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Azoor: Retinopatia externa oculta zonal aguda associada com doença autoimune

Resumo

Retinopatia externa oculta zonal aguda (AZOOR) foi descrita pela primeira vez por Gass em 1993 como uma síndrome com perda rápida de uma ou mais zonas extensas dos segmentos externos da retina. Paciente masculino, 35 anos, portador de doença de Crohn, queixando-se de dor ocular eventual e nictalopia em olho direito desde infância. Em uso regular de azatioprina e mesalazina. melhor acuidade visual 20/20 AO. À fundoscopia, lesões hiperpigmentadas em arcada temporal inferior de olho direito, em treliça, acompanhando vasculatura local. Após exclusão de diagnósticos diferenciais chegou-se ao diagnóstico de Azoor. Azoor é uma síndrome idiopática caracterizada por um quadro agudo início de fotopsia, escotoma ou ambos e é tipicamente associado a uma perda persistente de função visual que envolve uma ou mais zonas da retina externa. Apesar dos sintomas clássicos de fotopsia, o paciente em questão teve uma apresentação clínica atípica. Descrevemos um caso ocorrido em indivíduo do sexo masculino em região periférica apresentando afinamento coroidiano e com doença autoimune associada. Dessa forma, acreditamos que é necessária maior investigação para verificar a etiologia da alteração coroideana e da associação com a doença específica.

Descritores:
Azoor; Doença autoimune; Doença de Crohn; Tomografia de coerência óptica; Angiografia; Retina

Abstract

Acute zonal occult external retinopathy (AZOOR) was first described by Gass in 1993 as a syndrome with rapid loss of one or more large areas of the external retinal segments. Male, 35 years, with Crohn's disease complaining of occasional eye pain and right eye nictalopia since childhood. In regular use of azathioprine and mesalazine. better visual acuity 20/20 OU. At fundoscopy, hyperpigmented lesions in the right temporal arcade of the right eye, in trellis, accompanying local vasculature. After exclusion of differential diagnoses, Azoor's diagnosis was reached. Azoor is an idiopathic syndrome characterized by an acute onset of photopsy, scotoma or both and is typically associated with a persistent loss of visual function involving one or more areas of the external retina. Despite classic photopsy symptoms, the patient in question had an atypical clinical presentation. We describe a case of a peripheral male with choroidal thinning and associated autoimmune disease. Thus, we believe that further investigation is necessary to verify the etiology of choroidal alteration and its association with the specific disease.

Keywords:
Azoor; Autoimmune diseases; Crohn disease; Tomography, optical coherence; Angiography; Retina

Introdução

Retinopatia externa oculta zonal aguda (AZOOR)foi descrita pela primeira vez por Gass em 1993 como uma síndrome com perda rápida de uma ou mais zonas extensas dos segmentos externos da retina.(11 Gass JD. Acute zonal occult outer retinopathy. Donders Lecture: The Netherlands Ophthalmological Society, Maastricht, Holland, June 19, 1992. J Clin Neuroophthalmol. 1993;13:79-97.)

Ocorre predominantemente em mulheres jovens, caracterizadas por fotopsia, alterações fundoscópicas e anormalidades eletrorretinográficas afetando um ou ambos os olhos. (11 Gass JD. Acute zonal occult outer retinopathy. Donders Lecture: The Netherlands Ophthalmological Society, Maastricht, Holland, June 19, 1992. J Clin Neuroophthalmol. 1993;13:79-97.,22 Kuo YC, Chen N, Tsai RK. Acute Zonal Occult Outer Retinopathy (AZOOR): a case report of vision improvement after intravitreal injection of Ozurdex. BMC Ophthalmol. 2017;17(1):236.)

A etiologia de AZOOR permanece controversa. Gass sugeriu um processo viral infeccioso da retina externa. Hipóteses autoimunes e inflamatórias foram propostas por Jampol e Becker.(33 Jampol LM, Becker KG. White spot syndromes of the retina: a hypothesis based on the common genetic hypothesis of autoimmune/ inflammatory disease. Am J Ophthalmol. 2003; 135(3):376-9.) Outros possíveis mecanismos incluem infiltração fúngica, policitemia vera, retinopatia tóxica, anticorpo antirretina. (11 Gass JD. Acute zonal occult outer retinopathy. Donders Lecture: The Netherlands Ophthalmological Society, Maastricht, Holland, June 19, 1992. J Clin Neuroophthalmol. 1993;13:79-97.,22 Kuo YC, Chen N, Tsai RK. Acute Zonal Occult Outer Retinopathy (AZOOR): a case report of vision improvement after intravitreal injection of Ozurdex. BMC Ophthalmol. 2017;17(1):236.)

