Análise epidemiológica dos acidentes com material biológicos em um hospital oftalmológico

RESUMO

Objetivo:

Analisar a ocorrência e as características dos acidentes com material biológico em um hospital oftalmológico no nordeste do Brasil.

Métodos:

Estudo transversal, com análise retrospectiva dos dados dos pacientes, realizada por meio de um levantamento dos acidentes com material biológico notificados à Comunicação de Acidentes de Trabalho (CAT) durante o período de 2010 a 2013.

Resultados:

Foram notificados 34 acidentes, sendo 26 (76,5%) em trabalhadores do gênero feminino e 8 (23,5%) masculino. A média de idade foi 30,0 ± 5,9 anos. Quarenta e oito (82,3%) acidentes aconteceram no bloco cirúrgico da sede do hospital, 15 (44,1%) foram com auxiliares/técnicos de enfermagem, 8 (23,5%) com instrumentadores, 5 (14,7%) com médicos em treinamento, 4 (11,8%) com médicos formados e 2 (5,9%) com equipe de profissionais de limpeza. Os acidentes foram do tipo percutâneo em 30 (88,2%) casos e por contato com mucosa em 4 (11,7%). Em 28 (82,4%) casos o acidente foi no membro superior, 4 (11,8%) na face e 2 (5,9%) em membros inferiores. O acidente ocorreu durante o ato cirúrgico em 12 (35,3%) e 10 (29,4%) durante a manipulação do material após o procedimento cirúrgico. Os acidentes aconteceram com funcionários que possuíam média de dois anos de experiência e após 5,5 horas trabalhadas.

Conclusão:

Os acidentes com material biológico em um hospital oftalmológico foram mais frequentes em profissionais auxiliares/técnicos de enfermagem, durante o ato cirúrgico e manipulação do instrumental após cirurgia. Este trabalho, portanto, demonstrou a importância de identificar riscos de acidentes laborais entre profissionais de saúde na área de oftalmologia.

Descritores:
Ferimentos perfurantes; Acidentes de trabalho; Vazamento de risco biológico; Saúde do trabalhador

ABSTRACT

Objective:

To analyze the incidence and characteristics of accidents with biological material in an ophthalmology hospital in the Northeast of Brazil.

Methods:

Retrospective descriptive study on ducted through a survey of biological material accidents notified by Comunicação de Acidentes de Trabalho (CAT) during 2010-2013.

Results:

34 accidents were reported, 26 (76.5%) workers were females and 8 (23.5%) were males. The mean age was 30.0 ± 5.9 years. Forty-eight (82.3%) accidents occurred in the surgical room of the hospital, 15 (44.1%) were with auxiliary / practical nurses, 8 (23.5%) with surgical technologists, 5 (14.7%) with training physicians, 4 (11.8%) with trained physicians and 2 (5.9%) with cleaning staff. Accidents were with percutaneus in 30 (88.2%) cases, and contact with mucosa in 4 (11.7%). In 28 (82.4%) cases the accident was in the upper limb, 4 (11.8%) in the face, and 2 (5.8%) in the lower limbs. The accident occurred during surgery in 12 (35.3%) and 10 (29.4%) during manipulation of the material after surgery. The injuries occurred with employees who had an average of two years of experience and after 5.5 hours worked.

Conclusion:

Occupational accidents with biological material in an ophthalmology hospital were more frequent with auxiliary/practical nurses, during surgery and in the manipulation of instruments after surgery.This study demonstrated the importance of identifying risks of occupational accidents among health professionals in ophthalmology.

Keywords:
Wounds, stab; Accidents, occupational; Biohazard release; Occupational health

INTRODUÇÃO

A exposição ocupacional por material biológico é entendida como a possibilidade de contato com sangue e fluidos orgânicos no ambiente de trabalho e as formas de exposição incluem inoculação percutânea, por intermédio de agulhas ou objetos cortantes, assim como por contato direto com pele e/ou mucosas^(1-4).

