Acessibilidade / Reportar erro

Psicofísica visual em caso de toxoplasmose ocular congênita

Resumo

A toxoplasmose ocular congênita é uma manifestação da infecção pelo parasita Toxoplasma gondii que ocorrer por meio placentário. Essa doença pode provocar importantes sequelas visuais. Este trabalho descreve um estudo de caso que utilizou avaliação psicofísica visual para descrever alterações funcionais decorrentes da toxoplasmose ocular congênita. A avaliação foi realizada em paciente de 30 anos, sexo masculino, residente em São Luís (MA), hígido com histórico da mãe ter apresentado infecção por toxoplasmose no período gestacional. Somente aos 26 anos foi feita uma avaliação médica detalhada que descreveu lesão na fóvea do olho direito. Na avaliação clínica clássica e na avaliação psicofísica visual, o paciente apresentou visão normal para o olho esquerdo. O olho direito apresentou baixa acuidade visual (valor decimal: 0,028), campo visual com escotomas localizados até 20º de ângulo visual e alteração da visão de cor. O estudo fornece informações médicas seguras e relevantes para o diagnóstico de toxoplasmose ocular congênita utilizando testes eficazes, de baixo custo e boa portabilidade, possibilitando uma alternativa de diagnóstico funcional para ser aplicada em locais de difícil acesso pelo interior do Brasil.

Descritores:
Toxoplasmose ocular; Transmissão vertical; Psicofísica visual

Abstract

Congenital ocular toxoplasmosis is a manifestation of infection by the parasite Toxoplasma gondii that occurs through the placenta. This disease can lead to important visual sequelae. This paper describes a case report that uses visual psychophysics for the alterations of congenital ocular toxoplasmosis. The evaluation was performed in a 30-year-old man, a resident of São Luís (MA), with a history of his mother have had toxoplasmosis in the gestational period. Only at 26 years-old he did the detailed medical evaluation that described a lesion the fovea of the right eye. In the classic clinical examination and in visual psychophysical evaluation, the patient presented normal vision for the left eye. The right eye had low visual acuity (decimal value: 0.028), visual field with scotomas up to 20º of visual angle and alteration of color vision. The study offers safe and relevant medical information for the diagnosis of congenital ocular toxoplasmosis using a low-cost evaluation and with good portability, allowing a functional diagnostic alternative to be applied in places difficult to access in the interior of Brazil.

Keywords:
Ocular toxoplasmosis; Vertical transmission; Visual psychophysics

Introdução

A toxoplasmose é uma doença infecciosa causada pelo parasito Toxoplasma gondii cujo ciclo de vida inclui o ser humano como hospedeiro intermediário e possui uma fase latente, no qual os cistos permanecem principalmente nos músculos esqueléticos e no cérebro. (11 Neves DP, Kawazoe U. Toxoplasma gondii. In: Neves DP, editor. Parasitologia humana. 11ª ed. São Paulo: Atheneu; 2004.) É prevalente em regiões cosmopolitas e pode causar sintomas indistintos tais como febre, dores musculares, cansaço e linfonodos edemaciados em indivíduos imunocompetentes, sendo que alguns destes podem se apresentar assintomáticos. (11 Neves DP, Kawazoe U. Toxoplasma gondii. In: Neves DP, editor. Parasitologia humana. 11ª ed. São Paulo: Atheneu; 2004.) Os grupos particularmente suscetíveis são os imunocomprometidos e gestantes (este último devido, especificamente, ao alto risco de transmissão placentária com graves consequências à progênie e ausência de sintomas na progenitora). (22 Saadatnia G, Golkar M. A review on human toxoplasmosis. Scand J Infect Dis. 2012; 44 (11): 805-14.) Após o parasito ter sido descoberto e descrito por Nicolle e Manceaux (1907) na Tunísia e Splendore (1908) no Brasil, testes sorológicos foram desenvolvidos e possibilitaram a visualização de anticorpos anti-T. gondii em diversos organismos, indicando que a prevalência desta infecção na população humana seria mais alta que o previsto. (33 Ferguson DJP. Toxoplasma gondii: 1908-2008, homage to Nicolle, Manceaux and Splendore. Mem Inst Oswaldo Cruz. 2009; 104 (2): 133-48.)

