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Avaliação das características do atendimento de urgências oftalmológicas em um hospital público da Grande São Paulo

Resumos

Objetivo:

Avaliar as características dos pacientes atendidos no pronto socorro de oftalmologia, a fim de identificar medidas que melhorem a eficácia do atendimento e nortear o aprimoramento de outros serviços de urgência.

Métodos:

Estudo transversal e observacional, com 300 pacientes, atendidos no Hospital Municipal de Santo André (SP), de 15 a 22 de agosto de 2011. Os dados foram coletados por meio de avaliação clínica e de entrevistas com pacientes baseadas em um questionário.

Resultados:

Observou-se que 73,7% residiam a uma distância de até 20 km do hospital, 71,6% das urgências verdadeiras e 61,3% das urgências falsas procuraram atendimento em até uma semana do início dos sintomas.

Conclusão:

Considera-se a necessidade de disponibilizar para a população informações a respeito do tipo e da gravidade de urgências oculares, com ênfase na prevenção e na importância das doenças mais prevalentes, como corpo estranho corneano e úlcera de córnea, além de políticas de saúde direcionadas à criação de centros de atendimento especializados regionais, a fim de minimizar barreiras para acesso e aumentar a rapidez no tratamento de urgências oculares.

Serviço hospitalar de emergência; Olho/anormalidades; Oftalmopatias; Questionários


Purpose:

Evaluate the characteristics of patients seen in the emergency department of ophthalmology in order to identify measures to improve the effectiveness of care and guide the enhancement of other emergency services.

Methods:

Cross-sectional, observational study with 300 patients treated at the Municipal Hospital of Santo Andre - Sao Paulo from 15 to 22 august 2011. Data were collected through interviews with patients based on a questionnaire.

Results:

It was observed that 73.7% lived at a distance of up to 20 km from the hospital and 71.6% of real emergencies and 61.3% of false emergencies sought treatment within a week of the onset of symptoms.

Conclusions:

Considered the need to provide information to the population about the type and severity of ocular emergencies, with emphasis on prevention and the importance of the most prevalent diseases such as corneal foreign body and corneal ulcer, and health policies aimed at creation of regional centers of specialized care in order to minimize barriers to access and increase the speed in the treatment of ocular emergencies.

Emergency service, hospital; Eye/abnormalities; Eye diseases; Questionnaires


INTRODUÇÃO

O atendimento adequado aos casos de urgências oculares tem impacto na saúde e no bem-estar dos pacientes devido ao risco potencial de perda visual irreversível(11 Vieira GM. Um mês em um pronto-socorro de oftalmologia em Brasília. Arq Bras Oftalmol. 2007;70(5):797-802.). Na maioria das vezes, em muitas situações o prognóstico visual está relacionado à rapidez e à efetividade do atendimento inicial(22 Carvalho RS, Kara-José N. Ophthalmology emergency room at the University of São Paulo general hospital: a tertiary hospital providing primary and secondary level care. Clinics (São Paulo). 2007;62(3):301-8,33 Kara-Júnior N, Zanato MC, Vilaça VT, Nagamati LT, Kara-José N. Aspectos médicos e sociais no atendimento oftalmológico de urgência. Arq Bras Oftalmol 2001;64(1):39-43.).

A conscientização da gravidade do caso e as dificuldades de transporte são algumas barreiras para o acesso ao tratamento em tempo apropriado(33 Kara-Júnior N, Zanato MC, Vilaça VT, Nagamati LT, Kara-José N. Aspectos médicos e sociais no atendimento oftalmológico de urgência. Arq Bras Oftalmol 2001;64(1):39-43.,44 May DR, Kuhn FP, Mornis RE, Witherspoon CD, Danis RP, Matthews GP, et al. The epidemiology of serious eye injuries from the United States. Eye Injury Registry. Graefe's Arch Clin Exp Ophthalmol. 2000;238(2):153-7.).

O objetivo deste estudo é avaliar as características dos pacientes atendidos no pronto socorro de oftalmologia a fim de identificar as medidas que melhorem a eficácia do atendimento e nortear o aprimoramento de outros serviços de urgência.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo transversal e observacional com 300 indivíduos atendidos no Hospital Municipal de Santo André (SP), em uma semana típica, de 15 a 22 de agosto de 2011. Neste período, todos os pacientes que compareceram ao pronto socorro de oftalmologia do hospital e que aceitaram participar da pesquisa foram incluídos no estudo.