A exposição ocupacional acidental entre trabalhadores da área de saúde são frequentes, devido ao número elevado de manipulação, e representam prejuízos à saúde dos trabalhadores e às próprias instituições^(1,2,5,6). Outros profissionais integrantes das equipes multidisciplinares não envolvidos diretamente com os cuidados aos pacientes ou seus fluidos corporais também podem sofrer de acidentes biológicos, tais como trabalhadores da equipe de limpeza, lavanderia, manutenção e coleta de lixo^(1-5,7,8).

No Brasil, as preocupações com as medidas profiláticas e o acompanhamento clínico-laboratorial em relação aos profissionais de saúde expostos ao risco de acidentes de trabalho teve início na década de 80⁽⁵⁾. E, a partir de então, várias têm sido as barreiras preventivas pré e pós-exposições, indicadas para evitar riscos de exposição aos patógenos de transmissão sanguínea entre os profissionais de saúde, não só pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), mas também, pelos vírus da hepatite B e C no ambiente de trabalho^(3-5,7,9,10). Sabe-se que este tipo de acidente, quando ocorre, deve ser tratado como uma emergência clínica, uma vez que, para atingir maior eficácia, as intervenções necessitam ser iniciadas logo após a ocorrência⁽²⁾.

Dentre os vários tipos de acidentes, os perfurocortantes são não só os mais frequentes, como também os mais graves, por possibilitarem o desenvolvimento de doenças fatais para os trabalhadores^(11-15). Os mesmos são responsáveis por 80 a 90% das transmissões de doenças infecciosas entre os profissionais de saúde⁽¹⁾. O risco de transmissão de infecção, através de uma agulha contaminada, é de um em três para hepatite B⁽⁹⁾, um em trinta para hepatite C e um em trezentos para HIV^(1,2,5).

Nos dias atuais, a regulamentação da notificação destes agravos devem ser efetuados em ficha própria, padronizada pelo Ministério da Saúde, no SINAN-NET – Sistema de Informação de Agravos de Notificação e em redes sentinelas específicas, a exemplo dos Centros de Referência de Saúde do Trabalhador – Cerest, para que as políticas de prevenção e controle possam ser executadas^(3,5,7).

A especialidade oftalmológica envolve a manipulação de materiais perfurocortantes, tanto ambulatorial quanto durante procedimentos cirúrgicos, diferindo de outras modalidades cirúrgicas por utilizar instrumentos microcirúrgicos de dimensões reduzidas, necessitando frequentemente de manipulação com lupas e/ou microscópios. Por tais peculiaridades faz-se necessário traçar o perfil dos trabalhadores que tiveram acidentes com material biológico em serviços oftalmológicos para que sejam implementadas medidas preventivas e planos de melhorias segundo às necessidades específicas e potencialidades de riscos de acidentes durante as atividades laborais. Sendo assim, o objetivo do presente estudo foi o de analisar a ocorrência e as características dos acidentes com material biológico registrados em um hospital oftalmológico de Recife, no nordeste do Brasil.

MÉTODOS

Estudo retrospectivo, descritivo com abordagem quantitativa e qualitativa, com objetivo de caracterizar os acidentes de trabalho que envolveram material biológico ocorridos e notificados através do processo de Comunicação de Acidentes de Trabalho (CAT) no período de 2010 a 2013, na Fundação Altino Ventura, Recife (PE).

Foram incluídas todas as fichas de notificação por material biológico durante o período estudado, sendo excluídas as fichas de notificações preenchidas de forma incompletas.

As variáveis analisadas incluíram idade, sexo, tempo de emprego, categoria profissional, subespecialidade oftalmológica, tipo e topografia da exposição ocorrida, horas trabalhadas, situação do acidente e setor/unidade do hospital.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Altino Ventura (Processo: CAAE:19376013.0. 0000.5532).

Os resultados das variáveis categóricas foram expressos por suas frequências absolutas e relativas, enquanto que os das variáveis quantitativas foram expressos por suas médias e desvios padrão.

