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Quedas e qualidade de vida de idosos com catarata

RESUMO

Objetivo:

Investigar a associação entre quedas e qualidade de vida em idosos com catarata.

Métodos:

Tratou-se de estudo observacional com delineamento transversal, realizado no Distrito Federal, Brasil, com uma amostra de 38 idosos comunitários divididos em dois grupos: idosos caidores (n=18) e idosos não caidores (n=20). Avaliou-se por meio do instrumento National Eye Institute - Visual Function Questionnaire 25 (NEI-VFQ 25) a saúde geral dos indivíduos da amostra, assim como a qualidade de vida relacionada à saúde visual. A caracterização da amostra foi realizada por meio da análise descritiva a fim de avaliar a associação entre quedas e demais variáveis, utilizou-se o teste não paramétrico de Mann-Whitney (p<0,05).

Resultados:

A faixa etária ≥ 70 anos prevaleceu entre os participantes da pesquisa (63,16%). Dentre os idosos que fizeram parte deste estudo, 36 (94,74%) relataram ter algum problema para enxergar. Idosos caidores apresentaram escore geral mais baixo, quando comparados aos não caidores (p=0,0159), apresentaram também maior dificuldade em realizar atividades para perto (p=0,0299) e para longe (p=0,0104), pior saúde mental (p=0,0001) e nível mais elevado de dependência (p=0,0008).

Conclusão:

As quedas interferem negativamente na qualidade de vida de idosos com catarata, tornando as ações para prevenção de quedas e o tratamento e/ou correção do déficit visual importantes para evitar prejuízos futuros.

Descritores:
Catarata; Acidentes por quedas; Qualidade de vida; Idoso

ABSTRACT

Objective:

To investigate the association between falls and quality of life in elderly individuals with cataract.

Methods:

This was an observational and cross-sectional study carried out in the Federal District, Brazil, with a sample of 38 community-dwelling elderly individuals, who were divided into two groups: falling elderly (n=18) and non-falling elderly (n=20). The NEI-VFQ-25 was used as a tool to assess the patient overall health and the quality of life related to visual health. Sample characterization was performed by descriptive analysis and the nonparametric Mann-Whitney test (p<0.05) was used to evaluate the association between falls and the other variables.

Results:

Elders within the age group ≥ 70 years old were the majority in this study. 36 participants (94.74%) of this study claimed to have some vision problems. Falling elderly presented lower scores when compared to the non-falling elderly (p=0.0159) and they also showed worse mental health (p=0.0001), higher level of dependence (p=0.0008) and greater difficulty to perform up close vision tasks (p=0.0299) and far vision tasks (p=0.0104).

Conclusion:

Falls have a negative impact on the quality of life of elderly individuals with cataract, which makes preventive actions and the treatment and/or correction of visual impairments important in order to avoid future harms.

Keywords:
Cataract; Accidental falls; Quality of life; Aged

INTRODUÇÃO

A catarata é a principal causa de cegueira e deficiência visual reversível no mundo (11 Yamada M, Mizuno Y, Miyake Y. A multicenter study on the health-related quality of life of cataract patients: baseline data. Jpn J Ophthalmol. 2009;53(5): 470-6.

2 Chatziralli IP, Sergentanis TN, Peponis VG, Papazisis LE, Moschos MM. Risk factors for poor vision-related quality of life among cataract patients. Evaluation of baseline data. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol. 2013; 251(3):783-9.
-33 Meuleners LB, Fraser ML, Ng J, Morlet N. The impact of first and second eye cataract surgery on injurious falls that require hospitalisation: awhole population study. Age Ageing. 2014;43(3):341-6.) e definida como qual quer opacificação do cristalino que reduza a acuidade visual. Acomete cerca de 75% dos idosos acima de 70 anos de idade (33 Meuleners LB, Fraser ML, Ng J, Morlet N. The impact of first and second eye cataract surgery on injurious falls that require hospitalisation: awhole population study. Age Ageing. 2014;43(3):341-6.