A toxoplasmose adquirida por via congênita é uma das maiores causas de complicações pré-natais devido a capacidade do T. gondii de transpassar a placenta e se instalar em tecidos em desenvolvimento do feto. (44 Gomes AF, Barbosa HS. Congenital toxoplasmosis: in vivo impact of toxoplasma gondii infection on myogenesis and neurogenesis. In: Akyar I. Toxoplasmosis. London: IntechOpen; 2017 [citado 2018 abr 16]. Cap. 4, p. 55-68. Disponível em: https://www.intechopen.com/books/toxoplasmosis/congenital-toxoplasmosis-in-vivo-impact-of-toxoplasma-gondii-infection-on-myogenesis-and-neurogenesi) Uma variedade de doenças e manifestações patológicas já foram atribuídas a infecção de fetos por este parasito, que é capaz de desencadear quadros de encefalite, desordens mentais e psicomotoras, neurológicas (como epilepsia), malformações cerebrais, miocardite, abortos, etc. (44 Gomes AF, Barbosa HS. Congenital toxoplasmosis: in vivo impact of toxoplasma gondii infection on myogenesis and neurogenesis. In: Akyar I. Toxoplasmosis. London: IntechOpen; 2017 [citado 2018 abr 16]. Cap. 4, p. 55-68. Disponível em: https://www.intechopen.com/books/toxoplasmosis/congenital-toxoplasmosis-in-vivo-impact-of-toxoplasma-gondii-infection-on-myogenesis-and-neurogenesi,55 Jones JL, Lopez A, Wilson M, Schulkin J, Gibbs R. Congenital toxoplasmosis: a review. Obstet Gynecol Surv. 2001; 56 (5): 296-305.). Experimentos de transferência de parasitas (presentes na autópsia de crianças acometidas por encefalomielite) para os cérebros de ratos, coelhos e camundongos por inoculação intracranial e uma série de casos de recém-nascidos portadores de doenças neurológicas cujas mães tinham sorologia positiva para presença de T. gondii demonstraram a possibilidade de transmissão congênita. (66 Dard C, Chemla C, Fricker-Hidalgo H, Brenier-Pinchart MP, Baret M, Mzabi A, et al. Late diagnosis of congenital toxoplasmosis based on serological follow-up: A case report. Parasitol Int. 2016; 66 (2): 186-9.

7 Wolf A, Cowen D, Paige B. Human toxoplasmosis: occurrence in infants as an Encephalomyelitis verification by transmission to animals. Science. 1939; 89 (2306): 226-7.
-88 Wolf A, Cowen D, Paige BH. Toxoplasmic Encephalomyelitis. J Exp Med. 1940; 71 (2): 187-214.)

