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Perda visual irreversível após uso de paclitaxel

RESUMO

Descrevemos um caso de perda visual irreversível bilateral em uma paciente de 64 anos após uso prolongado de paclitaxel. Ao exame oftalmológico paciente apresentou acuidade visual (AV) de 20/400 em ambos os olhos (AO) na primeira consulta. À tomografia de coerência óptica (TCO) evidenciou espessamento macular AO. Após seis meses da suspensão do paclitaxel, a paciente apresentava melhora discreta da AV atingindo 20/200 com correção em AO, além da TCO demonstrando resolução do espessamento retiniano.

Descritores:
Quimioterapia/efeitos adversos; Paclitaxel/toxicidade; Edema macular/induzido quimicamente; Acuidade visual/efeitos de drogas; Neoplasias ovarianas/quimioterapia; Relatos de caso

ABSTRACT

We describe a case of bilateral irreversible visual loss of a 64 year-old patient after prolonged use of paclitaxel. Patient presented best corrected visual acuity of 20/400 in both eyes at first visit and optical coherence tomography showed increased macular in both eyes.After six months of the interruption of -paclitaxel therapy, the patient showed slight improvement of visual acuity reaching 20/200 in both eyes, while OCT demonstrated resolution of macular edema.

Keywords:
Chemotherapy/adverse effects; Paclitaxel/toxicity; Macular edema/chemically induced; Visual acuity/drug effects; Ovarian neoplasms/drug therapy; Case reports

INTRODUÇÃO

Paclitaxel é um quimioterápico da família taxane, utilizado principalmente no tratamento de câncer de mama, ovário e em uma variedade de outros tumores sólidos. Entre os efeitos tóxicos destacam-se mielossupressão e neuropatia periférica(11 Marupudi NI, Han JE, Li KW, Renard VM, Tyler BM, BremH. Paclitaxel: a review of adverse toxicities and novel delivery strategies. Expert Opin Drug Saf. 2007; 6 (5): 609-21.). São raros os casos de toxicidade retiniana citados na literatura, sobretudo os que culminam com perda visual por maculopatia(22 Hofstra LS, de Vries EG, Willemse PH. Ophthalmic toxicity following paclitaxel infusion. Ann Oncol. 1997; 8 (10): 1053.,33 Joshi MM, Garretson BR. Paclitaxel maculopathy. Arch Ophthalmol. 2007; 125 (5): 709-10.).

Descreveremos a seguir um relato de baixa acuidade visual irreversível associada ao uso de paclitaxel.

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, branca, 64 anos, compareceu à sua primeira consulta em fevereiro de 2007 com queixa de baixa acuidade visual (AV) progressiva há um ano em ambos os olhos (AO), encaminhada inicialmente com suspeita de catarata. Trazia consigo resultado de eletrorretinografia sem alterações realizada um mês anteriormente à consulta e resultado de ressonância nuclear magnética de crânio evidenciando sinusopatia etmoidal.

Possuía antecedentes pessoais de cirurgia para exérese de câncer de ovário e quimioterapia com paclitaxel, em razão de metástase intestinal há dezoito anos (não sabendo referir a dose e intervalo do uso da medicação). Relatava também história de paralisia facial há oito meses e trombose de membro inferior esquerdo há 7 meses.

Ao exame oftalmológico apresentava exame ocular externo normal e melhor acuidade visual corrigida de 20/400 (+0,50 dioptrias esféricas AO). À biomicroscopia: córnea transparente, câmara anterior e profunda e sem células inflamatórias, íris sem alterações e cristalino com opacidade nuclear leve. Tonometria de aplanação de 20 mmHg AO. À fundoscopia observavam-se sinais de arterioloesclerose leve bilateralmente. Mácula e média periferia com aspecto fisiológico (figura 1).

Figura 1:
Retinografia em ambos os olhos (AO) mostrando mácula e periferia da retina de aspectos normais

Ao exame angiofluoresceinográfico observou-se presença de hiperfluorescência em nervo óptico e mácula sem sinais de extravasamento AO (figura 2).

Figura 2:
Angiofluoresceinografia retiniana: hiperfluorescência em nervo óptico AO e mácula sem sinais de extravasamento AO

À tomografia de coerência óptica (TCO) evidenciou-se aumento da espessura retiniana com espaços císticos e aspecto de retinosquise setorial. Em olho direito (OD) apresentava volume macular total de 9785 mm3, e espessura foveal de 243 (+/-91) micra; em olho esquerdo volume macular total de 9415mm3, espessura foveal de 212 (+/- 41) micra (figura 3).

Figura 3:
Tomografia de coerência óptica – aumento da espessura retiniana com espaços císticos e aspecto de retinosquise em alguns locais, volume macular total OD de 9785 mm3, espessura foveal de 243 (+/- 91) micra em OD (A); OE de 9415mm3 e 212 (+/- 41) micra em OE (B)

Em abril de 2007 optou-se pelo uso de acetazolamida oral e acetato de triancinolona 4mg intravítrea em OD buscando melhora anatômica e funcional, porém não houve resultados satisfatórios tanto da acuidade visual quanto do edema retiniano.

