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Lentigo maligno na face: um desafio na conduta

Resumo

O lentigo maligno é um melanoma in situ, de crescimento radial e lento, que acomete áreas fotoexpostas principalmente em idosos. Quando acomete a pálpebra, devido à proximidade a um órgão nobre, a conduta é controversa, porém a cirurgia é o método mais usado, com margens que variam de acordo com a referência utilizada. Terapias conservadoras são descritas, como o imiquimode 5% e a radioterapia. O presente relato tem como objetivo demonstrar a escassez de estudos sobre a margem cirúrgica e citar opções de tratamentos não cirúrgicos para o lentigo maligno da face.

Descritores:
Melanoma/patologia; Sarda melanótica de Hutchinson/patologia; Neoplasias faciais; Neoplasias cutâneas/diagnóstico; Idoso; Relatos de casos

Abstract

Lentigo maligna is a melanoma in situ, of slow radial growth, which affects sun-exposed areas, especially in the elderly. When it affects the eyelid, due to the proximity to a noble organ, the conduct is controversial, but surgery is the method most commonly used, with with margins varying according to the reference used. Conservative treatments are described, such as imiquimod 5% and radiotherapy. This report aims to demonstrate the lack of studies on the surgical margin, and to name nonsurgical treatment options for lentigo maligna of the face.

Keywords:
Melanoma/pahology; Hutchinson's melanotic freckle/pathology; Facial neoplasms/diagnosis; Skin neoplasms/diagnosis; Aged; Case reports

Introdução

termo "melanoma in situ" foi usado pela primeira vez em 1949 por Lever, mas apenas em 1992 essa classificação foi oficialmente reconhecida como categoria diagnóstica dos melanomas. No melanoma in situ, as células neoplásicas estão confinadas à epiderme e ao epitélio anexial, não ultrapassando a camada basal dessas estruturas.(11 Wainstein AJ, Belfort FA. Melanoma: prevenção, diagnóstico, tratamento e acompanhamento. 2a ed. São Paulo: Atheneu; 2014.)

Dentre os melanomas in situ, existe o lentigo maligno (LM), que acomete áreas de intenso dano solar, preferencialmente cabeça e pescoço, com pico de incidência entre 65 e 80 anos de idade.(11 Wainstein AJ, Belfort FA. Melanoma: prevenção, diagnóstico, tratamento e acompanhamento. 2a ed. São Paulo: Atheneu; 2014.) Representa aproximadamente 80% de todos os melanomas in situ e pode ter evolução prolongada, até várias décadas, antes de evoluir para sua forma invasiva, que passaria a ser chamado de lentigo maligno melanoma (LMM).(22 Samaniego E, Redondo P. Lentigo maligno. Actas Dermosifiliogr. 2013;104(9):757-75.)

O tratamento de escolha é a cirurgia excisional, porém ainda existem controvérsias sobre o manejo devido às suas características peculiares: paciente de idade avançada, acometimento de regiões expostas com dano solar crônico, cirurgia com resultado estético/funcional adequado, dificuldade em delimitar as margens e recidiva comum após o tratamento.(22 Samaniego E, Redondo P. Lentigo maligno. Actas Dermosifiliogr. 2013;104(9):757-75.)

Quanto ao LM com acometimento da pálpebra, a conduta mostra-se ainda mais difícil, uma vez que há relação com um órgão nobre e a preocupação com sua funcionalidade.

Relato de caso

Paciente do sexo feminino, 70 anos, parda, aposentada, apresentava há cinco anos mácula acastanhada na pálpebra inferior do olho direito, assintomática, associada à mácula enegrecida acometendo conjuntiva bulbar (Figuras 1 a 3). À dermatoscopia, apresentava pseudo-rede irregular, estruturas romboidais e áreas de borrões (Figura 4). Foi submetida à biópsia incisional, sendo evidenciada ao exame histopatológico epiderme hiperplasiada e pigmentada, derrame de pigmento na derme superior, melanócitos atípicos e núcleos hipercromáticos em várias alturas da epiderme, invadindo o epitélio glandular (Figuras 5 a 7). Para complementação foi realizado exame imunohistoquímico, com positividade para os marcadores Melan-A, HMB-45 e S-100, sendo confirmado o diagnóstico de lentigo maligno. A paciente foi encaminhada aos serviços de Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Oftalmologia e Oncologia. Optou-se por cirurgia com margem ampla, exenteração alargada da órbita direita com olho sacrificado e reconstrução de retalho com músculo temporal.

