Acessibilidade / Reportar erro

Abscesso subperiosteal com extensão epidural devido à rinossinusite aguda em criança de dez anos

RESUMO

A rinossinusite aguda é uma das afecções mais prevalentes das vias aéreas superiores. Fatores anatômicos presentes em crianças e jovens propiciam o aparecimento de complicações orbitárias. Embora mais raras, as complicações intracranianas das rinossinusites perfazem um grau alto de letalidade, são mais comuns em pacientes acima de sete anos, e devem ser tratadas por uma equipe multidisciplinar.

Descritores:
Sinusite/diagnóstico; Abscesso epidural/terapia; Abscesso/diagnóstico; Celulite orbitária/complicações; Órbita/ cirurgia; Relatos de casos

ABSTRACT

Acute rhinosinusitis is one of the most prevalent diseases of the upper airways. Anatomical factors present in children and young people allow for the onset of orbital complications. Although rare, intracranial complications of sinusitis account for a high degree of lethality, are more common in patients over the age of seven, and should be treated by a multidisciplinary team.

Keywords:
Sinusitis/diagnosis; Epidural abscess/therapy; Abscess/diagnosis; Orbital cellulitis/complications; Orbit/surgery; Case reports

INTRODUÇÃO

A rinossinusite (RS) é caracterizada pela inflamação da mucosa do nariz e seios paranasais demonstrando-se como uma das afecções mais prevalentes das vias aéreas superiores podendo estar associada a diversos fatores como infecções, alergias, disfunções da mucosa dentre outros (11 Velasco e Cruz AA, Demarco RC, Valera FCP, Santos AC, Anselmo-Lima WT, Marquezini RMS. Complicações orbitárias da rinossinusite aguda: uma nova classificação. Rev Bras Otorrinolaringol 2007;73(5):684-8.,22 Mekhitarian Neto L, Pignatari S, Mitsuda S, Fava AS, Stamm A. Sinusite aguda em crianças: estudo retrospectivo de complicações orbitárias. Rev Bras de Otorrinolaringol 2007;73(1):81-5.).

As complicações orbitárias são as mais comuns das RS agudas principalmente em decorrência de fatores anatômicos (11 Velasco e Cruz AA, Demarco RC, Valera FCP, Santos AC, Anselmo-Lima WT, Marquezini RMS. Complicações orbitárias da rinossinusite aguda: uma nova classificação. Rev Bras Otorrinolaringol 2007;73(5):684-8.

2 Mekhitarian Neto L, Pignatari S, Mitsuda S, Fava AS, Stamm A. Sinusite aguda em crianças: estudo retrospectivo de complicações orbitárias. Rev Bras de Otorrinolaringol 2007;73(1):81-5.
-33 Diretrizes Brasileiras de Rinossinusites. Rev Bras Otorrinolaringol 2008;74(2):6-59.) sendo mais comum entre crianças e jovens (11 Velasco e Cruz AA, Demarco RC, Valera FCP, Santos AC, Anselmo-Lima WT, Marquezini RMS. Complicações orbitárias da rinossinusite aguda: uma nova classificação. Rev Bras Otorrinolaringol 2007;73(5):684-8.,22 Mekhitarian Neto L, Pignatari S, Mitsuda S, Fava AS, Stamm A. Sinusite aguda em crianças: estudo retrospectivo de complicações orbitárias. Rev Bras de Otorrinolaringol 2007;73(1):81-5.). A urgência no diagnóstico e tratamento é justificada pelos déficits visuais irreversíveis além do acometimento ósseo e neurológico com potencial de morbimortalidade expressivos (11 Velasco e Cruz AA, Demarco RC, Valera FCP, Santos AC, Anselmo-Lima WT, Marquezini RMS. Complicações orbitárias da rinossinusite aguda: uma nova classificação. Rev Bras Otorrinolaringol 2007;73(5):684-8.,44 Souza LA, Verde RCL, Lessa BF, Lima CMF, Lessa MM, Lessa HA. Complicação Orbital e Intracraniana Devido à Rinossinusite Aguda: Relato de Caso. Arq Int Otorrinolaringol 2011;15(2):241-4.).

Este relato visa apresentar quadro clínico, imagem e terapêutica de um caso de abscesso subperiosteal (ASP) com extensão epidural em paciente com rinossinusite aguda e a importância da abordagem multidisciplinar.

