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Qualidade de vida de pessoas com glaucoma: análise conforme o defeito no campo visual

Resumo

Objetivo:

Analisar a qualidade de vida de pessoas com glaucoma conforme o defeito no campo visual.

Métodos:

Trata-se de estudo transversal, analítico, conduzido em unidade de atenção especializada em oftalmologia, Projeto Glaucoma, em Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. A qualidade de vida dos pacientes foi avaliada por meio do National Eye Institute 25-Item Visual Function Questionnaire (NEI-VFQ-25). Utilizou- se o parâmetro Mean Deviation (MD) do melhor olho para classificar os defeitos de campo visual em leve, moderado e severo.

Resultados:

Participaram 400 pacientes, 60,5% do sexo feminino. A idade dos participantes variou de 19 a 80 anos, sendo a maioria acima de 60 anos (55,8%). A maioria dos pacientes apresentou defeito leve no campo visual, independente de ter sido referenciado pelo setor público ou privado (p=0,840). O escore médio de qualidade de vida foi 77,62(±18,007) pontos. O subdomínio com pior média foi 'dor ocular' (53,06±26,088) e com melhor média foi 'visão de cores' (94,13±19,207). Destacou-se uma correlação linear negativa entre os escores de qualidade de vida e o MD do campo visual, tanto do olho direito (MD-OD) como do esquerdo (MD-OE). Entre os subdomínios de qualidade de vida, 'dependência' foi a que melhor explica a variação do defeito de campo visual e vice-versa, com fator de determinação igual a 7,2% para o MD-OD e 8,4% para o MD-OE.

Conclusão:

A perda de campo visual foi relacionada à pior qualidade de vida entre pessoas com glaucoma. Recomenda-se propiciar o diagnóstico precoce para favorecer o tratamento e o retardo na progressão da doença.

Descritores:
Glaucoma; Qualidade de vida; Campos visuais; Inquéritos e questionários; Transtornos da visão

Abstract

Objective:

To analyze the quality of life among people with glaucoma according to the visual field defect.

Methods:

This is a cross-sectional, analytical study carried out in an ophthalmology unit, Glaucoma Project, in Montes Claros, Minas Gerais, Brazil. Patients' quality of life was assessed using the National Eye Institute 25-Item Visual Function Questionnaire (NEI-VFQ-25). The Mean Deviation (MD) parameter of the best eye was used to classify the visual field defects in mild, moderate and severe.

Results:

Four-hundred patients participated, 60.5% female. The participants' ages ranged from 19 to 80 years, the majority being over 60 (55.8%). The majority of patients presented a visual defect, regardless of whether they were referred by the public or private sector (p = 0.840). The mean quality of life score was 77.62 (± 18.007) points. The subdomain with worse mean was 'ocular pain' (53.06 ± 26.088) and with better mean was 'color vision' (94.13 ± 19.207). A negative linear correlation was observed between the quality of life scores and the visual field MD, both of the right (MD-OD) and left eye (MD-OE). Among the subdomains of quality of life, 'dependency' was the one that best explains the variation of the visual field defect and vice versa, with a determination factor equal to 7.2% for MD-OD and 8.4% for MD-OE.

Conclusion:

Visual field loss was related to poor quality of life among people with glaucoma. It is recommended to provide early diagnosis to favor treatment and delay in disease progression.

Keywords:
Glaucoma; Quality of life; Visual fields; Survey and questionnaires; Vision disorders

Introdução

O glaucoma é a principal causa de cegueira irreversível no mundo.(11 Quigley HA, Broman AT. The number of people with glaucoma worldwide in 2010 and 2020. Br J Ophthalmol. 2006;90(3):262-7.) A perda visual poderá refletir, negativamente, na qualidade de vida (QV) das pessoas com glaucoma.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), QV é a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações.(22 World Health Organization Quality of Life Group. Development of the WHOQOL: Rationale and Current Status. Int J Ment Health. 1994;23(1):24-56.) O conceito de QV compreende o estado de saúde do indivíduo, o bem-estar físico, psicológico e uma boa capacidade de desempenho social e cognitivo. Na medicina, a QV em saúde engloba diferentes dimensões, tanto em relação à preocupação do paciente com a sua doença e suas consequências, como pelo transtorno funcional originado pela doença e pelos efeitos adversos do tratamento.(33 Guedes RA. Quality of life and glaucoma. Rev Bras Oftalmol. 2015;74(3):131-2.)

