conforme descrito anteriormente(2525 Lin Z, Liu X, Zhou T,Wang Y, Bai L, He H, et al.A mouse dry eye model induced by topical administration of benzalkonium chloride. Mol Vis. 2011;17:257-64.). Foram utilizados ratos wistar machos de 8 semanas obtidos do Biotério Central da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Os animais tiveram acesso livre à ração e água. Os animais (n=5) receberam instilação tópica de 5 µl cloreto de benzalcônio a 0,2% sem aditivos (Ophthalmos Ltda., São Paulo, Brasil), 2 vezes por dia (7 e 19h) durante 7 dias no olho direito. O olho contralateral foi preservado para ser utilizado como controle.

Os animais foram submetidos à avaliação propedêutica de superfície ocular, em ambiente com controle de umidade e temperatura e pelos mesmos examinadores, sem a utilização de colírio anestésico após sete dias de tratamento tópico com colírio de BAC 0,2%. As avaliações de corantes vitais foram fotografadas e quantificadas por 2 examinadores posteriormente em duplo cego. As técnicas utilizadas nesse estudo para avaliação da superfície ocular e do filme lacrimal são descritas a seguir e foram realizadas nesta ordem(2828 Methodologies to diagnose and monitor dry eye disease: report of the Diagnostic Methodology Subcommittee of the International Dry Eye WorkShop (2007). Ocul Surf. 2007;5(2):108-52.).

Avaliação da superfície ocular

1. Osmolaridade da lágrima: Amostras de lágrima foram obtidas dos animais através da coleta sem estimulação ou necessidade de colírio, com a aproximação de delicado coletor para obtenção de volume em torno de 50-200 nanolitros de lágrima por capilaridade, e as medidas realizadas com a utilização de um osmômetro Tearlab Osmolarity System®(2929 Versura P, Profazio V, Campos EC. Performance of tear osmolarity compared to previous diagnostic tests for dry eye diseases. Curr Eye Res. 2010;35(7):553-64.).

2. Coloração com fluoresceína: Para a quantificação das áreas de irregularidades e desepitelização da superfície corneoconjuntival. Após a instilação de 1 gota de colírio de fluoresceína 2% (Ophthalmos Ltda., São Paulo, Brasil) avaliou-se, utilizando-se de lâmpada de fenda com filtro em azul.A impregnação do corante foi quantificada em regiões central, superior, inferior, nasal e temporal (0-3) de acordo com a intensidade, podendo portanto variar de 0-15.

3. Coloração com lisamina verde: Para a quantificação de metaplasia escamosa da superfície ocular. Após a instilação de 1 gota de colírio de lisamina verde 1% no fundo de saco conjuntival (Ophthalmos Ltda., São Paulo, Brasil), a conjuntiva e a córnea foram examinadas à lâmpada com luz branca. A impregnação do corante foi quantificada em regiões central, superior, inferior, nasal e temporal (0-3) de acordo com a intensidade, podendo portanto variar de 0-15.

4. Teste de fenol vermelho: Para quantificação do volume lacrimal, a linha embebida em fenol vermelho (Zone Quick Phenol Diagnostic Thread, Menicon Ltda.) foi posicionada na borda palpebral inferior durante 15 segundos, seguida da medida em milímetros da extensão da absorção da lágrima e consequente mudança da coloração da linha.

5. Microscopia Óptica: Após a avaliação da superfície ocular, os animais foram sacrificados com dose excessiva de combinação de anestésicos quetamina e xilazina via intraperitoneal, e os globos oculares foram extraídos e fixados para histologia. Cortes histológicos foram realizados e corados com hematoxilina e eosina (H&E) e foram submetidos à avaliação da espessura epitelial da córnea após a digitalização das imagens.

Análise estatística

A análise estatística para comparar os valores obtidos nos exames propedêuticos e histológicos do grupo tratado com BAC e do grupo controle foram feitas com o teste Mann-Whitney U, com o aplicativo Prism 5.0® (GraphPad, Califórnia) e os valores de significância adotado foi p<0,05.

RESULTADOS

Osmolaridade do filme lacrimal

Foi encontrado diferença estatisticamente significante na osmolaridade do filme lacrimal dos grupos estudados (p<0,05), sendo demonstrado hiperosmolaridade da lágrima no grupo tratado com BAC 306,4±9,1mOsmol/L, comparado com o grupo controle 284,8±7,3 mOsmol/L (figura 1).

Figura 1
Imagem demonstrativa da realização da medida da osmolaridade lacrimal pelo osmômetro Tearlab Osmolarity System® (A) e gráfico demonstrando elevação da osmolaridade no grupo tratado com BAC (B) (*p<0,05)

Volume lacrimal

Através do teste de fenol vermelho foi avaliada a produção da fração aquosa do filme lacrimal. Neste teste observou-se a diminuição (p<0,05) do volume lacrimal nos olhos submetidos à aplicação do BAC 3,4±1,5mm demonstrando oposição aos olhos não tratados 7,6±4,5mm (figura 2).

