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As principais causas de cegueira e baixa visão em escola para deficientes visuais

RESUMO

Objetivo:

Identificar e analisar as principais causas de cegueira e baixa visão em escola para deficientes visuais.

Métodos:

Foram revisados 165 prontuários de alunos portadores de deficiência visual em instituição especializada no ensino de cegos, atendidos no período de agosto de 2013 a maio de 2014. As variáveis analisadas foram: idade, gênero, acuidade visual, diagnóstico principal e secundário, tratamento, recursos ópticos prescritos e prognóstico.

Resultados:

Dos 165 alunos avaliados, 91 alunos (55%) são legalmente cegos e apenas 74 (45%) dos alunos são enquadrados como baixa visão. As principais causas identificadas foram: retinopatia da prematuridade (21%), atrofia de nervo óptico (18%), glaucoma congênito (16%), distrofias retinianas (11%) e neoplasias (8%). As causas de baixa visão foram: catarata congênita (18%), glaucoma congênito (15%) e cicatriz de retinocoroidite (12%). As causas de cegueira evitáveis (preveníveis ou tratáveis) no estudo perfizeram um total de 52%.

Conclusão:

As principais causas de cegueira e baixa visão nos alunos do Instituto Benjamin Constant são por doenças evitáveis.

Descritores:
Cegueira; Baixa visão; Acuidade visual; Escolar; Criança; Saúde escolar

ABSTRACT

Objective:

Identify and analyze the main causes of blindness and low vision in school for blind.

Methods:

One hundred sixty-five medical records of visually impaired students were reviewed in an institution specialized in teaching the blind, treated between august 2013 and may 2014. The variables analyzed were age, sex, visual acuity, primary and secondary diagnoses, treatment, optical prescription features and prognosis.

Results:

165 students were evaluated, 91 students (55%) are legally blind and only 74 (45%) of the students are classified as low vision. The main causes of blindness were: retinopathy of prematurity (21%), optic nerve atrophy (18%), congenital glaucoma (16%), retinal dystrophy (11%) and cancer (8%). The causes of low vision were: congenital cataract (18%), congenital glaucoma (15%) and retinochoroidal scarring (12%).

Conclusions:

The main causes of blindness and low vision in the Benjamin Constant Institute are from preventable diseases.

Keywords:
Blindness; Low vision; Visual acuity; Child; Health school

INTRODUÇÃO

A cegueira infantil é uma comorbidade debilitante que acomete milhões de crianças no Brasil e no mundo. Segundo dados estimados por publicação da Organização Mundial de Saúde (OMS)(11 Resnikoff S, Pascolini D, Etya'ale D, Kocur I, Pararajasegaram R, Pokharel GP, MariottI SP. Global data on visual impairment in the year 2002. Bull WHO. 2004; 82(11): 844-51.) em 2002 existiam quase 36,9 milhões de cegos no mundo. Aproximadamente dois terços destes cegos são por causas preveníveis(22 Kara-José N, Almeida GV, Arieta CEL, Araújo JS, Becgara SJ, Oliveira PR. Causas de deficiência visual em crianças. Bol Sanit Panam. 1994;97(5): 405-12.)e cerca de 1,4 milhão têm menos de quinze anos de idade. Das crianças portadoras de cegueira, 70 a 80% morrem durante os primeiros anos de vida, em consequência de doenças associadas ao seu comprometimento visual.

A OMS(11 Resnikoff S, Pascolini D, Etya'ale D, Kocur I, Pararajasegaram R, Pokharel GP, MariottI SP. Global data on visual impairment in the year 2002. Bull WHO. 2004; 82(11): 844-51.) define, por meio do International Statistical Classification of Diseases, Injuries and Causes of Death, 10th revision (ICD-10), como cegueira legal acuidade visual menor que 20/400 ou campo visual menor que 10 graus e baixa visão a acuidade visual menor que 20/60 ou campo visual menor que 20 graus no melhor olho.

Cerca de 20% das crianças em idade escolar apresentam algum tipo de distúrbio ocular de causas variadas, vinculadas a fatores biológicos, sociais e ambientais. O atraso no diagnóstico causa danos no rendimento escolar e na socialização da criança podendo prejudicar no futuro oportunidades de trabalho. Esta situação pode até mesmo representar um peso econômico para a sociedade, requerendo ações precoces de identificação e tratamento adequado(33 Oliveira CA , Hisatomi KS, Leite CP, Schellini AS, Padovani CR, Padovani CRP. Erros de refração como causas de baixa visual em crianças da rede de escolas públicas da regional de Botucatu - SP. Arq Bras Oftalmol. 2009;72(2):194-8.).

