Acessibilidade / Reportar erro

Correção de estrabismo incomitante por cirurgia de recuo-ressecção combinadas do mesmo músculo reto

Resumo

O presente trabalho relata o caso de um paciente, masculino, 38 anos, com estrabismo incomitante e consequente diplopia, submetido à cirurgia debilitadora com recuo e fortalecimento com ressecção do músculo reto inferior direito. O objetivo desta técnica cirúrgica é a correção do desvio em sua posição de maior incomitância, sem prejudicar o alinhamento ocular na posição primária do olhar (PPO). O resultado satisfatório, em concordância com os dados da literatura atual, contribui para fazer desta técnica uma opção no tratamento de estrabismos incomitantes de difícil manejo.

Descritores:
Esotropia/cirurgia; Movimentos oculares; Músculos oculomotores/cirurgia; Procedimentos cirúrgicos oftalmológicos; Relatos de casos

Abstract

The present study reports a case of a patient, 38-year-old man, with incomitant strabismus and consequent diplopia, submitted to debilitating surgery with recession and strengthening resection of the right inferior rectus muscle. This surgical technique aims to correct the deviation in its greater incomitence position, without impairing the ocular alignment in the primary position of the eye (PPO). The satisfactory result, in agreement with data of current literature, contributes to make this technique an option in the treatment of challenging incomitant strabismus.

Keywords:
Exotropia/surgery; Eye movements; Oculomotor muscles/surgery; Ophthalmologic surgical procedures; Case reports

Introdução

O tratamento cirúrgico dos estrabismos incomitantes permanece sendo um desafio para os especialistas. As principais causas de desvios horizontais incomitantes são as parecias musculares, restrições oculares, divergência horizontal dissociada, relação convergência acomodativa/acomodação (CA/A) alta ou cirurgias prévias.(11 Souza-Dias C, Prieto-Diaz J. Cirurgia do estrabismo. In: Prieto-Diaz J, Souza- Dias C. Estrabismo. 4a ed. São Paulo: Santos; 2002. p.475-7.) Poucas técnicas cirúrgicas foram propostas para a correção de tal, e, eventualmente, os resultados são insatisfatórios – apresentando hipocorreção ipslateral ao músculo previamente afetado e hipercorreção no campo contralateral.(22 Ribeiro GB, Almeida HC, dos Santos EM. New surgical aproach in the treatment of incomitant strabismus: case report. Arq Bras Oftalmol. 2006;69(4):585-8.)

Os pacientes com estrabismo incomitante podem apresentar diplopia em apenas algumas posições do olhar, apresentando assim diferentes queixas. Por exemplo, paciente com diplopia nas lateroversões pode ter dificuldade para dirigir, ou na infraversão para leitura.(33 Thacker, Neepa M, Velez, Federico G, Rosenbaum A L. Combined Adjustable Rectus Muscle Resection-Recession for Incomitant Strabismus. J AAPOS. 2005;9(2):137-40.)

Tradicionalmente esses pacientes têm sido submetidos à cirurgia de Faden (mioescleropexia retroequatorial), proposta por Cuppers em 1976, que consiste em uma fixação do músculo extraocular na esclera posterior ao equador, sem realizar sua desinserção da esclera.(44 Cuppers C. The so-called fadenoperation: surgical corrections by small-defined changes of the arc of contact. In: Fells P, editor. The 2nd congress of the International Strabismology Association. Marseilles (France): Diffusion Generale de Librairie; 1976. p. 395.,55 von Noorden GK. Binocular vision and ocular motility: theory and management of strabismus. St Louis (MO): Mosby-Year Book; 1978.)

A cirurgia de Faden objetiva diminuir a rotação máxima do olho, através da fixação do músculo posterior ao equador, criando uma nova inserção para a ação de rotação do músculo. Com influência mínima ou nenhuma nas outras posições fora da ação deste músculo.(44 Cuppers C. The so-called fadenoperation: surgical corrections by small-defined changes of the arc of contact. In: Fells P, editor. The 2nd congress of the International Strabismology Association. Marseilles (France): Diffusion Generale de Librairie; 1976. p. 395.,55 von Noorden GK. Binocular vision and ocular motility: theory and management of strabismus. St Louis (MO): Mosby-Year Book; 1978.)

Apesar de efetiva, ela possui algumas limitações como alteração do alinhamento ocular na posição primária do olhar, que normalmente não apresenta desvio. Além disso, não pode ser realizada com sutura ajustável no intra ou pós operatório imediato, e não tem bons resultados para o músculo reto lateral, provavelmente por causa do grande arco de contato deste músculo e também pela proximidade com a inserção do músculo oblíquo inferior e da região macular. É tecnicamente difícil devido ao acesso muito posterior requisitado e, principalmente, em casos previamente operados, além de poder ocasionar hemorragia da sutura posterior.(66 Buckely EG. Fadenoperation (posterior fixation suture). In: Rosen-baum A, Santiago AP, editors. Clinical strabismus management: prin- ciples and surgical techniques. Philadelphia (PA): WB Saunders; 1999. p. 491-505.)

