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Miíase na topografia de saco lacrimal

RESUMO

A miíase é a infestação dos tecidos humanos por larvas Diptera. O comprometimento ocular é raro. Os autores apresentam um caso de miíase na topografia do saco lacrimal e discutem as modalidades terapêuticas para o tratamento desta doença.

Descritores:
Saco lacrimal/patologia; Miíase/terapia; Relato de casos

ABSTRACT

Myiasis is the invasion of human tissues by Diptera larvae. Ocular involvement is rare. The objective of this paper is to report a case of myiasis in the topography of the lacrimal sac and discuss current treatments for this disease.

Keywords:
Lacrimal sac/pathology; Myiasis/therapy; Case reports

INTRODUÇÃO

Miíase é uma zoonose caracterizada pela infestação de tecidos vivos ou mortos de vertebrados em estágios larvais de certas moscas dipteras e que afeta uma grande variedade de animais.A miíase humana atinge principalmente indivíduos de áreas rurais, como pastores e agricultores(11 Abdellatif MZ, Elmazar HM, Essa AB. Oestrus ovis as a cause of red eye in Aljabal Algharbi, Libya. Middle East Afr J Ophthalmol. 2011; 18 (4): 305-8.). Essa doença já foi relatada em várias regiões do mundo(22 Sucilathangam G, Meenakshisundaram A, Hariramasubramanian S, Anandhi D, Palaniappan N, Anna T. External ophthalmomyiasis which was caused by sheep botfly (oestrus ovis) larva: a report of 10 cases. J Clin Diagn Res. 2013; 7 (3): 539-42.).

Existem dois tipos principais de miíase: a externa e a interna. A miíase externa inclui a cutânea, que é a mais comum, a ocular e a auditiva. Já a miíase interna inclui a infestação gástrica, intestinal e urogenital(33 White GB. Myiasis Cook GC, editors. Manson's tropical diseases, 20th ed. Oxford: Saunders; 1996. p.1755.).

O envolvimento ocular é incomum, mas quando ocorre, a miíase conjuntival é a sua expressão mais frequente(44 Corrin R, Scholten T, Earle J. Ocular myiasis: mobile conjunctival foreign body. Can Med Assoc J. 1985; 132(11):1291-2.).

Os autores apresentam relato de um caso de miíase na topografia do saco lacrimal sem história de trauma na região, simulando dacriocistite.

RELATO DE CASO

JVC, 38 anos, pedreiro, deu entrada no serviço de pronto socorro com queixa de desconforto na região de saco lacrimal OD havia 7 dias. Relatava piora progressiva dos sintomas. A ectoscopia apresentava lesão nodular endurecida e hiperemiada na região do saco lacrimal, com fístula, sem saída de secreção e leve dor à palpação.

Suspeitou-se de dacriocistite aguda e o paciente foi tratado com cefalexina 500 mg (via oral) de 6 em 6 horas por 5 dias e compressas mornas.

Não foram realizados exames complementares. O paciente retornou sem melhora do quadro clínico e referiu sensação de algo se movendo no local.

Optou-se pela realização de uma abordagem no centro cirúrgico. Foi realizada uma infiltração de 3,0 ml de lidocaína (Xylocaína ®) no local da lesão e aplicada lidocaína (Xylocaína ®) gel no óstio da lesão o que provocou a saída de uma larva pelo orifício na região do saco lacrimal (figuras 1 e 2).

Figura 1
Infiltração de lidocaína onde se detecta a cabeça da larva saindo pelo orifício na topografia do saco lacrimal direito
Figura 2
Detalhe da larva removida na topografia do saco lacrimal

DISCUSSÃO

Os primeiros relatos de miíases no homem e demais animais datam do século XVI na região neotropical(55 Guimarães JH, Papavero N. Myiases in men and animals in the neotropical region. Bibliographic Database. São Paulo: Editora Plêiade; 1999.). As miíases podem ser classificadas de acordo com a localização bem como em termos parasitológicos baseados na relação parasita-hospedeiro.

Várias espécies de moscas têm relevância médica por infectarem o ser humano. Dentre elas, no Brasil, destacam-se a Cochliomya hominivorax, a Cochliomia macellaria e a Dermatobia hominis(66 Marquez AT, Mattos MS, Nascimento SB. Miíases associadas com alguns fatores sócio-econômicos em cinco áreas urbanas do Estado do Rio de Janeiro. Rev Soc Med Trop. 2007;40(2):175-80.).

A oftalmomiíase é composta de miíases do globo ocular e conjuntivais. Essa apresentação tem como principais sintomas, dor intensa, edema, hiperemia conjuntival, sensação de corpo estranho e abundante secreção lacrimal(77 Donoso Barros R. Myiasis humana em Chile. Consideraciones clínicas y epidemiológicas. Rev Chil Hig Med Prevent. 1947;9(1):3-40.). O diagnóstico é fundamentalmente clínico.

A infecção parasitária do aparelho lacrimal é rara(88 Saraiva FP, Fernandes JB, Tomikawa VO, Costa PG, Matayoshi S. Ophthalmomyiasis as a cause of canalicular lesion. J Pediatr (Rio J). 2005;81(1):85-7.). Apesar de incomum, a oftalmomiíase deve ser considerada como um diagnóstico possível em celulites não responsivas ao tratamento convencional, especialmente em áreas endêmicas.

