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Granuloma macular por tuberculose sem manifestação pulmonar

RESUMO

Tuberculose é uma doença infecciosa causada pelo Mycobacterium tuberculosis, também conhecido como bacilo de Koch. O principal sítio de acometimento é o pulmonar, porém o bacilo pode disseminar-se por via linfo-hematogênica para outros órgãos, dentre eles o olho. A incidência de tuberculose ocular é de 1 a 2% dos casos extrapulmonares. Os autores apresentam um caso clínico de um paciente do sexo feminino de 28 anos que procura atendimento médico devido à redução da acuidade visual em olho esquerdo há 7 dias. Apresentava a melhor acuidade visual corrigida no olho acometido de 20/200 e no olho contralateral de 20/20. Na fundoscopia era evidenciado um granuloma em área macular do olho esquerdo, com edema e hemorragia intrarretiniana adjacente. Após investigação diagnóstica, a paciente foi tratada com esquema antibiótico para tuberculose durante 6 meses, obtendo regressão do granuloma e melhora da acuidade visual deste olho para 20/50.

Descritores:
Tuberculose ocular/diagnóstico; Tuberculose ocular/tratamento; Mácula lútea; Uveíte/diagnóstico; Uveíte/tratamento; Relatos de casos

ABSTRACT

Tuberculosis is an infectious disease caused by Mycobacterium tuberculosis.The main site of involvement is the lung, but the bacillus may spread by hematogenous/lymph systems to other organs, including the eye.The incidence of ocular TB is 1-2% of extra-pulmonary cases. The authors present a case of a 28 years old female patient seeking medical care due to reduction of visual acuity in the left eye for 8 days. She had the best corrected visual acuity in the affected eye of 20/200, and the opposite eye was 20/20. At fundoscopy was shown a granuloma in the macular area of the left eye, with retinal edema and hemorrhage. After diagnostic investigation the patient was treated with antibiotic therapy for tuberculosis during 6 months, obtaining lesion regression and visual acuity improvement to 20/50.

Keywords:
Tuberculosis, ocular/diagnosis; Tuberculosis, ocular/drug therapy; Macula lútea; Uveitis/diagnosis; Uveitis/therapy; Case reports

INTRODUÇÃO

O Brasil é um dos 22 países priorizados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que abrangem 80% da carga mundial de tuberculose(11 Arakaki D, Oliveira G, Barreira D, Moherdaui F, Codenotti S, Bartholomay P. Novo sistema de tratamento da tuberculose para adultos e adolescentes no Brasil. Informe Técnico de Tuberculose. Edição nº 5, julho de 2010. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/informe_tb_julho10_certo_22_07_2010.pdf
http://portal.saude.gov.br/portal/arquiv...
). Atualmente o país está na 19ª posição, já tendo ocupado a 14ª em 2004. Em 2009, ocorreram 71.700 casos novos da doença, apresentando uma taxa de incidência de 37 por cada grupo de 100 mil habitantes. No Rio de Janeiro a taxa de incidência é de 73,99 por cada 100 mil habitantes, fazendo com que o estado ocupe um triste primeiro lugar quando comparado com as outras unidades da Federação(22 Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Informatica do SUS. DATASUS. Disponível em http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/ e http://www2.datasus.gov.br/DATASUS
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/...
). Segundo dados colhidos pelo Ministério da Saúde e Secretaria de Vigilância da Saúde, no caso da tuberculose extrapulmonar a taxa de incidência cai para 10,06 em cada 100.000 mil habitantes no Rio de Janeiro. Neste número incluem-se os casos de tuberculose pleural, ganglionar, osteoarticular, genitourinária, intestinal, peritoneal, pericárdica, do sistema nervoso central, ocular e cutânea(33 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Departamento de Atenção Básica. Manual técnico para controle da tuberculose. (Cadernos de Atenção Básica, 6). Brasília: Ministério da Saúde; 2002.,44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Doenças infecciosas e parasitárias: guia de bolso. 8a ed. rev. Brasília: Ministério da Saúde; 2010.).

Os autores apresentam um caso clínico de manifestação ocular de tuberculose que respondeu satisfatoriamente ao tratamento antituberculoso durante 6 meses.

RELATO DE CASO

Paciente de 28 anos de idade, sexo feminino, branca, procura atendimento médico devido à diminuição de acuidade visual em olho esquerdo há 7 dias, de início súbito e espontâneo. História patológica pregressa sem dados relevantes, porém relatava contato com paciente tuberculosa há dois anos no próprio domicílio.

Ao exame oftalmológico apresentava melhor acuidade visual corrigida para longe em olho direito: 20/20, e em olho esquerdo: 20/200; Motilidade ocular sem alterações; Biomicroscopia normal;Tonometria OD: 12 mmHg e OE: 13 mmHg; Fundoscopia: papilas coradas, escavações fisiológicas, relação arterio-venosa preservada, presença de lesão granulomatosa amarelada com edema e hemorragia retinianos adjacentes em mácula do olho esquerdo (figura 1).

Figura 1:
Lesão granulomatosa com hemorragia e edema retiniano

Iniciada investigação diagnóstica, não apresentava alterações em hemograma, microbiologia, bioquímica e imunoquímica. Importante ressaltar a sorologia negativa para toxoplasmose, tanto IgM quanto IgG. Radiografia de tórax normal. Teste tuberculínico igual a 20 mm. Foi aplicada a terapia antituberculosa via oral com acompanhamento em unidade especializada de serviço público de saúde. Visando melhorar o edema retiniano, foi tratada topicamente com colírio de dexametasona por 30 dias, com redução gradual da dose e monitoramento da pressão intraocular.