Em 1994, Scott descreveu a “cirurgia de Faden ajustável”, sem a sutura posterior, que combinava a ressecção e recuo do mesmo músculo com uma sutura em rédea, facilitando a técnica e possibilitando o ajuste pós operatório para alinhamento da posição primária do olhar. Ele descreveu a técnica em retos horizontais de três pacientes com bons resultados.(77 Scott AB. Posterior fixation: adjustable and without posterior sutures. In: Lennerstrand G, editor. Update on strabismus and pediatric oph- thalmology. Boca Raton (FL): CRC Press; 1994. p. 399.)

O objetivo do presente estudo é relatar o caso de um paciente de 38 anos previamente operado por causa de uma paresia de IV nervo craniano, e que atualmente apresenta diplopia apenas no momento da leitura em infraversão. Ele foi submetido à cirurgia de correção de estrabismo incomitante através da técnica de recuo e ressecção do mesmo músculo extraocular.

Relato de Caso

Paciente 38 anos, apresentou em 20/05/2013 queixa de diplopia há 4 meses no olhar para baixo. Estava em tratamento de sinusite há 15 dias com dor em olho esquerdo à palpação e ao mover os olhos. Realizada tomografia cerebral que teve resultado normal. Neste momento, lhe foi prescrito um prisma de Fresnel com base superior de 10 dioptrias prismáticas (DP) no olho direito.

Em dezembro de 2013, cerca de seis meses após uso do prisma, em nova avaliação oftalmológica apresentou:

  • Acuidade visual: 1,0 bilateral

  • Prisma e Cover: Perto - HTE 6DP em PPO

  • Longe - HTE 10DP em PPO

  • Fixação binocular: prefere olho direito

  • Posições diagnósticas:

Sem movimento E/D(*) HTE/D 14 ET4 HTE 2DP Ortotropia Ortotropia ET 4DP HTE 10DP HTE 10DP HTE 5DP ET 6DP HTE 20DP ET 8DP HTE 20DP HTE 14DP
  • Versões: sem alterações no olho direito Hipofunção do músculo oblíquo superior do olho esquerdo (-2)

  • Ducções: sem alterações

  • Avaliação sensorial: Fusão em supraversão e levosupraversão.

Hipótese Diagnóstica: Paresia de IV nervo craniano à esquerda.

Em 01/04/2014 foi realizada cirurgia para correção do estrabismo através de pregueamento (reefing) do músculo oblíquo superior do olho esquerdo de 7 mm. Medidas ortópticas pós-operatórias:

  • Acuidade visual: 1,0 bilateral

  • Prisma e Cover: sem movimento para perto e longe em posição primária do olhar

  • Fixação binocular: prefere olho direito

  • Posições diagnósticas:

Sem movimento E/D(*) H(T)E/D4 Sem movimento Sem movimento Sem movimento Sem movimento Sem movimento Sem movimento HTE /D9 ET HTE /D6 ET7 HTE/D4ET5
  • Versões: sem alterações no olho direito hipofunção do músculo oblíquo superior do olho esquerdo (-1)

  • Ducções: sem alterações

  • Avaliação sensorial: Fusão em todas as posições do olhar, exceto em infra versão extrema.

Stereo 40“ de arco.

Em 03/06/2014 retornou para avaliação sem queixas. Refração: OD cil -3,25 a 180 / OE cil -3,00 a 180. Acuidade visual 20/20 bilateral.

Na consulta do dia 20/10/2016 queixou-se de diplopia ocasionalmente e abaixamento do olho direito após algum tempo de leitura.

Em 2017, iniciou acompanhamento no Rio de Janeiro, referindo diplopia ao olhar para baixo, atrapalhando a leitura, sem queixa em posição primária do olhar. (Figura 1)

Figura 1
Posições diagnósticas em consulta pré-operatória de 2017.

  • Posições diagnósticas:

Orto HTE/D30 Ortotropia Ortotropia Ortotropia Ortotropia Ortotropia Ortotropia HTE 30DP ET ET 10DPHTE 30 DP ET10DP HTE>30DP
  • Maddox: extorsão 5º OE

  • Versões: hipofunção do músculo oblíquo superior esquerdo (-3)

Paciente foi então submetido à recuo de 7 mm e ressecção de 5 mm do músculo reto inferior direito com sutura escleral em rédea. Evoluiu no pós-operatório com melhora da queixa de diplopia em infraversão, melhorando a qualidade da leitura e sem descompensação do alinhamento ocular na posição primária do olhar. (Figura 2)

Figura 2
Uma semana de pós-operatório, mostrando alinhamento ocular em PPO.

