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Qualidade de vida relacionada com a visão em pacientes com degeneração macular relacionada à idade neovascular

RESUMO

Objetivo:

Avaliar o impacto da degeneração macular relacionada à idade (DMRI) na qualidade de vida relacionada com a visão (QVRV) numa amostra de pacientes portugueses.

Métodos:

Estudo observacional em corte transversal, não comparativo no qual foram incluídos 68 pacientes seguidos no departamento de Retina Médica do Serviço de Oftalmologia do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, entre janeiro e abril de 2011. A QVRV foi avaliada por meio do questionário National Eye Institute Visual Functioning Questionnaire (NEI-VFQ-25), traduzido para o português. Os scores obtidos foram analisados e correlacionados com os seguintes parâmetros idade, sexo, lateralidade da doença, tempo de follow-up, acuidade visual (AV) e EFC iniciais e finais do melhor (MO) e pior olho (PO).

Resultados:

A AV do PO apresentou valor preditivo nos scores global, atividade para longe, visão cromática, visão periférica, desempenho, função social e saúde mental (p<0,05). Num modelo de multivariáveis com inclusão de todos os parâmetros clínicos analisados, as variáveis estudadas explicaram 60% da variância do score global (SG) com um valor preditivo de 0,08 (R2 0,57, p=0,088).

Conclusões:

A DMRI NV está associada a uma diminuição da QVRV. A AV do PO tem valor preditivo nos scores do NEI-VFQ-25.

Descritores:
Qualidade de vida; Degeneração macular; Acuidade visual; Saúde mental; Questionário; Doença crônica

ABSTRACT

Purpose:

To describe the impact of aged-related macular degeneration (AMD) on vision-related quality of life (QOL) on a sample of portuguese patients and explore the association with vision, Central Foveal Thickness (CFT) and demographic variables in a Portuguese population.

Methods:

Observational, interview study of 68 patients with clinical diagnosis of NV AMD seen between January and April 2011 at the Ophthalmology Department of Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental. Health-related quality of life (HRQL) was measured with a Portuguese version of the 25-item National Eye Institute Visual Function Questionnaire (NEI VFQ-25). Scores were analysed and correlated with age, gender, laterality of the disease, initial and final visual acuity (VA), CFT and duration of follow-up.

Results:

Worst eye VA had predictive value in the following scores: global, distance activities, color vision, peripheral vision, role difficulties, social functioning and mental health (p<0.05). In a multivariable model with inclusion of all the parameters studied, the analysed variables explained 60% of the variability of the Global Score, with a predictive value of 0.08 (R2 0.57, p=0.088).

Conclusion:

NV AMD is associated with impairment in reported vision related QOL in our group of patients. The VA of the worst eye has a predictive value in NEI VFQ-25 scores.

Keywords:
Quality of life; Macular degeneration; Visual acuity; Mental health; Questionnaires; Chronic disease

INTRODUÇÃO

A degeneração macular relacionada à idade (DMRI) constitui a principal causa de perda grave de visão em pessoas com mais de 65 anos(11 Klein R, Klein BE, Linton KL. Prevalence of age-related maculopathy. The Beaver Dam Eye Study. Ophthalmology. 1992;99(6):933-43.,22 Vingerling JR, Dielemans I, Hofman A, Grobbee DE, Hijmering M, Kramer CF, et al. The prevalence of age-related maculopathy in the Rotterdam Study. Ophthalmology. 1995;102(2):205-10.). A sua incidência aumenta exponencialmente com a idade. O estudo Framingham(33 Leibowitz HM, Krueger DE, Maunder LR, Milton RC, Kini MM, Kahn HA, Nickerson RJ, Pool J, Colton TL, Ganley JP, Loewenstein JI, Dawber TR. The Framingham Eye Study monograph: An ophthalmological and epidemiological study of cataract, glaucoma, diabetic retinopathy, macular degeneration, and visual acuity in a general population of 2631 adults, 1973-1975. Surv Ophthalmol. 1980;24(Suppl):335-610.) mostrou uma incidência de 11% em pessoas com idades compreendidas entre 65 e 74 anos e de 30% entre 75 e 85 anos. Apesar de apenas 10 a 20% dos casos de DMRI serem identificados como forma exsudativa, esta é responsável por 80-90% dos casos de cegueira por esta patologia(33 Leibowitz HM, Krueger DE, Maunder LR, Milton RC, Kini MM, Kahn HA, Nickerson RJ, Pool J, Colton TL, Ganley JP, Loewenstein JI, Dawber TR. The Framingham Eye Study monograph: An ophthalmological and epidemiological study of cataract, glaucoma, diabetic retinopathy, macular degeneration, and visual acuity in a general population of 2631 adults, 1973-1975. Surv Ophthalmol. 1980;24(Suppl):335-610.).