O T. gondii foi apontado como desencadeador de quadros de retinocoroidite, catarata, uveíte anterior e posterior e neuropatia ótica (99 Delair E, Latkany P, Noble AG, Rabiah P, McLeod R, Brézin A. Clinical manifestations of ocular toxoplasmosis. Ocul Immunol Inflamm. 2011 Apr; 19 (2): 91-102) em adultos humanos, visto que muitos pacientes manifestavam inflamações e cicatrizes em tecidos do sistema visual após a contaminação. (33 Ferguson DJP. Toxoplasma gondii: 1908-2008, homage to Nicolle, Manceaux and Splendore. Mem Inst Oswaldo Cruz. 2009; 104 (2): 133-48.,1010 Wolf A, Cowen D, Paige BH. Fetal encephalomyelitis: prenatal inception of infantile toxoplasmosis. Science. 1941; 93 (2423): 548-9.) Hoje, apesar de se saber que a toxoplasmose é uma doença com um amplo espectro de sintomas (o que torna sua definição e diagnóstico um desafio), ainda se reconhece que muitos indivíduos infectados apresentam sinais oculares. (1111 Maenz M, Schlüter D, Liesenfeld O, Schares G, Gross U, Pleyer U. Ocular toxoplasmosis past, present and new aspects of an old disease. Prog Retin Eye Res. 2014; 39: 77-106.) A retinocoroidite é estabelecida como um sinal patognomônico da toxoplasmose. (1111 Maenz M, Schlüter D, Liesenfeld O, Schares G, Gross U, Pleyer U. Ocular toxoplasmosis past, present and new aspects of an old disease. Prog Retin Eye Res. 2014; 39: 77-106.) Muitas crianças nascidas de mães primoinfectadas durante a gravidez são assintomáticas após o nascimento, somente apresentando este sinal após os primeiros anos de vida. (22 Saadatnia G, Golkar M. A review on human toxoplasmosis. Scand J Infect Dis. 2012; 44 (11): 805-14.) A retinocoroidite é caracterizada por processo necrótico e inflamação granulomatosa ou não nos tecidos da retina e coroide em lesões ativas (nas quais o T. gondii está presente na forma infectante) e por escotomas de tamanho e localização referentes a formação da retinocoroidite em lesões inativas (onde o parasita não está mais presente ou está em forma adormecida). (99 Delair E, Latkany P, Noble AG, Rabiah P, McLeod R, Brézin A. Clinical manifestations of ocular toxoplasmosis. Ocul Immunol Inflamm. 2011 Apr; 19 (2): 91-102,1111 Maenz M, Schlüter D, Liesenfeld O, Schares G, Gross U, Pleyer U. Ocular toxoplasmosis past, present and new aspects of an old disease. Prog Retin Eye Res. 2014; 39: 77-106.)

A associação entre as alterações e sequelas morfofisiológicas em tecidos do sistema visual decorrentes da exposição ao T. gondii com possíveis alterações no sistema nervoso central é importante, pois a retina é parte integrante tanto do sistema visual quanto o nervoso, sendo onde ocorrem mecanismos de transdução da informação luminosa incidente. (1212 Lent R. Visão das coisas: Estrutura e Função do Sistema Visual. In: Cem bilhões de neurônios. 2ª ed. São Paulo: Atheneu; 2001.) Além disso, é um tecido extremamente sensível a intoxicações por agentes químicos, sendo útil para visualizar sinais de possíveis alterações patológicas do sistema nervoso por meio da manifestação de alterações visuais. (1313 Horan JM, Kurt TL, Landrigan PJ, Melius JM, Singal M. Neurologic dysfunction from exposure to 2-t-butylazo-2-hydroxy-5-methylhexane (BHMH): a new occupational neuropathy. Am J Public Health. 1985; 75 (5): 513-7.,1414 Lacerda EMCB, Lima MG, Rodrigues AR, Teixeira CEC, Lima LJB, Ventura DF, Silveira LCL. Psychophysical Evaluation of Achromatic and Chromatic Vision of Workers Chronically Exposed to Organic Solvents. J Environ Public Health. 2012; 2012 (1):1-7.) Este conhecimento sugere que além da lesão causada na retina pela infecção, o parasita poderia causar mudanças na massa encefálica também, as quais poderiam ser detectadas antes do aparecimento de manifestações clínicas mais graves. (1313 Horan JM, Kurt TL, Landrigan PJ, Melius JM, Singal M. Neurologic dysfunction from exposure to 2-t-butylazo-2-hydroxy-5-methylhexane (BHMH): a new occupational neuropathy. Am J Public Health. 1985; 75 (5): 513-7.,1414 Lacerda EMCB, Lima MG, Rodrigues AR, Teixeira CEC, Lima LJB, Ventura DF, Silveira LCL. Psychophysical Evaluation of Achromatic and Chromatic Vision of Workers Chronically Exposed to Organic Solvents. J Environ Public Health. 2012; 2012 (1):1-7.) Um método útil para o estudo de alterações neurovisuais é a psicofísica visual, o qual permite avaliar a percepção de parâmetros físicos da luz, tais como cor e luminância, possibilitando examinar, qualificar e quantificar a percepção visual (1515 Silveira LC, Saito CA, Lee BB, Kremers J, da Silva Filho M, Kilavik BE, et al. Morphology and physiology of primate M- and P-cells. Prog Brain Res. 2004; 144: 21-46.) e ajudar no diagnóstico de enfermidades que acometem o processamento da informação visual. (1616 Rodrigues AR, Souza CR, Braga AM, Rodrigues PS, Silveira AT, Damin ET et al. Mercury toxicity in the Amazon: contrast sensitivity and color discrimination of subjects exposed to mercury. Braz J Med Biol Res. 2007; 40 (3): 415-24.) Estes são procedimentos não invasivos que informam o funcionamento do sistema nervoso sem causar qualquer dano tecidual (1717 Schiffman HR. Psicofísica. In: Sensação e Percepção. 5ª ed. Rio de Janeiro: LTC; 2005.) que se comparados a outros métodos de avaliação visual, apresentam baixo custo uma vez que os testes podem ser aplicados por muitos anos sem causar desgaste de material ou equipamento, além disso são testes portáteis que podem ser facilmente transportados.

