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Perfil e trajetória profissional dos egressos da residência médica em Oftalmologia do Estado de Alagoas

Resumo

Objetivo:

Caracterizar o perfil dos egressos de Programas de Residência Médica em Oftalmologia no Estado de Alagoas, quanto à sua formação e prática profissional.

Métodos:

Estudo descritivo, retrospectivo, de paradigma quantitativo, desenvolvido a partir de questionário autoaplicável enviado aos médicos egressos do programa de residência em Oftalmologia do Hospital Universitário Professor Alberto Antunes (HUPAA/UFAL) que finalizaram a residência nos últimos 10 anos.

Resultados:

Dos 28 ex-residentes, 27 responderam ao questionário. Foram predominantemente mulheres (70,4%), jovens (média 35,92±4,05 anos), de naturalidade alagoana (51,8%), com graduação em instituições públicas (81,5%). A maioria se fixou em Maceió e região metropolitana (51,8%) e trabalha em ambulatórios privados (92,6%), com pouca atuação na gestão (14.8%) e docência (7,4%). Mais da metade não possui titulação de especialista pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia (59,3%) e realizou programa de complementação especializada tipo “fellowship” (74%). Apenas 7,4% realiza atividades em pesquisa e 3.7% possui mestrado. No geral, os egressos estudados estão satisfeitos com o exercício da especialidade (100%) e com sua formação na instituição (86,3%), sugerindo melhora na assistência cirúrgica e ensino teórico (29,7%).

Conclusão:

A avaliação da realidade e atuação profissional dos egressos e de suas percepções foi capaz de levantar o perfil de escolhas profissionais e condições de inserção e satisfação profissional. Também permitiu avaliação externa complementar da instituição formadora, fornecendo subsídios para melhoria da qualidade dos programas de residência médica em Oftalmologia.

Descritores:
Oftalmologia/educação; Ensino; Educação; Internato e Residência; Hospitais de ensino

Abstract

Objective:

To characterize the profile of graduates of Medical Residency Programs in Ophthalmology in the state of Alagoas, regarding their training and professional practice.

Methods:

Retrospective descriptive study developed from a self-administered questionnaire sent to doctors who graduated from the Ophthalmology residency program at the Professor Alberto Antunes University Hospital (HUPAA / UFAL) who completed their residency in the last 10 years.

Results:

Of the 28 former residents, 27 responded to the questionnaire. They are predominantly women (70.4%), young (average 35.92 ± 4.05 years), born in the State of Alagoas (51.8%), graduated from public institutions (81.5%). Most settled in Maceió and the metropolitan region (51.8%) and work in private outpatient clinics (92.6%), with little experience in management (14.8%) and teaching (7.4%). More than half do not have a specialist degree from the Brazilian Council of Ophthalmology (59.3%) and carried out a specialized fellowship complementation program (74%). Only 7.4% carry out research activities and 3.7% have a master's degree. In general, the studied graduates are satisfied with the exercise of the specialty (100%) and with their training at the institution (86.3%), suggesting an improvement in surgical care and theoretical teaching (29.7%).

Conclusion:

The evaluation of the reality and professional performance of the graduates and their perceptions was able to raise the profile of professional choices and conditions of insertion and professional satisfaction. It also allowed complementary external evaluation of the training institution, providing subsidies for improving the quality of ophthalmology medical residency programs.

Keywords:
Ophthalmology/education; Tutorship; Education; Internship and Residency; Hospitals, teaching

Introdução

A residência médica é reconhecida como uma modalidade de pós-graduação considerada curso ideal para a formação de especialistas. É caracterizada por treinamento em serviço sob a supervisão permanente de profissionais médicos de elevada qualificação ética e profissional, funcionando em instituições de saúde, universitárias ou não(11 Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Superior. Residência Médica. Legislação Específica. Decreto nº 80.281, de 5 de setembro de 1977. Regulamenta a residência médica, cria a Comissão Nacional de Residência Médica e dá outras providências. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 6/9/1977. Seção 1, pt. 1, p. 11787.). Situa-se em posição intermediária entre especialização e mestrado, apresentando programação de estudos em tempo integral e dedicação exclusiva, além de duração mínima de dois anos(22 Ferreira OS, Figueira F. Requisitos ideais para um programa de residência médica em pediatria nos países em desenvolvimento. Rev Assoc Med Bras. 1978; 24(7):158-60.). O objetivo primordial é transformar o médico em um profissional com habilidades especificas, capaz de atender com maior eficiência as necessidades da comunidade(22 Ferreira OS, Figueira F. Requisitos ideais para um programa de residência médica em pediatria nos países em desenvolvimento. Rev Assoc Med Bras. 1978; 24(7):158-60.).