4 Ferraz EV, Lima CA, Cella W, Arieta CE. Adaptação de questionário de avaliação da qualidade de vida para aplicação em portadores de catarata. Arq Bras Oftalmol. 2002;65(3):293-8.
-55 Monestam E, Wachtmeister L. The impact of cataract surgery on low vision patients. Acta Ophthalmol Scand. 1997;75(5):569-76.) e afeta vários aspectos da visão interferindo negativamente na Qualidade de Vida (QV) (44 Ferraz EV, Lima CA, Cella W, Arieta CE. Adaptação de questionário de avaliação da qualidade de vida para aplicação em portadores de catarata. Arq Bras Oftalmol. 2002;65(3):293-8.,66 Bravo Filho VT, Ventura RU, Brandt CT, Sarteschi C Ventura MC. Impacto do déficit visual na qualidade de vida em idosos usuários do sistema único de saúde vivendo no sertão de Pernambuco. Arq Bras Oftalmol. 2012;75(3):161-5.). De acordo com Lee et al., a diminuição da acuidade visual é o segundo sintoma de maior impacto na QV, ficando atrás somente da dificuldade respiratória (44 Ferraz EV, Lima CA, Cella W, Arieta CE. Adaptação de questionário de avaliação da qualidade de vida para aplicação em portadores de catarata. Arq Bras Oftalmol. 2002;65(3):293-8.).

Em consequência à catarata, ocorre a diminuição da comunicação visual, aumentando assim o risco de quedas nessa população (77 Menezes RL, Bachion MM. Condições visuais autorrelatadas e quedas em idosos institucionalizados. Rev Bras Oftalmol. 2012;71(1):23-7.,88 Macedo BG, Pereira SL, Rocha FL, Castro AB. Association between funcional vision, balance and fear of falling in older adults with cataracts. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2012;15(2):265-74.) , pois em paralelo sobrevém a diminuição da estabilidade, do equilíbrio, da percepção de distância e profundidade e da adaptação ao escuro, o que acarreta dificuldades para o reconhecimento de perigos iminentes (33 Meuleners LB, Fraser ML, Ng J, Morlet N. The impact of first and second eye cataract surgery on injurious falls that require hospitalisation: awhole population study. Age Ageing. 2014;43(3):341-6.,99 Carvalho MP, Luckow ELT, Peres W, Garcias GL, Siqueira FC. O envelhecimento e seus fatores associados. RBCEH. 2011;8(2):265-71.,1010 Fabrício SC, Rodrigues RAP Junior ML. Causas e consequências de quedas de idosos atendidos em hospital público. Rev Saúde Pública. 2004;38(1):93-9.). Idosos nesta condição, com dificuldades de se manter estável frente a ambientes e tarefas complexas, apresentam duas vezes mais chances de cair (99 Carvalho MP, Luckow ELT, Peres W, Garcias GL, Siqueira FC. O envelhecimento e seus fatores associados. RBCEH. 2011;8(2):265-71.,1111 Luiz LC, Rebelatto JR, Coimbra AM, Ricci NA. Associação entre déficit visual e aspectos clínico-funcionais em idosos da comunidade. Rev Bras Fisioter. 2009;13(5):444-50.).