RELATO DE CASO

Paciente, sexo feminino, 10 anos, deu entrada em uma unidade de emergência da cidade de Salvador - BA, pelo Setor de Pediatria, com queixa de edema no olho esquerdo há 5 dias em uso de colírio (associação de dexametasona e cloridrato de ciprofloxacino). Ao exame pediátrico, apresentava-se afebril com edema, rubor e calor na pálpebra superior esquerda. Houve suspeita diagnóstica de celulite orbitária, foi solicitado o internamento e iniciado uso de antibioticoterapia sistêmica (oxacilina, ceftriaxona e metronidazol), corticoterapia (hidrocortisona) e analgesia (dipirona). Após dois dias sem melhoras, foi solicitada a avaliação de um oftalmologista.

No exame oftalmológico, o paciente apresentou acuidade visual no olho direito igual a 0,4 sem correção e o olho esquerdo impossibilitado devido ao edema importante em pálpebra superior esquerda, associado ao rubor e calor local, doloroso à palpação. O paciente apresentava ainda quemose acentuada, o que impedia a avaliação da motilidade ocular e do segmento anterior do olho esquerdo (Figura 1). O mapeamento de retina do olho direito não apresentou alterações. Dada a suspeita de ASP, foi solicitada a tomografia computadorizada de crânio e face.

Figura 1
Olho esquerdo com edema importante em pálpebra superior, associado a rubor e calor locais.

A tomografia computadorizada demonstrou imagem sugestiva de ASP com extensão epidural e preenchimento de seios frontal, etmoidal e maxilares (Figura 2).

Figura 2
Imagem sugestiva de ASP com extensão epidural e preenchimento de seios frontal, etmoidal e maxilares

Foi realizada a drenagem cirúrgica em conjunto com neurocirurgia. O acesso cirúrgico foi por incisão supraciliar esquerda. O acompanhamento pós-operatório da paciente foi feito ambulatorialmente em Salvador, nos serviços de otorrinolaringologia e oftalmologia do Hospital Universitário Professor Edgard Santos (HUPES) e no setor de oculoplástica do Instituto Brasileiro de Prevenção à Cegueira (IBOPC) até a resolução do quadro (Figura 3).

Figura 3
Resolução do quadro.

DISCUSSÃO

O caso de RS aqui apresentado, relata o diagnóstico e tratamento de uma paciente do sexo feminino e 10 anos.

Dentre todas as complicações de RS, as orbitárias são as mais prevalentes em decorrência, principalmente, de fatores anatômicos como: a íntima relação entre o conteúdo orbitário e o labirinto etmoidal, a ocorrência de deiscências congênitas no assoalho da órbita e na lâmina papirácea e a tromboflebite das veias oftálmicas, facilitada pela inexistência de válvulas nesse sistema venoso, que permite uma livre circulação entre a face, cavidade nasal, seios paranasais, órbita e região pterigoidal.(33 Diretrizes Brasileiras de Rinossinusites. Rev Bras Otorrinolaringol 2008;74(2):6-59.,55 Herrmann BW, Forsen Jr JW. Simultaneous intracranial and orbital complications of acute rhinosinusitis in children. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2004; 68(5):619-25.

6 Reid JR. Complications of pediatric paranasal sinusitis. Pediatr Radiol. 2004; 34(12):933-42.
-77 Howe L, Jones NS. Guidelines for the management of periorbital cellulitis/abscess. Clin Otolaryngol Allied Sci. 2004; 29(6):725-8.)

Tais fatores são mais comuns na população com faixa etária juvenil e do sexo masculino. Acredita- se que nesta faixa etária esteja a maior incidência de episódios recorrentes de infecção das vias aéreas superiores (IVAS) e da presença do osso diploico com maior grau de vascularização na parede dos seios (44 Souza LA, Verde RCL, Lessa BF, Lima CMF, Lessa MM, Lessa HA. Complicação Orbital e Intracraniana Devido à Rinossinusite Aguda: Relato de Caso. Arq Int Otorrinolaringol 2011;15(2):241-4.).

A classificação mais utilizada para as infecções orbitárias secundárias às sinusites é a de Chandler (77 Howe L, Jones NS. Guidelines for the management of periorbital cellulitis/abscess. Clin Otolaryngol Allied Sci. 2004; 29(6):725-8.), publicada em 1970, que divide as celulites orbitárias nas seguintes categorias: edema inflamatório; celulite orbitária; abscesso subperiosteal; abscesso da órbita e trombose do seio cavernoso. Entretanto, após o advento da tomografia computadorizada, alguns autores passaram a sugerir uma nova classificação das complicações orbitárias secundárias a rinossinusites: celulite orbitária; abscesso subperiosteal e abscesso orbitário.(11 Velasco e Cruz AA, Demarco RC, Valera FCP, Santos AC, Anselmo-Lima WT, Marquezini RMS. Complicações orbitárias da rinossinusite aguda: uma nova classificação. Rev Bras Otorrinolaringol 2007;73(5):684-8.,88 Chandler JC, Lagenbrunner DL, Stevens ER. The pathogenesis of orbital complications in acute sinusitis. Laryngoscope 1970;80:1414-18.,99 Pereira FJ, Velasco e Cruz AA, Anselmo-Lima WT, Elias Júnior J. Computed tomographic patterns of orbital cellulitis due to sinusitis. Arq. Bras. Oftalmol. 2006; 69(4):513-8.)

