Acessibilidade / Reportar erro

Manifestações oculares na febre Chikungunya

Resumo

A febre Chikungunya é um problema de saúde pública mundial, com potencial para gerar epidemias de alta morbidade, visto que elevado número de pacientes pode apresentar sequelas articulares prolongadas e alterações oftalmológicas. As manifestações oftalmológicas podem estar presentes na fase aguda da doença ou ter início após várias semanas da instalação do quadro. Na literatura mundial é descrito desde alterações mais comuns e de fácil tratamento como conjuntivites até alterações mais complexas e que podem cursar com sequelas visuais graves como a retinite e neurite óptica.

Descritores:
Febre de Chikungunya; Vírus Chikungunya; Infecções oculares virais; Infecções por arbovírus

Abstract

Chikungunya fever is a world public health problem with the potential to generate epidemics of high morbidity, since a high number of patients may present prolonged joint sequelae and ophthalmological alterations. Ophthalmologic manifestations may be present in the acute phase of the disease or begin after several weeks of the onset of the disease. In the world literature is described from more common and easy to treat changes such as conjunctivitis to more complex changes and that can occur with severe visual sequelae such as retinitis and optic neuritis.

Keywords:
Chikungunya fever; Chikungunya virus; Eye infections, viral; Arbovirus infections

Introdução

A febre Chikungunya causada pelo vírus de mesmo nome, é uma doença que cursa com o acometimento das articulações, sendo potencialmente debilitante devido a intensidade e cronicidade do quadro álgico.(11 Pialoux G, Gaüzère BA, Jauréguiberry S, Strobel M. Chikungunya, an epidemic arbovirosis. Lancet Infect Dis. 2007;7(5):319-27.) A transmissão ocorre através da picada das fêmeas de mosquitos Aedes Aegypti e Aedes Albopictus infectados pelo vírus Chikungunya, caracterizando-se como uma arbovirose.(22 Brasil. Ministério da Saúde. Chikungunya: manejo clínico. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2017.)

Foi identificado pela primeira vez em 1952 em uma epidemia em Makonde Plateau, na região sul da Tanzânia, e seu nome significa no idioma de origem "aquele que se dobra", uma referência a postura antálgica do paciente infectado.(33 Robinson MC. An epidemic of virus disease in Southern Province, Tanganyika Territory, in 1952-53. I. Clinical features. Trans R Soc Trop Med Hyg. 1955;49(1):28-32.)

No Brasil, o primeiro caso autóctone foi confirmado em Oiapoque-AP (em 13 de setembro de 2014) e sete dias após novos casos foram confirmados em Feira de Santana-BA.(44 Brasil. Ministério da Saúde. Monitoramento dos casos de dengue, febre de chikungunya e febre pelo vírus Zika até a Semana Epidemiológica 19, 2017. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2017.)

Em 2017 no Brasil, foram registrados 185.854 casos prováveis de febre Chikungunya e em 2018, foram 85.221 casos prováveis, sendo confirmados 65.480 (76,8%) segundo os dados do Sistema de Notificação e Agravos de Notificação (SINAN).(55 Brasil. Ministério da Saúde. Monitoramento dos casos de dengue, febre de chikungunya e febre pelo vírus Zika até a Semana Monitoramento dos casos de dengue, febre de chikungunya e doença aguda pelo vírus Zika até a Semana Epidemiológica 44 de 2018. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2018.)

Em 2019, até a décima segunda semana epidemiológica, período entre 30/12/2019 e 23/03/2019, foram registrados 15.352 casos prováveis de febre Chikungunya no país, com uma incidência de 7,4 casos/100 mil hab. A região Sudeste apresentou o maior número de casos prováveis de Chikungunya (66,5%) em relação ao total do país. Entre as unidades federativas, o Rio de Janeiro se destaca pela maior taxa de incidência com 47,7 casos/100 mil hab. Laboratorialmente, houve a confirmação de 2 óbitos por febre Chikungunya e nesse mesmo período em 2018 foram confirmados 10 óbitos.(55 Brasil. Ministério da Saúde. Monitoramento dos casos de dengue, febre de chikungunya e febre pelo vírus Zika até a Semana Monitoramento dos casos de dengue, febre de chikungunya e doença aguda pelo vírus Zika até a Semana Epidemiológica 44 de 2018. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2018.)