O presente artigo pretende descrever um caso atípico de AZOOR.

Relato de caso

Paciente masculino, 35 anos, portador de doença de Crohn, com dor ocular eventual e nictalopia em olho direito desde infância. Em uso regular de azatioprina e mesalazina.

Paciente apresentava melhor acuidade visual 20/20 J1. Exame biomicroscópico sem alterações relevantes. Normotenso intraocular.

À fundoscopia: lesões hiperpigmentadas em arcada temporal inferior de olho direito, em treliça, acompanhando vasculatura local. (Figura 1)

Figura 1
Retinografia e autofluorescência

Ao OCT, em ambos os olhos, pode-se observar preservação de camadas retinianas, da anatomia foveal, e da interface vitreorretiniana na região macular em ambos os olhos, associado a um afinamento e áreas de irregularidade na coroide submacular do olho afetado. Na área da lesão observamos afinamento de todas as camadas retinianas além de hiperrefletividade subretiniana. (Figura 2)

Figura 2
Tomografia de coerência óptica

Ao exame da autofluorescência, observa-se preservação das estruturas retinianas em região macular e hipoautofluorescência em região da lesão por bloqueio pigmentar, circundada por hiperautofluorescência. (Figura 1)

Ao exame de OCT-a, observamos preservação dos plexos vasculares maculares, além de ausência das lesões em todas as camadas estudadas. (Figura 3)

Figura 3
Tomografia de coerência óptica-angiografia

ERG e CVC não apresentaram alterações, especialmente pelo tamanho e localização da lesão.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal Fluminense sob o número 12125619.9.0000.5243.

Discussão

Retinopatia externa oculta zonal (AZOOR) é uma síndrome idiopática caracterizada por um quadro agudo início de fotopsia, escotoma ou ambos e é tipicamente associado a uma perda persistente de função visual que envolve uma ou mais zonas da retina externa. (11 Gass JD. Acute zonal occult outer retinopathy. Donders Lecture: The Netherlands Ophthalmological Society, Maastricht, Holland, June 19, 1992. J Clin Neuroophthalmol. 1993;13:79-97.,44 Shifera AS, Pennesi ME, Yang P, Lin P. Ultra-wide-field fundus autofluorescence findings in patients with acute zonal occult outer retinopathy. Retina. 2017;37(6):1104-19.)

Em 1992 Donald Gass relatou os primeiros casos de AZOOR durante uma palestra da Sociedade Oftalmológica dos Países Baixos, neste momento, ele tinha uma série de casos de treze pacientes. (11 Gass JD. Acute zonal occult outer retinopathy. Donders Lecture: The Netherlands Ophthalmological Society, Maastricht, Holland, June 19, 1992. J Clin Neuroophthalmol. 1993;13:79-97.)

AZOOR pode envolver um ou ambos os olhos e a condição geralmente estabilizam dentro de 6 meses do início sintomas, embora alguns casos continuem a progredir. Em nosso caso, o início dos sintomas não está bem estabelecido, mas a lesão permaneceu estável durante todo o acompanhamento. (11 Gass JD. Acute zonal occult outer retinopathy. Donders Lecture: The Netherlands Ophthalmological Society, Maastricht, Holland, June 19, 1992. J Clin Neuroophthalmol. 1993;13:79-97.,44 Shifera AS, Pennesi ME, Yang P, Lin P. Ultra-wide-field fundus autofluorescence findings in patients with acute zonal occult outer retinopathy. Retina. 2017;37(6):1104-19.)

É uma doença rara caracterizada por perda aguda de campo visual acompanhada de fotopsia, ausência ou presença mínima de células vítreas, alterações mínimas do fundo de olho, angiografia normal de fluoresceína, e diminuição das amplitudes das ondas eletrorretinográficas. O caso descrito não tinha alterações a campimetria visual computadorizada e eletrorretinograma devido à localização incomum e unilateral da lesão. (55 Crawford CM, Rivers BA, Nelson M. Acute zonal occult outer retinopathy: vision loss in an active duty soldier. Case Rep Med. 2013; 2013:240607.)

Apesar dos sintomas clássicos de fotopsia, o paciente em questão teve uma apresentação clínica atípica. Sendo que, esse raro diagnóstico foi corroborado no paciente em questão pela exclusão primeiramente de efeitos retinianos causados pela doença de Crohn (principais: uveíte, episclerite, esclerite, neurite óptica, descolamento seroso retiniano, oclusão vascular da retina) e pela medicação em uso. (66 Yamane IS, Reis RS, Moraes Jr HV. Oclusão venosa central de retina na remissão de doença de Crohn: relato de caso. Arq Bras Oftalmol. 2007;70(6): 1034-6.)