A queda é definida como o deslocamento não intencional do corpo, para um nível inferior à posição inicial, sem correção em tempo hábil, sendo determinada por circunstâncias multifatoriais que comprometem a estabilidade, ou seja, mecanismos envolvidos com a manutenção da postura (1212 Gomes EC, Marques AP, Leal MC, Barros BP. Fatores associados ao risco de quedas em idosos institucionalizados: uma revisão integrativa. Ciência & Saúde Coletiva. 2014;19(8):3543-51.). É considerada uma importante causa de morbimortalidade na população idosa, e um dos principais problemas clínicos e de saúde pública devido à alta incidência, às complicações e aos altos custos assistenciais (99 Carvalho MP, Luckow ELT, Peres W, Garcias GL, Siqueira FC. O envelhecimento e seus fatores associados. RBCEH. 2011;8(2):265-71.,1313 Almeida LP, Brites MF, Takizawa MG. Quedas em idosos: fatores de risco. RBCEH. 2011;8(3):384-91.). Este evento pode resultar em consequências físicas, funcionais e psicossociais limitadoras, implicando também na redução da QV (44 Ferraz EV, Lima CA, Cella W, Arieta CE. Adaptação de questionário de avaliação da qualidade de vida para aplicação em portadores de catarata. Arq Bras Oftalmol. 2002;65(3):293-8.,1212 Gomes EC, Marques AP, Leal MC, Barros BP. Fatores associados ao risco de quedas em idosos institucionalizados: uma revisão integrativa. Ciência & Saúde Coletiva. 2014;19(8):3543-51.

13 Almeida LP, Brites MF, Takizawa MG. Quedas em idosos: fatores de risco. RBCEH. 2011;8(3):384-91.
-1414 Lopes RA, Dias RC. O impacto das quedas na qualidade de vida dos idosos. ConScientiae Saúde. 2010;9(3):504-9.).

Considerando o efeito limitante que a catarata e as quedas impõem à população idosa, o objetivo deste estudo é avaliar a associação entre a ocorrência de quedas e a qualidade de vida em idosos com catarata.

MÉTODOS

Tratou-se de estudo observacional, com delineamento transversal, realizado no Distrito Federal (DF), Brasil. Foram avaliados 55 idosos atendidos nos departamentos de oftalmologia em dois hospitais públicos, habilitados para atendimento e cirurgia de catarata.

Os critérios de inclusão adotados no presente estudo foram idosos comunitários (≥ 60 anos), de ambos os sexos com diagnóstico confirmado de catarata bilateral por meio de exame oftalmológico e complementar. Os critérios de exclusão foram diagnóstico clínico ou deficit cognitivo grave sugestivo de demência (MEEM<17) (n=0), autorrelato positivo para outros problemas de visão não corrigidos (n=17) e correção cirúrgica de catarata em um dos olhos (n=0).Tais critérios foram adotados a fim de evitar a interferência nas entrevistas e agirem como confundidores para o desfecho analisado.

Esta pesquisa foi realizada no período de dezembro de 2011 a dezembro de 2012.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde (FEPECS) e devidamente registrado na Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (parecer nº 0153/11).

Dos 55 idosos previamente selecionados, um total de 38 foram incluídos no estudo e divididos em dois grupos: idosos caidores (n=18) e idosos não caidores (n=20). Entende-se por idosos caidores, idosos que sofreram uma ou mais quedas nos últimos 12 meses que antecederam a entrevista.

Foi aplicado o questionário National Eye Institute - Visual Function Questionnaire 25 (NEI-VFQ 25), que avalia a saúde geral do paciente, assim como a qualidade de vida relacionada à saúde visual. Este instrumento tem validade e confiabilidade estatisticamente comprovados (1515 Mello PR, Roma AC, Júnior HV. Análise da qualidade de vida de portadores de uveítes de causas infecciosas e não infecciosas pelo questionário NEI-VFQ-25. Arq Bras Oftalmol. 2008;71(6): 847-54.).

O NEI-VFQ 25 é composto por três partes, sendo a primeira com quatro perguntas relacionadas à saúde geral e visão, a segunda parte com doze perguntas sobre as dificuldades com atividades diárias e a terceira parte com nove perguntas relacionadas a problemas visuais e como estes podem interferir nas atividades (1515 Mello PR, Roma AC, Júnior HV. Análise da qualidade de vida de portadores de uveítes de causas infecciosas e não infecciosas pelo questionário NEI-VFQ-25. Arq Bras Oftalmol. 2008;71(6): 847-54.).