O Ministério da Saúde preconiza a notificação de todo caso suspeito ao serviço de vigilância epidemiológica em até sete dias (Anexo da Portaria no 204/2016), enquanto os óbitos suspeitos são de notificação imediata (até 24 horas). Os casos suspeitos são definidos por febre de início súbito e artralgia ou artrite intensa de início agudo não explicada por outras condições, ou que tenha vínculo epidemiológico com caso confirmado. (22 Brasil. Ministério da Saúde. Chikungunya: manejo clínico. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2017.)

O diagnóstico laboratorial é realizado através de testes sorológicos. Durante a fase aguda da infecção altos títulos do vírus estão presentes no sangue, permitindo a pesquisa de RNA viral por meio da técnica de Polymerase Chain Reaction (PCR) entre o primeiro e quinto dia.(22 Brasil. Ministério da Saúde. Chikungunya: manejo clínico. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2017.

3 Robinson MC. An epidemic of virus disease in Southern Province, Tanganyika Territory, in 1952-53. I. Clinical features. Trans R Soc Trop Med Hyg. 1955;49(1):28-32.

4 Brasil. Ministério da Saúde. Monitoramento dos casos de dengue, febre de chikungunya e febre pelo vírus Zika até a Semana Epidemiológica 19, 2017. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2017.

5 Brasil. Ministério da Saúde. Monitoramento dos casos de dengue, febre de chikungunya e febre pelo vírus Zika até a Semana Monitoramento dos casos de dengue, febre de chikungunya e doença aguda pelo vírus Zika até a Semana Epidemiológica 44 de 2018. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2018.
-66 Burt FJ, Chen W, Miner JJ, Lenschow DJ, Merits A, Schnettler E, et al. Chikungunya virus: an update on the biology and pathogenesis of this emerging pathogen. Lancet Infect Dis. 2017;17(4):e107-17.) Testes sorológicos permitem a detecção de anticorpos específicos (imunoglobulinas do tipo M - IgM) a partir do segundo dia após o aparecimento dos sintomas, enquanto na segunda semana após a infecção já são detectados imunoglobulina do tipo G (IgG).(22 Brasil. Ministério da Saúde. Chikungunya: manejo clínico. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2017.

3 Robinson MC. An epidemic of virus disease in Southern Province, Tanganyika Territory, in 1952-53. I. Clinical features. Trans R Soc Trop Med Hyg. 1955;49(1):28-32.

4 Brasil. Ministério da Saúde. Monitoramento dos casos de dengue, febre de chikungunya e febre pelo vírus Zika até a Semana Epidemiológica 19, 2017. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2017.

5 Brasil. Ministério da Saúde. Monitoramento dos casos de dengue, febre de chikungunya e febre pelo vírus Zika até a Semana Monitoramento dos casos de dengue, febre de chikungunya e doença aguda pelo vírus Zika até a Semana Epidemiológica 44 de 2018. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2018.

6 Burt FJ, Chen W, Miner JJ, Lenschow DJ, Merits A, Schnettler E, et al. Chikungunya virus: an update on the biology and pathogenesis of this emerging pathogen. Lancet Infect Dis. 2017;17(4):e107-17.
-77 Seymour RL, Adams AP, Leal G, Alcorn MD, Weaver SC. A Rodent Model of Chikungunya Virus Infection in RAG1 -/- Mice, with Features of Persistence, for Vaccine Safety Evaluation. PLoS Negl Trop Dis. 2015;9(6):e0003800.)

Manifestações clínicas

Os pacientes infectados pelo vírus apresentam na fase aguda febre alta (superior a 39 ºC), intensa artralgia, mialgia, além de exantema máculo-papular.(88 Miner JJ, Aw-Yeang HX, Fox JM, Taffner S, Malkova ON, Oh ST, et al. Chikungunya viral arthritis in the United States: a mimic of seronegative rheumatoid arthritis. Arthritis Rheumatol. 2015;67(5):1214-20.)

