Introdução
Segundo informações da organização mundial de saúde (OMS), a cegueira é considerada uma das mais onerosas de todas as formas de invalidez. As consultas oftalmológicas representam 9% dos atendimentos e 5% das urgências médicas gerais.(1,2)
É imprescindível que o ensino da oftalmologia na graduação vise capacitar o acadêmico, e consequentemente o futuro médico, para o diagnóstico e tratamento das doenças oculares no atendimento primário.(3)
Alguns estudos revelam que geralmente o atendimento inicial de queixas oftalmológicas acaba sendo realizado por clínicos gerais, muitos deles recém-formados. Esses estudos têm buscado analisar o grau de conhecimento básico em oftalmologia de médicos generalistas e acadêmicos de medicina, revelando um déficit de aprendizado durante a formação médica.(4-6)
Apesar da existência de diretrizes nacionais para o currículo do ensino médico, observa-se a diferença entre as diversas instituições. Nesse contexto insere-se a oftalmologia e diversas outras ciências médicas, uma vez que ao longo do território nacional possam ser oferecidos tanto cursos bem organizados e estruturados, quanto insatisfatórios na formação acadêmica.(7-9)
A literatura nacional é limitada de informações sobre as características do ensino oftalmológico durante a graduação do médico. Existem trabalhos que avaliaram a qualidade do ensino, porém restritos à poucos estados e instituições de ensino. Sabe-se que, há falhas na formação e essas implicam num despreparo profissional. (4)
A Associação Brasileira de Ligas Acadêmicas de Oftalmologia (ABLAO), criada em julho de 2013, com o intuito de promover a integração política, científica e social dos discentes interessados em Oftalmologia, é a principal ferramenta para o desenvolvimento desse estudo. Atualmente a ABLAO tem aproximadamente 55 ligas acadêmicas de Oftalmologia associadas, e encontra-se presente em todas as regiões do brasil, representando um importante órgão estudantil.
Procuramos nesse primeiro trabalho científico de abrangência nacional da ABLAO, analisar qualitativa e quantitativamente, o perfil do aluno de Medicina que cursou a disciplina de Oftalmologia, correlacionando aspectos do seu ensino durante a graduação.
Métodos
Foi realizado um estudo transversal descritivo do tipo inquérito, com a participação das Ligas Acadêmicas de Oftalmologia de Instituições de Ensino Superior vinculadas ABLAO. A amostra foi composta por alunos da graduação do curso de Medicina, escolhidos aleatoriamente, que já cursaram uma disciplina referente a Oftalmologia.
A pesquisa foi realizada por meio de um questionário individual, padronizado e sem identificação do participante direcionado ao corpo discente de instituições de ensino médico em diferentes regiões do Brasil. As perguntas foram estruturadas em 3 etapas: perfil do aluno, conhecimentos básicos da especialidade e perspectivas sobre o seu ensino. Os alunos foram convidados a responder de forma voluntária o questionário (Figura 1), sem nenhum custo financeiro, assinando o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). O projeto foi submetido e aprovado previamente pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Curso de Medicina da Universidade Estácio de Sá.

Figura 1 Questionário aplicado na pesquisa envolvendo informações sobre o perfil do aluno, conhecimentos teóricos básicos e perspectivas do ensino médico.
Foram excluídos do estudo os alunos com idade inferior a 18 anos de idade, que não responderam a todas perguntas, ou se recusaram a assinar o TCLE.
As variáveis do estudo foram tanto qualitativas quanto quantitativas, e as principais a serem analisadas incluíram o local da pesquisa, período que o aluno está cursando, participação na liga acadêmica de Oftalmologia e o interesse em realizar a especialidade. Foram perguntados também conteúdos básicos sobre algumas doenças oculares comuns e se o aprendizado proporciona segurança na prática como médico. A análise estatística foi feita com o programa Statistical Package for the Social Sciences SPSS, de forma descritiva, com média, desvio padrão e intervalo de confiança de 95%.