Associado a lesões características à fundoscopia e retinografia, bem como ao OCT com típica hiperrefletividade subrretiniana e afinamento de todas as camadas retinianas na lesão. Além disso, observou-se hiperautofluorescência ao redor da área da lesão.

A lesão no AZOOR é uma degeneração do segmento externo do fotorreceptor. a patologia e diminuição da visão estão presentes uma apresentação unilateral; envolvimento no entanto concomitante do outro olho é observado em alguns indivíduos. (55 Crawford CM, Rivers BA, Nelson M. Acute zonal occult outer retinopathy: vision loss in an active duty soldier. Case Rep Med. 2013; 2013:240607.)

A patogênese desta doença ainda é controversa e propuseram-se teorias que incluem: vírus, imunologicamente mediada, ou até mesmo fungos. Após uma anamnese minuciosa não foi possível estabelecer a etiologia do nosso paciente. (77 Tan AC, Sherman J, Yannuzzi LA. Acute zonal occult outer retinopathy affecting the peripheral retina with centripetal progression. Retin Cases Brief Rep. 2017;11(2):134-40.)

Há relatos de AZOOR associado com lesões de substância branca desmielinizante, mielite transversa e clinicamente esclerose múltipla confirmada.(88 Wang JC, Finn AP, Grotting LA, Sobrin L. Acute Zonal Occult Outer Retinopathy Associated With Retrobulbar Optic Neuritis. J Neuroophthalmol. 2017;37(3):287-90.) Pensa-se que essas entidades podem compartilhar uma etiologia autoimune subjacente. O paciente em questão apresentava uma doença autoimune que pode estar relacionada ao desenvolvimento das lesões retinianas.

Gass especulou que AZOOR, patologicamente e etiologicamente estava relacionado a um espectro de modo chamado de “complexo AZOOR” e incluiu síndrome de múltiplas brancas evanescentes (MEWDS), síndrome aumento da mancha cega idiopática aguda (AIBSE), neurorretinopatia macular aguda (AMN), histoplasmose ocular presumida (POHS), coroidopatia pontilhada interna (PIC) e coroidite multifocal (MFC). (11 Gass JD. Acute zonal occult outer retinopathy. Donders Lecture: The Netherlands Ophthalmological Society, Maastricht, Holland, June 19, 1992. J Clin Neuroophthalmol. 1993;13:79-97.,99 Tavallali A, Yannuzzi LA. Acute zonal occult outer retinopathy; Revisited. J Ophthalmic Vis Res. 2015;10(3):211-3.)

Os achados da Autofluorescência de fundo (FAF) em pacientes com AZOOR têm sido descritos em um número limitado de relatórios. Um achado comum sobre imagens de FAF no AZOOR é uma zona de hipoautofluorescência rodeada por uma hiperautofluorescência.(1010 Mrejen S, Khan S, Gallego-Pinazo R, Jampol LM, Yannuzzi LA. Acute zonal occult outer retinopathy: a classification based on multimodal imaging. JAMA Ophthalmol. 2014;132(9):1089-98.,1111 Shifera AS, Pennesi ME, Yang P, Lin P. Ultra-wide-field fundus autofluorescence findings in patients with acute zonal occult outer retinopathy. Retina. 2017;37(6):1104-19.) Mrejen et al. classificaram esses achados da autofluorescência como uma área trizonal que também pode ser vista ao OCT e a Angiografia por indocinina verde. Essa lesão trizonal é caracterizada po ra lesão do AZOOR ter um padrão hipoautofluorescente em seu interior com uma linha granular de hiperautofluorescência ao seu redor e autofluorescência normal fora dessa área.(1010 Mrejen S, Khan S, Gallego-Pinazo R, Jampol LM, Yannuzzi LA. Acute zonal occult outer retinopathy: a classification based on multimodal imaging. JAMA Ophthalmol. 2014;132(9):1089-98.,1111 Shifera AS, Pennesi ME, Yang P, Lin P. Ultra-wide-field fundus autofluorescence findings in patients with acute zonal occult outer retinopathy. Retina. 2017;37(6):1104-19.) Nosso paciente apresentava esse padrão à autofluorescência.