As principais causas de baixa visão em crianças registradas na literatura são as ametropias, que se não tratadas podem levar à cegueira, e trazem não só para o Brasil e restante da América Latina, mas também para o mundo todo, grande impacto econômico e psicossocial(44 Brito PR, Veitzman S. Causas de cegueira e baixa visão em crianças. Arq Bras Oftalmol. 2000;63(1):49-54.)

Devido ao rápido crescimento e desenvolvimento do aparelho ocular, a criança apresenta maior vulnerabilidade aos distúrbios visuais. O comprometimento da saúde ocular representa um importante inibidor do desenvolvimento da criança, com potencial para cursar com sequelas na vida adulta(55 Rocha, MN, Ávila MP, Isaac DL, Mendonça LS, Nakanishi L, Auad LJ.Prevalência de doenças oculares e causas de comprometimento visual em crianças atendidas em um Centro de Referência em Oftalmologia do centro-oeste do Brasil. Rev Bras Oftalmol. 2014;73(4):225-9.).

O objetivo do presente trabalho é identificar as principais causas de cegueira e baixa visão em escola especializada para deficientes visuais.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo observacional do tipo transversal com base nos dados obtidos de 165 prontuários de 205 alunos do Instituto Benjamin Constant (IBC) no Rio de Janeiro, do segundo ao nono ano do ensino fundamental, examinados no período de agosto de 2013 a maio de 2014 por 12 residentes em oftalmologia.

As variáveis analisadas foram: idade, gênero, série, melhor acuidade visual com e sem correção, recurso óptico utilizado, diagnóstico primário e secundário, história familiar de cegueira, tratamento clínico e cirúrgico prévio, prognóstico e classificação visual.

A acuidade visual foi avaliada de acordo com a tabela de Snellen em todos os alunos e a classificação visual foi feita de acordo com a OMS(11 Resnikoff S, Pascolini D, Etya'ale D, Kocur I, Pararajasegaram R, Pokharel GP, MariottI SP. Global data on visual impairment in the year 2002. Bull WHO. 2004; 82(11): 844-51.)em cegueira legal acuidade visual menor que 20/400 ou campo visual menor que 10 graus e baixa visão acuidade visual menor que 20/60 ou campo visual menor que 20 graus no melhor olho.

Foi feito exame oftalmológico completo em todos os alunos avaliados incluindo biomicroscopia e fundo de olho. Os dados foram registrados em uma ficha de rematrícula anexa ao prontuário e posteriormente analisados de acordo com os critérios do estudo. O critério de exclusão do estudo foi a presença de dados incompletos na ficha de rematrícula que contabilizou 40 prontuários.

RESULTADOS

Com base na análise dos dados colhidos a idade dos alunos variou de 8 a 25 anos, sendo 59% do sexo masculino e 41% do sexo feminino. Dos 165 alunos analisados, apenas 67 faziam uso de recursos ópticos, sendo que os mais utilizados foram óculos, barra de leitura, lupa manual e fonte ampliada, respectivamente de acordo com a tabela 1.

Tabela 1
Número de alunos usuários de recursos ópticos

A acuidade visual dos alunos variou de não percepção luminosa a acuidade 20/40 de acordo com a tabela de Snellen, demonstrados na tabela 2.

Tabela 2
Acuidade visual dos alunos do IBC com e sem correção

Os alunos que apresentam visão 20/60, 20/50 e 20/40 com melhor correção possuem campo visual menor que 20 graus no melhor olho.

Apenas 21% dos alunos apresentavam cegueira familiar. Na amostra analisada, 54% dos alunos não foram submetidos a tratamentos prévios à matrícula no Instituto Benjamin Constant, enquanto 85% dos pacientes que receberam tratamento prévio receberam tratamento cirúrgico e 25% tratamento clínico. Segundo a amostra avaliada, 55% são classificados como cegueira legal e 45% como baixa visão.

As causas de cegueira evitáveis (preveníveis ou tratáveis) A principal causa de cegueira no IBC foi retinopatia da no estudo perfizeram um total de 52%, considerando patologias prematuridade seguido por atrofia de nervo óptico e a terceira evitáveis como a retinopatia da prematuridade, o glaucoma con-causa foi glaucoma congênito.