Pela classificação baseada em achados tomográficos, a celulite orbitária é caracterizada por infiltração extra e intraconal sem limites bem definidos. O abscesso subperiosteal é definido por elevação da periórbita de, no mínimo, uma parede óssea adjacente ao seio paranasal enquanto o abscesso orbitário é representado por uma densidade heterogênea delimitada dentro da gordura orbitária (geralmente com formato circular). (11 Velasco e Cruz AA, Demarco RC, Valera FCP, Santos AC, Anselmo-Lima WT, Marquezini RMS. Complicações orbitárias da rinossinusite aguda: uma nova classificação. Rev Bras Otorrinolaringol 2007;73(5):684-8.,99 Pereira FJ, Velasco e Cruz AA, Anselmo-Lima WT, Elias Júnior J. Computed tomographic patterns of orbital cellulitis due to sinusitis. Arq. Bras. Oftalmol. 2006; 69(4):513-8.)

Considerando a classificação proposta, o caso aqui relatado, trata-se de um ASP com extensão epidural em decorrência de RS. Abscessos subperiosteais da órbita são capazes de rápida progressão e extensão intracraniana.(1010 Moloney JR, Badham NJ, McRae A. The acute orbit. Preseptal (periorbital) cellulitis, subperiosteal abscess and orbital cellulitis due to sinusitis. J Laryngol Otol Suppl 1987;12:1-18.,1111 Rubinstein JR, Handler SD. Orbital and periorbital cellulitis in children. Head Neck Surg 1982;5:15-21.) O paciente com ASP geralmente apresenta edema palpebral, quemose, proptose não-axial além de inflamação da conjuntiva, dor e restrição da motilidade ocular, o que condiz com achados clínicos da paciente em questão. (33 Diretrizes Brasileiras de Rinossinusites. Rev Bras Otorrinolaringol 2008;74(2):6-59.,44 Souza LA, Verde RCL, Lessa BF, Lima CMF, Lessa MM, Lessa HA. Complicação Orbital e Intracraniana Devido à Rinossinusite Aguda: Relato de Caso. Arq Int Otorrinolaringol 2011;15(2):241-4.)

Embora mais raras, as complicações intracranianas que perfazem um grau alto de letalidade, são mais comuns em pacientes acima de 7 anos, e podem estar presentes, de forma silenciosa, em 15% dos casos. A sua apresentação se faz através de meningite, abscesso epidural, empiema subdural, trombose dos seios venosos e abscesso cerebral. Nos casos de afecções simultâneas, aumenta o risco de morte, por isso a decisão terapêutica tem que ser agressiva.(22 Mekhitarian Neto L, Pignatari S, Mitsuda S, Fava AS, Stamm A. Sinusite aguda em crianças: estudo retrospectivo de complicações orbitárias. Rev Bras de Otorrinolaringol 2007;73(1):81-5.,44 Souza LA, Verde RCL, Lessa BF, Lima CMF, Lessa MM, Lessa HA. Complicação Orbital e Intracraniana Devido à Rinossinusite Aguda: Relato de Caso. Arq Int Otorrinolaringol 2011;15(2):241-4.,55 Herrmann BW, Forsen Jr JW. Simultaneous intracranial and orbital complications of acute rhinosinusitis in children. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2004; 68(5):619-25.,1212 Jones NS, Walker JL, Bassi S, Jones T, Punt J. The intracranial complications of rhinosinusitis: can they be prevented ?. Laryngoscope. 2002; 112(1):59-63. Garcia GH, Harris GJ. Criteria for nonsurgical management of subperiosteal abscess of the orbit. Oph)

Em função das complicações de RS citadas, recomenda-se a atuação interdisciplinar de pediatras, clínicos gerais, otorrinolaringologistas, radiologistas e neurocirurgiões, haja vista sua rápida progressão e por vezes necessidade precoce de intervenção, já que a mortalidade pode chegar a 5% dos casos.(11 Velasco e Cruz AA, Demarco RC, Valera FCP, Santos AC, Anselmo-Lima WT, Marquezini RMS. Complicações orbitárias da rinossinusite aguda: uma nova classificação. Rev Bras Otorrinolaringol 2007;73(5):684-8.,13)