Discussão

A cirurgia com uso da técnica de recuo e ressecção do mesmo músculo proposta inicialmente por Scott vem se concretizando como uma alternativa segura para casos de estrabismo incomitante, horizontal e vertical. Ela visa enfraquecer o músculo em seu campo de ação sem que haja alteração signifitiva na posição primária do olhar.(77 Scott AB. Posterior fixation: adjustable and without posterior sutures. In: Lennerstrand G, editor. Update on strabismus and pediatric oph- thalmology. Boca Raton (FL): CRC Press; 1994. p. 399.)

O paciente submetido a este procedimento possuía dificuldade para leitura pois a diplopia ocorria apenas em infraversão, sem queixas em outras posições.

Foi feita a opção pela técnica modificada por Bock et al, realizando um recuo maior que a ressecção do reto inferior, baseado nos dados encontrados na literatura seguindo essas medidas.(88 Bock CJ Jr, Buckley EG, Freedman SF. Combined resection and recession of a single rectus muscle for the treatment of incomitant strabismus. J AAPOS. 1999;3(5):263-8.)

O resultado pós-operatório está em acordo com o que já foi descrito na literatura. (22 Ribeiro GB, Almeida HC, dos Santos EM. New surgical aproach in the treatment of incomitant strabismus: case report. Arq Bras Oftalmol. 2006;69(4):585-8.,88 Bock CJ Jr, Buckley EG, Freedman SF. Combined resection and recession of a single rectus muscle for the treatment of incomitant strabismus. J AAPOS. 1999;3(5):263-8.

9 Dawson E, Boyle N, Taherian K, Lee JP. Use of the combined recession and resection of a rectus muscle procedure in the management of inconstant strabismus. J AAPOS 2007; 11(2):131-4.
-1010 Roper-Hall G, Cruz OA. Results of combined resection-recession on a single rectus muscle for incomitant deviations-an alternative to the Faden technique, J AAPOS. 2017;21(2):89-93.e1.)

Apesar de promissora, ainda faltam dados em um maior número de pacientes e com um segmento de mais longo prazo que avalie a estabilidade desta técnica e a necessidade de reoperação nos pacientes submetidos a ela.

Referências

  • 1
    Souza-Dias C, Prieto-Diaz J. Cirurgia do estrabismo. In: Prieto-Diaz J, Souza- Dias C. Estrabismo. 4a ed. São Paulo: Santos; 2002. p.475-7.
  • 2
    Ribeiro GB, Almeida HC, dos Santos EM. New surgical aproach in the treatment of incomitant strabismus: case report. Arq Bras Oftalmol. 2006;69(4):585-8.
  • 3
    Thacker, Neepa M, Velez, Federico G, Rosenbaum A L. Combined Adjustable Rectus Muscle Resection-Recession for Incomitant Strabismus. J AAPOS. 2005;9(2):137-40.
  • 4
    Cuppers C. The so-called fadenoperation: surgical corrections by small-defined changes of the arc of contact. In: Fells P, editor. The 2nd congress of the International Strabismology Association. Marseilles (France): Diffusion Generale de Librairie; 1976. p. 395.
  • 5
    von Noorden GK. Binocular vision and ocular motility: theory and management of strabismus. St Louis (MO): Mosby-Year Book; 1978.
  • 6
    Buckely EG. Fadenoperation (posterior fixation suture). In: Rosen-baum A, Santiago AP, editors. Clinical strabismus management: prin- ciples and surgical techniques. Philadelphia (PA): WB Saunders; 1999. p. 491-505.
  • 7
    Scott AB. Posterior fixation: adjustable and without posterior sutures. In: Lennerstrand G, editor. Update on strabismus and pediatric oph- thalmology. Boca Raton (FL): CRC Press; 1994. p. 399.
  • 8
    Bock CJ Jr, Buckley EG, Freedman SF. Combined resection and recession of a single rectus muscle for the treatment of incomitant strabismus. J AAPOS. 1999;3(5):263-8.
  • 9
    Dawson E, Boyle N, Taherian K, Lee JP. Use of the combined recession and resection of a rectus muscle procedure in the management of inconstant strabismus. J AAPOS 2007; 11(2):131-4.
  • 10
    Roper-Hall G, Cruz OA. Results of combined resection-recession on a single rectus muscle for incomitant deviations-an alternative to the Faden technique, J AAPOS. 2017;21(2):89-93.e1.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2019

Histórico

  • Recebido
    21 Jan 2018
  • Aceito
    18 Mar 2018
Sociedade Brasileira de Oftalmologia Rua São Salvador, 107 , 22231-170 Rio de Janeiro - RJ - Brasil, Tel.: (55 21) 3235-9220, Fax: (55 21) 2205-2240 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rbo@sboportal.org.br