O início dos sintomas é abrupto e ocorre após um período de incubação de três dias. A resolução da febre e do rash cutâneo ocorre usualmente em poucos dias.(99 Pistone T, Ezzedine K, Boisvert M, Receveur MC, Schuffenecker I, Zeller H, et al. Cluster of chikungunya virus infection in travelers returning from Senegal, 2006. J Travel Med. 2009;16(4):286-8.) Cerca de 15% dos indivíduos são assintomáticos.(88 Miner JJ, Aw-Yeang HX, Fox JM, Taffner S, Malkova ON, Oh ST, et al. Chikungunya viral arthritis in the United States: a mimic of seronegative rheumatoid arthritis. Arthritis Rheumatol. 2015;67(5):1214-20.)

A maioria dos pacientes apresenta dor e edema em articulações que tipicamente é simétrica e pode acometer qualquer articulação.(88 Miner JJ, Aw-Yeang HX, Fox JM, Taffner S, Malkova ON, Oh ST, et al. Chikungunya viral arthritis in the United States: a mimic of seronegative rheumatoid arthritis. Arthritis Rheumatol. 2015;67(5):1214-20.) A queixa de artralgia começa após a primeira semana do início dos sintomas e pode perdurar por até três anos.(1010 Schilte C, Staikowsky F, Couderc T, Madec Y, Carpentier F, Kassab S, et al. Chikungunya virus-associated long-term arthralgia: a 36-month prospective longitudinal study. PLoS Negl Trop Dis. 2013;7(3):e2137.)

Em casos graves podem ocorrer encefalite, miocardite, hepatite e falência múltipla de órgãos. O acometimento neurológico cursa com convulsões, alteração mental, paralisia flácida e até morte.(1111 Singh SS, Manimunda SP, Sugunan AP, Sahina, Vijayachari P. Four cases of acute flaccid paralysis associated with chikungunya virus infection. Epidemiol Infect. 2008;136(9):1277-80.,1212 Rajapakse S, Rodrigo C, Rajapakse A. Atypical manifestations of chikungunya infection. Trans R Soc Trop Med Hyg. 2010;104(2):89-96.)

Manifestações oculares

Alterações oftalmológicas decorrentes da febre Chikungunya estão descritas em poucos estudos. Em um estudo retrospectivo realizado na Índia, o início do desenvolvimento de manifestações oculares variou de 4 a 12 semanas (média de seis) do quadro agudo da doença. (1313 Mahendradas P, Ranganna SK, Shetty R, Balu R, Narayana KM, Babu RB, et al. Ocular manifestations associated with chikungunya. Ophthalmology. 2008;115(2):287-91.)

Na vigência dessas manifestações, a febre Chikungunya é classificada como forma atípica, considerada a mais grave. As alterações oculares possivelmente ocorrem pela resposta imunológica associada a reação de hipersensibilidade. Essa resposta é iniciada por anticorpos contra os antígenos virais que também são responsáveis pelo comprometimento articular na doença sistêmica. (1414 Martínez-Pulgarín DF, Chowdhury FR, Villamil-Gomez WE, Rodriguez-Morales AJ, Blohm GM, Paniz-Mondolfi AE. Ophthalmologic aspects of chikungunya infection. Travel Med Infect Dis. 2016;14(5):451-7.)

A ocorrência das manifestações oculares pode estar associada ao efeito direto do vírus (quando acompanhadas por manifestações sistêmicas), à resposta imunológica (nas manifestações tardias) (1515 Mittal A, Mittal S, Bharathi JM, Ramakrishnan R, Sathe PS. Uveitis during outbreak of Chikungunya fever. Ophthalmology. 2007;114(9):1798-1798.e3.) ou à toxicidade medicamentosa. (22 Brasil. Ministério da Saúde. Chikungunya: manejo clínico. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2017.) Os mecanismos exatos do envolvimento ocular na febre Chikungunya ainda não estão completamente elucidados.