O tratamento consiste basicamente na eliminação das larvas, quer seja ela mecânica ou química, mediante o emprego de medicamentos ou substâncias anestésicas(66 Marquez AT, Mattos MS, Nascimento SB. Miíases associadas com alguns fatores sócio-econômicos em cinco áreas urbanas do Estado do Rio de Janeiro. Rev Soc Med Trop. 2007;40(2):175-80.).

A lidocaína é uma substância levemente ácida, com ph variando entre 4,5 a 6,0. Desse modo, age como um agente extremamente irritante para as larvas, provocando a saída destas do local onde se encontram(99 Wannmacher L, Ferreira MBC. Farmacologia clínica para dentistas. 2a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogam; 1999.).

Nas miíases furunculóides (berne) são contraindicadas as manobras de expressão da lesão, tendo em vista que o parasita resistirá à custa de ganchos orais fixados aos tecidos. Desse modo, medidas intempestivas provocam, quase sempre, a fragmentação do organismo parasitário, propiciando supuração local e infecção grave(1010 Woiffenbuttei E. As várias formas de miíases no homem. Sua profilaxia e seus diferentes tratamentos (comprovados e a serem experimentados). Rev Bras Med.1953;10(2):135-9.).

Em alguns casos, a infestação pode ser massiva com comprometimento de toda a órbita, estendendo-se para as estruturas vizinhas como os seios paranasais, o que dificulta a remoção mecânica das larvas(1111 Melendez JA, Bison SH, Vital Filho J. Miíase órbito-maxilo-bucal: relato de caso. Arq Bras Oftalmol. 1995;58(3):204-5.).

Nestes casos, a miíase pode ser tratada eficazmente também com um agente antiparasitário de amplo espectro, a ivermectina, reduzindo assim a dimensão necessidade da cirurgia exploratória(1212 Puthran N, Hegde V, Anupama B, Andrew S. Ivermectin treatment for massive orbital myiasis in an empty socket with concomitant scalp pediculosis. Indian J Ophthalmol. 2012; 60 (3): 225-7.). Desde 1993, esse medicamento foi considerado seguro para o uso humano, quando ministrado oralmente na dosagem única de 300 microgramas/kg(1313 Martin-Prevel Y, Cosnefroy JI, Tshipampa P, Ngari P, Chodakewitz JA, Pinder M. Tolerance and efficacy of single high-dose invermectin for treatment of miiasis. Am J Trop Med Hyg. 1993; 48(2):186-92.).

  • Trabalho realizado no Departamento de oftalmologia e Ciências Visuais da Universidade Federal de São (UNIFESP) e Escola Paulista de Medicina

REFERÊNCIAS

  • 1
    Abdellatif MZ, Elmazar HM, Essa AB. Oestrus ovis as a cause of red eye in Aljabal Algharbi, Libya. Middle East Afr J Ophthalmol. 2011; 18 (4): 305-8.
  • 2
    Sucilathangam G, Meenakshisundaram A, Hariramasubramanian S, Anandhi D, Palaniappan N, Anna T. External ophthalmomyiasis which was caused by sheep botfly (oestrus ovis) larva: a report of 10 cases. J Clin Diagn Res. 2013; 7 (3): 539-42.
  • 3
    White GB. Myiasis Cook GC, editors. Manson's tropical diseases, 20th ed. Oxford: Saunders; 1996. p.1755.
  • 4
    Corrin R, Scholten T, Earle J. Ocular myiasis: mobile conjunctival foreign body. Can Med Assoc J. 1985; 132(11):1291-2.
  • 5
    Guimarães JH, Papavero N. Myiases in men and animals in the neotropical region. Bibliographic Database. São Paulo: Editora Plêiade; 1999.
  • 6
    Marquez AT, Mattos MS, Nascimento SB. Miíases associadas com alguns fatores sócio-econômicos em cinco áreas urbanas do Estado do Rio de Janeiro. Rev Soc Med Trop. 2007;40(2):175-80.
  • 7
    Donoso Barros R. Myiasis humana em Chile. Consideraciones clínicas y epidemiológicas. Rev Chil Hig Med Prevent. 1947;9(1):3-40.
  • 8
    Saraiva FP, Fernandes JB, Tomikawa VO, Costa PG, Matayoshi S. Ophthalmomyiasis as a cause of canalicular lesion. J Pediatr (Rio J). 2005;81(1):85-7.
  • 9
    Wannmacher L, Ferreira MBC. Farmacologia clínica para dentistas. 2a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogam; 1999.
  • 10
    Woiffenbuttei E. As várias formas de miíases no homem. Sua profilaxia e seus diferentes tratamentos (comprovados e a serem experimentados). Rev Bras Med.1953;10(2):135-9.
  • 11
    Melendez JA, Bison SH, Vital Filho J. Miíase órbito-maxilo-bucal: relato de caso. Arq Bras Oftalmol. 1995;58(3):204-5.
  • 12
    Puthran N, Hegde V, Anupama B, Andrew S. Ivermectin treatment for massive orbital myiasis in an empty socket with concomitant scalp pediculosis. Indian J Ophthalmol. 2012; 60 (3): 225-7.
  • 13
    Martin-Prevel Y, Cosnefroy JI, Tshipampa P, Ngari P, Chodakewitz JA, Pinder M. Tolerance and efficacy of single high-dose invermectin for treatment of miiasis. Am J Trop Med Hyg. 1993; 48(2):186-92.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2016

Histórico

  • Recebido
    24 Jun 2014
  • Aceito
    04 Ago 2014
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