Os sujeitos participantes foram examinados clinicamente e entrevistados por meio de questionário. As variáveis estudadas foram: gênero, idade, diagnóstico, distância entre a moradia e o hospital e tempo decorrido entre o sintoma inicial e o atendimento.

Foram considerados como casos de urgência verdadeira aqueles que apresentavam risco de diminuição ou perda da visão a curto e médio prazo ou que necessitavam de avaliação imediata pela intensidade dos sintomas apresentados.

Os dados obtidos foram tratados por métodos de estatística descritiva; as variáveis categóricas foram expressas em frequências absolutas, adotando-se como índice de rejeição da hipótese de nulidade p<0,05.

O estudo foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina do ABC.

RESULTADOS

Em relação aos fatores sócios demográficos, houve prevalência do gênero masculino (68%) e da faixa etária de 20 a 45 anos (58%).

O diagnóstico, a distância entre a moradia do indivíduo e o hospital, o tempo decorrido entre o aparecimento dos sintomas e o atendimento está exposto nas tabelas 1, 2 a 3.

DISCUSSÃO

Urgências oftalmológicas representam perigo iminente de dano ocular, devendo ser diagnosticadas e tratadas o mais breve possível a fim de evitar baixa visual irreversível e limitação na qualidade de vida dos pacientes(33 Kara-Júnior N, Zanato MC, Vilaça VT, Nagamati LT, Kara-José N. Aspectos médicos e sociais no atendimento oftalmológico de urgência. Arq Bras Oftalmol 2001;64(1):39-43.,55 Almeida HG, Fernandes VB, Lucena AC, Kara-Junior N. Avaliação das urgências oftalmológicas em um hospital público de referencia em Pernambuco, Brasil. Rev Bras Oftalmo. 2014. In press.).

Assim como no estudo atual demonstramos prevalência do gênero masculino, também o trabalho realizado por Almeida et al., com 26.358 pacientes atendidos na emergência oftalmológica da Fundação Altino Ventura(66 Pierre Filho PT, Gomes PR, Pierre ET, Pinheiro Neto FB. Profile of ocular emergencies in a tertiary hospital from Northeast of Brazil. Rev Bras Oftalmol. 2010;69(1):12-7.) e outras pesquisas(11 Vieira GM. Um mês em um pronto-socorro de oftalmologia em Brasília. Arq Bras Oftalmol. 2007;70(5):797-802.,33 Kara-Júnior N, Zanato MC, Vilaça VT, Nagamati LT, Kara-José N. Aspectos médicos e sociais no atendimento oftalmológico de urgência. Arq Bras Oftalmol 2001;64(1):39-43.,77 Araújo AA, Almeida DV, Araújo VM, Góes MR. Urgência oftalmológica: corpo estranho ocular ainda como principal causa. Arq Bras Oftalmol. 2002;65:223-7.

8 Leonor AC, Dalfré JT, Moreira PB, Gaiotto Júnior AO. Emergências oftalmológicas em um hospital dia. Rev Bras Oftalmol. 2009;68(4):197-200.

9 Carvalho RS, Kara-José N, Kara-Júnior N. Post-visit at ophthalmology emergency service: frequency and perception of the doctors on duty and users. Arq Bras Oftalmol. 2010;73(5): 423-7.
-1010 Layaun SE, Schor P, Rodrigues ML. Perfil da demanda de um serviço de oftalmologia em uma unidade de emergência. Rev Bras Oftalmol. 1992;51(3):171-3.), encontraram o mesmo padrão, justificado pelo fato de os homens estarem mais suscetíveis a fatores de risco, como profissões perigosas, trânsito e esporte.

Nesta pesquisa, a faixa etária mais prevalente foi de 20 a 45 anos, dado semelhante aos citados na literatura(66 Pierre Filho PT, Gomes PR, Pierre ET, Pinheiro Neto FB. Profile of ocular emergencies in a tertiary hospital from Northeast of Brazil. Rev Bras Oftalmol. 2010;69(1):12-7.,88 Leonor AC, Dalfré JT, Moreira PB, Gaiotto Júnior AO. Emergências oftalmológicas em um hospital dia. Rev Bras Oftalmol. 2009;68(4):197-200.,99 Carvalho RS, Kara-José N, Kara-Júnior N. Post-visit at ophthalmology emergency service: frequency and perception of the doctors on duty and users. Arq Bras Oftalmol. 2010;73(5): 423-7.,1111 Campos Jr JC. Perfil do atendimento oftalmológico de urgência. Rev Bras Oftalmol. 2004;63(2): 89-91.,1212 Mardones Saavedra C, Salinas Chau A. Análisis epidemiológico de las consultas oftalmológicas en el servicio de urgencia del hospital 21 de mayo de Taltal. Arch Chil Oftalmol. 2011;66(1):15-9.), provavelmente por ser esta a faixa etária da maioria da população economicamente ativa, que está mais exposta a riscos laborais(88 Leonor AC, Dalfré JT, Moreira PB, Gaiotto Júnior AO. Emergências oftalmológicas em um hospital dia. Rev Bras Oftalmol. 2009;68(4):197-200.,99 Carvalho RS, Kara-José N, Kara-Júnior N. Post-visit at ophthalmology emergency service: frequency and perception of the doctors on duty and users. Arq Bras Oftalmol. 2010;73(5): 423-7.).