As 25 questões contidas no instrumento podem ser agrupadas em 5 domínios (físico, psicológico, nível de dependência, relacionamentos sociais e saúde em geral) e 12 subdomínios (saúde geral, visão, dor ocular, atividades para perto, atividades para longe, aspectos sociais, saúde mental, atividades de vida diária, dependência, capacidade para dirigir automóveis, visão de cores e visão periférica). Para cada questão há 5 ou 6 alternativas de respostas e para tais respostas a pontuação varia entre 0 e 100 pontos (0, 25, 50, 75, 100). Nas questões em que há 6 alternativas de resposta, caso o entrevistado opte pela última opção, a de número 6, esta questão não será pontuada e não fará parte do escore já que esta não se refere a limitação visual. O escore total terá o valor mínimo de zero e o valor máximo de 100. Quanto maior o escore alcançado, melhor a qualidade de vida e a função visual do entrevistado (1515 Mello PR, Roma AC, Júnior HV. Análise da qualidade de vida de portadores de uveítes de causas infecciosas e não infecciosas pelo questionário NEI-VFQ-25. Arq Bras Oftalmol. 2008;71(6): 847-54.).

Foram colhidos por meio de entrevista semiestruturada os seguintes dados sociodemográficos: sexo, idade (anos), raça (branco, negro ou mulato/caboclo/pardo), escolaridade (alfabetização), estado civil (casado/vive junto, solteiro, divorciado/separado ou viúvo), atividade socioeconômica (por meio da pergunta: "o senhor(a) trabalha atualmente?), situação econômica (aposentadoria e pensão) e suporte familiar (pelas perguntas: 'o senhor (a) mora só?' e em caso negativo 'Quem mora com o senhor (a), um ente da família ou amigo?).

Sobre os dados da saúde em geral, os idosos foram questionados e responderam por meio de autorrelato em relação ao número de doenças diagnosticadas, o número de medicamentos em uso, prática de atividade física e autopercepção da capacidade para enxergar mesmo com o uso de óculos ou lentes (sem dificuldade, pouca ou muita dificuldade).

A queda foi questionada por meio da pergunta: "o senhor (a) sofreu alguma queda no último ano?" e em caso afirmativo "quantas vezes o senhor (a) caiu?".

Todos os pacientes foram orientados quanto aos objetivos e a metodologia empregada assinando, após esta orientação, o termo de consentimento livre e esclarecido.

O Mini Mental State Examination foi empregado no estudo a fim de excluir idosos com deficit cognitivo grave sugestivo de demência (ponto de corte < 17 pontos) (1616 Silva SL, Silva VG, Máximo LS, Dias JM, Dias RC. Comparação entre diferentes pontos de corte na classificação do perfil de fragilidade de idosos comunitários. Geriatr Gerontol. 2011;5(3):130-5.). O instrumento foi elaborado por Folstein e colaboradores (1717 Folstein MF, Folstein SE, McHugh PR. "Mini-mental state". A practical method for grading the cognitive state of patients for the clinician. J Psychiatr Res. 1975;12(3):189-98.) , composto por 30 questões agrupadas em sete categorias: orientação temporal (5 pontos), orientação espacial (5 pontos), registro de três palavas (3 pontos), atenção e cálculo (5 pontos), evocação das três palavras (3 pontos), linguagem (8 pontos) e capacidade construtiva visual (1 ponto). Para cada questão pontua-se 0 (erro) ou 1 (acerto), fechando um escore total variável entre o mínimo de 0 pontos e o máximo de 30 pontos (1818 Kirwan C, Lanigan B, O'Keefe M. Vision-related quality of life assessment using the NEI-VFQ-25 in adolescents and young adults with a history of congenital cataract. J Pediatr Ophthalmol Strabismus. 2012;49(1):26-31.).

Após tabulação e exploração dos dados obtidos neste estudo, optou-se pela caracterização da amostra e dos dados de saúde geral por meio da análise descritiva, a fim de avaliar a associação entre quedas e demais variáveis foi utilizado o teste não paramétrico de Mann-Whitney. O programa estatístico utilizado foi o BioEstat versão 5.3, instalado em ambiente Windows, sendo estabelecido um α = 0,05.