O estudo tem como objetivo descrever sequela na função visual através do uso de testes psicofísicos em paciente acometido por toxoplasmose ocular congênita. Considerando o quadro epidemiológico dessa doença no Brasil e a grande relação que esta apresenta para as camadas mais pobres da população, este estudo se justifica por fornecer informações médicas seguras e relevantes para o diagnóstico de toxoplasmose ocular congênita utilizando testes eficazes, de baixo custo e excelente portabilidade. O estudo informa uma alternativa de diagnóstico para ser aplicada em locais de difícil acesso pelo interior do Brasil.

Relato de Caso

A descrição a seguir representa o estudo de caso de um indivíduo acometido por toxoplasmose congênita ocular. Esta descrição foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Núcleo de Medicina Tropical da Universidade Federal do Pará sob protocolo #076/2006-CEP/NMT e seguiram as diretrizes preconizadas pela declaração de Helsinki. O paciente possui 30 anos, é do sexo masculino. Nascido em Recife, Pernambuco, atualmente reside em São Luís, Maranhão. A mãe do paciente estudado realizou pré-natal e na ocasião do parto foi instruída a levar o bebê para avaliação oftalmológica sem mais instruções. Tendo o desenvolvimento do paciente ocorrido sem complicações aparentes para a família, o oftalmologista só foi procurado quando o paciente apresentou queixa visual aos 6 anos de idade, no período de aletramento. A partir dos 6 anos de idade, começou a usar óculos para correção de astigmatismo e miopia. Somente aos 10 anos, percebeu que a visão do olho direito não melhorava com a correção de lentes e descobriu nesta consulta oftalmológica que possuía uma cicatriz no centro desse olho. O médico apontou que a lesão era típica de um quadro de toxoplasmose ocular provavelmente desenvolvida após cicatrização do processo infeccioso.

A impressão diagnóstica estava de acordo com o histórico médico da mãe do paciente indicando que o paciente estudado foi infectado por via placentária (indicando que a mãe possivelmente era portadora assintomática do T. gondii e o havia transmitido ao feto). Maiores detalhamentos da lesão foram realizados somente aos 26 anos, quando o paciente realizou exame retinográfico que atestou lesão no olho direito atribuída a toxoplasmose. Atualmente, o paciente faz uso de correção de 4,5 dioptrias de lentes côncavas e 2,5 dioptrias de lentes convexas, respectivamente no olho direito e no olho esquerdo. Quanto ao olho esquerdo, o paciente não relata queixas – fora a necessidade de correção por causa da curvatura do olho. O quadro clínico avaliado, associado ao histórico infeccioso da mãe, produziu uma impressão diagnóstica de toxoplasmose ocular congênita com sequela na retina do olho direito.