Nesta doença ocorre uma perda progressiva da visão central com um impacto mensurável na qualidade de vida do paciente(44 Williams RA, Brody BL, Thomas RG, Kaplan RM, Brown SI. The psychosocial impact of macular degeneration. Arch Ophthalmol. 1998;116(4):514-20.).

Quando se avalia o impacto de uma doença, consideramse quatro categorias de marcadores. Os marcadores fisiológicos (p.ex: Hb glicosilada na Diabetes Mellitus), os marcadores clínicos (p.ex: medição da AV), os marcadores reportados pelo clínico da sua percepção do impacto da doença e por último os marcadores reportados pelo doente.

A medição clínica objetiva das medidas de função visual num doente, como a AV, providencia dados quantitativos(55 Varma R, Wu J, Chong K, Azen SP, Hays RD; Los Angeles Latino Eye Study Group. Impact of severity and bilaterality of visual impairment on health-related quality of life. Ophthalmology. 2006;113(10):1846-53.). Contudo, esta análise não reflete o impacto das dificuldades da visão (DV) nas atividades de vida diária (AVD) do paciente(66 Margolis MK, Coyne K, Kennedy-Martin T, Baker T, Schein O, Revicki DA. Vision-specific instruments for the assessment of health-related quality of life and visual functioning: a literature review. Pharmacoeconomics. 2002;20(12):791-812. Review.).

A quantificação da qualidade de vida relacionada com a visão (QVRV) fornece informação extra sobre o impacto de uma doença na função, particularmente nas AVD. Esta medição é importante nos pacientes com DMRI, pois além de apresentarem elevada propensão para Síndrome Depressivo(77 Brody BL, Gamst AC, Williams RA, Smith AR, Lau PW, Dolnak D, et al. Depression, visual acuity, comorbidity, and disability associated with age-related macular degeneration. Ophthalmology. 2001;108(10):1893-900; discussion 1900-1.), apresentam DV que comprometem as AVD e a mobilidade, que de acordo com Williams et al. colaboradores é superior a doentes da mesma idade e comparável a doentes com doenças crônicas(44 Williams RA, Brody BL, Thomas RG, Kaplan RM, Brown SI. The psychosocial impact of macular degeneration. Arch Ophthalmol. 1998;116(4):514-20.).

O alerta sobre o impacto da QVRV entre profissionais de saúde e membros da comunidade é baixo(88 Berdeuax GH, Nordmann JP, Colin E, Arnould B. Vision-related quality of life in patients suffering from age-related macular degeneration. Am J Ophthalmol. 2005;139(2):271-9.). Brown et al., Stein et al., Hart et al. verificaram que estes grupos, nomeadamente os oftalmologistas, subestimam o impacto da DMRI leve, moderada e grave na QVRV(99 Brown GC, Brown MM, Sharma S. Difference between ophthalmologists' and patients' perceptions of quality of life associated with age-related macular degeneration. Can J Ophthalmol. 2000;35(3):127-33.,1010 Stein JD, Brown MM, Brown GC, Hollands H, Sharma S. Quality of life with macular degeneration: perceptions of patients, clinicians, and community members. Br J Ophthalmol. 2003;87(1):8-12.,1111 Hart PM, Chakravarthy U, Stevenson MR. Questionnaire-based survey on the importance of quality of life measures in ophthalmic practice. Eye (Lond). 1998;12(Pt 1):124-6.).

