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As consequências irreversíveis do diagnóstico tardio de macroadenoma de hipófise em paciente jovem

Resumo

Os tumores de hipófise representam aproximadamente 15% de todos os tumores cerebrais e dependendo do tamanho, pressionam o quiasma óptico, resultando em comprometimento da função visual que se manifesta como defeitos no campo visual, diminuição da acuidade visual e da visão das cores. O objetivo do presente estudo foi relatar um caso de macroadenoma de hipófise com compressão do quiasma óptico e defeito no campo visual, tratado inicialmente como glaucoma, levando a um diagnóstico e tratamento tardio.

Descritores:
Hipófise; Doenças da hipófise; Neoplasias hipofisárias

Abstract

Pituitary tumors represent approximately 15% of all brain tumors and depending on size, pressure optic chiasma, resulting in impaired visual func-tion that manifests itself as defective in the visual field, decreased acuity visual and color vision. The ob-jetive of the present study was to report a case of pitui-tary macroadenoma with compression of optical chiasma and visual field de-fect, initially treated as glaucoma, leading to a late diagnosis and treatment.

Keywords:
Pituitary gland; Pituitary diseases; Pituitary neoplasms

Introdução

Os tumores de hipófise representam aproximadamente 15% de todos os tumores cerebrais. Adenoma de hipófise e meningioma são as causas mais comuns de neuropatia óptica compressiva e a maioria dos casos apresentam como sintomas visuais e cefaleia. Os tumores em crescimento pressionam o quiasma óptico, resultando em comprometimento da função visual que se ma-nifesta como defeitos no campo visual, diminuição da acuidade visual e da visão das cores.(11 Lee DK, Sung MS, Park SW. Factors influencing visual field recovery after transsphe-noidal resection of a pituitary adenoma. Korean J Ophthalmol. 2018;32(6):488-96.)

A comparação dos parâmetros de visão sugere que os pacientes com diagnóstico e tratamento precoce apresentaram melhor prognóstico com me-lhora da acuidade visual, do desvio da linha média e do campo visual após diagnóstico e cirurgia precoce. Um atraso no diagnóstico compromete signifi-cativamente a acuidade visual pré e pós-operatória. Portanto, detectar anteci-padamente a causa da disfunção da via visual pode levar à modificação do regime de tratamento médico e reduzir a incidência de danos irreversíveis ao nervo óptico.(22 Sefi-Yurdakul N. Visual findings as primary manifestations in patients with intracra-nial tumors. Int J Ophthalmol. 2015;8(4):800-3.,33 Chabot JD, Chakraborty S, Imbarrato G, Dehdashti AR. Evaluation of outcomes after endoscopic endonasal surgery for large and giant pituitary macroadenoma: a retro-spective review of 39 consecutive patients. World Neurosurg. 2015;84(4):978-88.)

O objetivo do presente estudo foi relatar um caso de macroadenoma de hipófise com compressão do quiasma óptico e defeito no campo visual, tratado inicialmente como glaucoma, levando a um diagnóstico e tratamento tardio.

Relato de caso

Paciente masculino, 30 anos, branco, casado, vidraceiro, apresentou queixa de baixa de acuidade visual (BAV) em ambos olhos há 2 anos. Refere cefaleia associada a BAV progressiva. Relata ter feito acompanhamento prévio em outro serviço, onde foi diagnosticado e tratado para glaucoma por 1 ano e meio. De antecedentes pessoais e oftalmológicos referiu traumatismo craniano e trauma contuso em olho esquerdo (OE) há 3 anos.

Ao exame oftalmológico apresentou acuidade visual com correção olho direito (OD) 1,0 e OE Sem Percepção Luminosa. Biomicroscopia OD sem alte-rações, OE midríase fixa. Reflexos oculares OD sem alterações, OE reflexo fotomotor e consensual diminuído com defeito pupilar aferente relativo. Movi-mentação ocular extrínseca preservada. Tonometria aplanação às 10h: 12 e 14 mmHg. À fundoscopia / retinografia foi evidenciado OD papila média com es-cavação de 0,3/0,3 com palidez nasal, OE papila média, escavação de 0,3/0,3 com palidez (Figura 1). Foi solicitado campo visual, tomografia de coerência óptica (OCT) e ressonância magnética de crânio.