A QV do glaucomatoso é afetada por diferentes motivos como pela perda da função visual; medo e ansiedade relacionados com a doença, por ser uma patologia crônica com potencial de evolução para cegueira; dificuldade na rotina diária do tratamento; efeitos colaterais e custo da terapêutica.(44 Kaur D, Gupta A, Singh G. Perspectives on Quality of Life in Glaucoma. J Curr Glaucoma Pract. 2012;6(1):9-12.) O efeito da deficiência funcional na QV provocado pelo glaucoma é principalmente devido às dificuldades experimentadas pelos pacientes na realização de atividades da vida diária relacionadas à visão, como ler, dirigir, andar, subir e descer escadas, tarefas domésticas (costurar e cozinhar) e limitações nas relações sociais.(55 Ramulu P. Glaucoma and disability: which tasks are affected, and at what stage of disease? Curr Opin Ophthalmol. 2009;20(2):92-8.) Usualmente, quanto mais avançada a patologia, pior a QV.(66 McKean-Cowdin R, Varma R, Wu J, Hays RD, Azen SP; Los Angeles Latino Eye Study Group. Severity of visual field loss and health-related quality of life. Am J Ophthalmol. 2007;143(6):1013-23.) A QV em pacientes com deficiência visual pode ser avaliada pelo Questionário de Função Visual do Instituto Nacional de Olhos 25 (NEI VFQ-25).(77 Mangione CM, Lee PP, Gutierrez PR, Spritzer K, Berry S, Hays RD; National Eye Institute Visual Function Questionnaire Field Test Investigators. Development of the 25-item National Eye Institute Visual Function Questionnaire. Arch Ophthalmol. 2001;119(7):1050-8.)

Avaliar a QV de pacientes com glaucoma é assunto atual e de grande importância, principalmente pelo impacto resultante da evolução final da doença.(88 Pinheiro DP, Rosa ML, Velarde LG, Lomelino JP, Knopp PE, Ventura MP. Qualidade de vida em portadores de glaucoma: comparação entre pacientes do sistema público de saúde e clínica privada. Rev Bras Oftalmol. 2010;69(6):378-82.) Nessa perspectiva, este trabalho objetivou analisar a qualidade de vida de pessoas com glaucoma conforme o defeito no campo visual.

Métodos

Trata-se de estudo de delineamento transversal, analítico, conduzido em uma unidade de atenção especializada em oftalmologia, Projeto Glaucoma, em Montes Claros, Minas Gerais, Brasil, conveniada pelo Sistema Único de Saúde - SUS. O cálculo amostral para participação no estudo deu-se a partir da fórmula para população infinita, disponível no programa Epi Info® versão 3.5.1. Levou-se em consideração o universo de glaucomatosos inscritos no referido Projeto (n=4.005), a prevalência do desfecho "qualidade de vida" igual a 50,0%, o erro amostral de 5,0% e o intervalo de confiança 95,0%. A amostra mínima foi definida em 348 pessoas, acrescido de 10,0% para as eventuais perdas. Contudo, foram convidados para participar do estudo 400 pacientes com glaucoma, de ambos os sexos. Os critérios de inclusão foram: ter idade entre 18 e 80 anos e estar em tratamento ambulatorial com uso de colírios.

Os dados foram coletados entre pacientes assistidos durante os meses de julho a setembro de 2016. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes, parecer nº 1.571.494. Por se tratar de pesquisa envolvendo seres humanos todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A pesquisa respeitou as diretrizes éticas e foi executada de acordo com a Declaração de Helsinki.

O questionário utilizado para a coleta de dados foi o National Eye Institute 25-Item Visual Function Questionnaire (NEI-VFQ-25), desenvolvido para medir a função visual e o impacto na qualidade de vida para uma variedade de condições oculares.(77 Mangione CM, Lee PP, Gutierrez PR, Spritzer K, Berry S, Hays RD; National Eye Institute Visual Function Questionnaire Field Test Investigators. Development of the 25-item National Eye Institute Visual Function Questionnaire. Arch Ophthalmol. 2001;119(7):1050-8.,99 Simão LM, Lana-Peixoto MA, Araújo CR, Moreira MA, Teixeira AL. The Brazilian version of the 25-Item National Eye Institute Visual Function Questionnaire: translation, reliability and validity. Arq Bras Oftalmol. 2008;71(4):540-6.) Ele tem 25 questões agrupadas em 12 subdomínios: 'saúde geral', 'visão geral', 'dor ocular', 'atividades para perto', 'atividades para longe', 'aspectos sociais', 'saúde mental', 'atividades da vida diária', 'dependência', 'capacidade para dirigir', 'visão de cores' e 'visão periférica'.