Resultados
As informações foram obtidas de 242 alunos de 12 estados de todas as regiões do Brasil. Referente ao perfil do aluno (Tabela 1), a média de idade foi de 23 (3,36±) anos de idade, e o sexo feminino foi predominante em 63,6%. Observou-se a presença de 42% dos Estados Brasileiros nesse survey, com destaque para os Estados do Ceará, Minas Gerais e Rio Grande do Sul que tiveram 54,08% de participação no total. A grande maioria dos alunos 71,9% que respondeu a pesquisa era de Instituição Privada de Ensino, e estava cursando o 8° período (±1,97). Quarenta e três por cento (43%) dos alunos que participaram da pesquisa faziam parte de alguma Liga Acadêmica de Oftalmologia, entretanto apenas 22,3% do total de alunos do estudo, afirmaram que nesse momento pretendiam seguir a carreira de oftalmologista.
Tabela 1 Perfil dos alunos
Idade | 23 (± 3,36) |
Sexo | 63,6% feminino |
Instituição de ensino | 71,9% privada |
Período que está cursando | 08º (± 1,97) período |
Participa de liga acadêmica oftalmologia | 43% |
Pretende fazer oftalmologia | 22,3% |
Influência na escolha da especialidade | 62,8% porque envolve cirurgia, clínica e exames complementares |
Nos quesitos de conhecimentos básicos (Tabela 2) 83% dos alunos acertaram o que é astigmatismo, 80% conjuntivite bacteriana e 68,6% a questão referente ao olho vermelho. Entretanto, 42,9% tiveram dificuldades em identificar o disco óptico e ou a mácula, assim como o índice de acerto para a questão de glaucoma foi de 40,8%. A confiança máxima dos alunos nas respostas as questões formuladas, foi de apenas 53,3%, enquanto que a maior porcentagem de menor confiança foi de 9,9%.
Tabela 2 Conceitos básicos
Temas | Porcentagem de acerto % | 100% Seguro na resposta % | Sem segurança% |
---|---|---|---|
REFRAÇÃO | 83,1 | 35,1 | 9,9 |
GLAUCOMA | 40,9 | 53,3 | 1,7 |
RETINA | 57,3 | 37,6 | 9,9 |
DOENÇAS EXTERNAS | 80,6 | 29,8 | 4,5 |
OLHO VERMELHO | 68,6 | 26,4 | 9,5 |
A terceira parte do questionário incluía perguntas sobre as perspectivas do ensino da Oftalmologia a partir da opinião discente (Tabela 3). 48,3% das instituições ministram a disciplina da Oftalmologia no 7° período. Também foram pesquisadas opções extracurriculares vinculadas ao ensino e prática da Oftalmologia, e se verificou que 43,4% dos alunos responderam que o seu Curso de Medicina oferecia internato eletivo em Oftalmologia, 93% Liga de Oftalmologia, 16,9%, monitoria e 24,4%, iniciação científica.
Tabela 3 Perspectiva do ensino oftalmologia
Período da Disciplina de Oftalmologia | 7º (± 1,08) período |
Internato Eletivo | 43,4 |
Iniciação Científica | 24,4 |
Monitoria | 16,9 |
Liga Acadêmica | 93 |
Importância na Formação do Clínico Geral | 95,9 |
Segurança em Orientar e Encaminhar o Paciente | 31 |
Resultados expressos em percentuais
Ao final da análise 95,9% dos alunos responderam que consideram a Oftalmologia importante na sua formação como médico geral, entretanto apenas 31% se sentem seguros em atender e ou encaminhar pacientes para avaliação do especialista com a formação acadêmica que tiveram.