Figura 1
Retinografia: OD: papila média com escavação de 0,3/0,3 com palidez nasal, OE: papila média, escavação de 0,3/0,3 com palidez.

Campo visual apresentou OD escotoma temporal respeitando a linha média e OE escotoma absoluto (Figura 2). Ressonância magnética de crânio com ênfase em sela túrcica: lesão intra e supra-selar, medindo 4,0 x 3,0 x 2,5 cm e englobando segmento intracavernoso das artérias carótidas internas com compressão e deslocamento cefálico do quiasma óptico. Lesão cística em fossa média esquerda, medindo 8,0 x 5,0 x 4,8 cm com efeito de massa e discreto deslocamento da linha média para direita e está associado a hipoplasia do lo-bo temporal esquerdo (Figura 3). Tomografia de coerência óptica (OCT) de nervo óptico do OD com perda da camada de fibras nervosas em região nasal e temporal, fibras inferiores preservadas e limítrofe em região superior, OE com perda difusa da camada de fibras nervosas (Figura 4). O paciente foi encami-nhado ao neurologista e neurocirurgião para tratamento e seguimento do ca-so. Foi submetido a cirurgia neurológica para retirada de tumor. Após 6 meses, em avaliação oftalmológica manteve acuidade visual e perda de campo, sem prognóstico de melhora.

Figura 2
Campo visual: OD: escotoma temporal respeitando a linha média, OE: escotoma absoluto

Figura 3
Ressonância magnética de crânio com ênfase em sela túrcica: lesão intra e supra-selar, medindo 4,0 x 3,0 x 2,5 cm e englobando segmento intracavernoso das artérias carótidas internas com compressão e deslocamento cefálico do quiasma óptico. Lesão cística em fossa média esquerda, medindo 8,0 x 5,0 x 4,8 cm com efeito de massa e discreto deslocamento da linha média para direita e esta associado a hipoplasia do lobo temporal esquerdo.

Figura 4
OCT de nervo óptico: OD: perda da camada de fibras nervosas em região nasal e temporal, fibras inferiores preservadas e borderline em região superior, OE: perda difusa da camada de fibras nervosas.

Discussão

Os macroadenomas apresentam como sintomas visuais defeitos de campo, cefaleia, baixa da acuidade visual e perda progressiva da visão.(44 Chen Y, Liu Z, Lin Z, Shi X. Eye signs in pituitary disorders. Neurol India. 2019;67(4):979-82.) O mecanismo da disfunção da via visual causada se deve ao efeito de massa pela compressão quiasma óptico, isquemia local e/ou alterações micro ambien-tais devido ao desenvolvimento da neoplasia.(55 Lachowicz E, Lubinski W. The clinical value of the multi-channel PVEP and PERG in the diagnosis and management of the patient with pituitary adenoma: a case report. Doc Ophthalmol. 2018;137(1):37-45.)

Se o adenoma é maior que 10 mm de diâmetro (macroadenoma), pode causar distúrbios neuroftalmológicos comprimindo as estruturas adjacentes. Anormalidades na camada de fibras nervosas em lesões de longa data tam-bém são característicos de tumores pituitários e uma das ferramentas que de-tectam essa perda de fibras na compressão quiasmática é o OCT. Um estudo prospectivo que avaliou a espessura da camada de fibras nervosas (CFN) e do complexo de células ganglionares (CCG) utilizando a tomografia de coerência óptica de domínio espectral (SD-OCT), concluiu que o dano pode estar presen-te mesmo na ausência de compressão e com acuidade visual preservada. As espessuras do CCG e da CFN foram reduzidas em 82% e 69%, respectivamen-te. Foi observada perda difusa, particularmente nos aspectos nasais e tempo-rais do nervo óptico em pacientes com defeitos no campo de longa data. Se-gundo o estudo, a perda de fibras e células ganglionares poderia ser detectada precocemente, até mesmo antes da compressão. Por conta disso, o SD-OCT pode ter papel importante no diagnóstico precoce e manejo desses pacien-tes.(66 Cennamo G, Auriemma RS, Cardone D, Grasso LF, Velotti N, Simeoli C, et al. Evalua-tion of the retinal nerve fibre layer and ganglion cell complex thickness in pituitary macroadenomas without optic chiasmal compression. Eye (Lond). 2015;29(6):797-802.)