O objetivo primário deste estudo foi determinar o impacto da DMRI NV na qualidade de vida relacionada com a visão (QVRV) numa amostra populacional de pacientes portugueses. Os objetivos secundários foram perceber o impacto de algumas variáveis na QVRV, nomeadamente a presença de doença unilateral versus bilateral, o valor de AV do melhor e pior olho (MO e PO) e da EFC do MO e PO. Por último, interpretar um modelo global de interação das variáveis estudadas.

MÉTODOS

Estudo observacional de 68 pacientes, seguidos em consulta de retina por DMRI NV, entre janeiro e abril de 2011 no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental. Os critérios de inclusão foram a assinatura do consentimento informado para participação no estudo; idade igual ou superior a 50 anos; diagnóstico clínico de DMRI NV. Como critérios de exclusão foram considerados o follow-up inferior a 6m; história de doença oftalmológica, além da DMRI, que possa comprometer a AV (isto é, ambliopia, glaucoma não controlado com PIO>30mmHg, neuropatia óptica isquêmica, edema macular diabético com significado clínico, retinopatia diabética significativa, uveíte ativa, sinais clínicos de coroidose miópicas ou refração > -8D na prescrição atual; evidência clínica de adelgaçamento da esclera.

Aos participantes do estudo foi aplicado o questionário VFQ-25 traduzido para o português durante a consulta de rotina.

Os parâmetros revistos foram os seguintes: idade; gênero; número de injeções de anti-VEGF efetuadas; lateralidade da doença; AV inicial determinada na consulta antes do tratamento pela escala de Snellen e pelo mesmo técnico de ortóptica; acuidade visual final avaliada na última consulta de follow-up pela escala de Snellen e pelo mesmo técnico de ortóptica; EFC, determinada pelo TD OCT (Stratus, Carl Zeiss Meditec, Inc) e em dois momentos. O primeiro, antes do início do tratamento com anti-VEGF e o segundo na última consulta de follow-up.

Medição da EFC

A EFC (espessura média nos 1000µm de diâmetro centrais) foi determinada utilizando o TD OCT (Stratus, Carl Zeiss Meditec, Inc) e por um único operador experiente nos dois momentos. Apenas os scans com qualidade suficiente foram aceitos (força de sinal ≥8, cortes sem áreas com sinal ausente ou diminuído, cortes centrados na mácula e limites de segmentação corretos). Os participantes encontravam-se em midríase iatrogênica (diâmetro pupilar ≥6mm) utilizando Tropicamida 0,5% e foram instruídos a fixar um alvo de fixação interna. Após efetuado o ajuste de focagem e adquirida uma boa fixação central, o processo foi iniciado. Os mapas de espessura foram calculados a partir do software de análise do aparelho.

Questionário VFQ-25

Os doentes classificaram-se a si mesmos em 12 dimensões: (1) saúde geral; (2) visão geral; (3) visão para perto; (4) atividades relacionadas com a visão para longe; (5) dor ocular; (6) função social relacionada com a visão; (7) desempenho relacionado com a visão; (8) saúde mental relacionada com a visão; (9) dependência relacionada com a visão; (10) dificuldades na condução; (11) visão cromática e (12) visão periférica.

O score total varia entre 0 (pior função possível) e 100 (melhor função possível).