A principal causa de baixa visão gênito, a catarata congênita, a cicatriz de retinocoroidite, o foi catarata congênita, seguida por glaucoma congênito e cicatriz descolamento de retina e a rubéola congênita. retinocoroideana conforme mostra a tabela 3.

Tabela 3
Diagnóstico primário de cegueira e baixa visão de alunos do ensino fundamental no IBC

De acordo com a amostra avaliada, apenas 58 alunos possuíam diagnósticos secundários, sendo o mais prevalente descolamento de retina, seguido por catarata congênita e retinoblastoma como mostra a tabela 4.

Tabela 4
Diagnóstico secundário dos alunos do IBC

DISCUSSÃO

Não houve diferença significativa entre os gêneros: 59% masculino e 41% feminino.

A utilização de recursos ópticos ainda é pouco difundida entre os alunos deficientes visuais, visto que apenas 40% dos alunos fazem uso de algum recurso óptico.

Por ser uma escola especializada no ensino de deficientes visuais graves, o Instituto Benjamin Constant não reflete o panorama da deficiência visual infantil no Rio de Janeiro. Dos 165 alunos avaliados, 91 alunos (55%) são legalmente cegos e apenas 74 (45%) dos alunos são enquadrados como baixa visão.

Leite Filho et al.(66 Leite Filho LA, Morizot - Kunihiro Nitta. Aspectos da cegueira na infância em nosso meio. Rev Bras Oftalmol. 1971; 30(4):413-5.) em trabalho pioneiro feito em escola para cegos no Brasil analisaram 600 alunos matriculados no IBC entre 4 e 20 anos de idade descrevendo uma prevalência de: 19,6% de catarata (congênita + complicada), 19,5% de leucomas, 15,1% de degenerações retinianas, 12,1% de glaucoma congênito e 12% de atrofia de nervo óptico como causas de cegueira. Apesar dos 44 anos de diferença entre os trabalhos é possível observar que atrofia de nervo óptico, glaucoma congênito, catarata congênita e distrofias retinianas ainda mantêm elevada prevalência nessa população em estudo.

Conti et al.,(77 Conti PR, et al. Causas de cegueira em cegos assistidos por instruções no Estado da Guanabara. Rev Bras Oftalmol. 1975; 34(3):395-8.) descreveram causas de cegueira avaliando 477 cegos adultos e crianças de 18 instituições (escolas, abrigos e oficinas) do estado do Rio de Janeiro e constatou: 20,3% de glaucoma, 20,1% de opacidades corneanas, 17% de catarata e 16,9% de doenças retinianas e do nervo óptico. Devido à heterogeneidade da amostra fica difícil um estudo comparativo com a presente pesquisa.

Couto Jr et al. identificou em estudo anterior(88 Couto Jr AS, Pinto GR, Oliveira DA, Holzmeister D, Portes AL, Neurauter R, Portes AJ. Prevalência das ametropias e oftalmopatias em crianças pré-escolares e escolares em favelas do Alto da Boa Vista, Rio de Janeiro, Brasil. Rev Bras Oftalmol. 2007; 66(5):304-8.) com população não deficiente visual 1,11% de oftalmopatias, sendo retinocoroidite 0,17%, catarata 0,22% e uma prevalência de ambliopia de 2,00%, refletindo um panorama diferente das oftalmopatias no Rio de Janeiro.

O difícil acesso a medicina especializada e a falta de informação aos pacientes são realidades a serem consideradas no Brasil. Com base na análise dos dados deste estudo, 54% dos pacientes não receberam tratamento prévio à matrícula no Instituto Benjamin Constant.

Doenças hereditárias, lesões no nervo óptico e vias visuais são as principais causas de cegueira e baixa visão em países desenvolvidos(44 Brito PR, Veitzman S. Causas de cegueira e baixa visão em crianças. Arq Bras Oftalmol. 2000;63(1):49-54.,99 Sociedade de Pediatria de São Paulo. Recomendações Sociedade de Pediatria de São Paulo, Atualização de condutas em pediatria, 49. São Paulo: Sociedade de Pediatria de São Paulo; 2009. [citado 2014 Ago 22]. Disponível em: www.spsp.org.br/downloads/rec_49_cegueira.pdf
www.spsp.org.br/downloads/rec_49_cegueir...
). Os países em desenvolvimento apresentam mais casos associados à infecção e deficiências nutricionais como sarampo, oftalmia neonatal, catarata devido à rubéola e xerostomia por deficiência de vitamina A, porém existem outras causas significantes de cegueira como catarata congênita, glaucoma congênito, distrofias retinianas hereditárias e anormalidades congênitas que mantêm sua prevalência tanto em países desenvolvidos como em países em desenvolvimento.