Pontuar o NEI-VFQ-25 é um processo de duas etapas. Na primeira, os valores numéricos originais da pesquisa são recodificados, sendo que cada item é convertido para uma escala de 0 a 100 pontos. Nesse formato, o escore representa a porcentagem alcançada da pontuação total possível, por exemplo, um escore de 50 representa 50% da maior pontuação possível. Na segunda etapa, os itens dentro de cada subdomínio são avaliados. O escore representa a média de todos os itens do subdomínio que o paciente respondeu. Para calcular o escore geral do NEI-VFQ-25, realiza-se uma média simples da pontuação de cada subdomínio, excluindo a 'saúde geral'. Quanto maior o escore alcançado, melhor a qualidade de vida. Em adição às 25 questões do NEI-VFQ-25, incluíram-se, na atual pesquisa, 14 questões elaboradas para melhor avaliar os subdomínios. (77 Mangione CM, Lee PP, Gutierrez PR, Spritzer K, Berry S, Hays RD; National Eye Institute Visual Function Questionnaire Field Test Investigators. Development of the 25-item National Eye Institute Visual Function Questionnaire. Arch Ophthalmol. 2001;119(7):1050-8.,99 Simão LM, Lana-Peixoto MA, Araújo CR, Moreira MA, Teixeira AL. The Brazilian version of the 25-Item National Eye Institute Visual Function Questionnaire: translation, reliability and validity. Arq Bras Oftalmol. 2008;71(4):540-6.)

Além dos dados coletados por meio do questionário de QV, utilizaram-se registros dos prontuários de saúde dos pacientes, com relação ao campo visual. No Projeto Glaucoma, a perimetria computadorizada é realizada pela estratégia Tendency Oriented Perimetry - TOP, no aparelho Octopus 311, da HAAG-STREIT INTERNATIONAL. A partir dos dados clínicos, os defeitos no campo visual foram classificados em três categorias, leve, moderado ou severo, de acordo com o valor do Mean Deviation (MD) apresentado no melhor olho. O defeito leve foi definido como valores de MD menores que 6 decibéis (dB), o defeito moderado entre 6 e 12 dB e o defeito severo acima de 12 dB. Foi escolhido o MD do melhor olho de cada paciente, já que essas informações podem ser mais facilmente integradas na tomada de decisão clínica, sendo considerado um método robusto e significativo para relatar a gravidade da perda de campo visual.(1010 Arora KS, Boland MV, Friedman DS, Jefferys JL, West SK, Ramulu PY. The Relationship between Better-Eye and Integrated Visual Field Mean Deviation and Visual Disability. Ophthalmology. 2013 December; 120(12). Disponível em: (https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3834089/). Acesso em: 01/04/2017.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
)

Os dados foram submetidos ao tratamento estatístico no Programa IBM SPSS® versão 22.0. A análise estatística descritiva envolveu medidas de tendência central e cálculo de proporções. Realizou-se o teste qui quadrado de Pearson para comparações entre os defeitos de campo visual e a procedência dos pacientes, se encaminhado pelo serviço de saúde pública ou privado. Compararam-se as medianas do escore geral e dos subdomínios de QV conforme os defeitos no campo visual pelo teste Kruskal-Wallis, uma vez que os dados não apresentaram padrão de normalidade (teste de Kolmogorov-Smirnov p<0,001). Conduziu-se a correlação de Spearman entre escore geral e subdomínios da QV com o MD do olho direito (MD-OD) e do olho esquerdo (MD-OE). Para todos os testes estatísticos foi considerado o nível de significância de 5%.

Resultados

O estudo compreendeu um total de 400 pacientes com glaucoma, sendo 60,5% do sexo feminino. A maioria apresentou idade acima de 60 anos (55,8%), escolaridade de um a nove anos de estudo (65,2%) e um a cinco anos de diagnóstico da doença (48,3%), conforme demonstrado na Tabela 1.