Para a análise estatística dos resultados foram determinados:

-Média de idade, desvio padrão e distribuição por faixas etárias;

- Número de doentes do sexo feminino e masculino;

- Número de doentes com doença uni e bilateral;

-Tempo médio de follow-up e desvio padrão;

-Acuidades visuais iniciais e finais médias e desvio padrão respectivo;

-Média de injeções e desvio padrão;

-Scores basais médios para cada dimensão estudada do questionário VFQ-25 e desvio padrão respectivo;

- Impacto dos fatores AV, lateralidade, idade, sexo e EFC de forma independente nos scores do questionário VFQ-25 (análise de variância ANOVA);

-Impacto dos fatores mencionados na alínea 8 em conjunto com scores do questionário VFQ-25 (análise de variância ANOVA).

RESULTADOS

Participaram do estudo 68 pacientes seguidos em consulta de rotina médica no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, com DMRI. A média de idade foi de 79,2 anos, com 75% da amostra com idade superior a 75 anos. Todos os doentes eram de raça caucasiana. A maioria eram mulheres (n=44). A AV final média do MO era de 0,55 ± 0,27 e do PO de 0,22 ± 0,22.AAV final do MO era ≥ a 0,5 em 42 (62%) dos doentes e a AV final do PO era < 0,1 em 34 (50%) dos doentes.A distribuição das AV do MO e PO estão descritas na tabela 1.

Tabela 1
Distribuição da AV do MO e PO por subgrupos

Quanto à lateralidade da doença, 44 (68%) doentes tinham doença em um só olho e 21 (32%) tinham doença bilateral. O tempo médio de follow-up foi de 22,63 ± 13,11. O número médio de injeções de anti-VEGF efetuadas por doente foi de 3,73 ± 3,06.

Os scores obtidos em cada domínio do questionário VFQ25 estão descritos na tabela 2.

Tabela 2
Scores de QVRV do NEI-VFQ 25

À exceção do score de condução, a taxa de resposta foi perto de 100%. Os valores médios mais altos foram observados nos scores de dependência (77%), dor ocular (76%) e visão cromática (75%). Os scores com médias mais baixa foram os de saúde geral (27%), visão geral (43%), desempenho relacionado com a visão (45%), saúde mental (47%) e atividades para longe (53%).

A tabela 3 mostra os valores de p para o impacto da AV do MO e do PO de forma independente. Os resultados da ANOVA são apresentados para cada uma das dimensões estudadas.

Tabela 3
Análise de variância (valor p) dos scores de QVRV (NEI-VFQ 25) de acordo com a AV do MO e PO

AAV do MO e PO explicaram mais de 40% da variância observada nos seguintes scores do NEI-VFQ 25: função social relacionada com a visão (51%), visão periférica (49%), desempenho relacionado com a visão (45%), score total (44%) e saúde mental (42%).

Em relação ao efeito específico da AV de cada olho nas dimensões estudadas, os valores de p apresentaram valor com significado estatístico (p<0,05) para o impacto do PO nas seguintes dimensões: visão periférica (p=0,002), score total (gráfico 1, p=0,009), desempenho relacionado com a visão (p=0,01), saúde mental (p=0,01), função social relacionado com a visão (p=0,01), atividades para perto (p=0,02) e visão cromática (p=0,046). O impacto do MO nos scores analisados não apresentou significado estatístico.

Gráfico 1
Impacto da AV PO no ‘score’ total (p=0,0092)

Uma interação significativa entre as AV do MO e PO foi observada nas dimensões: visão geral (p=0,007), função social relacionada com a visão (p=0,04), visão periférica (p=0,05) e score total (p=0,02).

Relativo à lateralidade da doença, os doentes bilateral apresentaram piores resultados nos scores à exceção da dimensão condução, conforme descrito no gráfico 2, contudo a diferença de valor entre os scores não teve significado estatístico (tabela 4).

Gráfico 2
‘Scores’ de QVRV do NEI-VFQ 25 de acordo com a lateralidade da doença
Tabela 4
Análise de variância (valor p) dos 'scores' de QVRV (NEI-VFQ 25) de acordo com a lateralidade da doença

Quanto ao estudo do impacto da variável de gênero nos resultados dos scores, não se observou diferença com significado estatístico nas dimensões estudadas entre os dois sexos. Estratificando a amostra por 4 grupos etários (grupo 1: <65 anos, grupo 2: 65-74 anos, grupo 3: 75-84 anos, grupo 4: 85-91 anos) não se verificaram diferenças com significado estatístico para as dimensões estudadas (gráfico 3).