Na córnea, as células epiteliais e endoteliais são os alvos preferidos do vírus, enquanto os fibroblastos são acometidos no tecido conectivo escleral, estroma do músculo liso do corpo ciliar e da íris.(1616 Couderc T, Gangneux N, Chrétien F, Caro V, Le Luong T, Ducloux B, et al. Chikungunya virus infection of corneal grafts. J Infect Dis. 2012;206(6):851-9.,1717 Couderc T, Chrétien F, Schilte C, Disson O, Brigitte M, Guivel-Benhassine F, et al. A mouse model for Chikungunya: young age and inefficient type-I interferon signaling are risk factors for severe disease. PLoS Pathog. 2008;4(2):e29.)

Foram identificados casos de conjuntivite, cursando com hiperemia e desconforto ocular, semelhante a outras conjuntivites virais.(1818 Parola P, de Lamballerie X, Jourdan J, Rovery C, Vaillant V, Minodier P, et al. Novel chikungunya virus variant in travelers returning from Indian Ocean islands. Emerg Infect Dis. 2006;12(10):1493-9.) A alteração mais comumente encontrada foi a uveíte anterior bilateral frequentemente associada ao aumento da pressão intraocular.(1313 Mahendradas P, Ranganna SK, Shetty R, Balu R, Narayana KM, Babu RB, et al. Ocular manifestations associated with chikungunya. Ophthalmology. 2008;115(2):287-91.,1919 Oréfice F. Uveítis. 2a ed. ed. Rio de Janeiro: Cultura Médica; 2011.)

Com relação a sintomatologia relatada durante o período agudo da infecção, o estudo de Esporcatte et al. obsevou que 4 pacientes (12,50%) referiram conjuntivite e 19 dor retro-orbitária (59,38%).(2020 Pellegrino-Esporcatte LG. Manifestações oculares na febre Chikungunya [tese]. Rio de Janeiro: Universidade Estácio de Sá; 2019.) Em um estudo retrospectivo de 139 pacientes com sorologia positiva para o vírus Chikungunya realizado em uma emergência geral de Porto Rico em 2014, foi descrito conjuntivite em 27 pacientes (19,40%) e foram observados 13 pacientes (9,40%) com sintomas associados à uveíte anterior descritos como hiperemia conjuntival unilateral, injeção ciliar e irregularidade da pupila. Porém, esse diagnóstico foi realizado por um médico não especialista sem o auxílio de uma lâmpada de fenda.(2121 Ulloa-Padilla JP, Dávila PJ, Izquierdo NJ, García-Rodríguez O, Jiménez IZ. Ocular Symptoms and Signs of Chikungunya Fever in Puerto Rico. P R Health Sci J. 2018;37(2):83-7.) É relatado na literatura que fotofobia, hiperemia conjuntival e dor retro-orbitária são achados frequentes na fase aguda da doença e que podem apresentar-se sem outras alterações oftalmológicas.(2222 Merle H, Donnio A, Jean-Charles A, Guyomarch J, Hage R, Najioullah F, et al. Ocular manifestations of emerging arboviruses: dengue fever, Chikungunya, Zika virus, West Nile virus, and yellow fever. J Fr Ophtalmol. 2018;41(6):e235-43.)

No estudo retrospectivo de Mahendradas et al. 5 pacientes apresentaram iridoclicite na fase aguda da infecção sem alterações no exame de gonioscopia ou fundoscopia.(1313 Mahendradas P, Ranganna SK, Shetty R, Balu R, Narayana KM, Babu RB, et al. Ocular manifestations associated with chikungunya. Ophthalmology. 2008;115(2):287-91.) Lalitha et al. descreveram 11 casos de pacientes com uveíte anterior ((1010 Schilte C, Staikowsky F, Couderc T, Madec Y, Carpentier F, Kassab S, et al. Chikungunya virus-associated long-term arthralgia: a 36-month prospective longitudinal study. PLoS Negl Trop Dis. 2013;7(3):e2137.) não granulomatosa e uma granulomatosa), diagnosticados no período de até três meses após a fase aguda da infecção.(2323 Lalitha P, Rathinam S, Banushree K, Maheshkumar S, Vijayakumar R, Sathe P. Ocular involvement associated with an epidemic outbreak of chikungunya virus infection. Am J Ophthalmol. 2007;144(4):552-6.)