Figura 2
Demonstração do teste de fenol vermelho (A) e gráfico evidenciando diminuição da secreção lacrimal no grupo tratado com BAC (B) (*p<0,05)

Corantes vitais

Os olhos tratados com o BAC demonstraram uma maior impregnação tanto pela fluoresceína quanto pela lisamina verde como observado na figura 3 (p<0,05). No grupo controle observou-se coloração 1,0±1,7 e 2,2±1,6 para fluoresceína e lisamina, respectivamente. Enquanto que em olhos tratados com BAC a impregnação dos corantes foi de 8,4±3,0 para fluoresceína e 9,8±3,3 para lisamina (figura 3).

Figura 3
Fotografias representativas de olhos não tratados e tratados com BAC corados com fluoresceína (A e B, respectivamente); corados com lisamina verde (C e D, respectivamente); gráficos quantificando a maior impregnação pelo corante no grupo de animais tratados com BAC (E e F) (*p<0,05)

Microscopia óptica

Na avaliação da espessura epitelial corneana, notou-se significativa redução desta nos animais tratados em confrontação aos valores observados no grupo não tratado (p<0,05)(figura 4).

Figura 4
Imagens representativas dos cortes histológicos das córneas dos animais tratados (A); não tratados (B); avaliação da espessura epitelial das córneas dos dois grupos (C) (*p<0,05)

DISCUSSÃO

O presente estudo descreve um modelo animal de olho seco induzido pela aplicação tópica de cloreto de benzalcônio em ratos. A ação tóxica na superfície ocular causada por este composto foi avaliada em diversos parâmetros utilizados na prática clínica, tais como os corantes vitais, fluoresceína e lisamina verde; o volume lacrimal, incluindo a medida da osmolaridade da lágrima. Além disso, descrevemos ainda alterações histológicas da córnea nos animais tratados quando comparados aos controles.

O olho seco é uma condição multifatorial e complexa, nossos achados poderão apoiar a elucidação da fisiopatologia da síndrome do olho seco e servir de modelo para testes terapêuticos pré-clínicos.

A hiperosmolaridade é tida como um fator importante no ciclo vicioso que rege a fisiopatologia do olho seco, tanto como sinal inicial e perpetuador da doença uma vez que catalisa a inflamação e diminui a secreção lacrimal subsequente(2222 Lemp MA, Bron AJ, Baudouin C, Benítez Del Castillo JM, Geffen D, Tauber J, et al. Tear osmolarity in the diagnosis and management of dry eye disease. Am J Ophthalmol. 2011;151(5):792-8 e1., 3030 Suzuki M, Massingale ML,Ye F, Godbold J, Elfassy T,Vallabhajosyula M, et al. Tear osmolarity as a biomarker for dry eye disease severity. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2010;51(9):4557-61.). Desta forma, um modelo animal de doença que reproduz o padrão de aumento da osmolaridade se torna valioso para estudos de mecanismos e tratamentos do olho seco.

A medida da osmolaridade do filme lacrimal tem sido realizada em humanos com o osmômetro Tearlab Osmolarity System®, com grande facilidade de execução uma vez que a coleta de lágrima no menisco lacrimal inferior é feita por capilaridade de forma rápida e pouco invasiva e a leitura realizada imediatamente(3131 Eperjesi F, Aujla M, Bartlett H. Reproducibility and repeatability of the OcuSense TearLab osmometer. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol. 2012;250(8):1201-5.). No modelo animal descrito, conseguimos a obtenção deste dado de valor propedêutico com boa reprodutibilidade e distribuição homogênea nos grupos, utilizando o mesmo equipamento e técnica padronizado em humanos; esse recurso permitirá em estudos prospectivos acompanhar a evolução da doença e resultados de tratamentos, com um modelo animal de simples reprodutibilidade e de rápida indução.

Corroborando com o descrito acima, os dados obtidos nesse estudo demonstram a factibilidade da avaliação da osmolaridade do filme lacrimal no campo experimental sem grandes dificuldades na sua aplicação em modelos animais, sendo necessária mínima contenção do animal e dispensando sedação, extrapolando assim ao modelo animal as características do teste já observadas na prática clínica.

Acreditamos que o mecanismo indutor de olho seco reproduzido neste experimento deva-se, provavelmente, à denervação parcial da córnea e inflamação e redução da produção de secreção. Porém, futuros ensaios são necessários para o melhor entendimento das vias relacionadas a esses mecanismos nesse modelo em questão. Tais eventos provavelmente ocorrem em usuários crônicos de colírio que tem conservante a base desse composto amônio quaternário, uma vez que achados similares são descritos por exemplo, em pacientes portadores glaucoma sob terapêutica tópica prolongada e múltiplas doses(3232 Baudouin C, Pisella PJ, Fillacier K, et al. Ocular surface inflammatory changes induced by topical antiglaucoma drugs: human and animal studies. Ophthalmology. 1999;106(3):556-63.).