O paciente é etilista social, não tabagista, sem história de abuso de drogas. Realiza atividade ocupacional em laboratório de pesquisa e informa sempre fazer uso de equipamentos de proteção individual para lidar com qualquer agente químico. Apresenta alimentação e saúde física equilibradas, sem relatos de outras infeções relevantes.

Considerando a impressão diagnóstica, o sujeito passou por avaliação psicofísica das funções visuais para indicar quais as perdas funcionais sofridas a partir da lesão descrita. Para tanto foram utilizados os seguintes testes psicofísicos visuais: avaliação da acuidade visual pelo teste computadorizado FrACT, avaliação do campo visual pela Perimetria Cinética de Goldman, avaliação da visão de cor pelas Pranchas Pseudoisocromáticas de Ishihara (teste utilizado para avaliar perdas de visão de cor genética -daltonismo) aplicação do teste de ordenamento de matizes Lanthony D15 dessaturado (testes para de possíveis perdas de visão de cor adquiridas ou genéticas). Todos os testes foram realizados monocularmente com ambos os olhos considerando o protocolo específico para cada avaliação.

Os valores de acuidade visual sem correção de dioptria foram abaixo do que seria o parâmetro normal nos olhos direitos e esquerdo (Tabela 1). A correção de dioptria deixou normal a acuidade no olho esquerdo, no entanto, não corrigiu completamente o olho direito.

Tabela 1
Resultados da avaliação de acuidade visual pelo teste computadorizado FrACT.

A delimitação do campo visual não apresentou alterações significativas em nenhum dos olhos, porém seguindo um protocolo de avaliação central, observou-se a presença de escotomas que se estendiam por cerca de 20º de ângulo visual (Figura 1).

Figura 1
Resultado da Perimetria Cinética de Goldman. A. Uma versão manual do Perímetro de Goldman (usado na descrição do caso). B. Campo visual do olho direito do paciente estudado. C. Campo visual do olho direito do paciente estudado.

Na realização dos testes, ao ser apresentado para o estímulo dos Pranchas Pseudoisocromáticas de Ishihara, que corresponde a pranchas contendo um alvo que se diferencia do fundo somente pela diferença de cromaticidade dentro de um eixo de confusão de cor verde-vermelho, o paciente não foi capaz de identificar a pranchas “controle” inicial como olho direito, demostrando que não apresentava condições de perceber o formato do estímulo apresentado, portanto este teste não foi realizado no olho direito. Na avaliação do olho esquerdo, observou-se resultado normal, indicando não apresentar perda de visão de cor genética no olho esquerdo. Na avaliação do ordenamento de matizes aferida pelo teste de ordenamento de matizes Lanthony D15 dessaturado, observamos alteração de visão de cor difusa (sem tendência de erro para um eixo específico de confusão de cor) para o olho direito. Para o olho esquerdo foi encontrado um resultado típico de tricromacia normal (Figura 2).

Figura 2
Resultado do teste de ordenamento de matizes Lanthony D15 dessaturado. A. Estímulo do teste apresentado de maneira alinhada, cada peça apresenta um matiz diferente (o resultado está em preto e branco para seguir a formatação da revista). B. Estímulo do teste apresentado de maneira desorganizada para que seja rearranjado pelo paciente. C. Gráfico de ordenamento de matizes feito pelo paciente com o olho direito. D. Gráfico de ordenamento de matizes feito pelo paciente com o olho esquerdo.