Com relação ao aumento da pressão intraocular, o estudo de Esporcatte et al. uma paciente apresentou aumento da pressão intraocular associada ao aumento da escavação do disco óptico (variação entre 08-30 mmHg).(2020 Pellegrino-Esporcatte LG. Manifestações oculares na febre Chikungunya [tese]. Rio de Janeiro: Universidade Estácio de Sá; 2019.) No estudo de Mittal et al. 5 pacientes foram diagnosticados com aumento da pressão intraocular (36,8±10,3 mmHg) induzido pela uveíte.(2424 Mittal A, Mittal S, Bharati MJ, Ramakrishnan R, Saravanan S, Sathe PS. Optic neuritis associated with chikungunya virus infection in South India. Arch Ophthalmol. 2007;125(10):1381-6.) Outro estudo descreveu 5 pacientes com inflamação intraocular cursando com aumento da pressão intraocular, variando entre 27-42 mmHg. A mesma foi controlada três semanas após o tratamento específico do processo inflamatório.(1313 Mahendradas P, Ranganna SK, Shetty R, Balu R, Narayana KM, Babu RB, et al. Ocular manifestations associated with chikungunya. Ophthalmology. 2008;115(2):287-91.)

Com relação a acuidade visual foi observado na fase crônica da doença (12,72 ± 7,70 meses) a variação com a melhor correção entre 20/20 e 20/60.(2020 Pellegrino-Esporcatte LG. Manifestações oculares na febre Chikungunya [tese]. Rio de Janeiro: Universidade Estácio de Sá; 2019.) Em um estudo retrospectivo realizado em 2007 na Índia de uma série de 37 casos até três meses do diagnóstico da doença, a acuidade visual encontrada variou entre 20/20 a percepção luminosa em 1 paciente. (2323 Lalitha P, Rathinam S, Banushree K, Maheshkumar S, Vijayakumar R, Sathe P. Ocular involvement associated with an epidemic outbreak of chikungunya virus infection. Am J Ophthalmol. 2007;144(4):552-6.) No estudo de Mittal et al. a acuidade visual com a melhor correção variou entre 20/40 em 11 olhos (61,10%) a pior que 20/200 em 2 olhos (11,10%).(1515 Mittal A, Mittal S, Bharathi JM, Ramakrishnan R, Sathe PS. Uveitis during outbreak of Chikungunya fever. Ophthalmology. 2007;114(9):1798-1798.e3.) Em outro trabalho retrospectivo com 9 pacientes a acuidade visual com a melhor correção teve a variação entre 20/20 a 20/20.000 (equivalente a movimento de mãos a 60 cm).(1313 Mahendradas P, Ranganna SK, Shetty R, Balu R, Narayana KM, Babu RB, et al. Ocular manifestations associated with chikungunya. Ophthalmology. 2008;115(2):287-91.,2525 Holladay JT, Msee. Visual acuity measurements. J Cataract Refract Surg. 2004;30(2):287-90.)

No trabalho de Esporcatte et al. o diagnóstico de olho seco foi relatado em 20 pacientes (62,00%) através dos testes de função lacrimal. Nestes, as alterações foram encontradas em 9 indivíduos somente no tempo de ruptura do filme lacrimal (45,00%), em 11, tanto no tempo de ruptura do filme lacrimal, quanto no teste de Schirmer (55,00%). Quatro pacientes apresentaram alterações no teste da lissamina verde (12,50%). Não foi encontrada significância estatística entre o olho seco e a idade dos pacientes.(2020 Pellegrino-Esporcatte LG. Manifestações oculares na febre Chikungunya [tese]. Rio de Janeiro: Universidade Estácio de Sá; 2019.)

Lalitha et al. observou 3 pacientes com ceratite, porém com o padrão dendrítico, semelhante a causada por herpes vírus, esses foram submetidos ao tratamento preconizado para ceratite herpética com aciclovir obtendo melhora do quadro.(2323 Lalitha P, Rathinam S, Banushree K, Maheshkumar S, Vijayakumar R, Sathe P. Ocular involvement associated with an epidemic outbreak of chikungunya virus infection. Am J Ophthalmol. 2007;144(4):552-6.)