Tabela 1
Descrição dos pacientes com glaucoma quanto ao sexo, idade, anos de estudo e de diagnóstico

Conforme apresentado na Tabela 2, a maioria dos pacientes (n=234) é procedente dos serviços de atenção à saúde vinculados ao setor público, ou seja, do SUS. O defeito no campo visual do melhor olho foi classificado em leve intensidade para 70,1%. A procedência dos pacientes não foi associada ao defeito no campo visual, tanto do setor público como do privado, a maioria apresentou defeito leve (p=0,840).

Tabela 2
Distribuição dos pacientes com glaucoma conforme procedência do referenciamento e defeito de campo visual no melhor olho

A média do escore geral do questionário de qualidade de vida foi 77,62(±18,00) pontos e a mediana foi 84,08. A menor média foi para o subdomínio 'dor ocular' (53,06±26,08) e a melhor para 'visão de cores' (94,13±19,20), conforme apresentado na Tabela 3.

Tabela 3
Pontuação dos itens saúde geral, escore geral e subdomínios da qualidade de vida (QV) dos pacientes com glaucoma

Verificaram-se diferenças significativas (p<0,05) entre as medianas do escore geral e dos subdomínios 'visão geral', 'atividades para perto', 'atividades para longe', 'aspectos sociais', 'saúde mental', 'atividades de vida diária', 'dependência', 'capacidade para dirigir', 'visão de cores' e 'visão periférica' conforme os defeitos no campo visual. Constatou-se que os pacientes com defeito leve apresentaram maiores medianas, o que representa melhor qualidade de vida, quando comparados aos pacientes com defeitos moderado e severo no campo visual do melhor olho (Tabela 4).

Tabela 4
Medianas da saúde geral, do escore geral e dos subdomínios da qualidade de vida (QV) conforme defeitos do campo visual no melhor olho em pacientes com glaucoma

Verificou-se uma correlação linear negativa entre os escores de qualidade de vida e o MD do campo visual, tanto do olho direito (MD-OD) como do esquerdo (MD-OE). Isso representa que, quanto pior o defeito na campimetria, maior o comprometimento na qualidade de vida, sendo essa associação significativa para o escore geral e para os subdomínios 'visão geral', 'atividades para perto', 'atividades para longe', 'aspectos sociais', 'saúde mental', 'atividades de vida diária', 'dependência', 'visão de cores' e 'visão periférica' (p<0,05). A saúde geral também fica comprometida com os maiores defeitos no campo visual do olho esquerdo (R= -0,113). O subdomínio 'dependência' é o que melhor explica a variação da variável perda de campo visual e vice versa, sendo o fator de determinação dessa variação igual a 7,2% para o MD-OD e 8,4% para o MD-OE (Tabela 5).

Tabela 5
Correlação entre saúde geral, escore geral e subdomínios da qualidade de vida (QV) com o Mean Deviation (MD) do olho direito (OD) e esquerdo (OE) de pacientes com glaucoma.

Discussão

Este estudo investigou a QV de pacientes com glaucoma e fez uma análise conforme os defeitos no campo visual, classificados em leve, moderado e severo. Observou-se que pessoas com defeitos leves no campo visual apresentam melhor qualidade de vida em relação àquelas com defeitos moderados e severos.

