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Blefarite: epidemiologia, etiologia, apresentações clínicas, tratamento e evolução de nossos pacientes

Resumo

Objetivo:

A blefarite é uma das condições mais comumente encontradas na prática oftalmológica e se constitui em uma causa frequente de irritação e desconforto ocular. Por ser uma doença de difícil tratamento, os autores buscaram compreender melhor a epidemiologia, etiologia, apresentações clínicas, tratamento e evolução de seus pacientes, visando maior sucesso terapêutico.

Métodos:

Foram avaliados retrospectivamente e transversalmente o prontuário de 124 pacientes do Centro de Oftalmologia Tadeu Cvintal, os quais apresentavam blefarite e foram submetidos à classificação de gravidade e coleta de secreções palpebrais para cultura bacteriana e antibiograma.

Resultados:

A media da idade dos pacientes foi de 67,4 anos, o sexo feminino foi responsável por 70 (56,4%) casos e o masculino por 54 (43,5%). Quanto à gravidade da doença, constatou-se 71 casos de blefarite leve (56,8%), 52 (41,6%) com intensidade moderada e 2 (1,6%) casos graves. Avaliando o seguimento do tratamento da doença, foi observado que 103 (82,4%) pacientes não retornaram para avaliar o resultado do tratamento e apenas 22 (17,6%) retornaram. Em relação às culturas realizadas, 82 (66,1%) não apresentaram crescimento microbiano. Dentre as 42 (33,8%) amostras positivas, os Staphylococcus coagulase negativo foram os mais prevalentes, sobretudo os Staphylococcus epidermidis, responsável por 35 (83,3%) delas. Quanto à sensibilidade aos antibióticos, os agentes de nossa amostra demonstraram maior resistência à Penicilina, Eritromicina e Ciprofloxacino e 100% de sensibilidade à Linezolida, Vancomicina e Daptomicina.

Conclusão:

Conhecendo melhor as características epidemiológicas da blefarite e a sensibilidade antimicrobiana das bactérias envolvidas, é possível oferecer tratamentos mais eficazes.

Descritores:
Blefarite/epidemiologia; Blefarite/etiologia; Blefarite/terapia; Inflamação; Testes de sensibilidade microbiana; Técnicas de cultura

Abstract

Objective:

Blepharitis is one of the most commonly encountered conditions in ophthalmic practice and is a frequent cause of eye irritation and discomfort. Being a difficult to treat disease, the authors sought to better understand the epidemiology, etiology, clinical presentations, treatment and evolution of their patients, aiming at greater therapeutic success.

Methods:

The medical records of 124 patients of Centro de Oftalmologia Tadeu Cvintal who had blepharitis were retrospectively and cross-sectionally evaluated and underwent severity classification and collection of eyelid secretions for bacterial culture and antibiogram.

Results:

The mean age of the patients was 67.4 years, females accounted for 70 (56.4%) cases and males for 54 (43.5%). Regarding the severity of the disease, there were 71 cases of mild blepharitis (56.8%), 52 (41.6%) with moderate intensity and 2 (1.6%) severe cases. Evaluating the follow-up of treatment of the disease, it was observed that 103 (82.4%) patients did not return to evaluate the treatment outcome and only 22 (17.6%) returned. In respect of the cultures performed, 82 (66.1%) did not show microbial growth. Among the 42 (33.8%) positive samples, coagulase-negative staphylococci were the most prevalent, especially Staphylococcus epidermidis, responsible for 35 (83.3%) of them. As for antibiotic sensitivity, the agents in our sample showed greater resistance to Penicillin, Erythromycin and Ciprofloxacin and 100% sensitivity to Linezolid, Vancomycin and Daptomycin.

Conclusion:

By better understanding the epidemiological characteristics of blepharitis and the antimicrobial sensitivity of the bacteria involved, it is possible to offer more effective treatments.