Na propedêutica disponível na atualidade tem-se a coloração com fluoresceína como detector das irregularidades e da desepitelização das superfície córneo-conjuntival que surge em diversas patologias que agridem a superfície ocular, sendo que no olho seco devido à inflamação e toxicidade impostas ao epitélio córneo-conjuntival, demonstrada neste estudo pela maior impregnação do colírio nas superfícies oculares dos olhos tratados com BAC. Do mesmo modo, procedeu-se a coloração com a lisamina verde e, mais uma vez, como já o era esperado, no modelo animal de olho seco esta impregnação foi mais intensa do que nos olhos do grupo controle. Além destas ferramentas, o volume lacrimal diminuído, já bem consolidado como sinal na síndrome do olho seco, também foi observado nesse modelo animal de olho seco. Somado a isso, promoveu-se a análise de parâmetros histológicos dos cortes de córnea dos animais tratados e não-tratados com BAC, quantificados nesse estudo pela medida da espessura do epitélio corneano, que não surpreendentemente, demonstrou-se menor nos olhos dos animais pertencentes ao grupo tratado, o que descende, dentre outros fatores, da lesão direta às camadas celulares deste tecido e da diminuição da densidade de populações (estímulo a apoptose) de células com potencial germinativo que dão origem às células epiteliais devido à inflamação existente na doença. Desta forma, os achados observados no modelo animal descrito neste estudo refletem os parâmetros clínicos utilizados na propedêutica da disfunção lacrimal e da superfície ocular descritas no olho seco.

O BAC, como já citado, é um importante conservante utilizado frequentemente em formulações oftálmicas. O papel dos conservantes é de extrema relevância, principalmente nas medicações de uso prolongado e apresentação multidose, tais como as medicações hipotensoras. O potencial tóxico para a superfície ocular advém de sua ação detergente no filme lacrimal, além de ação pró-inflamatória e pró-apoptótica e tem sido reconhecido em diversos estudos(2323 Baudouin C, Labbe A, Liang H, Pauly A, Brignole-Baudouin F. Preservatives in eyedrops: the good, the bad and the ugly. Prog Retin Eye Res. 2010;29(4):312-34.).

CONCLUSÃO

O presente estudo avançou na demonstração de um modelo de síndrome de olho seco induzido por toxicidade, com a aplicação tópica de BAC em ratos e na utilização inédita em animais da medida de osmolaridade da lágrima através de um método já incorporado na prática clínica em humanos, assim como os corantes de superfície, a medida do volume lacrimal e osmolaridade da lágrima. No futuro, espera-se que esses achados sejam usados para estudos dos mecanismos fisiopatológicos e propostas de tratamento definitivo e eficaz da doença.

AGRADECIMENTOS

A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP)

  • 1
    The definition and classification of dry eye disease: report of the Definition and Classification Subcommittee of the International Dry Eye WorkShop (2007). Ocul Surf 2007;5(2):75-92.
  • 2
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  • 3
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  • 4
    Research in dry eye: report of the Research Subcommittee of the International Dry Eye WorkShop (2007). Ocul Surf 2007;5(2):179-93.
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  • 8
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  • 9
    Rocha EM, Alves M, Rios JD, Dartt DA. The Aging Lacrimal Gland: Changes in Structure and Function. Ocul Surf. 2008;6(4):162-74.
  • 10
    Stevenson W, Chauhan SK, Dana R. Dry eye disease: an immune-mediated ocular surface disorder. Arch Ophthalmol. 2012;130(1):90-100.
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  • 13
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    Stern ME, Beuerman RW, Fox RI, Gao J, Mircheff AK, Pflugfelder SC.. The pathology of dry eye: the interaction between the ocular surface and lacrimal glands. Cornea. 1998;17(6):584-9.
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    Moore JE, Graham JE, Goodall EA, Dartt DA, Leccisotti A, McGilligan VE, et al. Concordance between common dry eye diagnostic tests. Br J Ophthalmol. 2009;93(1):66-72.
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    Solomon A, Dursun D, Liu Z, Xie Y, Macri A, Pflugfelder SC. Proand anti-inflammatory forms of interleukin-1 in the tear fluid and conjunctiva of patients with dry-eye disease. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2001;42(10):2283-92.20.
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  • Instituição: Núcleo de Pesquisa em Fisiopatologia Ocular e Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP/USP)
  • Errata

    No artigo científico “Osmolaridade lacrimal e superfície ocular em modelo de olho seco por toxicidade” dos autores: Davi Lazarini Marques, Mônica Alves, Carolina Maria Modulo, Lilian Eslaine Costa Mendes da Silva, Peter Reinach e Eduardo Melani Rocha, publicado na Revista Brasileira de Oftalmologia na edição de março-abril 2015 (Rev Bras Oftalmol. 2015; 74 (2): 68-72), na página 68, o título em inglês apresenta um erro onde se lê: osmolaritu, leia-se: osmolarity.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2015

Histórico

  • Recebido
    12 Set 2013
  • Aceito
    14 Out 2014
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