Foi observado no presente estudo uma predominância de pacientes acima de 60 anos (55,8%). Resultado semelhante aos achados de estudo nacional(1111 Salai AF, Souza TT, Adam Netto A, Oliveira LS, Shimono CT, Cunha RD. Perfil clínico epidemiológico de pacientes com glaucoma encaminhados ao serviço de oftalmologia do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina. ACM Arq Catarin Med. 2011;40(3):37-42.) e internacional(1212 Akpek EK, Smith RA. Overview of age-related ocular conditions. Am J Manag Care. 2013;19(5 Suppl):S67-75.), com maior Estudos de prevalência sobre o glaucoma são divergentes quanto ao sexo. Os resultados do atual trabalho demonstraram predomínio de mulheres (60,5%), dado semelhante ao encontrado em outros estudos.(1313 Cook C, Foster P. Epidemiology of glaucoma: what's new? Can J Ophthalmol. 2012 ;47(3):223-6.,1414 Vajaranant TS, Wu S, Torres M, Varma R. The changing face of primary open-angle glaucoma in the United States: demographic and geographic changes from 2011 to 2050. Am J Ophthalmol. 2012;154(2):303-314.e3.) Entretanto, diferente de outras investigações que verificaram maior prevalência entre os homens.(1515 Tham YC, Li X, Wong TY, Quigley HA, Aung T, Cheng CY. FRCS, Harry A. Quigley, Tin Aung, FRCS, Ching-Yu Cheng. Global prevalence of glaucoma and projections of glaucoma burden through 2040 - a systematic review and meta-analysis. Ophthalmology. 2014;121(11):2081-90.,1616 Zhao Y, Fu JL, Li YL, Li P, Lou FL. Epidemiology and clinical characteristics of patients with glaucoma: an analysis of hospital data between 2003 and 2012. Indian J Ophthalmol. 2015;63(11):825-31.) A maioria dos glaucomatosos foi referenciada para o serviço especializado a partir dos pontos de atenção vinculados ao setor público, sem associação com a classificação do defeito de campo visual (p=0,840). Dado semelhante foi encontrado no estudo desenvolvido por Pinheiro et al.(88 Pinheiro DP, Rosa ML, Velarde LG, Lomelino JP, Knopp PE, Ventura MP. Qualidade de vida em portadores de glaucoma: comparação entre pacientes do sistema público de saúde e clínica privada. Rev Bras Oftalmol. 2010;69(6):378-82.), que observou valores de MD perimétrico semelhantes, tanto para pacientes provenientes de instituições pública quanto privada. No atual estudo, a maioria dos pacientes do setor público e do privado apresentou defeito leve no campo visual, resultado importante por iniciar o tratamento precocemente e oportunizar a preservação da função visual e da qualidade de vida.

O NEI-VFQ-25 é um questionário comumente utilizado par avaliar qualidade de vida relacionada à visão em pacientes com glaucoma. Essa doença afeta, negativamente, o escore geral e os vários subdomínios do NEI-VFQ-25 e esse efeito está correlacionado com a gravidade da perda de campo visual glaucomatosa.(1717 Nassiri N, Mehravaran S, Nouri-Mahdavi K, Coleman AL. National Eye Institute Visual Function Questionnaire: usefulness in glaucoma. Optom Vis Sci. 2013;90(8):745-53.

18 Qiu M, Wang SY, Singh K, Lin SC. Association between visual field defects and quality of life in the United States. Ophthalmology. 2014;121(3):733-40.

19 Medeiros FA, Gracitelli CP, Boer ER, Weinreb RN, Zangwill LM, Rosen PN. Longitudinal changes in quality of life and rates of progressive visual field loss in glaucoma patients. Ophthalmology. 2015;122(2):293-301.
-2020 Orta AÖ, Öztürker ZK, Erkul SÖ, Bayraktar S, Yilmaz OF. The correlation between glaucomatous visual field loss and vision-related quality of life. J Glaucoma. 2015;24(5):e121-7.)

No presente estudo, o escore geral médio da qualidade de vida para o grupo de pacientes foi 77,62 pontos. Valores semelhantes foram encontrados em diferentes estudos, como no de Pinheiro(88 Pinheiro DP, Rosa ML, Velarde LG, Lomelino JP, Knopp PE, Ventura MP. Qualidade de vida em portadores de glaucoma: comparação entre pacientes do sistema público de saúde e clínica privada. Rev Bras Oftalmol. 2010;69(6):378-82.) - 73,13 e no Los Angeles Latino Eye Study(2121 McKean-Cowdin R, Wang Y, Wu J, Azen SP, Varma R; Los Angeles Latino Eye Study Group. Impact of visual field loss on health-related quality of life in glaucoma: the Los Angeles Latino Eye Study. Ophthalmology. 2008;115(6):941-948.e1.) - 76,45. No Early Manifest Glaucoma Trial(2222 Hyman LG, Komaroff E, Heijl A, Bengtsson B, Leske MC; Early Manifest Glaucoma Trial Group. Treatment and vision-related quality of life in the early manifest glaucoma trial. Ophthalmology. 2005;112(9):1505-13.) a média foi maior - 88,8, assim como no estudo de Onakoya et al.(2323 Onakoya AO, Mbadugha CA, Aribaba OT, Ibidapo OO. Quality of life of primary open angle glaucoma patients in lagos, Nigeria: clinical and sociodemographic correlates. J Glaucoma. 2012;21(5):287-95.) - 85,2 pontos. Observou-se no atual estudo piores médias para os subdomínios 'dor ocular', 'saúde mental' e 'visão geral' e melhores médias para 'visão de cores' e 'aspectos sociais'.