Keywords:
Blepharitis/epidemiology; Blepharitis/etiology; Blepharitis/therapy; Inflammation; Microbial sensitivity tests; Culture techniques

Introdução

Blefarite, termo que define a inflamação da margem palpebral, é uma das condições mais comumente encontradas na prática oftalmológica e se constitui em uma causa frequente de irritação e desconforto ocular.(11 Pflugfelder SC, Karpecki PM, Perez VL. Treatment of blepharitis: recent clinical trials. Ocul Surf. 2014;12(4):273-84.) A blefarite pode ser classificada como anterior, quando o processo inflamatório acomete a região da base dos cílios, folículos dos cílios e a pele palpebral ou posterior, quando há disfunção das glândulas de Meibomius, localizadas na margem palpebral posterior. A blefarite anterior divide-se em estafilocócica e seborreica. A primeira apresenta crostas duras na base dos cílios e é resultado de uma resposta celular anormal aos componentes da parede celular do Staphylococcus aureus (S. aureus). A segunda está frequentemente associada à dermatite seborréica generalizada e apresenta crostas moles, gordurosas que grudam os cílios.(22 S, Al-Rajhi A, Ambrus A, Lastra R, Lum CF. D M. Blepharitis Preferred Practice Pattern(r)[Interne]. Elsevier: American Academy of Ophthalmology; 2018. [cited 2019 Aug 28]. Available from: https://www.aaojournal.org/article/S0161-6420(18)32645-9/pdf
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A prevalência de blefarites pode variar de 37,0% a 50,0% de acordo com alguns relatos da literatura, acometendo mais frequentemente as pessoas acima de 50 anos e do sexo feminino.(33 Lemp MA, Nichols KK. Blepharitis in the United States 2009: a survey-based perspective on prevalence and treatment. Ocul Surf. 2009;7(2 Suppl):S1-14.

4 Ong BL. Relation between contact lens wear and Meibomian gland dysfunction. Optom Vis Sci. 1996;73(3):208-10.

5 Adam Netto AA, Rolim AP, Muller TP. Prevalência de doenças palpebrais no serviço emergencial de oftalmologia do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina. Arq Catarin Med. 2006;35(4):64-9

6 Schaumberg DA, Nichols JJ, Papas EB, Tong L, Uchino M, Nichols KK. The international workshop on meibomian gland dysfunction: report of the subcommittee on the epidemiology of, and associated risk factors for, MGD. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2011;52(4):1994-2005.
-77 Eberhardt M, Rammohan G. Blepharitis. Statpearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2019. [cited 2019 Aug 28]. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK459305/
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Entre os principais sinais e sintomas encontrados, pode-se ressaltar: fotofobia leve, turvação visual, queimação, lacrimejamento, sensação de areia, hiperemia das margens palpebrais e formação de crostas.(11 Pflugfelder SC, Karpecki PM, Perez VL. Treatment of blepharitis: recent clinical trials. Ocul Surf. 2014;12(4):273-84.)

A blefarite apresenta mecanismo patogênico multifatorial e sua etiologia não é claramente conhecida. Evidências apontam relação com componentes infecciosos, alérgicos, sistêmicos e ambientais.(88 Lindsley K, Matsumura S, Hatef E, Akpek EK. Interventions for chronic blepharitis. Cochrane Database Syst Rev. 2012;(5):CD005556.) Por esse motivo, regimes de tratamentos podem muitas vezes falhar.

O objetivo deste estudo foi identificar as características epidemiológicas mais preponderantes dos nossos pacientes acometidos por Blefarite, os principais agentes etiológicos, apresentações clínicas, o melhor tratamento e a evolução da doença.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal, retrospectivo, realizado por meio da revisão de prontuários dos pacientes atendidos no período de 01/08/16 à 01/08/17 com indicação para cirurgia de catarata. O estudo foi previamente submetido e aprovado pelo CEP do Instituto Suel Abujamra, SP, Brasil, sendo realizado no Centro de Oftalmologia Tadeu Cvintal, uma instituição filantrópica localizada no município de São Paulo e credenciada pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) como instituição de ensino para residência médica em oftalmologia e que atende exclusivamente pacientes do Sistema Único de Saúde.

Como definição de caso neste estudo, foram considerados como portadores de blefarite os pacientes que apresentaram, no momento da avaliação, hiperemia palpebral e crostas e/ou dilatação das glândulas de Meibomius.

As blefarites encontradas foram classificas como: leve (hiperemia nas bases dos cílios), moderada (crostas em metade das bases dos cílios ou dilatação das glândulas de Meibomius) e grave (crostas na maioria dos cílios associado a hiperemia e edema intenso da borda palpebral).