RESULTADOS

Foram registrados 34 acidentes com materiais biológicos no período estudado, sendo 26 (76,5%) do sexo feminino e 8 (23,5%) do sexo masculino. A média de idade da amostra foi 30,0 ±5,9 anos. Vinte e oito (82,3%) aconteceram no bloco cirúrgico da sede do hospital, 2 (5,9%) acidentes aconteceram no bloco cirúrgico móvel, 1 (2,9%) caso ocorreu no departamento de urgência e 3 (8,8%) foram em salas de ambulatórios. No período estudado foram realizadas 96.720 cirurgias oftalmológicas no centro cirúrgico sede e móvel da Instituição, sendo assim, ocorreram 3,1 acidentes a cada 10.000 cirurgias.

Os acidentes ocorreram em 15 (44,1%) auxiliares/técnicos de enfermagem, 8 (23,5%) instrumentadores, 5 (14,7%) médicos oftalmologistas em treinamento, 4 (11,8%) médicos oftalmologistas formados e 2 (5,9%) funcionários da equipe de limpeza (tabela 1). Não houve registro de acidentes com médicos anestesistas. Em relação ao dia da semana, segunda, terça, quarta e sexta tiveram cada um 6 (17,6%) acidentes, enquanto na quinta-feira observaram-se 7 (20,6%) e no sábado 4 (11,7%).

Tabela 1
Acidente biológico segundo ocupação e ano de ocorrência

Ocupação / Ano	2010(n)	2011(n)	2012(n)	2013(n)	Total(n)
Médico formado	0	1	3	0	4
Médico em treinamento	2	1	2	0	5
Instrumentador	6	0	1	1	8
Auxiliar/Técnico de Enfermagem	2	4	7	2	15
Equipe de limpeza	0	0	2	0	2
Total	10	6	15	3	34

Entre os acidentes, 30 (88,2%) foram percutâneos, 4 (11,7%) por contato com mucosa, sendo 34 (100%) por contato com sangue. Em 21 (61,7%) casos o acidente foi no dedo da mão, 7 (20,6%) em outra área do membro superior, 4 (11,8%) em face e 2 (5,8%) em membros inferiores. Em 12 (35,3%) ocorreu durante ato cirúrgico e 10 (29,4%) ocorreu durante manipulação de instrumentais após a cirurgia (tabela 2). Sendo 4 (33,3%) durante cirurgia de catarata, 3 (25,0%) retina, 2 (16,7%)

Tabela 2
Acidente biológico segundo ocupação e situação de ocorrência

Ocupação	Recapeamento de agulha (n)	Punção de veia periférica (n)	Manipulação pós-cirúrgica de material (n)	Ato cirúrgico (n)	Material no chão (n)	Limpeza do lixo (n)
Médico formado	0	0	0	4	0	0
Médico em treinamento	1	0	0	4	0	0
Instrumentador	0	1	3	4	0	0
Auxiliar/Técnico de Enfermagem	1	6	7	0	1	0
Equipe de limpeza	0	0	0	0	0	2
Total	2	7	10	12	1	2

O material que provocou o acidente perfuro cortante em 17 casos foi agulha (13 com lúmen e 4 sem lúmen), 6 esclerótomo, 5 lâmina de bisturi, 1 pinça e 1 o material não estava especificado (tabelas 2 e 3). Quatro ocorrências decorreram do contato direto do sangue com a mucosa ocular.

Tabela 3
Acidente biológico segundo ocupação e material envolvido

Ocupação	Agulha com lúmen	Esclerótomo	Lâmina	Agulha sem lúmen	Contato com mucosa	Outros instrumentos sem lúmen
Médico formado	0	0	1	3	0	0
Médico em treinamento	1	0	1	1	2	0
Instrumentador	1	3	2	0	1	1
Auxiliar/Técnico de Enfermagem	9	3	1	0	1
Equipe de limpeza	2	0	0	0	0	0
Total	13	6	5	4	4	2

O tempo de trabalho na empresa do funcionário foi em média de 24,2 ± 39,5 meses. A quantidade de horas trabalhas até o momento do acidente foi de 5,5 ± 2,5 horas.