O diagnóstico mais frequente encontrado foi de conjuntivite, seguido por corpo estranho ocular (tabela 1), o que concorda com outros estudos publicados na literatura(22 Carvalho RS, Kara-José N. Ophthalmology emergency room at the University of São Paulo general hospital: a tertiary hospital providing primary and secondary level care. Clinics (São Paulo). 2007;62(3):301-8,66 Pierre Filho PT, Gomes PR, Pierre ET, Pinheiro Neto FB. Profile of ocular emergencies in a tertiary hospital from Northeast of Brazil. Rev Bras Oftalmol. 2010;69(1):12-7.,1111 Campos Jr JC. Perfil do atendimento oftalmológico de urgência. Rev Bras Oftalmol. 2004;63(2): 89-91.

12 Mardones Saavedra C, Salinas Chau A. Análisis epidemiológico de las consultas oftalmológicas en el servicio de urgencia del hospital 21 de mayo de Taltal. Arch Chil Oftalmol. 2011;66(1):15-9.

13 Vania IL, Tamara MT. Caracterización de las urgencias oftalmológicas en el Hospital José Joaquín Aguirre. Rev Hosp Clín Univ Chile. 2009;20(2):97-102.
-1414 Jones NP, Hayward JM, Khaw PT, Claoué CM, Elkington AR. Function of na ophthalmic: "accident and emergency" department: results of a six month survey. Br Med J (Clin Res Ed). 1986 Jan 18;292(6514):188-90.).

Tabela 1
Diagnóstico dos pacientes atendidos no Hospital Municipal de Santo André, no período de 15 a 22 de agosto de 2011

A constatação de que a maioria dos pacientes (73,7%) residia próximo ao hospital (menos de 20 km de distância) (tabela 2) é favorável, pois o acesso facilitado ao serviço de saúde permite a livre demanda, a rapidez no diagnóstico e tratamento, o melhor acompanhamento e beneficia o prognóstico visual. Este achado contrasta com estudo que demonstrou que a maioria dos pacientes (71,0%) havia se deslocado mais de 20 km para o atendimento, na região de Campinas(33 Kara-Júnior N, Zanato MC, Vilaça VT, Nagamati LT, Kara-José N. Aspectos médicos e sociais no atendimento oftalmológico de urgência. Arq Bras Oftalmol 2001;64(1):39-43.). É importante considerar que o Hospital Municipal de Santo André funciona 24h por dia e restringe a procura espontânea de pacientes provenientes de outros municípios. Assim, os dados do estudo sugerem que a disponibilidade de assistência especializada contribui para que dificuldades de transporte dos portadores de urgência oculares sejam minimizadas na região atendida, facilitando o acesso aos necessitados e direcionando a capacidade resolutiva da unidade de saúde para a população local.

Tabela 2
Distância entre a moradia e o Hospital Municipal de Santo André, dos pacientes atendidos no período de 15 a 22 de agosto de 2011

O tempo decorrido entre o sintoma inicial e o primeiro atendimento foi, em sua maioria, de até uma semana e semelhante para urgências verdadeiras (71,6%) e falsas (61,3%) (tabela 3), proporção superior ao verificado na região de Campinas, que demonstrou incidência de 55,6% para urgências verdadeiras e de 53,8% para falsas(33 Kara-Júnior N, Zanato MC, Vilaça VT, Nagamati LT, Kara-José N. Aspectos médicos e sociais no atendimento oftalmológico de urgência. Arq Bras Oftalmol 2001;64(1):39-43.). Esse achado sugere que, provavelmente, a menor distância a ser percorrida para acessar o local do tratamento tenha contribuído para a mais rápida procura pelo atendimento na região do ABC.