O acometimento do segmento posterior pode manifestar-se com retinite,(1313 Mahendradas P, Ranganna SK, Shetty R, Balu R, Narayana KM, Babu RB, et al. Ocular manifestations associated with chikungunya. Ophthalmology. 2008;115(2):287-91.,1818 Parola P, de Lamballerie X, Jourdan J, Rovery C, Vaillant V, Minodier P, et al. Novel chikungunya virus variant in travelers returning from Indian Ocean islands. Emerg Infect Dis. 2006;12(10):1493-9.,2323 Lalitha P, Rathinam S, Banushree K, Maheshkumar S, Vijayakumar R, Sathe P. Ocular involvement associated with an epidemic outbreak of chikungunya virus infection. Am J Ophthalmol. 2007;144(4):552-6.) coroidite,(2323 Lalitha P, Rathinam S, Banushree K, Maheshkumar S, Vijayakumar R, Sathe P. Ocular involvement associated with an epidemic outbreak of chikungunya virus infection. Am J Ophthalmol. 2007;144(4):552-6.) neurorretinite(2626 Nair AG, Biswas J, Bhende MP. A case of bilateral Chikungunya neuroretinitis. J Ophthalmic Inflamm Infect. 2012;2(1):39-40.,2727 Mahesh G, Giridhar A, Shedbele A, Kumar R, Saikumar SJ. A case of bilateral presumed chikungunya neuroretinitis. Indian J Ophthalmol. 2009;57(2):148-50.) e neurite óptica.(2424 Mittal A, Mittal S, Bharati MJ, Ramakrishnan R, Saravanan S, Sathe PS. Optic neuritis associated with chikungunya virus infection in South India. Arch Ophthalmol. 2007;125(10):1381-6.) A retinite pode apresentar-se com vitreíte, hemorragia e edema retiniano com acometimento da vasculatura da retina, o que pode assemelhar-se à infecção pelo vírus da herpes.(1313 Mahendradas P, Ranganna SK, Shetty R, Balu R, Narayana KM, Babu RB, et al. Ocular manifestations associated with chikungunya. Ophthalmology. 2008;115(2):287-91.) A maioria dos pacientes com retinite cursa com recuperação da acuidade visual em um período de 10 a 12 semanas. Após o quadro infeccioso evidencia-se apenas mobilização do epitélio pigmentado da retina ao exame de fundoscopia. Em alguns poucos casos, podem ocorrer isquemia macular e alterações no disco óptico cursando com redução permanente da acuidade visual.(2828 Mahendradas P, Avadhani K, Shetty R. Chikungunya and the eye: a review. J Ophthalmic Inflamm Infect. 2013;3(1):35.)

A perda visual aguda pode ocorrer nos casos de neurite óptica secundária à infecção pelo vírus Chikungunya, e o tratamento para recuperação visual é realizado com corticoterapia sistêmica. No estudo de Mittal et al., 36% dos pacientes com neurite óptica apresentaram manifestações sistêmicas concomitantes às oculares, sugerindo envolvimento direto do vírus.(2424 Mittal A, Mittal S, Bharati MJ, Ramakrishnan R, Saravanan S, Sathe PS. Optic neuritis associated with chikungunya virus infection in South India. Arch Ophthalmol. 2007;125(10):1381-6.)

Lalitha et al. diagnosticaram 3 pacientes com neurite óptica retrobulbar cursando com defeito pupilar aferente, apesar do fundo de olho não ter alterações. A neurite óptica foi diagnosticada em pacientes mais idosos.(2323 Lalitha P, Rathinam S, Banushree K, Maheshkumar S, Vijayakumar R, Sathe P. Ocular involvement associated with an epidemic outbreak of chikungunya virus infection. Am J Ophthalmol. 2007;144(4):552-6.)

Tratamento

Ainda não existe tratamento específico ou vacina para prevenção da infecção. O tratamento atual inclui sintomáticos como o uso de anti-inflamatórios orais e hidroxicloroquina (droga antimalárica).(2929 de Lamballerie X, Ninove L, Charrel RN. Antiviral treatment of chikungunya virus infection. Infect Disord Drug Targets. 2009;9(2):101-4.)