RESULTADOS

A amostra contou com 38 idosos de ambos os sexos, com idade média de 71,66 anos (±5,80). A tabela 1 apresenta a caracterização geral da amostra (n = 38), de acordo com as variáveis estudadas.

Tabela 1
Características gerais

Quanto à saúde geral e número de doenças diagnosticadas, 7 (18,42%) relataram problemas de audição, 13 (34,21%) problemas cardíacos, 23 (60,53%) hipertensão arterial, 2 (5,26%) embolia/derrame,8 (21,05%) diabetes,3 (7,89%) tumor/câncer, 13 (34,21%) artrite/reumatismo, 4 (10,53%) doença pulmonar crônica, 5 (13,16%) depressão, 7 (18,42%) osteoporose, 17 (44,74%) incontinência urinária, 1 (2,63%) incontinência fecal e 11 (28,95%) labirintite.

De acordo com a autopercepção dos idosos participantes deste estudo, 2 (5,26%) relataram não apresentar problemas para enxergar, 16 (42,11%) com poucos problemas e 20 (52,63%) com muitos problemas. Já para a capacidade de ouvir 17 (44,74%) relataram estar sem problemas, 15 (39,47%) com poucos problemas e 6 (15,79%) com muitos problemas.

Em relação ao número de medicamentos em uso, 7 (18,42%) relataram não fazer uso, 11 (28,95%) fazem uso de 1 a 2 medicamentos, 13 (34,21%) usam de 3 a 5 e outros 7 (18,42%) utilizam mais de 5.

Quanto à atividade física, 14 (36,84%) praticam e 24 (63,16%) não praticam.

Dos 38 idosos avaliados, 18 foram do grupo de caidores (47,37%) e 20 do grupo de não caidores (52,63%). Entre os idosos caidores, 13 (72,20%) são do sexo feminino e 5 (27,80%) do sexo masculino, 6 (33,33%) relataram ter caído apenas uma vez, 3 (16,67%) relataram duas quedas e 9 (50%) três ou mais quedas nos últimos 12 meses. A média de idade foi de 71,66 anos (±5,80), variando de 63 a 83 anos. A faixa etária de 70 anos ou mais prevaleceu nos dois grupos, sendo 10 (55,60%) entre os caidores e 14 (70%) entre os não caidores.

A qualidade de vida relacionada à saúde visual (NEI-VFQ 25) está descrita por meio de escores gerais médios por grupo, detalhados na tabela 2.

Tabela 2
Análise comparativa do escore médio geral e por subdomínios do NEI-VFQ 25 entre idosos caidores e não caidores

Quando comparamos o grupo de caidores com não caidores, 10 subdomínios apresentaram escores mais baixos entre os caidores, destes, além do escore geral, mais quatro subdomínios avaliados no NEI-VFQ 25 apresentaram significância estatística: atividades para perto (p=0,0299), atividades para longe (p=0,0104), saúde mental (p=0,0001) e dependência (p=0,0008).

Somente 3 (7,89%) dos participantes deste estudo responderam as questões referentes ao subdomínio capacidade de dirigir, os demais relataram não realizar esta atividade, sendo assim estes dados não apresentaram significância estatística para este estudo e, portanto, não foram apresentados na tabela 2.

DISCUSSÃO

A avaliação da QV é amplamente aceita para analisar os efeitos de diversas doenças e seus tratamentos, incluindo os problemas visuais. Os efeitos das doenças do sistema visual sobre a qualidade de vida apresentam um interesse crescente, e desde 2001 os estudos no Brasil utilizam o NEI-VFQ 25 para este fim, já que o mesmo aborda não somente a questão visual como também a sua influência sobre vários outros aspectos relacionados à QV além de ser um instrumento de fácil aplicação.