Discussão

A avaliação psicofísica da acuidade visual, campo visual e visão de cor pode descrever alterações funcionais na visão do paciente. Existem importantes diferenças funcionais entre os dois olhos, que são característicos de alterações não genéticas. (1818 Regan BC, Reffin JP, Mollon JD. Luminance noise and the rapid determination of discrimination ellipses in colour deficiency. Vision Res. 1994; 34 (10): 1279-99.) A diferença de resultados entre os dois olhos para os testes de visão de cor indica que as alterações de cor observadas no olho direito não têm origem genética, uma vez que o daltonismo causaria perdas na visão de cor caracteristicamente iguais para os dois olhos de uma pessoa. (1818 Regan BC, Reffin JP, Mollon JD. Luminance noise and the rapid determination of discrimination ellipses in colour deficiency. Vision Res. 1994; 34 (10): 1279-99.) Através do manuseio do estímulo presente na Perimetria Cinética de Goldman, confirmamos que todas essas alterações lesões estão concentradas na região central da retina, corroborando com a alteração morfológica já obtida pela retinografia. Esse achado explica a alterações de acuidade visual e visão de cor, uma vez que é nesta região que existe a maior concentração células cones que farão conexão com as células ganglionares que comporão a via visual paralela parvocelular, maior responsável pelo processamento de detalhes finos da imagem e processamento de visão de cor verde-vermelha. (1919 Masland RH. The neuronal organization of the retina. Neuron. 2012 Oct; 76 (2): 266-80.) Por não cobrir somente uma região foveal da retina, a lesão também envolve a via paralela koniocelular, responsável pelo processamento de visão de cor azul-amarelo. (1919 Masland RH. The neuronal organization of the retina. Neuron. 2012 Oct; 76 (2): 266-80.)

É possível que os escotomas observados no campo visual central do paciente sejam decorrentes da inflamações ao redor do nervo óptico (escotoma de Jansen) comuns nos casos de toxoplasmose ocular e que podem ajudar a fechar o diagnóstico. (1010 Wolf A, Cowen D, Paige BH. Fetal encephalomyelitis: prenatal inception of infantile toxoplasmosis. Science. 1941; 93 (2423): 548-9.) A literatura descreve que danos na visão de cor como os observados no paciente são comuns em pacientes acometidos por retinocoroidite toxoplasmática, mais comuns inclusive que as alterações acromáticas. (2020 Vingrys AJ, King-Smith PE, Benes SC. Equiluminous color deficits are greater than achromatic losses in cases of toxoplasmosis. In: Drum B, Verriest G, editors. Colour vision deficiencies IX. New York: Springer; 1989. (Documenta Ophthalmologica Proceedings Series, 52).)

Conclusão

A partir deste estudo concluímos que os testes psicofísicos de avaliação da acuidade visual pelo teste computadorizado FrACT, avaliação do campo visual pela Perimetria Cinética de Goldman, avaliação da visão de cor pelas Pranchas Pseudoisocromáticas de Ishihara e avaliação do ordenamento de matizes Lanthony D15 dessaturado foram eficazes em descrever detalhadamente as alterações visuais decorrentes da toxoplasmose ocular congênita, fazendo relação coerente com a avaliação clínica clássica.

Os danos visuais descritos pelos testes são: alteração da acuidade visual, escotoma central no campo visual e alteração de visão de cor no olho direito do paciente que é mesmo descrito pela avalição clínica clássica que descreveu lesão na retina central. O olho esquerdo não apresentou alteração de retina em nenhum tipo de avaliação realizada.

  • Este trabalho foi realizado no Laboratório de Neurociências e Comportamento da Universidade CEUMA.