O programa de residência médica em Oftalmologia do Hospital Universitário Professor Alberto Antunes (HUPAA), da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) apresenta credenciamento pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO). Atualmente possui duração de três anos, sendo composta por nove residentes, três de cada ano – R1, R2 e R3, formando três profissionais por ano e representando todas as vagas de residência em Oftalmologia do estado.

A contribuição desses residentes é fundamental no atendimento feito aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). Eles auxiliam no trabalho de Oftalmologia clínica, diagnóstica e cirúrgica completa. A evolução do aprendizado é progressiva e as responsabilidades atribuídas e permitidas, tanto em nível ambulatorial como na realização de procedimentos cirúrgicos, são designadas de acordo com as habilidades adquiridas por cada um, durante os anos do treinamento. As equipes, em regime de rotação, participam dos ambulatórios de especialidades, realização de exames complementares, rodízios cirúrgicos e captação/preservação de tecidos oculares, sempre sob supervisão docente. Não há rodízio de atendimento a urgência e emergência, porém alguns casos de pacientes já acompanhados ou referenciados por outros serviços são recebidos durante o período de atendimento eletivo. Há ainda uma programação de aulas teóricas, divididas por área de conhecimento.

Sabe-se que a inserção dos profissionais no mercado de trabalho é multifatorial, mas questiona-se até que ponto a instituição formadora possui responsabilidade sobre o sucesso de seus egressos. E, apesar da existência de inúmeros programas de residência médica ativos no Brasil, o acompanhamento regular e sistemático de egressos é uma prática incomum entre instituições formadoras de profissionais da saúde. Os dados são escassos, com poucas publicações acerca do perfil dos egressos dos programas de residência médica e sua atuação profissional, com nenhuma publicação relacionada a residência médica em Oftalmologia. Ao serem avaliados o projeto de residência de uma instituição formadora e como seus egressos exercem a especialidade, poderão eclodir informes e meios de como torná-los agentes ativos no processo de mudanças, bem como determinar as necessidades relativas à educação permanente.

Neste cenário, o presente estudo teve como objetivo caracterizar o perfil dos egressos de Programas de Residência Médica em Oftalmologia no estado de Alagoas, quanto à sua formação e prática profissional, nos últimos dez anos. Adicionalmente, descrever a motivação na escolha da especialidade, a satisfação com a atuação e formação na instituição, além de sugestões para melhoria da instituição formadora.

Métodos

Estudo descritivo, retrospectivo, de paradigma quantitativo, desenvolvido a partir de questionário autoaplicável enviado aos médicos egressos do programa de residência em Oftalmologia do Hospital Universitário Professor Alberto Antunes (HUPAA/UFAL) que finalizaram a residência entre 2010 e 2020. A identificação da população referência deste estudo se realizou através do cadastro pela Comissão de Residência Médica (COREME). O convite para participação na pesquisa ocorreu por e-mail, correspondência, telefone ou redes sociais, de acordo com o tipo de contato disponível. A cada convite foram enviados uma carta explicativa e o link para acesso ao questionário da pesquisa e ao termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), no qual os participantes foram informados acerca da pesquisa, dos seus objetivos e possíveis riscos, assinando voluntariamente a participação na mesma.

O projeto foi conduzido de acordo com os princípios éticos contidos na resolução CNS nº 466/2012 e foi submetido à aprovação pela Comissão de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Alagoas antes de sua execução, sob o Certificado de Apresentação de Apreciação Ética nº 15096119.8.0000.5013.

Os dados coletados por meio de questionário semiestruturado adaptado de Rodrigues(33 Rodrigues ET. Egressos do programa de residência em medicina de família e comunidade do estado de São Paulo, 2000 a 2009 [dissertação]. Ribeirão Preto: Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; 2012.) compreenderam as variáveis demográficas e pessoais (idade, sexo, raça, estado civil, número de filhos, naturalidade e procedência), local de graduação em medicina, atuação profissional (área de atuação, desenvolvimento de atividades em serviços públicos e particulares, atuação na docência e gestão, realização de pesquisa científica) e atividades relacionadas à formação em Oftalmologia (obtenção do titulo de especialista pelo CBO, titulação Stricto Sensu, realização de programa de fellowship).