O Brasil apresenta características semelhantes aos países em desenvolvimento, mas estudos realizados em São Paulo e Salvador(44 Brito PR, Veitzman S. Causas de cegueira e baixa visão em crianças. Arq Bras Oftalmol. 2000;63(1):49-54.) têm mostrado como principais causas de cegueira o glaucoma congênito, a retinopatia da prematuridade, a rubéola, a catarata congênita e a toxoplasmose congênita em contraste com dados anteriores da literatura(1010 Oliveira PR. Causas de cegueira na infância. Arq Bras Oftalmol. 1992;55(4):174-5.,1111 Simmons WK. Xerophthalmia and blindness in northeast Brazil. Am J Clin Nutr. 1976;29(1):116-22.)que mostram como causas importantes de cegueira infantil no Brasil a hipovitaminose A, o tracoma, o sarampo e a oncocercose.

As principais causas de cegueira infantil podem variar de acordo com a região analisada. Neste estudo, identificou-se a retinopatia da prematuridade como principal causa de cegueira, sendo responsável por 21% dos casos, seguido por atrofia de nervo óptico, glaucoma congênito, distrofias retinianas e neoplasias. A principal causa de baixa visão foi catarata congênita com 18% dos casos seguido por glaucoma congênito e cicatriz de retinocoroidite.

Independente da causa, a cegueira infantil traz sérios agravos à criança e sua família por toda vida, influenciando as perspectivas pessoais, educacionais, de emprego e sociais.

Evitar a cegueira infantil ainda permanece sendo um grande desafio. A eliminação da cegueira previnível ou tratável na infância é uma prioridade para OMS até o ano 2020. Sendo assim, identificar a epidemiologia é fundamental para prevenção.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Resnikoff S, Pascolini D, Etya'ale D, Kocur I, Pararajasegaram R, Pokharel GP, MariottI SP. Global data on visual impairment in the year 2002. Bull WHO. 2004; 82(11): 844-51.
  • 2
    Kara-José N, Almeida GV, Arieta CEL, Araújo JS, Becgara SJ, Oliveira PR. Causas de deficiência visual em crianças. Bol Sanit Panam. 1994;97(5): 405-12.
  • 3
    Oliveira CA , Hisatomi KS, Leite CP, Schellini AS, Padovani CR, Padovani CRP. Erros de refração como causas de baixa visual em crianças da rede de escolas públicas da regional de Botucatu - SP. Arq Bras Oftalmol. 2009;72(2):194-8.
  • 4
    Brito PR, Veitzman S. Causas de cegueira e baixa visão em crianças. Arq Bras Oftalmol. 2000;63(1):49-54.
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    Rocha, MN, Ávila MP, Isaac DL, Mendonça LS, Nakanishi L, Auad LJ.Prevalência de doenças oculares e causas de comprometimento visual em crianças atendidas em um Centro de Referência em Oftalmologia do centro-oeste do Brasil. Rev Bras Oftalmol. 2014;73(4):225-9.
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  • 7
    Conti PR, et al. Causas de cegueira em cegos assistidos por instruções no Estado da Guanabara. Rev Bras Oftalmol. 1975; 34(3):395-8.
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    Couto Jr AS, Pinto GR, Oliveira DA, Holzmeister D, Portes AL, Neurauter R, Portes AJ. Prevalência das ametropias e oftalmopatias em crianças pré-escolares e escolares em favelas do Alto da Boa Vista, Rio de Janeiro, Brasil. Rev Bras Oftalmol. 2007; 66(5):304-8.
  • 9
    Sociedade de Pediatria de São Paulo. Recomendações Sociedade de Pediatria de São Paulo, Atualização de condutas em pediatria, 49. São Paulo: Sociedade de Pediatria de São Paulo; 2009. [citado 2014 Ago 22]. Disponível em: www.spsp.org.br/downloads/rec_49_cegueira.pdf
    » www.spsp.org.br/downloads/rec_49_cegueira.pdf
  • 10
    Oliveira PR. Causas de cegueira na infância. Arq Bras Oftalmol. 1992;55(4):174-5.
  • 11
    Simmons WK. Xerophthalmia and blindness in northeast Brazil. Am J Clin Nutr. 1976;29(1):116-22.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2016

Histórico

  • Recebido
    17 Jun 2015
  • Aceito
    16 Set 2015
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