O tratamento das manifestações oculares é realizado de acordo com a estrutura acometida. Em caso de conjuntivite o tratamento é sintomático com uso de lubrificantes oculares e compressas geladas. Para o tratamento de uveítes podem ser utilizados corticoides tópicos e/ou sistêmicos e caso ocorra aumento da pressão intraocular, o uso de colírios hipotensores pode ser associado. Nas alterações em polo posterior (retinites e neurite óptica) são utilizados corticoides orais e nos casos mais graves com acometimento do disco óptico é necessário internação e corticoterapia intravenosa.(1919 Oréfice F. Uveítis. 2a ed. ed. Rio de Janeiro: Cultura Médica; 2011.)

Considerações finais

Na literatura mundial foram relatados casos de manifestações oculares causadas pelo vírus Chikungunya, iniciadas tanto na fase aguda quanto após várias semanas da infecção. Sabe-se que podem ocorrer desde alterações mais comuns e de fácil tratamento como conjuntivites até as mais complexas e que podem cursar com sequelas visuais graves como a retinite e neurite óptica.(28) Logo, enquanto houver endemias causadas por esse vírus, é necessário incluí-lo como diagnóstico diferencial de patologias oculares.

Referências

  • 1
    Pialoux G, Gaüzère BA, Jauréguiberry S, Strobel M. Chikungunya, an epidemic arbovirosis. Lancet Infect Dis. 2007;7(5):319-27.
  • 2
    Brasil. Ministério da Saúde. Chikungunya: manejo clínico. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2017.
  • 3
    Robinson MC. An epidemic of virus disease in Southern Province, Tanganyika Territory, in 1952-53. I. Clinical features. Trans R Soc Trop Med Hyg. 1955;49(1):28-32.
  • 4
    Brasil. Ministério da Saúde. Monitoramento dos casos de dengue, febre de chikungunya e febre pelo vírus Zika até a Semana Epidemiológica 19, 2017. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2017.
  • 5
    Brasil. Ministério da Saúde. Monitoramento dos casos de dengue, febre de chikungunya e febre pelo vírus Zika até a Semana Monitoramento dos casos de dengue, febre de chikungunya e doença aguda pelo vírus Zika até a Semana Epidemiológica 44 de 2018. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2018.
  • 6
    Burt FJ, Chen W, Miner JJ, Lenschow DJ, Merits A, Schnettler E, et al. Chikungunya virus: an update on the biology and pathogenesis of this emerging pathogen. Lancet Infect Dis. 2017;17(4):e107-17.
  • 7
    Seymour RL, Adams AP, Leal G, Alcorn MD, Weaver SC. A Rodent Model of Chikungunya Virus Infection in RAG1 -/- Mice, with Features of Persistence, for Vaccine Safety Evaluation. PLoS Negl Trop Dis. 2015;9(6):e0003800.
  • 8
    Miner JJ, Aw-Yeang HX, Fox JM, Taffner S, Malkova ON, Oh ST, et al. Chikungunya viral arthritis in the United States: a mimic of seronegative rheumatoid arthritis. Arthritis Rheumatol. 2015;67(5):1214-20.
  • 9
    Pistone T, Ezzedine K, Boisvert M, Receveur MC, Schuffenecker I, Zeller H, et al. Cluster of chikungunya virus infection in travelers returning from Senegal, 2006. J Travel Med. 2009;16(4):286-8.
  • 10
    Schilte C, Staikowsky F, Couderc T, Madec Y, Carpentier F, Kassab S, et al. Chikungunya virus-associated long-term arthralgia: a 36-month prospective longitudinal study. PLoS Negl Trop Dis. 2013;7(3):e2137.
  • 11
    Singh SS, Manimunda SP, Sugunan AP, Sahina, Vijayachari P. Four cases of acute flaccid paralysis associated with chikungunya virus infection. Epidemiol Infect. 2008;136(9):1277-80.