No grupo estudado foi possível observar que os escores tanto geral quanto por subdomínios foram em sua maioria, de médios a baixos, o que coincide com resultados encontrados em outros estudos (22 Chatziralli IP, Sergentanis TN, Peponis VG, Papazisis LE, Moschos MM. Risk factors for poor vision-related quality of life among cataract patients. Evaluation of baseline data. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol. 2013; 251(3):783-9.,1515 Mello PR, Roma AC, Júnior HV. Análise da qualidade de vida de portadores de uveítes de causas infecciosas e não infecciosas pelo questionário NEI-VFQ-25. Arq Bras Oftalmol. 2008;71(6): 847-54.,1919 Kurna SA, Altun A, Gencaga T, Akkaya S, Sengor T. Vision related quality of life in patients with keratoconus. J Ophthalmol. 2014:694542.,2020 Lord SR, Dayhew J. Visual risk factors for falls in older people. J Am Geriatr Soc. 2001;49(5):508-15.) que indicam que a diminuição da acuidade visual interfere negativamente na QV.

Comprometimentos visuais prejudicam as atividades e a participação social dos idosos, uma vez que geram menor comunicação visual, dependência e restrição de mobilidade (77 Menezes RL, Bachion MM. Condições visuais autorrelatadas e quedas em idosos institucionalizados. Rev Bras Oftalmol. 2012;71(1):23-7.,2121 Marback R, Temporini E, Kara Júnior N. Emotional factors prior to cataract surgery. Clinics. 2007;62(4):433-8.). Idosos que sofreram quedas apresentaram ser ainda mais dependentes quando comparados aos que não caíram. A dependência como resultado de eventos adversos em fases mais avançadas da vida, como na velhice, se torna ainda mais relevantes (2222 Silva A, Almeida GJ, Casilhas RC, Cohen M, Peccin MS, Tufik S, et al. Equilíbrio, coordenação e agilidade de idosos submetidos à prática de exercícios físicos resistidos. Rev Bras Med Esporte. 2008;14(2):88-93.). Estudos (2323 Abdelhafiz AH, Austin CA. Visual factors should be assessed in older people presenting with falls or hip fracture. Age Ageing. 2003;32(1):26-30.,2424 Fhon JR, Wehbe SC, Vendruscolo TR, Stackfleth R, Marques S, Rodrigues RA. Accidental falls in the elderly and their relation with functional capacity. Rev Latino-Am Enfermagem. 2012;20(5):927-34.) que associam deficits visuais com a queda indicam que este evento adverso pode interferir na capacidade funcional do idoso, dificultando a realização de suas atividades básicas e instrumentais de vida diária, e afetando diretamente a qualidade de vida desta população (2525 Oliveira F, Silva LM, Muccioli C, Soriano ES, Freitas LL, Belfort Júnior R. Qualidade de vida de pacientes pseudofácicos submetidos à cirurgia de catarata com implante de lente intraocular acomodativa. Arq Bras de Oftalmol. 2004;67(3):469-74.).

Outro fator relevante observado foi o comprometimento da saúde mental principalmente em idosos caidores. O fato de se tornar dependente faz com que o idoso se sinta muitas vezes desvalorizado, podendo resultar no desenvolvimento de problemas psicológicos e na baixa qualidade de vida (2626 Borges MR, Moreira AK. Influências da prática de atividades físicas na terceira idade: estudo comparativo dos níveis de autonomia para o desempenho nas AVDs e AIVDs entre idosos ativos fisicamente e idosos sedentários. Motriz Rev Educ Fís. 2009;15(3):562-73.,2727 Ozcan A, Donat H, Gelecek N, Ozdirenc M, Karadibak D. The relationship between risk factors for falling and the quality of life in older adults. BMC Public Health. 2005;5:90.). Assim como a diminuição na autoconfiança, a baixa autoestima e o medo de cair desencadeados após as quedas são sentimentos que norteiam o idoso após o acidente (2828 Harwood RH, Foss AJ, Osborn F, Gregson RM, Zaman A, Masud T. Falls and health status in elderly women following first eye cataract surgery: a randomised controlled trial. Br J Ophthalmol. 2005;89(1):53-9.). O medo de cair e as quedas são síndromes comuns com resultados potencialmente graves entre os idosos (2929 Brannan S, Dewar C, Sen J, Clarke D, Marshall T, Murray PI. A prospective study of the rate of falls before and after cataract surgery. Br J Ophthalmol. 2003;87(5):560-2.).