Todos os acidentes foram orientados e encaminhados ao hospital de referência do Estado para exames sorológicos e aconselhamento imunológico. Em 29 (85,3%) casos foram realizados teste rápido para HIV, cujos resultados foram negativos e, em 5 (14,7%) casos, não houve a realização deste exame, pois em 4 casos o paciente fonte era desconhecido e um caso era sabidamente portador de HIV. Após avaliação do hospital de referência 1 funcionário foi tratado preventivamente e ao final do acompanhamento não ocorreu soroconversão.

DISCUSSÃO

O acidente com material biológico pode transmitir doenças infecciosas entre trabalhadores de saúde e desencadear repercussões psicossociais, levando a mudanças nas relações sociais, familiares e de trabalho⁽¹⁾.

Em concordância com a literatura descrita verificou-se maior prevalência de acidentes de trabalho com material biológico entre os auxiliares/técnicos de enfermagem^(2,4,5,7). Os auxiliares/técnicos de enfermagem aparecem como um dos grupos mais vulneráveis, pois além de ser o grupo com mais prevalência de acidentes, os mesmos foram provocados por materiais perfurocortantes com lúmen.

Os acidentes entre médicos oftalmologistas formados e entre médicos em formação tiveram resultados semelhantes. A maior incidência de acidentes no sexo feminino foi proveniente dos auxiliares de enfermagem por serem quase na sua totalidade do sexo feminino.

Os acidentes aconteceram em média com funcionários que possuíam dois anos de experiência e após 5,5 horas trabalhadas, sugerindo que ter experiência profissional não é garantia para se ter práticas laborais seguras e com prevenção contra acidentes biológicos e que estes podem ocorrer independentemente do tempo da carga horária de trabalho⁽¹¹⁾. Práticas como a educação continuada sobre as recomendações de biossegurança, a valorização das ações preventivas e programas de educação permanente que consolidem a percepção do risco de acidentes e, consequentemente, a qualidade de vida do trabalhador, podem, na prática, serem fatores de redução de acidentes^(2,3,15).

Os acidentes, observados neste estudo, ocorreram com maior frequência no bloco cirúrgico, sendo 35,4% durante o ato cirúrgico e 29,4% durante manipulação de material para retirada do campo cirúrgico ou limpeza do instrumental. A alta incidência de notificações por material perfurocortante (agulha, esclerótomo e lâmina de bisturi) provou a importância de se ter cuidados especiais com instrumentos biselados, com a colocação de recipientes coletores estéreis utilizados para o descarte de material no campo cirúrgico. Estudos na literatura demonstram o aumento dos acidentes quando recipientes coletores de perfurocortantes não estão disponíveis^{(5,8,10,11,14)}.

Também é importante, além de medidas de prevenção de acidentes, a assistência clínica e vacinações aos trabalhadores após a notificação^(2,12,13). Todos os colaboradores da empresa/instituição de saúde devem ser orientados e encaminhados para serviços de referência de saúde ocupacional/controle de infecções, que solicitarão não só exames, mas também garantirão o acompanhamento clínico e aconselhamentos preventivos para os acidentados.

Este estudo possui como limitação a subnotificação ocorrida e advindas da falta da cultura/hábitos dos funcionários em procurarem os setores responsáveis pelo controle de acidentes ocupacionais.

CONCLUSÃO

Os acidentes com material biológico em um hospital oftalmológico foram mais frequentes em auxiliares/técnicos de enfermagem, durante o ato cirúrgico e manipulação do instrumental após cirurgia. Este trabalho, portanto, provou a importância de identificar os riscos de acidentes laborais entre os profissionais de saúde na área de oftalmologia. Comprovou também a necessidade da criação/implantação/implementação de programas de saúde do trabalhador focados em medidas de biossegurança e controle de riscos de adoecimentos. O programa de prevenção de acidentes tem que ter como objetivo, não só o de aumentar o conhecimento das pessoas sobre as diversas medidas preventivas/legislações, mas principalmente promover a mudança de hábitos e comportamentos durante suas atividades profissionais, que precisarão ser mais seguros.

• Trabalho realizado na Fundação Altino Ventura – Recife (PE), Brasil

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  Out 2015

Histórico

• Recebido
  19 Fev 2015
• Aceito
  28 Abr 2015