References

  • 1
    Neves DP, Kawazoe U. Toxoplasma gondii. In: Neves DP, editor. Parasitologia humana. 11ª ed. São Paulo: Atheneu; 2004.
  • 2
    Saadatnia G, Golkar M. A review on human toxoplasmosis. Scand J Infect Dis. 2012; 44 (11): 805-14.
  • 3
    Ferguson DJP. Toxoplasma gondii: 1908-2008, homage to Nicolle, Manceaux and Splendore. Mem Inst Oswaldo Cruz. 2009; 104 (2): 133-48.
  • 4
    Gomes AF, Barbosa HS. Congenital toxoplasmosis: in vivo impact of toxoplasma gondii infection on myogenesis and neurogenesis. In: Akyar I. Toxoplasmosis. London: IntechOpen; 2017 [citado 2018 abr 16]. Cap. 4, p. 55-68. Disponível em: https://www.intechopen.com/books/toxoplasmosis/congenital-toxoplasmosis-in-vivo-impact-of-toxoplasma-gondii-infection-on-myogenesis-and-neurogenesi
  • 5
    Jones JL, Lopez A, Wilson M, Schulkin J, Gibbs R. Congenital toxoplasmosis: a review. Obstet Gynecol Surv. 2001; 56 (5): 296-305.
  • 6
    Dard C, Chemla C, Fricker-Hidalgo H, Brenier-Pinchart MP, Baret M, Mzabi A, et al. Late diagnosis of congenital toxoplasmosis based on serological follow-up: A case report. Parasitol Int. 2016; 66 (2): 186-9.
  • 7
    Wolf A, Cowen D, Paige B. Human toxoplasmosis: occurrence in infants as an Encephalomyelitis verification by transmission to animals. Science. 1939; 89 (2306): 226-7.
  • 8
    Wolf A, Cowen D, Paige BH. Toxoplasmic Encephalomyelitis. J Exp Med. 1940; 71 (2): 187-214.
  • 9
    Delair E, Latkany P, Noble AG, Rabiah P, McLeod R, Brézin A. Clinical manifestations of ocular toxoplasmosis. Ocul Immunol Inflamm. 2011 Apr; 19 (2): 91-102
  • 10
    Wolf A, Cowen D, Paige BH. Fetal encephalomyelitis: prenatal inception of infantile toxoplasmosis. Science. 1941; 93 (2423): 548-9.
  • 11
    Maenz M, Schlüter D, Liesenfeld O, Schares G, Gross U, Pleyer U. Ocular toxoplasmosis past, present and new aspects of an old disease. Prog Retin Eye Res. 2014; 39: 77-106.
  • 12
    Lent R. Visão das coisas: Estrutura e Função do Sistema Visual. In: Cem bilhões de neurônios. 2ª ed. São Paulo: Atheneu; 2001.
  • 13
    Horan JM, Kurt TL, Landrigan PJ, Melius JM, Singal M. Neurologic dysfunction from exposure to 2-t-butylazo-2-hydroxy-5-methylhexane (BHMH): a new occupational neuropathy. Am J Public Health. 1985; 75 (5): 513-7.
  • 14
    Lacerda EMCB, Lima MG, Rodrigues AR, Teixeira CEC, Lima LJB, Ventura DF, Silveira LCL. Psychophysical Evaluation of Achromatic and Chromatic Vision of Workers Chronically Exposed to Organic Solvents. J Environ Public Health. 2012; 2012 (1):1-7.
  • 15
    Silveira LC, Saito CA, Lee BB, Kremers J, da Silva Filho M, Kilavik BE, et al. Morphology and physiology of primate M- and P-cells. Prog Brain Res. 2004; 144: 21-46.
  • 16
    Rodrigues AR, Souza CR, Braga AM, Rodrigues PS, Silveira AT, Damin ET et al. Mercury toxicity in the Amazon: contrast sensitivity and color discrimination of subjects exposed to mercury. Braz J Med Biol Res. 2007; 40 (3): 415-24.
  • 17
    Schiffman HR. Psicofísica. In: Sensação e Percepção. 5ª ed. Rio de Janeiro: LTC; 2005.
  • 18
    Regan BC, Reffin JP, Mollon JD. Luminance noise and the rapid determination of discrimination ellipses in colour deficiency. Vision Res. 1994; 34 (10): 1279-99.
  • 19
    Masland RH. The neuronal organization of the retina. Neuron. 2012 Oct; 76 (2): 266-80.
  • 20
    Vingrys AJ, King-Smith PE, Benes SC. Equiluminous color deficits are greater than achromatic losses in cases of toxoplasmosis. In: Drum B, Verriest G, editors. Colour vision deficiencies IX. New York: Springer; 1989. (Documenta Ophthalmologica Proceedings Series, 52).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2018

Histórico

  • Recebido
    16 Abr 2018
  • Aceito
    03 Ago 2018
Sociedade Brasileira de Oftalmologia Rua São Salvador, 107 , 22231-170 Rio de Janeiro - RJ - Brasil, Tel.: (55 21) 3235-9220, Fax: (55 21) 2205-2240 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rbo@sboportal.org.br