Ao correlacionar a pontuação obtida no instrumento de qualidade de vida com os valores do defeito no campo visual, constatou-se que para o escore geral e para os subdomínios 'visão geral', 'atividades para perto', 'atividades para longe', 'aspectos sociais', 'saúde mental', 'atividades de vida diária', 'dependência', 'capacidade para dirigir', 'visão de cores' e 'visão periférica' houveram associações estatisticamente significativas (p<0,05). Os pacientes classificados na categoria defeito leve, em geral, apresentaram maiores medianas no NEI-VFQ-25, o que representa melhor QV, quando comparados aos pacientes com defeito moderado e severo no campo visual.

Na pesquisa Early Manifest Glaucoma Trial (EMGT)(2222 Hyman LG, Komaroff E, Heijl A, Bengtsson B, Leske MC; Early Manifest Glaucoma Trial Group. Treatment and vision-related quality of life in the early manifest glaucoma trial. Ophthalmology. 2005;112(9):1505-13.), embora os pacientes apresentassem bons resultados em termos de qualidade de vida, verificou-se correlação estatisticamente significativa entre os valores do NEI-VFQ-25 com a baixa acuidade visual no melhor olho, pior MD perimétrica e opacidades no cristalino. Um relatório recente do EMGT(2424 Peters D, Heijl A, Brenner L, Bengtsson B. Visual impairment and vision-related quality of life in the Early Manifest Glaucoma Trial after 20 years of follow-up. Acta Ophthalmol. 2015;93(8):745-52.), após 20 anos de seguimento, mostrou que pacientes com perda de campo visual, no olho melhor, superior a 50,0% (por exemplo, VFI pior que 50,0% ou MD menor que -18 dB) apresentaram escores no NEI-VFQ-25 inferiores (p<0,001). Esses resultados suportam o limite arbitrário, mas amplamente utilizado, de uma perda de campo visual no melhor olho de mais de 50% como um limiar importante para insuficiência funcional grave.

Outra investigação(2525 Wolfram C, Lorenz K, Breitscheidel L, Verboven Y, Pfeiffer N. Health- and vision-related quality of life in patients with ocular hypertension or primary open-angle glaucoma. Ophthalmologica. 2013;229(4):227-34.) utilizou valores de MD no melhor olho para classificar pacientes com glaucoma em três fases (precoce, moderada e avançada). A qualidade de vida geral e a qualidade de vida relacionada à visão foram avaliadas em cada estágio da doença. Uma diferença foi encontrada entre as fases precoce, moderada e avançada, com redução progressiva da percepção da qualidade de vida ao longo dos estádios da doença, reforçando a necessidade de prevenir a progressão da doença.

O Los Angeles Latino Eye Study (LALES)(66 McKean-Cowdin R, Varma R, Wu J, Hays RD, Azen SP; Los Angeles Latino Eye Study Group. Severity of visual field loss and health-related quality of life. Am J Ophthalmol. 2007;143(6):1013-23.) foi um estudo populacional de prevalência de doenças oculares em latinos que vivem em Los Angeles, Califórnia, com idades entre 40 anos e mais. Dados de 213 pacientes com glaucoma primário de ângulo aberto foram analisados para determinar o impacto da perda de campo visual na qualidade de vida. Observou-se que os pacientes com perda de campo visual grave, apresentaram escores de qualidade de vida inferiores aos pacientes sem perda ou com perda inicial do campo visual. Os coeficientes de correlação do olho melhor foram significativos para o escore geral e para seis subdomínios do NEI-VFQ-25.