Quanto ao padrão de defeito do campo visual do olho mais acometido, a maioria dos pacientes apresentam hemianopsia temporal, seguida por qua-drantanopsia temporal, com defeito altitudinal e depressão generalizada,(11 Lee DK, Sung MS, Park SW. Factors influencing visual field recovery after transsphe-noidal resection of a pituitary adenoma. Korean J Ophthalmol. 2018;32(6):488-96.) ex-plicado pela localização e cruzamento das fibras nasais, que carregam as ima-gens do campo temporal.(44 Chen Y, Liu Z, Lin Z, Shi X. Eye signs in pituitary disorders. Neurol India. 2019;67(4):979-82.) As lesões hemianópticas podem ser congruentes ou incongruentes, sendo que nos defeitos incongruentes, um dos olhos cos-tuma ser mais afetado que o outro, como foi apresentado no caso.(77 Dantas AM, Zangalli A. Neuro-oftalmologia. Rio de Janeiro: Cultura Médica; 1999.) Atualmen-te a RM com contraste permite a detecção precoce da localização anatômica precisa, sendo de grande importância para o diagnóstico e a terapia.(8)

A relação do quantitativa do tamanho do macroadenoma está direta-mente relacionada com o grau de comprometimento visual, assim como a jane-la entre diagnóstico e tratamento adequado.(99 Ho RW, Huang HM, Ho JT. The influence of pituitary adenoma size on vision and visual outcomes after trans-sphenoidal adenectomy: a report of 78 cases. J Korean Neurosurg Soc. 2015;57(1):23-31.) A neuropatia óptica compressiva pode ser clinicamente semelhante à neuropatia óptica glaucomatosa.(1010 Cheour M, Mazlout H, Agrebi S, Falfoul Y, Chakroun I, Lajmi H, Kraiem A. [Com-pressive optic neuropathy secondary to a pituitary macroadenoma]. J Fr Ophtalmol. 2013;36(6):e101-4. French.) Os defeitos de campo visual do glaucoma geralmente apresentam padrão arquea-do, no entanto tumores intra ou para selares também podem atravessar o meri-diano.(1111 Schmidt D. [Differential diagnosis of bitemporal paracentral visual fields defects in "low-tension glaucoma" and tumors of the pituitary gland (author's transl)]. Klin Monbl Augenheilkd. 1975;166(4):483-8.) No caso descrito a palidez de papila pode ter sido fator de confusão com aumento de escavação levando ao diagnóstico de glaucoma.

O oftalmologista pode ser o primeiro médico a encontrar um paciente com manifestações clínicas de tumores intracranianos que podem causar complicações neurológicas e oculares. A possibilidade de tumores intracrani-anos deve ser considerada na etiologia dos distúrbios visuais antes de se chegar a um diagnóstico definitivo.

O atraso no diagnóstico pode ocorrer devido á menor incidência e às semelhanças com outras patologias que podem confundir no momento do exame inicial. Distúrbios visuais como diplopia (por expansão lateral do ade-noma no seio cavernoso), paralisia dos nervos oculomotores e, mais raramen-te, o nistagmo e a proptose poderiam estar presentes no macroadenoma hipo-fisário, colaborando para o atraso do diagnóstico num momento inicial.(1212 Ribeiro BB, Rocha MAB, Almeida GA, Rocha RTB. Macroadenoma hipofisário: alte-rações campimétricas visuais. Rev Bras Oftalmol. 2014;73(2):120-2.) A neurite óptica é outro exemplo diagnóstico diferencial, uma vez que cursa com redução da visão, podendo piorar em horas ou dias, geralmente unilateral, com perda de campo visual (varia de redução discreta até ausência de percepção luminosa). Nesse caso, a história clínica e o exame ocular associados à resso-nância magnética auxiliam na elucidação.