Revisão da literatura resultou na localização de um relato de caso que descrevia um edema macular cistoide bilateral secundário ao uso do paclitaxel. Neste caso, a suspensão da medicação levou à remissão total do edema e melhora da acuidade visual após 6 semanas(33 Joshi MM, Garretson BR. Paclitaxel maculopathy. Arch Ophthalmol. 2007; 125 (5): 709-10.). Decidiu-se, portanto, pela interrupção do quimioterápico e, após seis meses, a paciente apresentou melhora discreta da AV atingindo 20/200 com correção em AO, enquanto que à TCO, observou-se resolução completa do edema macular cistoide AO (figura 4).

Figura 4:
TCO após seis meses da suspensão do uso do paclitaxel mostrando melhora do espessamento retiniano em OD (A) e OE (B)

DISCUSSÃO

A toxicidade ocular pelo paclitaxel é pouco conhecida tanto por oftalmologistas quanto por oncologistas. Trata-se de um agente quimioterápico que inibe a formação dos microtúbulos intracelulares e cujos efeitos adversos oftalmológicos geralmente incluem baixa acuidade visual, escotomas cintilantes e alterações no potencial evocado visual. Alguns artigos já sugeriram a associação da droga ao aparecimento de edema macular cistoide, mas para nosso conhecimento, este é o primeiro em que houve perda acentuada e irreversível da acuidade visual, mesmo após a suspensão da medicação(22 Hofstra LS, de Vries EG, Willemse PH. Ophthalmic toxicity following paclitaxel infusion. Ann Oncol. 1997; 8 (10): 1053.,33 Joshi MM, Garretson BR. Paclitaxel maculopathy. Arch Ophthalmol. 2007; 125 (5): 709-10.).

Aventou-se o diagnóstico diferencial de retinopatia associada ao câncer (CAR) em razão da baixa acuidade visual, motivo pelo qual foi realizada eletrorretinografia cujo resultado mostrou-se sem alterações. A avaliação eletrofisiológica da visão em pacientes tratados com paclitaxel apresenta pouca correlação com sintomas visuais(44 Scaioli V, Caraceni A, Martini C, Curzi G, Luca G. Electrophysilogical evaluation of visual pathways in plactaxeltreated patients. J Neurooncol. 2006; 77 (1):79-87.), como neste caso, sendo, portanto, um dado adicional ao diagnóstico.

Destacamos como importante característica clínica relacionada à toxicidade do paclitaxel a presença de edema macular cistoide observado à TCO, associada à ausência de extravasamento de contraste na angiografia fluoresceínica. Tal fato foi descrito anteriormente tanto para o paclitaxel como para outro quimioterápico da família taxane, o docetaxel. Teorizou-se como mecanismo patofisiológico a toxicidade às células de Müller, com consequente acúmulo de líquido intracelular e extravasamento extracelular subclínico(33 Joshi MM, Garretson BR. Paclitaxel maculopathy. Arch Ophthalmol. 2007; 125 (5): 709-10.,55 Teitelbaum BA, Tresley DJ. Cystic maculopathy with normal capillary permeability secundary to docetaxel. Optom Vis Sci. 2003; 80 (4):277-9.,66 Telander DG, Sarraf D. Cystoid macular edema with docetaxel chemotherapy and the fluid retention syndrome. Semin Ophthalmol. 2007; 22 (3): 151-3.).

A irreversibilidade da baixa acuidade visual, mesmo após a suspensão da medicação e consequente resolução do edema macular cistóide, sugere um mecanismo distinto de toxicidade do paclitaxel associado a danos celulares permanentes.

Neste relato de caso evidenciou-se a relação do uso da medicação, não só com o aparecimento do edema macular, assim como com a perda visual irreversível da paciente, ressaltando, portanto, o potencial maculotóxico do paclitaxel.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Marupudi NI, Han JE, Li KW, Renard VM, Tyler BM, BremH. Paclitaxel: a review of adverse toxicities and novel delivery strategies. Expert Opin Drug Saf. 2007; 6 (5): 609-21.
  • 2
    Hofstra LS, de Vries EG, Willemse PH. Ophthalmic toxicity following paclitaxel infusion. Ann Oncol. 1997; 8 (10): 1053.
  • 3
    Joshi MM, Garretson BR. Paclitaxel maculopathy. Arch Ophthalmol. 2007; 125 (5): 709-10.
  • 4
    Scaioli V, Caraceni A, Martini C, Curzi G, Luca G. Electrophysilogical evaluation of visual pathways in plactaxeltreated patients. J Neurooncol. 2006; 77 (1):79-87.
  • 5
    Teitelbaum BA, Tresley DJ. Cystic maculopathy with normal capillary permeability secundary to docetaxel. Optom Vis Sci. 2003; 80 (4):277-9.
  • 6
    Telander DG, Sarraf D. Cystoid macular edema with docetaxel chemotherapy and the fluid retention syndrome. Semin Ophthalmol. 2007; 22 (3): 151-3.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2015

Histórico

  • Recebido
    27 Jul 2012
  • Aceito
    05 Dez 2012
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