A coleta das secreções palpebrais para cultura foi realizada utilizando swab específico para bacterioscopia e cultura, sendo coletadas secreções das bordas palpebrais inferior e superior de apenas um dos olhos de cada paciente. Quando positivas, as culturas eram submetidas a antibiograma.

Resultados

Durante o período do estudo, 1000 prontuários foram revisados. Destes, encontraram-se 124 pacientes que apresentavam blefarite e foram submetidos à classificação de gravidade e coleta de secreções palpebrais para cultura.

A idade dos pacientes foi em média 67,4 anos (variação de 18 a 91; DP 11,7 anos). O sexo feminino foi responsável por 70 (56,4%) casos e o masculino por 54 (43,5%). Quanto à gravidade da doença, mais da metade apresentaram blefarite leve em um total de 71 casos (56,8%), 52 (41,6%) com intensidade moderada e 2 (1,6%) casos graves. Avaliando o seguimento do tratamento da doença, foi observado que 103 (82,4%) pacientes não retornaram para avaliar o resultado do tratamento e apenas 22 (17,6%) retornaram. Em relação às culturas realizadas, 82 (66,1%) não apresentaram crescimento microbiano. Dentre as 42 (33,8%) amostras positivas, os Staphylococcus coagulase negativo (SCN) foram os mais prevalentes, sobretudo os Staphylococcus epidermidis, responsável por 35 (83,3%) delas. Os microrganismos gram-negativos foram responsáveis por 3 casos (7,14%) delas. Os resultados de todas as culturas se encontram na tabela 1 a seguir:

Tabela 1
Resultado das culturas

Buscando uma relação entre a classificação de intensidade ao exame físico e a presença de cultura positiva encontramos que, das 42 culturas positivas, 23 foram de blefarites leves (54,76%), 18 de moderadas (42,85%) e 1 grave (2,38%). Comparando as porcentagens de intensidade leve, moderada e grave dos casos totais (com cultura negativa e positiva) (56,8%, 41,6% e 1,6%, respectivamente) com as porcentagens de intensidade dos casos de cultura positiva (54,76%, 42,85% e 2,38%), notamos a tendência de que quanto maior a intensidade da doença, maior a chance de contaminação.

Baseado nos antibiogramas das culturas, foi realizada a tabela 2 demonstrando o grau de sensibilidade das bactérias aos antibióticos testados. Como podemos observar, chama a atenção como as bactérias estudadas demonstram resistência à Penicilina, Eritromicina e Ciprofloxacino. No entanto, a Linezolida, Vancomicina e Daptomicina demonstraram ser as mais eficazes contra estas bactérias.

Tabela 2
Perfil de sensibilidade dos agentes etiológicos

Discussão

Uma das revisões mais recentes de blefarite demonstrou que o sexo feminino foi o mais prevalente dentre os pacientes acometidos por blefarite como em nosso estudo, ficando a incógnita se o organismo feminino é mais susceptível à blefarite ou se as mulheres tendem a buscar serviços médicos com mais assiduidade que os homens. Em nossa população, encontramos que a idade média foi maior do que 50 anos, também coincidindo com os dados do estudo.(77 Eberhardt M, Rammohan G. Blepharitis. Statpearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2019. [cited 2019 Aug 28]. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK459305/
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Segundo a classificação adotada neste estudo de gravidade da blefarite, a maioria foi leve e moderada, demonstrando que não é comum a doença se manifestar com tanta agressividade em nossa população, diferindo de um estudo australiano no qual a maioria dos casos de blefarite posterior foram severos.(99 Yun ST, Woo DM, Chong CW, Liu Y, Francis KE, Shah SA, et al. Utilisation of a Novel Test to Measure Severity and Treatment Efficacy of Posterior Blepharitis. J Ophthalmol. 2015;2015:617019.)

Avaliando o seguimento de nossos pacientes, foi constatado que 82,4% dos pacientes não retornaram para avaliar o resultado do tratamento, com apenas 17,6% retornando. Acreditamos que este dado é devido ao comum comportamento dos pacientes em desvalorizarem o seguimento do tratamento da blefarite após o término dos sintomas. Eles se preocupam em se tratar apenas quando estão no período sintomático. Uma melhor orientação dos pacientes poderia reduzir este número e favorecer um melhor acompanhamento e tratamento da doença, diminuindo recidivas precoces.