O fato de o paciente apresentar palidez de papila foi confundido com aumento de escavação no momento inicial, evidenciando a importância da propedêutica fundoscópica adequada levando em consideração a deflexão dos vasos e não coloração da papila para a quantificação da escavação asso-ciado à avaliação neuroftalmológica completa.

Em conclusão, o relato visa mostrar as consequências de um atraso no diagnóstico e tratamento de macroadenoma de hipófise. É necessário procurar métodos que possam acelerar o diagnóstico de tumores hipofisários antes da perda de fibras nervosas da retina e, consequentemente, alterações irreversí-veis no campo visual.(55 Lachowicz E, Lubinski W. The clinical value of the multi-channel PVEP and PERG in the diagnosis and management of the patient with pituitary adenoma: a case report. Doc Ophthalmol. 2018;137(1):37-45.) Além disso, a propedêutica básica com anamnese completa, exame físico e complementar podem interferir diretamente no prog-nóstico do paciente, para que se direcione para a melhor hipótese, evitando sequelas irreversíveis.

  • Instituição da realização do trabalho: Hospital Oftalmológico Visão Laser, Santos, São Paulo, Brasil

Referências

  • 1
    Lee DK, Sung MS, Park SW. Factors influencing visual field recovery after transsphe-noidal resection of a pituitary adenoma. Korean J Ophthalmol. 2018;32(6):488-96.
  • 2
    Sefi-Yurdakul N. Visual findings as primary manifestations in patients with intracra-nial tumors. Int J Ophthalmol. 2015;8(4):800-3.
  • 3
    Chabot JD, Chakraborty S, Imbarrato G, Dehdashti AR. Evaluation of outcomes after endoscopic endonasal surgery for large and giant pituitary macroadenoma: a retro-spective review of 39 consecutive patients. World Neurosurg. 2015;84(4):978-88.
  • 4
    Chen Y, Liu Z, Lin Z, Shi X. Eye signs in pituitary disorders. Neurol India. 2019;67(4):979-82.
  • 5
    Lachowicz E, Lubinski W. The clinical value of the multi-channel PVEP and PERG in the diagnosis and management of the patient with pituitary adenoma: a case report. Doc Ophthalmol. 2018;137(1):37-45.
  • 6
    Cennamo G, Auriemma RS, Cardone D, Grasso LF, Velotti N, Simeoli C, et al. Evalua-tion of the retinal nerve fibre layer and ganglion cell complex thickness in pituitary macroadenomas without optic chiasmal compression. Eye (Lond). 2015;29(6):797-802.
  • 7
    Dantas AM, Zangalli A. Neuro-oftalmologia. Rio de Janeiro: Cultura Médica; 1999.
  • 8
    Karimian-Jazi K. [Pituitary gland tumors]. Radiologe. 2019;59(11):982-91.
  • 9
    Ho RW, Huang HM, Ho JT. The influence of pituitary adenoma size on vision and visual outcomes after trans-sphenoidal adenectomy: a report of 78 cases. J Korean Neurosurg Soc. 2015;57(1):23-31.
  • 10
    Cheour M, Mazlout H, Agrebi S, Falfoul Y, Chakroun I, Lajmi H, Kraiem A. [Com-pressive optic neuropathy secondary to a pituitary macroadenoma]. J Fr Ophtalmol. 2013;36(6):e101-4. French.
  • 11
    Schmidt D. [Differential diagnosis of bitemporal paracentral visual fields defects in "low-tension glaucoma" and tumors of the pituitary gland (author's transl)]. Klin Monbl Augenheilkd. 1975;166(4):483-8.
  • 12
    Ribeiro BB, Rocha MAB, Almeida GA, Rocha RTB. Macroadenoma hipofisário: alte-rações campimétricas visuais. Rev Bras Oftalmol. 2014;73(2):120-2.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    Nov-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    5 Nov 2019
  • Aceito
    24 Abr 2020
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