Figuras 1 e 2
Presença de mácula acastanhada, com área central enegrecida, localizada na pálpebra inferior direita, região cantal lateral e terço lateral da pálpebra superior direita
Figura 3
Presença de mácula enegrecida na conjuntiva bulbar do olho direito, não acometendo conjuntiva palpebral
Figura 4
À dermatoscopia pode-se visualizar pseudo-rede irregular, estruturas romboidais e área hipopigmentada central onde foi realizada a biópsia.
Figura 5
Ao exame histopatológico, corado em hematoxilina-eosina, foi visualizada epiderme hiperplasiada pigmentada e com derrame de pigmento na derme superior.
Figuras 6 e 7
No maior aumento, observa-se lesão assimétrica e mal-circunscrita, composta por proliferação de melanócitos atípicos e de núcleos hipercromáticos em várias alturas na epiderme.

Discussão

O lentigo maligno apresenta-se do ponto de vista clínico como uma mácula de bordas irregulares e mal definidas, pigmentação variada com distribuição assimétrica e com crescimento lento.(22 Samaniego E, Redondo P. Lentigo maligno. Actas Dermosifiliogr. 2013;104(9):757-75.)

A dermatoscopia é um exame complementar não invasivo que ajuda a selecionar o melhor local para biópsia, fazer diagnóstico diferencial com outras lesões pigmentadas da face, delimitar as margens cirúrgicas e fazer o seguimento e monitorização da resposta terapêutica. Os critérios indicativos de LM à dermatoscopia são as estruturas romboidais, pseudo-rede irregular com aberturas foliculares assimétricas, granularidade acinzentada e borrões.(22 Samaniego E, Redondo P. Lentigo maligno. Actas Dermosifiliogr. 2013;104(9):757-75.)

A biópsia excisional é recomendada nos casos de lesão melanocítica suspeita, porém, na face, essas lesões muitas vezes são grandes ou se localizam em áreas adjacentes a órgãos nobres. Nestes casos, a biópsia incisional pode ser realizada. Entretanto, pode levar a um erro no diagnóstico, já que só representa uma pequena amostragem de toda a lesão.(22 Samaniego E, Redondo P. Lentigo maligno. Actas Dermosifiliogr. 2013;104(9):757-75.)

No que se refere ao tipo de tratamento adotado para o LM na região da pálpebra, em íntima relação com o globo ocular, não existem protocolos ou diretrizes a serem seguidos. Pela Academia Americana de Dermatologia, a margem preconizada no melanoma in situ é de 0,5 - 1cm, porém relata que no LM esta margem pode ser ainda mais ampla, mas não especificando a pálpebra.(33 Bichakjian CK , Halpern AC, Johnson TM, Hood AF, Grichnik JM, Swetter SM, et al. Guidelines of care for the management of primary cutaneous melanoma. J Am Acad Dermatol. 2011;65(5):1032-47.) A Sociedade Europeia de Oncologia Médica adota uma margem mais conservadora de 0,5cm, podendo ocorrer modificações para manter a função ocular no melanoma in situ da pálpebra.(44 Dummer R, Hauschild A, Guggenheim M, Keilholz U, Pentheroudakis G. Cutaneous melanoma: ESMO Clinical Practice Guidelines for diagnosis, treatment and follow-up. Ann Oncol. 2012;23(7):86-91.)

Segundo o Grupo Brasileiro de Melanoma, não há estudos comparativos que avaliem a melhor opção terapêutica e margem cirúrgica. Cita que além da exérese local com margem ampla, também pode haver bons resultados, apesar das controvérsias, com a cirurgia Micrográfica de Mohs (CMM), procedimento realizado por ciclos onde todo fragmento retirado é analisado por congelação até que todas as células tumorais sejam removidas, e com a excisão por etapas (Slow Mohs), em que realiza-se a CMM com cortes de congelação característicos e, em caso de dúvida durante a avaliação de algum fragmento da margem, este é enviado para a realização de cortes em parafina.(11 Wainstein AJ, Belfort FA. Melanoma: prevenção, diagnóstico, tratamento e acompanhamento. 2a ed. São Paulo: Atheneu; 2014.)