O tratamento das RS complicadas consiste em internação hospitalar, antibioticoterapia de largo espectro e um acompanhamento multidisciplinar com os serviços de oftalmologia, otorrinolaringologia e neurocirurgia, como explicitado acima e efetuado neste caso. Sabe-se que a intervenção cirúrgica é mandatória em pacientes com abscesso, sem melhora após tratamento clínico ou que apresentem pelo menos um dos seguintes critérios: idade maior ou igual a nove anos; sinusite frontal; ASP não medial; grande ASP; suspeita de infecção subperiosteal por anaeróbios; recorrência de ASP após drenagem prévia; evidência de sinusite crônica; comprometimento agudo do nervo óptico ou da retina; infecção de origem dentária.(44 Souza LA, Verde RCL, Lessa BF, Lima CMF, Lessa MM, Lessa HA. Complicação Orbital e Intracraniana Devido à Rinossinusite Aguda: Relato de Caso. Arq Int Otorrinolaringol 2011;15(2):241-4.,13)

Concluindo, as RS podem provocar graves complicações, mais frequentemente nas órbitas em decorrência da íntima relação destas com os seios paranasais. O envolvimento orbitário e intracraniano simultaneamente é extremamente raro e, devido à taxa de morbimortalidade aumentada nestes casos, a abordagem multidisciplinar deve ser o mais precoce e organizada possível.

  • Trabalho realizado em: Instituto Brasileiro de Oftalmologia para Prevenção da Cegueira - IBOPC - Bahia

REFERÊNCIAS

  • 1
    Velasco e Cruz AA, Demarco RC, Valera FCP, Santos AC, Anselmo-Lima WT, Marquezini RMS. Complicações orbitárias da rinossinusite aguda: uma nova classificação. Rev Bras Otorrinolaringol 2007;73(5):684-8.
  • 2
    Mekhitarian Neto L, Pignatari S, Mitsuda S, Fava AS, Stamm A. Sinusite aguda em crianças: estudo retrospectivo de complicações orbitárias. Rev Bras de Otorrinolaringol 2007;73(1):81-5.
  • 3
    Diretrizes Brasileiras de Rinossinusites. Rev Bras Otorrinolaringol 2008;74(2):6-59.
  • 4
    Souza LA, Verde RCL, Lessa BF, Lima CMF, Lessa MM, Lessa HA. Complicação Orbital e Intracraniana Devido à Rinossinusite Aguda: Relato de Caso. Arq Int Otorrinolaringol 2011;15(2):241-4.
  • 5
    Herrmann BW, Forsen Jr JW. Simultaneous intracranial and orbital complications of acute rhinosinusitis in children. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2004; 68(5):619-25.
  • 6
    Reid JR. Complications of pediatric paranasal sinusitis. Pediatr Radiol. 2004; 34(12):933-42.
  • 7
    Howe L, Jones NS. Guidelines for the management of periorbital cellulitis/abscess. Clin Otolaryngol Allied Sci. 2004; 29(6):725-8.
  • 8
    Chandler JC, Lagenbrunner DL, Stevens ER. The pathogenesis of orbital complications in acute sinusitis. Laryngoscope 1970;80:1414-18.
  • 9
    Pereira FJ, Velasco e Cruz AA, Anselmo-Lima WT, Elias Júnior J. Computed tomographic patterns of orbital cellulitis due to sinusitis. Arq. Bras. Oftalmol. 2006; 69(4):513-8.
  • 10
    Moloney JR, Badham NJ, McRae A. The acute orbit. Preseptal (periorbital) cellulitis, subperiosteal abscess and orbital cellulitis due to sinusitis. J Laryngol Otol Suppl 1987;12:1-18.
  • 11
    Rubinstein JR, Handler SD. Orbital and periorbital cellulitis in children. Head Neck Surg 1982;5:15-21.
  • 12
    Jones NS, Walker JL, Bassi S, Jones T, Punt J. The intracranial complications of rhinosinusitis: can they be prevented ?. Laryngoscope. 2002; 112(1):59-63. Garcia GH, Harris GJ. Criteria for nonsurgical management of subperiosteal abscess of the orbit. Oph

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    10 Jan 2015
  • Aceito
    01 Mar 2015
Sociedade Brasileira de Oftalmologia Rua São Salvador, 107 , 22231-170 Rio de Janeiro - RJ - Brasil, Tel.: (55 21) 3235-9220, Fax: (55 21) 2205-2240 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rbo@sboportal.org.br