Adicionalmente, o nível de satisfação com a especialidade e com a formação no Hospital Universitário Professor Alberto Antunes foram questionados por meio de nota (1 a 10) em escala linear, em que as notas 1 e 2 corresponderiam à insatisfação, 3 e 4 à pouca satisfação, 5 e 6 à indiferença, 7 e 8 à satisfação e 9 e 10 à muita satisfação. A motivação na escolha da especialidade e sugestões para melhoria do serviço foram solicitadas por meio de perguntas abertas.

As variáveis quantitativas foram descritas através de seus valores mínimo e máximo, médias e desvios-padrão. As variáveis categóricas foram descritas por meio de frequências e porcentagens. As perguntas abertas (textos) foram analisadas através de análise de discurso e agrupadas segundo temáticas comuns.

Resultados

Dos 28 ex-residentes, vinte e sete responderam ao questionário da pesquisa. Destes, 70,4% (n=19) eram mulheres e 29,6% (n=8), homens. A média da idade foi de 35,92 anos, com desvio padrão de 4,05, enquanto metade dos participantes possuía idade até 36 anos. Sessenta e três por cento (n= 17) são casados e 37% (n=10), solteiros. 48,1%, (n=13) não possui filhos, 29,6% (n=8) possui um filho e 22,2% (n=6) possui dois ou mais filhos (Tabela 1).

Tabela 1
Características sociodemográficas dos egressos da residência médica em Oftalmologia do HUPAA-UFAL

A totalidade era brasileira, natural dos estados de Alagoas (51,8%, n=14), Bahia (11,1%, n=3), Paraíba (7,4%, n=2), São Paulo (7,4%, n=2), Pará (7,4%, n=2), Sergipe (3,7%, n=1), Ceará (3,7%, n=1), Rio Grande do Norte (3,7%, n=1) e Pernambuco (3,7%, n=1). Cinquenta e um virgula oito por cento (n=14) dos egressos se fixou no estado em que realizou a residência médica. Quanto à formação em Medicina, a maioria dos egressos era proveniente da Universidade Federal de Alagoas (48,1%, n=13), seguido da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (14,8%, n=4). Dentre as instituições formadoras, 81,5% (n=22) era pública e 8,5% (n=5), privada (Tabela 1).

Mais da metade dos egressos (59,3%, n=16) não possui título de especialista pelo CBO. Vinte deles (n=74%) concluíram ou estão cursando ao menos um programa de complementação especializada tipo “fellowship”; apenas dois deles (7,4%) realizam atividades em pesquisa e um cursa mestrado (3,7%); nenhum dos participantes possui doutorado (Tabela 2). Todos exercem ativamente a especialidade de Oftalmologia, atuando predominantemente nas áreas de Oftalmologia geral (22,2%, n=6), córnea e lentes de contato (18,5%, n=5), oftalmopediatria e estrabismo (14,8%, n=4), glaucoma (14,8%, n=4), retina (11,1%, n=3), catarata (11,1%, n=3), oculoplástica (3,7%, n=1) e neuroftalmologia (3,7%, n=1). A maioria exerce suas atividades profissionais em serviços ambulatoriais particulares (92,6%, n=25); cinco atuam em serviços ambulatoriais públicos (18,5%); dois (7,4%) atuam em serviços de urgência e emergência oftalmológica; dois atuam adicionalmente na docência (7,4%) e quatro (14,8%) na gestão (Tabela 3).

Tabela 2
Trajetória acadêmica dos egressos da residência médica em Oftalmologia do HUPAA-UFAL
Tabela 3
Atuação profissional dos egressos da residência médica em Oftalmologia do HUPAA-UFAL

Para 29,6% (n=8) dos egressos, a escolha da Oftalmologia se deu por afinidade com a especialidade, 11,1% (n=3) pela qualidade de vida proporcionada e 25,9% (n=7) pelo amplo campo de atuação (clínico, cirúrgico e propedêutico). Três participantes (n=11,1%) não responderam a esta pergunta. No tocante ao grau de satisfação com a escolha profissional, numa escala de 1 a 10, 37%(n=10) dos oftalmologistas assinalaram grau 10, 33,3% (n=9), grau 9 e 18,5% (n=5), grau 8 (Figura 1). Os 11,1% (n=3) restantes escolheram graus 6 e 7 (Figura 1).