  • 12
    Rajapakse S, Rodrigo C, Rajapakse A. Atypical manifestations of chikungunya infection. Trans R Soc Trop Med Hyg. 2010;104(2):89-96.
  • 13
    Mahendradas P, Ranganna SK, Shetty R, Balu R, Narayana KM, Babu RB, et al. Ocular manifestations associated with chikungunya. Ophthalmology. 2008;115(2):287-91.
  • 14
    Martínez-Pulgarín DF, Chowdhury FR, Villamil-Gomez WE, Rodriguez-Morales AJ, Blohm GM, Paniz-Mondolfi AE. Ophthalmologic aspects of chikungunya infection. Travel Med Infect Dis. 2016;14(5):451-7.
  • 15
    Mittal A, Mittal S, Bharathi JM, Ramakrishnan R, Sathe PS. Uveitis during outbreak of Chikungunya fever. Ophthalmology. 2007;114(9):1798-1798.e3.
  • 16
    Couderc T, Gangneux N, Chrétien F, Caro V, Le Luong T, Ducloux B, et al. Chikungunya virus infection of corneal grafts. J Infect Dis. 2012;206(6):851-9.
  • 17
    Couderc T, Chrétien F, Schilte C, Disson O, Brigitte M, Guivel-Benhassine F, et al. A mouse model for Chikungunya: young age and inefficient type-I interferon signaling are risk factors for severe disease. PLoS Pathog. 2008;4(2):e29.
  • 18
    Parola P, de Lamballerie X, Jourdan J, Rovery C, Vaillant V, Minodier P, et al. Novel chikungunya virus variant in travelers returning from Indian Ocean islands. Emerg Infect Dis. 2006;12(10):1493-9.
  • 19
    Oréfice F. Uveítis. 2a ed. ed. Rio de Janeiro: Cultura Médica; 2011.
  • 20
    Pellegrino-Esporcatte LG. Manifestações oculares na febre Chikungunya [tese]. Rio de Janeiro: Universidade Estácio de Sá; 2019.
  • 21
    Ulloa-Padilla JP, Dávila PJ, Izquierdo NJ, García-Rodríguez O, Jiménez IZ. Ocular Symptoms and Signs of Chikungunya Fever in Puerto Rico. P R Health Sci J. 2018;37(2):83-7.
  • 22
    Merle H, Donnio A, Jean-Charles A, Guyomarch J, Hage R, Najioullah F, et al. Ocular manifestations of emerging arboviruses: dengue fever, Chikungunya, Zika virus, West Nile virus, and yellow fever. J Fr Ophtalmol. 2018;41(6):e235-43.
  • 23
    Lalitha P, Rathinam S, Banushree K, Maheshkumar S, Vijayakumar R, Sathe P. Ocular involvement associated with an epidemic outbreak of chikungunya virus infection. Am J Ophthalmol. 2007;144(4):552-6.
  • 24
    Mittal A, Mittal S, Bharati MJ, Ramakrishnan R, Saravanan S, Sathe PS. Optic neuritis associated with chikungunya virus infection in South India. Arch Ophthalmol. 2007;125(10):1381-6.
  • 25
    Holladay JT, Msee. Visual acuity measurements. J Cataract Refract Surg. 2004;30(2):287-90.
  • 26
    Nair AG, Biswas J, Bhende MP. A case of bilateral Chikungunya neuroretinitis. J Ophthalmic Inflamm Infect. 2012;2(1):39-40.
  • 27
    Mahesh G, Giridhar A, Shedbele A, Kumar R, Saikumar SJ. A case of bilateral presumed chikungunya neuroretinitis. Indian J Ophthalmol. 2009;57(2):148-50.
  • 28
    Mahendradas P, Avadhani K, Shetty R. Chikungunya and the eye: a review. J Ophthalmic Inflamm Infect. 2013;3(1):35.
  • 29
    de Lamballerie X, Ninove L, Charrel RN. Antiviral treatment of chikungunya virus infection. Infect Disord Drug Targets. 2009;9(2):101-4.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Nov 2019
  • Data do Fascículo
    Sep-Oct 2019

Histórico

  • Recebido
    08 Jul 2019
  • Aceito
    17 Jul 2019
Sociedade Brasileira de Oftalmologia Rua São Salvador, 107 , 22231-170 Rio de Janeiro - RJ - Brasil, Tel.: (55 21) 3235-9220, Fax: (55 21) 2205-2240 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rbo@sboportal.org.br