Os resultados das culturas bacterianas demonstraram a alta prevalência de SCN, o que converge com os dados encontrados por uma revisão sistemática recente.(1010 Teweldemedhin M, Gebreyesus H, Atsbaha AH, Asgedom SW, Saravanan M. Bacterial profile of ocular infections: a systematic review. BMC Ophthalmol. 2017;17(1):212.)

Em um estudo brasileiro da década de 80, foi encontrada cultura positiva para S. aureus na maioria dos pacientes.(1111 Portelinha WM, Cai S, Belfort Júnior R. Avaliação clínica e laboratorial do uso de substância emoliente e detergente nas blefarites ciliares. Arq Bras Oftalmol. 1983;46(5):134-7.) Isto difere de nossos dados, sugerindo, possivelmente, mudança da flora bacteriana com o passar do tempo, não apenas no Brasil, mas, também, no mundo todo, como sugere o estudo.(1010 Teweldemedhin M, Gebreyesus H, Atsbaha AH, Asgedom SW, Saravanan M. Bacterial profile of ocular infections: a systematic review. BMC Ophthalmol. 2017;17(1):212.)

Um estudo que avaliou a microbiota bacteriana normal das pálpebras(1212 Ratnumnoi R, Keorochana N, Sontisombat C. Normal flora of conjunctiva and lid margin, as well as its antibiotic sensitivity, in patients undergoing cataract surgery at Phramongkutklao Hospital. Clin Ophthalmol. 2017;11:237-41.) demonstrou que o SCN é a bactéria mais presente (58,33%) seguida de Streptococcus spp (2,5%), Corynebacterium (1,67%), Micrococcus spp (1,67%) e S. aureus (0,83%). Podemos ver que a flora bacteriana da nossa amostra de blefarite é similar à flora das pálpebras saudáveis.

Um estudo recente realizado na Etiópia avaliou a cultura bacteriana de 21 pacientes com blefarite, das quais destacamos as 3 bactérias mais prevalentes: 7 (33,33%) S. aureus, 6 (28,57%) SCN e 3 (14,28%) H. Influenzae.(13) Esses achados são muito diferentes dos nossos nos quais o SCN foi responsável pela grande maioria dos casos, demonstrando a diferença de flora entre populações de regiões distintas. Esse estudo também avaliou a sensibilidade dos SCN, sendo que apenas 3 antibióticos testados nele foram testados em nosso trabalho. O estudo demonstrou que 22,2% dos SCN foram resistentes à Ciprofloxacino, 13,9% à Eritromicina e 33,3% à Penicilina. Em nosso estudo, 11% dos SCN demonstraram resistência à Ciprofloxacino, 43% à eritromicina (com mais 3% demonstrando resistência intermediária à Eritromicina) e 91% de resistência à Penicilina. Assim, observamos como o Ciprofloxacino atua melhor em nossos pacientes e como a Eritromicina e a Penicilina atuam drasticamente pior em nosso meio em relação ao Noroeste Etíope, demonstrando que cada população possui uma microbiota com sensibilidade antimicrobiana própria e única.