Figura 1
Satisfação com escolha profissional (notas de 1 a 10) entre os egressos da residência médica do HUPAA-UFAL.

Já em relação à satisfação com a formação em Oftalmologia pelo HUPAA-UFAL, 70,3% (n=19) dos ex-residentes estavam totalmente satisfeitos e muito satisfeitos (pontuações 8, 9 e 10), 25,9% (n=7) deles estavam satisfeitos (pontuação 7) e 3,7% (n=1) estava indiferente (nota 5)(Figura 2).

Figura 2
Satisfação com formação em Oftalmologia (notas de 1 a 10) entre os egressos da residência médica do HUPAA-UFAL.

Como sugestões apresentadas para a melhoria do serviço, levantou-se sobretudo a necessidade da intensificação da demanda e assistência cirúrgica (25,9%, n=7), da melhoria no ensino teórico, com reforço nas aulas e discussão de casos (25,9%, n=7), do estímulo à pesquisa (11,1%, n=3) e de um estágio em urgência e emergência oftalmológica (7,4%, n=2). Outras sugestões incluíram a presença de avaliações mensais preparatórias para a prova de título (3,7%, n=1), a implementação de programas de fellowship (3,7%, n=1), a diversificação do ensino com acesso à serviços particulares para aproximação com exames e tratamentos mais modernos (3,7%, n=1) e organização dos estágios em subespecialidades (3,7%, n=1). Quatro participantes (14,8%) não responderam a essa pergunta (Tabela 4).

Tabela 4
Sugestões dos egressos em Oftalmologia para o programa de residência médica do HUPAA-UFAL

Discussão

No presente estudo, evidenciou-se predominância do sexo feminino entre os egressos (70,4% contra 29,6% do sexo masculino), corroborando com os achados na literatura que apontam acréscimo da participação feminina, não só nos cursos de medicina, como também nos exames de seleção para residência na área de Oftalmologia(44 Scheffer MC, Cassenote, AJF. A feminização da medicina no Brasil. Rev Bioét. 2013;21(2):268-77.). A idade média dos participantes (35,92 ± 4,05) revelou que o programa foi procurado por adultos jovens e, em sua maioria (81,5%) provenientes de instituições públicas.

A existência de programas de residência médica é um fator que contribui para a concentração do médico em determinado local. Estudos apontaram que os médicos tendem a permanecer no local onde realizaram sua residência médica, independentemente de sua naturalidade(55 Pinto LF, Machado MH. Médicos migrantes e a formação profissional: um retrato brasileiro. Rev Bras Educ Méd. 2000. 24:53-64.). No Acre e Roraima, por exemplo, praticamente 100% dos egressos que não eram naturais dos estados, mas que concluíram as residências de Ginecologia e Obstetrícia, Medicina da Família e Comunidade e Pediatria, fixaram-se nos mesmos(66 Nunes MP, Michel JL, Brenelli SL, Haddad AE, Mafra D, Ribeiro EC, et al. Distribuição das vagas de Residência Médica e de médicos nas regiões do país. Cad ABEM. 2011;7:28-34.). No presente estudo, diferentemente da literatura, somente os oftalmologistas naturais de Alagoas se fixaram em Maceió e região metropolitana. A fixação na capital do estado e regiões vizinhas é semelhante à tendência global dos médicos residirem em centros urbanos e polos econômicos – locais de maior concentração de estabelecimentos de saúde e, consequentemente, de maior oferta de trabalho(77 Farias ER. Onde estão e o que fazem os egressos da residência de Medicina de Família e Comunidade? [dissertação]. Canoas: Universidade Luterana do Brasil; 2003.,88 Chaves HL, Borges LB, Guimarães DC, Cavalcante LPG. et al. Vagas para Residência Médica no Brasil: Onde estão e o que é avaliado. Rev Bras Educ Med. 2013;37:557-65.).