Devido ao fato do LM afetar com frequência pacientes de idade avançada com comorbidades associadas, lesões extensas que requerem cirurgias amplas, somados, muitas vezes, à rejeição do paciente à cirurgia, podem ser indicadas outras alternativas, como a radioterapia e o imiquimode. Ainda que suas principais vantagens sejam os bons resultados cosméticos e a baixa morbidade, os tratamentos não cirúrgicos são associados a uma maior taxa de recidiva.(22 Samaniego E, Redondo P. Lentigo maligno. Actas Dermosifiliogr. 2013;104(9):757-75.)

O uso do imiquimode 5% em creme com aplicação diária ou em cinco dias semanais, durante seis semanas, pode ser utilizado como tratamento exclusivo ou como terapia adjuvante após a excisão cirúrgica. Ele tem sido usado com sucesso para tratar LM acometendo a pálpebra, com excelentes resultados estéticos, apesar de nem todos os casos responderem ao tratamento. Há também a preocupação quanto à possibilidade de recidiva ou de evoluir para doença invasiva durante ou após o tratamento com Imiquimode, o que pode limitar o seu uso.(22 Samaniego E, Redondo P. Lentigo maligno. Actas Dermosifiliogr. 2013;104(9):757-75.,55 O'Neill J, Ayers D, Kenealy J. Periocular lentigo maligna treated with imiquimod. J Dermatolog Treat. 2011;22(2):109-12.)

A radioterapia (RT) também é citada como escolha terapêutica, apesar de não haver diretrizes de tratamento baseado em evidências. É uma opção para o tratamento definitivo ou como terapia adjuvante, quando observam-se margens acometidas pela doença após a excisão cirúrgica.(11 Wainstein AJ, Belfort FA. Melanoma: prevenção, diagnóstico, tratamento e acompanhamento. 2a ed. São Paulo: Atheneu; 2014.) Apresenta pouca morbidade e bons resultados estéticos, já que é superior à cirurgia na conservação de tecidos normais na região tratada.(22 Samaniego E, Redondo P. Lentigo maligno. Actas Dermosifiliogr. 2013;104(9):757-75.) Esta modalidade de tratamento tem efeitos adversos tardios, tais como hipopigmentação, telangiectasias, alopecia e perda da elasticidade da pele. Apesar da RT ser a técnica não cirúrgica mais eficaz para o tratamento do LM, (22 Samaniego E, Redondo P. Lentigo maligno. Actas Dermosifiliogr. 2013;104(9):757-75.) alguns estudos observaram progressão para LMM e a recorrência do LM após o tratamento.(66 Fogarty GB, Hong A, Scolyer RA, Lin E, Haydu L, Guitera P, et al. Radiotherapy for lentigo maligna: a literature review and recommendations for treatment. Br J Dermatol. 2014;170(1):52-8.)

Conclusão

O LM com acometimento extenso da face é um desafio na conduta devido à íntima relação com órgãos nobres e a ausência de padronização das margens cirúrgicas. Há diversas modalidades terapêuticas, cirúrgicas ou não cirúrgicas, que podem ser utilizadas no tratamento do LM na face. Portanto, há a necessidade da realização de estudos comparativos que orientem a melhor conduta nesses casos, visando à efetividade do tratamento e o resultado estético/funcional satisfatório.

Referências

  • 1
    Wainstein AJ, Belfort FA. Melanoma: prevenção, diagnóstico, tratamento e acompanhamento. 2a ed. São Paulo: Atheneu; 2014.
  • 2
    Samaniego E, Redondo P. Lentigo maligno. Actas Dermosifiliogr. 2013;104(9):757-75.
  • 3
    Bichakjian CK , Halpern AC, Johnson TM, Hood AF, Grichnik JM, Swetter SM, et al. Guidelines of care for the management of primary cutaneous melanoma. J Am Acad Dermatol. 2011;65(5):1032-47.
  • 4
    Dummer R, Hauschild A, Guggenheim M, Keilholz U, Pentheroudakis G. Cutaneous melanoma: ESMO Clinical Practice Guidelines for diagnosis, treatment and follow-up. Ann Oncol. 2012;23(7):86-91.
  • 5
    O'Neill J, Ayers D, Kenealy J. Periocular lentigo maligna treated with imiquimod. J Dermatolog Treat. 2011;22(2):109-12.
  • 6
    Fogarty GB, Hong A, Scolyer RA, Lin E, Haydu L, Guitera P, et al. Radiotherapy for lentigo maligna: a literature review and recommendations for treatment. Br J Dermatol. 2014;170(1):52-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    07 Ago 2016
  • Aceito
    14 Nov 2016
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