Dentre os antibióticos tópicos usados para tratamento de blefarite, a bacitracina, quinolonas e macrolídeos, classe esta que apresenta ação anti-inflamatória além de atividade antibacteriana, são frequentes escolhas para a prescrição. Entretanto, a eritromicina, um dos protótipos da classe, a qual é amplamente utilizada no meio médico, teve o desenvolvimento de resistência bacteriana segundo artigo recente de revisão(1414 Duncan K, Jeng BH. Medical management of blepharitis. Curr Opin Ophthalmol. 2015;26(4):289-94.), dado compatível com nossa pesquisa, na qual foi a segunda opção mais resistente. Ao considerar o tratamento com antibióticos sistêmicos para a Blefarite, destaca-se o uso de Tetraciclina oral, a qual também trata a rosácea devido ao seu efeito de inibir produção de lipase bacteriana e redução dos ácidos graxos, o que é uma vantagem interessante visto que a rosácea agrava a blefarite. (88 Lindsley K, Matsumura S, Hatef E, Akpek EK. Interventions for chronic blepharitis. Cochrane Database Syst Rev. 2012;(5):CD005556.) No entanto, sua indicação se limita devido ao uso prolongado e surgimento de efeitos colaterais. Como alternativa, há a Doxiciclina (análogo da Tetraciclina), mais tolerável ((1515 De Benedetti G, Vaiano AS. Oral azithromycin and oral doxycycline for the treatment of Meibomian gland dysfunction: A 9-month comparative case series. Indian J Ophthalmol. 2019;67(4):464-71.) e a Azitromicina, a qual desfruta dos benefícios da sua classe (macrolídeos), tempo de tratamento reduzido(1616 Al-Hity A, Lockington D. Oral azithromycin as the systemic treatment of choice in the treatment of meibomian gland disease. Clin Exp Ophthalmol. 2016;44(3):199-201.), possui menos efeitos colaterais e uma melhora do quadro mais rápida do que a Doxiciclina.(1515 De Benedetti G, Vaiano AS. Oral azithromycin and oral doxycycline for the treatment of Meibomian gland dysfunction: A 9-month comparative case series. Indian J Ophthalmol. 2019;67(4):464-71.) Infelizmente, em nossa amostra, a Doxiciclina e a Azitromicina não foram avaliadas nos antibiogramas e não sabemos se, para a nossa população, elas seriam boas escolhas. As melhores opções para nossos pacientes seriam: Daptomicina, Linezolida e Vancomicina (todas com 100% de sensibilidade).

A blefarite anterior de causa infecciosa pode ser causada também por vírus ou parasitas.(1717 Bernardes TF, Bonfioli AA. Blepharitis. Semin Ophthalmol. 2010;25(3):79-83.) Importante ressaltar que em nosso estudo não foram encontradas blefarites de origem viral ou parasitária.

De uma forma geral, a causa da blefarite é desconhecida, multifatorial e com provável implicância bacteriana. Na sua patogênese, a lipase bacteriana altera a secreção da glândula de Meibomius, aumentando a concentração de colesterol favorecendo o crescimento e proliferação bacteriana. Além disso, resíduos tóxicos bacterianos, a invasão do tecido e a resposta imunológica são importantes para o desenvolvimento da doença.(11 Pflugfelder SC, Karpecki PM, Perez VL. Treatment of blepharitis: recent clinical trials. Ocul Surf. 2014;12(4):273-84.) Porém, nem todos os casos são relacionados à infecção. Nosso estudo demonstrou que, na população investigada, 66,4% dos pacientes não apresentavam blefarite associada à colonização bacteriana, o que questiona até que ponto a participação bacteriana está diretamente envolvida na patogênese da doença. É comum encontrarmos a blefarite associada a condições sistêmicas como rosácea e dermatite seborreica,(11 Pflugfelder SC, Karpecki PM, Perez VL. Treatment of blepharitis: recent clinical trials. Ocul Surf. 2014;12(4):273-84.) porém essas patologias de base não foram pesquisadas na nossa amostra, podendo ser estas as responsáveis pela patogênese dos pacientes não colonizados.

Conclusão

Conhecendo as características epidemiológicas da Blefarite, podemos direcionar melhor nossas hipóteses diagnósticas. Baseados na característica do exame físico, conseguimos estimar a etiologia da doença sobre se possui maior chance de ser causada por infecção ou não e, assim, direcionar melhor nosso tratamento. É de suma importância conhecer as bactérias mais prevalentes na população tratada por cada serviço e suas respectivas sensibilidades aos antibióticos, visando um tratamento personalizado, mais efetivo.

Este trabalho permitiu-nos conhecer melhor os principais agentes envolvidos nos casos de blefarite no nosso serviço e quais são os melhores antibióticos para utilizarmos. Fortalece, ainda, a real importância que todo profissional de saúde deve dar para a resistência bacteriana aos antibióticos, devendo fazer o uso consciente e preciso destes fármacos.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Nov 2019
  • Data do Fascículo
    Sep-Oct 2019

Histórico

  • Recebido
    17 Maio 2019
  • Aceito
    02 Set 2019
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