O título de especialista pelo CBO, por sua vez, foi obtido por apenas 40,7% (n=11) dos ex-residentes. O mesmo tem importância para a qualificação dos formandos e sua inserção no mercado de trabalho, sendo exigido para o credenciamento nos planos de saúde e admissão em alguns serviços. Tal fato pode ser justificado pelo credenciamento da residência pelo MEC, que já garante o Registro de Qualificação de Especialista (RQE) – formalidade que permite ao médico divulgar sua especialidade após registro junto ao Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição. Outras hipóteses incluem a deficiência educacional do serviço e a falta de priorização de estratégias voltadas a aprovação dos alunos nos exames da sociedade.

Em meio a um mercado cada vez mais competitivo, a complementação e treinamento em áreas de atuação - que na Oftalmologia são realizados por meio de programas tipo “fellowship”, tornam-se mais buscados, sendo efetuados pela maioria dos egressos do presente estudo (74%). A inserção destes profissionais, com treinamentos especializados, nos referidos programas, melhora a formação dos egressos, aumentando suas habilidades(99 Maniglia J V. Perfil do egresso da residência em otorrinolaringologia e cirurgia de cabeça e pescoço da Santa Casa de Franca, da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto e da Clínica Maniglia. Arq Ciênc Saúde. 2004;11(1):29-36.).

Observa-se ainda que somente dois participantes (7,4%) realizam atividades em pesquisa e somente um (3,7%) possui mestrado. Poucos dentre os oftalmologistas no Brasil, após término da residência médica, interessam-se na realização de pós-graduação strictu sensu(1010 Kara-Junior N. A situação da pós-graduação strictu-sensu no Brasil: instituição, docente e aluno. Rev Bras Oftalmol. 2012. 71(1):5-7.). Tal carência na produção cientifica apresenta dados muito inferiores a outros países como Estados Unidos da América (EUA), Canadá, Inglaterra, Itália, França, Espanha, Alemanha, Rússia, China e Japão(1111 Guimarães, JA; A pesquisa médica e biomédica no Brasil. Comparações com o desempenho científico brasileiro e mundial. Ciênc Saúde Coletiva. 2004;9(2):303-27.). Baixos investimentos e incentivos à pesquisa, dificuldades estruturais dos serviços de saúde, desinteresse por parte dos residentes, falta de capacitação do corpo docente para estímulo e orientação de trabalhos, bem como a ênfase à assistência médica em detrimento do ensino e pesquisa, são alguns dos fatores envolvidos. Faz-se necessário maior valorização e estímulo à produção científica, com criação de setores de pesquisa nos serviços, programações didáticas, além de inserção dos residentes em protocolos científicos(1010 Kara-Junior N. A situação da pós-graduação strictu-sensu no Brasil: instituição, docente e aluno. Rev Bras Oftalmol. 2012. 71(1):5-7.).Essas práticas trariam benefícios não só à instituição vinculada, como para a comunidade científica.

Em relação ao vínculo empregatício, notou-se predomínio da atuação dos egressos em serviços ambulatoriais em hospital ou clínica particular (92,6%, n=25); a presença de vínculos simultâneos foi citada por 100% dos participantes, dados semelhantes a outros estudos que indicam a simultaneidade de empregos da categoria médica(1212 Scheffer MC. Demografia médica no Brasil 2015. São Paulo: Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP; Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo; 2015.). De outro modo, a atuação na área de gestão de serviços de saúde parece não ser atrativa para o oftalmologista, pois somente quatro participantes do estudo relataram ter esta atividade.

Estudos recentes demonstram significativa dificuldade dos estudantes de medicina na escolha da especialidade em virtude de condições como preferências pessoais, qualidade de vida, remuneração, reconhecimento social e influência dos professores(1313 Biroloni D. A residência médica e as especialidades. Rev Paul Med. 1982;100(3):38-9.,1414 Vieira ZE. Considerações sobre a residência médica e os cursos de especialização na área médica clínica. Rev Assoc Med Bras. 1976; 22(10):399-400.). A principal justificativa para a escolha da Oftalmologia, no presente estudo, foi a afinidade com área, correspondendo a 29,6% (n=8) das respostas. Já a procura por especialidade que abrangesse procedimentos cirúrgicos tem relação com 25,9% (n=7) das respostas dos egressos. A qualidade de vida, por sua vez, foi citada por 11,1% (n=3) - aspecto considerado primariamente na escolha da especialidade por recém-formados de forma crescente no país e no mundo(1313 Biroloni D. A residência médica e as especialidades. Rev Paul Med. 1982;100(3):38-9.,1414 Vieira ZE. Considerações sobre a residência médica e os cursos de especialização na área médica clínica. Rev Assoc Med Bras. 1976; 22(10):399-400.). De modo geral, os egressos estão satisfeitos com o exercício da especialidade (88,9% assinalaram notas 8, 9 e 10 de satisfação).