Gráfico 3
Análise de variância do ‘score’ total por grupos etários

Analisando a EFC final do MO e do PO, verificou-se um valor preditivo com significado estatístico da EFC final do PO nas dimensões de desempenho relacionado com a visão (p=0,03) e visão periférica (p=0,03).

Por último, através da análise de variância, avaliamos o impacto das variáveis estudadas em cada um dos scores de QVRV. Verificamos que as variáveis estudadas explicam mais de 40% da variância dos scores (tabela 5).

Tabela 5
Análise de variância (ANOVA) dos scores de QVRV, NEI-VFQ25 de acordo com as variáveis estudadas

Este modelo construído a partir da análise de variância de multivariáveis explica 60% da variância do score total, com um valor preditivo de 0,08 (gráfico 4).

Gráfico 4
Análise de variância do ‘score’ total (‘score’ total= -0,773 + 0,0076 idade + 0,0076 nº inj + 0,625 Avi MO + 0,032 Avi PO + 0,271 Avf MO – 0,287 Avf PO – 0,001 EFCi MO + 0,001 EFCi PO + 0,0016 EFC FMO + 0,003 EFC PO)

DISCUSSÃO

As características demográficas da amostra demonstram que 75% dos doentes com mais de 75 anos têm predominância de indivíduos do sexo feminino e estão de acordo com a distribuição normal de uma população de pacientes com DMRI(1212 Delcourt C. Epidemiology of AMD. In: Silva R., coordinator. AMD Age-related macular degeneration. GER Group; 2010. p.11-20.).

Os resultados do estudo apresentam claramente que a AV tem um impacto maior na QVRV, achado já documentado em outros estudos(77 Brody BL, Gamst AC, Williams RA, Smith AR, Lau PW, Dolnak D, et al. Depression, visual acuity, comorbidity, and disability associated with age-related macular degeneration. Ophthalmology. 2001;108(10):1893-900; discussion 1900-1.,88 Berdeuax GH, Nordmann JP, Colin E, Arnould B. Vision-related quality of life in patients suffering from age-related macular degeneration. Am J Ophthalmol. 2005;139(2):271-9.). Quanto à utilização do questionário NEI-VFQ 25 como forma de medição da QVRV, até à data vários investigadores mostraram de forma consistente a associação entre baixa AV e baixa QVRV com recurso desta ferramenta de avaliação(55 Varma R, Wu J, Chong K, Azen SP, Hays RD; Los Angeles Latino Eye Study Group. Impact of severity and bilaterality of visual impairment on health-related quality of life. Ophthalmology. 2006;113(10):1846-53.,1313 Cahill MT, Banks AD, Stinnett SS, Toth CA. Vision-related quality of life in patients with bilateral severe age-related macular degeneration. Ophthalmology. 2005;112(1):152-8.).

Este efeito na QV é particularmente importante em doentes idosos, na medida em que leva à dependência, incapacidade, ansiedade e depressão. Alguns domínios foram mais afetados do que outros pela AV. O impacto foi praticamente inexistente na dor ocular (R2=0,1) e na saúde geral (R2=0,15), ao contrário dos domínios função social relacionado com a visão (R2=0,51), visão periférica (R2=0,49), desempenho relacionado com a visão (R2=0,45), score total (R2=0,44) e saúde mental (R2=0,42) em que o impacto foi bastante forte.

Este resultado é consistente com estudos anteriores(44 Williams RA, Brody BL, Thomas RG, Kaplan RM, Brown SI. The psychosocial impact of macular degeneration. Arch Ophthalmol. 1998;116(4):514-20.). O perfil sintomático da doença, em que existe perda progressiva da visão central explica as alterações reportadas pelos pacientes nas atividades que dependem desta, incluindo a leitura de rótulos de medicamentos e efetuar as compras diárias no supermercado. Os baixos scores na saúde mental, função social e desempenho relacionado com a visão demonstram o efeito isolador desta doença e refletem a perda da independência e o aumento da ansiedade.