A correção cirúrgica da catarata apresenta impacto positivo na qualidade da visão, possibilitando aos pacientes executarem bem atividades habituais (3030 Ribeiro JE, Freitas MM, Araújo GS, Rocha TH. Associação entre aspectos depressivos e déficit visual causado por catarata em pacientes idosos. Arq Bras Oftalmol. 2004;67(5):795-9.) e laborativas (3131 Kara Junior N, Santhiago MR, Parede TR, Espindola RF, Mazurek MG, Germano R, et al. Influência da correção cirúrgica da catarata na percepção laborativa. Arq Bras Oftalmol. 2010;73(6):491-3.) , assim como reduz a ocorrência de quedas, especialmente após a cirurgia do primeiro olho (3232 Carvalho EM, Garcês JR, Menezes RL, Silva EC. O olhar e o sentir do idoso no pós-queda. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2010;13(1):7-16.,3333 Friedman SM, Munoz B, West SK, Rubin GS, Fried LP. Falls and fear of falling: which comes first? A longitudinal prediction model suggests strategies for primary and secondary prevention. J Am Geriatr Soc. 2002;50(8):1329-35.). Intervenções educativas em saúde ocular a respeito de causas e tratamento da catarata senil devem ser incentivadas, uma vez que pacientes com origem sociocultural desprivilegiada podem apresentar concepções falsas dos reais benefícios da intervenção (3434 Temporini ER, Kara Junior N, José NK, Holzchuh N. Popular beliefs regarding the treatment of senile cataract. Rev Saúde Pública. 2002;36(3):343-9.).

Presença de aspectos depressivos é comum em idosos com baixa acuidade visual causada por catarata, e a melhora destas alterações emocionais é vista também com o implemento da visão após a cirurgia (2121 Marback R, Temporini E, Kara Júnior N. Emotional factors prior to cataract surgery. Clinics. 2007;62(4):433-8.,3333 Friedman SM, Munoz B, West SK, Rubin GS, Fried LP. Falls and fear of falling: which comes first? A longitudinal prediction model suggests strategies for primary and secondary prevention. J Am Geriatr Soc. 2002;50(8):1329-35.).

Desse modo, vemos que aspectos da QVRS podem ser impactados negativamente pela queda, o que nos faz refletir e entender a importância da prevenção deste evento principalmente nesta população já exposta pelo deficit visual.

Estes achados devem ser entendidos dentro das limitações deste estudo, que além de tratar-se de uma amostra pequena, não comparou pessoas da mesma faixa etária sem alterações visuais. Recomenda-se a continuidade deste estudo, aumentando a população estudada e traçando outras correlações de variáveis que possam influenciar na QVRS.

CONCLUSÃO

Os dados do presente estudo indicam que a QVRS dos idosos com catarata e que sofreram quedas é pior, estando intimamente ligada à função visual e principalmente as questões de saúde mental e a dependência para a realização de diversas atividades. Embora os resultados deste estudo não possam ser extrapolados para a população geral devido às características da amostra, os dados aqui analisados correlacionam catarata e quedas como dois fatores relevantes para a piora da QV, tornando a elaboração de estratégias para prevenção de quedas e o tratamento e/ou correção do deficit visual imposto pela catarata, importantes para evitar prejuízos funcionais e psicossociais futuros.

  • Trabalho realizado na Universidade de Brasília - Campus Ceilândia (DF), Brasil.

AGRADECIMENTOS

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Edital Universal MCT/CNPq - Faixa A - número 480434/2011-5; Apoio à pesquisa a novos docentes: Decanato de pesquisa e pós-graduação (DPP/UnB) - Edital 10/2011.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2016

Histórico

  • Recebido
    16 Set 2015
  • Aceito
    27 Out 2015
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