Tomografia de coerência óptica (OCT) fornece a evidência direta de zona elipsóide comprometida, a característica distintiva da retina aguda perturbação. Além disso, a OCT permite a detecção da mudança de zona elipsoide dinamicamente, identificando diferentes estágios da progressão da doença. No caso descrito a doença já estava bem estabelecida e só podemos notar destruição total das camadas na área da lesão além de um afinamento coroidiano submacular no olho afetado não anteriormente descrito na literatura pesquisada.(1212 Si S, Song W, Song Y, Hu Y. The clinical characteristics and prognosis of acute zonal occult outer retin)

Como alternativa, essa mudança de característica também pode ser revelada pelo tempo implícito atrasado do cone de 30 Hz, respostas mais rápidas em eletrorretinograma de campo total (ERG) ou respostas suprimidas no eletrorretinograma multifocal mfERG). O mfERG tem suas vantagens exclusivas no julgamento de funções visuais durante a recuperação.(1212 Si S, Song W, Song Y, Hu Y. The clinical characteristics and prognosis of acute zonal occult outer retin)

Os efeitos terapêuticos do esteróide sistêmico ou de agentes imunossupressor foram esporadicamente relatados na literatura. Optamos por manter apenas observação da lesão e sintomas, uma vez que a lesão se manteve estável e sem prejuízos às funções visuais de nosso paciente.

Acreditamos que devido à aparência com padrão espículado e área atrófica ao redor da lesão, se tratar de uma lesão mais avançada de AZOOR, de acordo com a definição de Mrejen et al. (1010 Mrejen S, Khan S, Gallego-Pinazo R, Jampol LM, Yannuzzi LA. Acute zonal occult outer retinopathy: a classification based on multimodal imaging. JAMA Ophthalmol. 2014;132(9):1089-98.)

Conclusão

Azoor é uma doença rara com fisiopatologia pouco elucidada. Descrevemos um caso ocorrido em indivíduo do sexo masculino em região periférica apresentando afinamento coroidiano e com doença autoimune associada.

Apesar de estudos com anticorpos terem descartado a etiologia autoimune dessa doença, acreditamos que é necessária maior investigação para verificar a etiologia da alteração coroideana e da associação com a doença específica, podendo representar uma associação com a doença autoimune do paciente.

  • O trabalho foi submetido e aprovado pelo comite de etica HUAP -UFF sob o número: CAAE 12125619.9.0000.5243

Referências

  • 1
    Gass JD. Acute zonal occult outer retinopathy. Donders Lecture: The Netherlands Ophthalmological Society, Maastricht, Holland, June 19, 1992. J Clin Neuroophthalmol. 1993;13:79-97.
  • 2
    Kuo YC, Chen N, Tsai RK. Acute Zonal Occult Outer Retinopathy (AZOOR): a case report of vision improvement after intravitreal injection of Ozurdex. BMC Ophthalmol. 2017;17(1):236.
  • 3
    Jampol LM, Becker KG. White spot syndromes of the retina: a hypothesis based on the common genetic hypothesis of autoimmune/ inflammatory disease. Am J Ophthalmol. 2003; 135(3):376-9.
  • 4
    Shifera AS, Pennesi ME, Yang P, Lin P. Ultra-wide-field fundus autofluorescence findings in patients with acute zonal occult outer retinopathy. Retina. 2017;37(6):1104-19.
  • 5
    Crawford CM, Rivers BA, Nelson M. Acute zonal occult outer retinopathy: vision loss in an active duty soldier. Case Rep Med. 2013; 2013:240607.
  • 6
    Yamane IS, Reis RS, Moraes Jr HV. Oclusão venosa central de retina na remissão de doença de Crohn: relato de caso. Arq Bras Oftalmol. 2007;70(6): 1034-6.
  • 7
    Tan AC, Sherman J, Yannuzzi LA. Acute zonal occult outer retinopathy affecting the peripheral retina with centripetal progression. Retin Cases Brief Rep. 2017;11(2):134-40.
  • 8
    Wang JC, Finn AP, Grotting LA, Sobrin L. Acute Zonal Occult Outer Retinopathy Associated With Retrobulbar Optic Neuritis. J Neuroophthalmol. 2017;37(3):287-90.
  • 9
    Tavallali A, Yannuzzi LA. Acute zonal occult outer retinopathy; Revisited. J Ophthalmic Vis Res. 2015;10(3):211-3.
  • 10
    Mrejen S, Khan S, Gallego-Pinazo R, Jampol LM, Yannuzzi LA. Acute zonal occult outer retinopathy: a classification based on multimodal imaging. JAMA Ophthalmol. 2014;132(9):1089-98.
  • 11
    Shifera AS, Pennesi ME, Yang P, Lin P. Ultra-wide-field fundus autofluorescence findings in patients with acute zonal occult outer retinopathy. Retina. 2017;37(6):1104-19.
  • 12
    Si S, Song W, Song Y, Hu Y. The clinical characteristics and prognosis of acute zonal occult outer retin

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    Nov-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    13 Out 2019
  • Aceito
    26 Nov 2019
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