Observou-se que a AV do PO tinha um valor preditivo superior à AV do MO nos seguintes scores do questionário: visão periférica, score total, desempenho relacionado com a visão, saúde mental, função social, atividades para perto e visão cromática. Este achado é apoiado por vários estudos descritos na literatura.

No estudo de Berdeaux(88 Berdeuax GH, Nordmann JP, Colin E, Arnould B. Vision-related quality of life in patients suffering from age-related macular degeneration. Am J Ophthalmol. 2005;139(2):271-9.) et al. a AV do PO teve impacto mensurável na saúde mental, dependência, visão cromática e visão para longe.

No estudo Los Angeles Latino Eye Study(1414 Globe DR, Wu J, Azen SP, Varma R; Los Angeles Latino Eye Study Group. The impact of visual ----impairment on self-reported visual functioning in Latinos: The Los Angeles Latino Eye Study. Ophthalmology. 2004;111(6):1141-9.) os doentes com AV no PO <20/200 tinham piores scores em todas as dimensões, à exceção da saúde geral e dor ocular.

De acordo com o estudo de Azen et al.(1515 Azen SP, Varma R, Preston-Martin S, Ying-Lai M, Globe D, Hahn S. Binocular visual acuity summation and inhibition in an ocular epidemiological study: the Los Angeles Latino Eye Study. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2002;43(6):1742-8.) ambos os olhos contribuem de forma independente para a QVRV e a preservação de uma AV mínima no PO e poderá contribuir para QVRV.

Acresce-se ainda o fato de que os doentes com piores visões, mesmo que em apenas um dos olhos sem reflexo na visão binocular, apresentam maiores taxas de depressão, o que tem impacto na QVRV, como reportado por vários investigadores(44 Williams RA, Brody BL, Thomas RG, Kaplan RM, Brown SI. The psychosocial impact of macular degeneration. Arch Ophthalmol. 1998;116(4):514-20.,77 Brody BL, Gamst AC, Williams RA, Smith AR, Lau PW, Dolnak D, et al. Depression, visual acuity, comorbidity, and disability associated with age-related macular degeneration. Ophthalmology. 2001;108(10):1893-900; discussion 1900-1.).

Os achados nestes estudos acima mencionados confirmam publicações anteriores sobre a influência da AV do PO na QVRV em doenças oftálmicas. O impacto definitivo da AV do PO foi inicialmente demonstrado em artigos sobre os benefícios da cirurgia de catarata no segundo olho(1414 Globe DR, Wu J, Azen SP, Varma R; Los Angeles Latino Eye Study Group. The impact of visual ----impairment on self-reported visual functioning in Latinos: The Los Angeles Latino Eye Study. Ophthalmology. 2004;111(6):1141-9.). Artigos subsequentes confirmaram estes resultados para outras patologias oftalmológicas caracterizadas por perda crônica da função visual, nomeadamente no glaucoma, DMRI e uveítes.

O impacto da AV do PO pode ser explicado pelo fenômeno de inibição visual, onde a visão binocular é pior do que a visão do MO em 1 ou mais linhas. O estudo Los Angeles Latino Eye Study(1414 Globe DR, Wu J, Azen SP, Varma R; Los Angeles Latino Eye Study Group. The impact of visual ----impairment on self-reported visual functioning in Latinos: The Los Angeles Latino Eye Study. Ophthalmology. 2004;111(6):1141-9.) demonstrou que uma grande proporção de indivíduos poderão ser afetados por este fenômeno. Assim a avaliação da visão binocular deve ser uma medida primária no estudo das dificuldades na visão, uma vez que reflete o modo usual de funcionamento.