O treinamento oferecido pela instituição, no que tange às dimensões humanas, técnicas e profissionais, foi avaliado de forma satisfatória para a maioria dos egressos. Para boa parte deles (25,9%, n=7), haveria a necessidade de reforço na demanda e assistência cirúrgica. Na revisão de literatura, altos níveis de satisfação foram relatados por oftalmologistas recentemente graduados no Canada e EUA. Alguns estudos avaliaram programas de residência no Canadá e encontraram 85% de satisfação entre os 40 participantes(1515 Zhou AW, Noble J, Lam WC. Canadian ophthalmology residency training: an evaluation of resident satisfaction and comparison with international standards. Can J Ophthalmol. 2009. 44(5):540-7.). Outros autores, nesta perspectiva, avaliaram as opiniões de 269 oftalmologistas americanos, evidenciando que 86% deles se sentiam muito bem ou extremamente bem preparados, ainda que quase metade desejasse algum treinamento adicional cirúrgico ou ambulatorial(1616 McDonnell PJ, Kirwan TJ, Brinton GS, Golnik KC, Melendez RF, Parke DW II, et al. Perceptions of recent ophthalmology residency graduates regarding preparation for practice. Ophthalmology. 2007;114;(2):387-91.).

Diversas sugestões apresentadas pelos ex-residentes já foram colocadas em prática ao longo dos anos, ainda que parcialmente, como a intensificação de aulas e discussão de casos, juntamente com avaliações periódicas, e organização dos estágios em subespecialidades. O conteúdo programático e as atividades científicas, apontados por 25,9% (n=7) dos egressos, são pontos críticos dos programas de residência médica da área cirúrgica e não cirúrgica(1616 McDonnell PJ, Kirwan TJ, Brinton GS, Golnik KC, Melendez RF, Parke DW II, et al. Perceptions of recent ophthalmology residency graduates regarding preparation for practice. Ophthalmology. 2007;114;(2):387-91.). A fundamentação teórica se faz imprescindível para a qualificação das práticas e atualização acerca dos diagnósticos, propedêutica, tratamentos, técnicas e abordagens cirúrgicas(1616 McDonnell PJ, Kirwan TJ, Brinton GS, Golnik KC, Melendez RF, Parke DW II, et al. Perceptions of recent ophthalmology residency graduates regarding preparation for practice. Ophthalmology. 2007;114;(2):387-91.).

Conclusão

Os médicos oftalmologistas egressos do HUPAA-UFAL nos últimos dez anos são predominantemente jovens, mulheres, e moram em Maceió e região metropolitana, com tendência a se fixar fora do estado de Alagoas. A maioria não possui título de especialista pelo CBO e realizou programa de complementação especializada tipo “fellowship”. No geral, os egressos estudados estão ativos e satisfeitos com o exercício da especialidade e com sua formação na instituição, atuando predominantemente em serviços particulares. A grande maioria não atua nas áreas de pesquisa e gestão em saúde.

Os resultados obtidos foram capazes de levantar o perfil de escolhas profissionais, perspectivas de campo de trabalho e condições de inserção e satisfação profissional, bem como de realizar uma avaliação externa complementar da instituição comprometida com a educação dos profissionais. Neste sentido, torna-se imperioso o estabelecimento de prática avaliativa regular da realidade e atuação profissional dos egressos e de suas percepções, a fim de elaborar e implementar ações que visem melhorar a qualidade dos programas de residência médica em Oftalmologia, propiciando aos residentes uma formação qualificada para ingressar num mercado de trabalho cada vez mais competitivo e exigente.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Set 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Aug 2020

Histórico

  • Recebido
    8 Abr 2020
  • Aceito
    6 Jul 2020
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