Neste estudo, identificou-se uma correlação linear negativa entre os escores de qualidade de vida e o MD do campo visual, tanto do olho direito como do esquerdo, sendo significativa para o escore geral e para nove subdomínios do NEI-VFQ-25. Dados semelhantes foram encontrados por Sawada, Fukuchi, Abe(2626 Sawada H, Fukuchi T, Abe H. Evaluation of the relationship between quality of vision and the visual function index in Japanese glaucoma patients. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol. 2011;249(11):1721-7.), que observaram uma relação significativa entre qualidade de vida e campo visual no escore geral e em nove subdomínios do NEI-VFQ-25, tanto no melhor como no pior olho. Uma relação significativa foi encontrada entre a qualidade de vida e o s índice paramétrico do campo visual (MD). Do mesmo modo, diferentes estudos relataram a perda da acuidade visual e do campo visual como uma das causas associadas à menor qualidade de vida em pacientes com glaucoma.(1818 Qiu M, Wang SY, Singh K, Lin SC. Association between visual field defects and quality of life in the United States. Ophthalmology. 2014;121(3):733-40.

19 Medeiros FA, Gracitelli CP, Boer ER, Weinreb RN, Zangwill LM, Rosen PN. Longitudinal changes in quality of life and rates of progressive visual field loss in glaucoma patients. Ophthalmology. 2015;122(2):293-301.
-2020 Orta AÖ, Öztürker ZK, Erkul SÖ, Bayraktar S, Yilmaz OF. The correlation between glaucomatous visual field loss and vision-related quality of life. J Glaucoma. 2015;24(5):e121-7.,2424 Peters D, Heijl A, Brenner L, Bengtsson B. Visual impairment and vision-related quality of life in the Early Manifest Glaucoma Trial after 20 years of follow-up. Acta Ophthalmol. 2015;93(8):745-52.) Pacientes com glaucoma avançado apresentam uma maior dificuldade para a realização das atividades específicas do dia a dia, sendo observada correlação positiva entre a gravidade do defeito no campo visual com limitação nas atividades avaliadas, como deambular nos locais com presença de obstáculos e pavimentos não regulares.(2727 Miguel AI, Fonseca C, Oliveira N, Henriques F, Silva JF. Difficulties of daily tasks in advanced glaucoma patients - a videotaped evaluation. Rev Bras Oftalmol. 2015;74(3):164-70.) O profissional tem importante papel na preservação e na melhoria da qualidade de vida de pacientes com glaucoma, por meio de terapia adequada e estabelecimento de uma boa relação interpessoal com os doentes.(33 Guedes RA. Quality of life and glaucoma. Rev Bras Oftalmol. 2015;74(3):131-2.)

Devem-se considerar as limitações do atual estudo, por ser de cunho transversal, não foi avaliado o seguimento dos pacientes, então, as associações significativas entre QV e campo visual não demonstram relação de causa e efeito. Além disso, pacientes com diferentes tipos de glaucoma, como glaucoma primário de ângulo aberto, glaucoma de pressão normal, glaucoma primário de ângulo fechado e glaucomas secundários foram incluídos neste estudo, e deve-se considerar que os padrões de defeitos no campo visual podem diferir entre eles. Embora o presente estudo tenha avaliado medidas do campo visual, outras medidas de função visual, como sensibilidade ao contraste e ao brilho, que podem contribuir para a qualidade de vida do paciente, principalmente na capacidade para dirigir, não foram avaliadas. A seleção da amostragem não probabilística se justifica por tratar de pesquisa envolvendo pacientes residentes na área de abrangência no Norte de Minas Gerais e com possível redução de campo visual ou cegueira, que comprometeriam o deslocamento ao serviço apenas para participação na pesquisa. Desse modo, foram convidados os pacientes em tratamento no período da coleta de dados.

Conclusão

Os achados do presente estudo demonstram que pessoas com glaucoma com maior comprometimento no campo visual apresentam pior qualidade de vida. Ressalta-se a importância deste estudo realizado com um número expressivo de pacientes (n=400) e em uma região emblemática do Brasil, longe de grandes centros e que abrange uma população socioculturalmente desprivilegiada. Recomenda-se propiciar o diagnóstico precoce para favorecer o tratamento e o retardo na progressão da doença e sugerem-se novas investigações, por períodos mais longos de acompanhamento, para ajudar a esclarecer as mudanças na qualidade de vida a partir da evolução do glaucoma.

Agradecimentos

Financiamento da pesquisa: bolsistas de iniciação científica, FAPEMIG e CNPq.

  • Trabalho realizado na Universidade Estadual de Montes Claros- Unimontes, MG, Brasil.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    05 Maio 2018
  • Aceito
    26 Ago 2018
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