Neste estudo, observou-se que o impacto da doença unilateral e bilateral na QVRV era comparável. Isto é, apesar de os scores de QVRV em doentes com doença bilateral serem mais baixos do que nos doentes com doença unilateral, não se observou diferença entre estes dois grupos, tendo ambos efeitos semelhantes na QVRV. Este achado tem várias implicações. Dada a situação econômica atual, por vezes o tratamento da DMRI NV num segundo olho, sobretudo quando a AV deste é muito baixa e pior do que a do 1º olho tratado tem de ser ponderada. Podendo ser decidido não tratar o 2º olho, caso a melhora maior da AV e da QVRV se desse após tratamento do primeiro olho. Neste estudo, um dado que se observou foi que a doença unilateral tem impacto semelhante à doença bilateral, e que a AV do PO tem um impacto maior na QVRV, o que poderá estar indicado que tratar o segundo olho, mesmo que este tenha um AV pior do que o primeiro olho tratado. Estes achados foram também descrito por Varma et al.(55 Varma R, Wu J, Chong K, Azen SP, Hays RD; Los Angeles Latino Eye Study Group. Impact of severity and bilaterality of visual impairment on health-related quality of life. Ophthalmology. 2006;113(10):1846-53.) e por Javitt et al.(1616 Javitt JC, Steinberg EP, Sharkey P, Schein OD, Tielsch JM, Diener M, Cataract surgery in one eye or both. A billion dollar per year issue, Ophthalmology. 1995;102(11):1583-92,1717 Javitt JC, Brenner MH, Curbow B, Legro MW, Street DA, Outcomes of cataract surgery. Improvement in visual acuity and subjective visual function after surgery in the first, second, and both eyes, Arch Ophthalmol. 1993;111(5):686-91.) relativamente a outra patologia ocular, a catarata.

Do modelo de multivariáveis com inclusão de todos os parâmetros clínicos analisados, concluiu-se que as variáveis estudadas explicam 60% da variância do score global (SG) com um valor preditivo de 0,08 (R2 0,57, p 0,088). Contudo de forma individual as variáveis idade e gênero não explicaram a variância dos scores, tal como a EFC para a maioria dos scores. Estes resultados são importantes, dado que a idade e o gênero são muitas vezes fatores que confundem a análise de QV, o que não se verificou na nossa amostra. Relativamente à EFC, esta é uma medida anatômica e que muitas vezes não tem correlação com os aspectos funcionais, sobretudo quando se avalia uma dimensão funcional psicossocial. Acresce-se ainda que na DMRI o valor de EFC pode ser alta ou baixa em doentes com AV baixas, quer por edema intrarretiniano quer por atrofia das camadas da retina.

Atualmente, o tratamento da DMRI tende maioritariamente a preservar a visão e acarreta pesados encargos financeiros. Na decisão de tratar um doente com NV a análise da relação custo-benefício é essencial. A avaliação da QVRV poderá ser uma ferramenta extra nesta tomada de decisão tanto para início como para a manutenção da terapêutica, caso esta se traduza numa melhoria QVRV.

Este estudo apresenta várias limitações, nomeadamente a dimensão da amostra e a idade avançada dos pacientes, o que pode colocar alguns vieses na aplicação de um questionário. Além do que a amostra não foi controlada para o grau de diferenciação.

A QVRV de doentes com NV, avaliada pelo NEI-VFQ 25, revela uma associação à AV do doente. A doença unilateral e bilateral têm impacto semelhante na QVRV. A preservação da AV no PO é importante na manutenção da QVRV. Este estudo sugere, que o PO deve ser tratado para a manutenção de uma boa QVRV em longo prazo. A avaliação da QVRV deveria ser incluída em estudos futuros com o objetivo de uma melhor compreensão do impacto desta doença na vida dos doentes e uma perfeita avaliação do efeito do tratamento.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2015

Histórico

  • Recebido
    19 Maio 2013
  • Aceito
    29 Set 2013
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