Discussão
A deficiência na formação do médico geral em conhecimentos oftalmológicos é uma situação recorrente descrita na literatura.(5-7) É preocupante quando em pesquisas prévias, observa-se que o conhecimento oftalmológico dos alunos da graduação é insuficiente.(7) Alguns artigos demonstraram que 70% dos alunos não souberam conceitos básicos sobre correção óptica e 88% sobre corpo estranho ocular.(6,7) Seguindo a mesma linha de perguntas observamos que aproximadamente metade dos alunos tiveram dificuldades na identificação tanto da mácula quanto do disco óptico, e não souberam conceituar corretamente o glaucoma. A deficiência de conteúdo no seu aprendizado reflete uma insegurança em aproximadamente 90% dos alunos e médicos recém-formados no seu atendimento.(4,5,10) Na nossa pesquisa apenas 31% se sentem seguros em atender e ou encaminhar pacientes para avaliação do especialista com a formação acadêmica que tiveram. O debate sobre o ensino médico e a busca de formas para aperfeiçoa-lo deve ser feito regularmente, pois a combinação de insegurança com baixo conhecimento científico pode trazer sérios prejuízos a saúde dos pacientes.
Reunimos nesse trabalho científico uma das maiores e mais recentes estatísticas referente ao assunto. Foram 242 questionários em 12 Estados Brasileiros. Tal amplitude só foi possível devido ao envolvimento direto da ABLAO. As Ligas Acadêmicas de Medicina além de participar da complementação acadêmica no processo de formação do aluno com cursos e atividades teórico-práticas, ajudam em projetos de prevenção a saúde e assumem nesse momento também o protagonismo científico, elaborando e executando sob coordenação docente esse artigo. A participação dos alunos de medicina de todas as regiões do Brasil só foi alcançada nesse projeto unicamente por intermédio da ABLAO, que se estabelece da mesma forma como uma importante ferramenta de comunicação digital acadêmica.
O perfil dos alunos quanto a idade e sexo nessa pesquisa é semelhante aos demais vistos na literatura,(6) e constatamos que a disciplina de oftalmologia é na maioria das vezes (48%) ministrada no 7° período da grade curricular. O processo educacional nesse momento de formação do médico consiste em além de capacitar o diagnóstico e o tratamento de algumas doenças oculares num primeiro atendimento, fazer o encaminhamento adequado ao especialista.(3) Também deve-se proporcionar ao aluno uma visão mais ampla sobre o paciente, uma integração com outras disciplinas do programa de ensino médico, visto que o sintoma ocular comumente vem associado a outras doenças sistêmicas e é necessário o preparo do aluno para o seu reconhecimento e associação, abordando o paciente na sua integralidade, e não isolado dentro de uma especialidade. Esse é um contexto é muito importante, pois é impossível separar os cuidados da saúde ocular com o ensino médico.
Outro ponto relevante que chama a atenção nessa pesquisa, é o fato de 43% dos alunos fazerem parte da liga de oftalmologia da sua instituição, mas não planejar nesse momento seguir a carreira de especialista. Podemos questionar que a vontade de participar das ligas acadêmicas vai além do interesse do aluno em se tornar um especialista, mas sim como uma forma de aprender mais sobre o assunto complementando sua formação de forma extracurricular, por achar a disciplina importante. Isso pode ser confirmado pelo nosso estudo, onde 95,9% dos alunos responderam que consideram a oftalmologia importante na sua formação como médico geral.
Outras opções extracurriculares de aprendizado como monitoria, iniciação científica e internato eletivo voltados para oftalmologia também são encontradas, porém em menor porcentagem, entretanto não diminuem a sua importância no aprendizado, pois contribuem de forma independente e dentro dos seus objetivos específicos na complementação da formação do aluno.
Conclusão
Definimos nessa pesquisa um perfil para o aluno de graduação que cursou a Disciplina de Oftalmologia. Verificamos o quanto ele considera importante a saúde ocular, e que existe uma procura por mais conhecimento no seu preparo como médico generalista. Constatamos também que as Ligas Acadêmicas de Medicina compõem o principal apoio extracurricular ao seu aprendizado. Consideramos importante que diferentes estratégias de ensino sejam discutidas, elaboradas e implementadas para melhorar a sua formação.