Após o acompanhamento por 6 meses, com o respectivo término do tratamento via oral, a paciente evoluiu com melhora da acuidade visual do olho esquerdo para 20/50. À fundoscopia deste olho, a lesão regrediu com desaparecimento do edema retiniano, absorção da hemorragia e atrofia do epitélio pigmentar retiniano em área macular (figura 2).

Figura 2:
Regressão da lesão após terapia antituberculosa por 6 meses

DISCUSSÃO

Diante da alta prevalência da doença em nosso meio, é recomendável sempre investigar tuberculose em casos de coriorretinite. Fato especialmente importante se considerarmos que alguns tratamentos direcionados para outra etiologia podem agravar o quadro de tuberculose (como exemplo podemos citar o uso de corticoterapia sistêmica, utilizada em alguns casos de coriorretinite por toxoplasmose).

O exame para o diagnóstico é o encontro do Mycobacterium tuberculosis em espécimes oculares, porém em razão das lesões paucibacilares e da condição nobre do aparelho visual limitarem significativamente o estudo histológico, o diagnóstico da tuberculose ocular é sustentado por dados epidemiológicos, exame clínico, teste tuberculínico positivo e exclusão laboratorial de outras afecções(55 Lopes AJ, Capone D, Mogami R, Tessarollo B, Cunha DL, Capone RB, et al. Tuberculose extrapulmonar: aspectos clínicos e de imagem. Pulmão RJ. 2006;15(4):253-61.), dentre elas a toxoplasmose.

O uso do teste tuberculínico ainda é o exame que orienta sobre possível infecção com o Mycobacterium tuberculosis, embora quando positivo não signifique doença ativa. Por isso, outros critérios são necessários para se firmar o diagnóstico da tuberculose ocular. Dentre eles observar se há melhora com o esquema básico nos primeiros dois meses, se não há recorrência da doença durante o tratamento ou se não há recidiva nos primeiros dois anos após a alta medicamentosa. Caso contrário, provavelmente não se considera a etiologia por tuberculose, obrigando a pesquisar outras causas(66 Campos WR, Campos GS, Miranda SS. Tuberculose intraocular. Rev Bras Oftalmol. 2011;70(6):437-51.).

Também devemos levar em consideração o diagnóstico diferencial com sífilis, sarcoidose, brucelose, histoplasmose e toxocaríase.

Qualquer tecido do olho pode ser acometido, entretanto o local mais frequente é a úvea. Conforme ilustrado no caso, a doença pode estar presente mesmo sem doença sistêmica. As alterações podem ser causadas pela invasão bacilar ou serem de origem imunológica, por reação de hipersensibilidade do tipo IV. Algumas das possíveis manifestações oculares são uveíte anterior, posterior, intermediária, panuveíte, coroidite serpiginosa-like, abcessos subrretinianos, descolamento seroso de retina, retinite, coroidite, retinocoroidite, vasculite retiniana e endoftalmite(66 Campos WR, Campos GS, Miranda SS. Tuberculose intraocular. Rev Bras Oftalmol. 2011;70(6):437-51.).

No presente caso, a melhora e cicatrização da lesão macular após a instituição da medicação antituberculosa é uma evidência importante para se estabelecer o diagnóstico, juntamente com a história positiva de contato. Acrescente-se que houve melhora e regressão da lesão após o início do tratamento sem recidivas, e aparentemente continua cicatrizada mesmo após o término dos 6 meses de terapia. Como o prognóstico é influenciado pela localização da lesão e aderência ao longo tratamento, chama a atenção, no caso, a significativa melhora da visão apesar da proximidade do granuloma com a mácula.

  • Trabalho realizado no Hospital Municipal Jesus e no Centro de Oftalmologia Rio – Rio de Janeiro (RJ), Brasil.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Arakaki D, Oliveira G, Barreira D, Moherdaui F, Codenotti S, Bartholomay P. Novo sistema de tratamento da tuberculose para adultos e adolescentes no Brasil. Informe Técnico de Tuberculose. Edição nº 5, julho de 2010. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/informe_tb_julho10_certo_22_07_2010.pdf
    » http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/informe_tb_julho10_certo_22_07_2010.pdf
  • 2
    Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Informatica do SUS. DATASUS. Disponível em http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/ e http://www2.datasus.gov.br/DATASUS
    » http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/» http://www2.datasus.gov.br/DATASUS
  • 3
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Departamento de Atenção Básica. Manual técnico para controle da tuberculose. (Cadernos de Atenção Básica, 6). Brasília: Ministério da Saúde; 2002.
  • 4
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Doenças infecciosas e parasitárias: guia de bolso. 8a ed. rev. Brasília: Ministério da Saúde; 2010.
  • 5
    Lopes AJ, Capone D, Mogami R, Tessarollo B, Cunha DL, Capone RB, et al. Tuberculose extrapulmonar: aspectos clínicos e de imagem. Pulmão RJ. 2006;15(4):253-61.
  • 6
    Campos WR, Campos GS, Miranda SS. Tuberculose intraocular. Rev Bras Oftalmol. 2011;70(6):437-51.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2015

Histórico

  • Recebido
    10 Jul 2012
  • Aceito
    26 Mar 2013
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