Tabela 3
Tempo decorrido entre o sintoma inicial e o atendimento, em relação à gravidade do caso, dos pacientes atendidos, no período de 15 a 22 de agosto de 2011, no Hospital Municipal de Santo André

Os resultados também sugerem pouco conhecimento a respeito da gravidade das queixas, pois 28,4% dos casos de urgências verdadeiras, em que o tempo de início de tratamento pode influenciar no resultado visual final, demoraram mais de uma semana para serem atendidos, proporção semelhante aos casos de falsas urgências (38,7%), indicando provavelmente que, em geral, não foi a gravidade do quadro que determinou a rapidez pela procura do tratamento.

Assim, os dados desta pesquisa sugerem a necessidade de disponibilizar para a população local de informações a respeito do tipo e da gravidade de urgências oculares, com ênfase na prevenção e importância de doenças prevalentes como corpo estranho corneano, úlcera de córnea e trauma ocular. Também foi evidenciado no estudo benefícios da disponibilidade de atendimento regional especializado, minimizando distâncias percorridas para acesso ao tratamento, iniciativa que teria grande efetividade caso implementado de maneira generalizada.

  • 1
    Vieira GM. Um mês em um pronto-socorro de oftalmologia em Brasília. Arq Bras Oftalmol. 2007;70(5):797-802.
  • 2
    Carvalho RS, Kara-José N. Ophthalmology emergency room at the University of São Paulo general hospital: a tertiary hospital providing primary and secondary level care. Clinics (São Paulo). 2007;62(3):301-8
  • 3
    Kara-Júnior N, Zanato MC, Vilaça VT, Nagamati LT, Kara-José N. Aspectos médicos e sociais no atendimento oftalmológico de urgência. Arq Bras Oftalmol 2001;64(1):39-43.
  • 4
    May DR, Kuhn FP, Mornis RE, Witherspoon CD, Danis RP, Matthews GP, et al. The epidemiology of serious eye injuries from the United States. Eye Injury Registry. Graefe's Arch Clin Exp Ophthalmol. 2000;238(2):153-7.
  • 5
    Almeida HG, Fernandes VB, Lucena AC, Kara-Junior N. Avaliação das urgências oftalmológicas em um hospital público de referencia em Pernambuco, Brasil. Rev Bras Oftalmo. 2014. In press.
  • 6
    Pierre Filho PT, Gomes PR, Pierre ET, Pinheiro Neto FB. Profile of ocular emergencies in a tertiary hospital from Northeast of Brazil. Rev Bras Oftalmol. 2010;69(1):12-7.
  • 7
    Araújo AA, Almeida DV, Araújo VM, Góes MR. Urgência oftalmológica: corpo estranho ocular ainda como principal causa. Arq Bras Oftalmol. 2002;65:223-7.
  • 8
    Leonor AC, Dalfré JT, Moreira PB, Gaiotto Júnior AO. Emergências oftalmológicas em um hospital dia. Rev Bras Oftalmol. 2009;68(4):197-200.
  • 9
    Carvalho RS, Kara-José N, Kara-Júnior N. Post-visit at ophthalmology emergency service: frequency and perception of the doctors on duty and users. Arq Bras Oftalmol. 2010;73(5): 423-7.
  • 10
    Layaun SE, Schor P, Rodrigues ML. Perfil da demanda de um serviço de oftalmologia em uma unidade de emergência. Rev Bras Oftalmol. 1992;51(3):171-3.
  • 11
    Campos Jr JC. Perfil do atendimento oftalmológico de urgência. Rev Bras Oftalmol. 2004;63(2): 89-91.
  • 12
    Mardones Saavedra C, Salinas Chau A. Análisis epidemiológico de las consultas oftalmológicas en el servicio de urgencia del hospital 21 de mayo de Taltal. Arch Chil Oftalmol. 2011;66(1):15-9.
  • 13
    Vania IL, Tamara MT. Caracterización de las urgencias oftalmológicas en el Hospital José Joaquín Aguirre. Rev Hosp Clín Univ Chile. 2009;20(2):97-102.
  • 14
    Jones NP, Hayward JM, Khaw PT, Claoué CM, Elkington AR. Function of na ophthalmic: "accident and emergency" department: results of a six month survey. Br Med J (Clin Res Ed). 1986 Jan 18;292(6514):188-90.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2015

Histórico

  • Recebido
    04 Abr 2014
  • Aceito
    29 Ago 2014
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