Acessibilidade / Reportar erro

Evolução atípica de cisto de tenon após implante de válvula de Ahmed

Resumo

Descrevemos o caso de um paciente portador de glaucoma secundário que evoluiu com cisto de tenon após implante de válvula de Ahmed. A despeito da conduta expectante inicial e das intervenções cirúrgicas posteriores, apenas com a utilização da ciclofotocoagulação transescleral com laser micropulsado a pressão intraocular atingiu valores aceitáveis.

Descritores:
Pressão intraocular; Cirurgia filtrante; Complicações pós-operatórias; Glaucoma; Implantes para drenagem de glaucoma

Abstract

We describe the case of a patient with secondary glaucoma who developed tenon cyst after Ahmed valve implantation. Despite the initial expectant management and subsequent surgical interventions, only with the micropulse transecleral cyclophotocoagulation did the intraocular pressure reach acceptable values.

Keywords:
Intraocular pressure; Filtering surgery; Postoperative complications; Glaucoma; Glaucoma drainage implants

Introdução

O implante de válvula de Ahmed (IVA) é um procedimento efetivo e relativamente seguro, especialmente indicado em glaucomas secundários ou refratários a cirurgias filtrantes prévias. Dentre as principais complicações estão a hipotonia, fibrose capsular excessiva, falência clínica, erosão do tubo ou prato e infecção. (11 Riva I, Roberti G, Oddone F, Konstas AG, Quaranta L. Ahmed glaucoma valve implant: surgical technique and complications. Clin Ophthalmol. 2017;11:357-67.)

A formação de cistos encapsulados, também chamados cistos de tenon, tem sido reportada em 23% dos casos de IVA e permanece como um desafio no manejo desses pacientes. Ela ocorre quando a cápsula de tenon adere à episclera, formando uma bolha impermeável ao humor aquoso, resultando em elevação da pressão intraocular (PIO). (22 Eibschitz-Tsimhoni M, Schertzer RM, Musch DC, Moroi SE. Incidence and management of encapsulated cysts following Ahmed glaucoma valve insertion. J Glaucoma. 2005;14(4):276-9.)

Temos como objetivo apresentar o caso de um paciente que evoluiu com esta complicação e o manejo instituído no decorrer da sua evolução clínica.

Relato de caso

R.A.S., masculino, 30 anos, solteiro, natural de feira de Santana (BA), foi atendido em serviço oftalmológico de referência, com queixa de baixa acuidade visual e dor ocular à esquerda há aproximadamente um ano.

Referia alta miopia, evoluindo com descolamento de retina bilateral, seguido de vitrectomia com infusão de óleo de silicone e retinopexia em ambos os olhos e facectomia no olho direito (OD). No momento da avaliação, encontrava-se em uso de colírios de Maleato de Timolol, Tartarato de Brimonidina, Brinzolamida e Latanoprosta, além de Acetazolamida via oral.

Ao exame oftalmológico apresentava: AV c/c 20/100 no OD e conta dedos a 1 metro no olho esquerdo (OE). Biomicroscopia: pseudofacia no OD; No OE apresentava buckle anteriorizado, câmera rasa, seclusão pupilar, catarata nuclear 3+/4+ e óleo de silicone na câmara anterior. Fundoscopia com relação escavação/disco 0.7 no OD e impraticável no OE. Pressão intraocular 13 mmHg no OD e 20 mmHg no OE. A paquimetria do OE era de 564 micrômetros e a gonioscopia apresentava ângulo com graduação 2 de Shaffer, com pigmentação 3+/4+ e íris com convexidade 1+/4+.

Mediante ao quadro de glaucoma refratário ao tratamento e catarata, foi programada facectomia com ressecção de faixa temporal superior e implante de válvula de Ahmed FP7.

Cirurgia transcorreu sem intercorrências (Figura 1) e paciente evoluiu com: AV c/c 20/50 no OE, córnea transparente, tubo bem posicionado e pressão intraocular de 10 mmhg (sem uso de colírios hipotensores).

Figura 1
OE após facectomia + ressecção de seguimento de faixa + IVA.

No 30° dia de pós-operatório, paciente apresentou quadro de diplopia e proptose à esquerda (Figuras 2 e 3). Ao exame oftalmológico, observava-se limitação na abdução e elevação do OE, com esotropia de 15 graus de Hirschberg. Além de cisto de tenon temporal superior com conteúdo hemorrágico e pressão intraocular de 30 mmHg.

Figura 2
Aspecto de cisto de tenon do paciente

Figura 3
Proptose com limitação de versões.

Diante do quadro descrito, foi realizada punção do conteúdo cístico e prescrito Acetazolamida e colírios hipotensores (maleato de timolol a 0.5 % e cloridrato de dorzolamida). Paciente evoluiu com melhora transitória, sendo necessário realizar novas punçoes sem remissão do quadro. Optamos, então, por realizar revisão cirúrgica com remoção do cisto de tenon e uso de matriz de colágeno de origem suína – Ologen TM.

Paciente evoluíra com melhora do quadro, retornando após 60 dias novamente com queixa de diplopia e proptose. Mediante o quadro apresentado, realizamos remoção cirúrgica da faixa escleral e da válvula.

Paciente retornou com melhora do padrão estético do olho, porém com elevação da pressão ocular (38 mmHg). Foi prescrita terapia máxima com colírios hipotensores e Acetazolamida via oral, além da realização de laser diodo micropulsado.

Paciente evoluiu com controle pressórico por período de três meses, apresentado novo episódio de elevação da PIO, sendo submetido a mais uma sessão de laser, evoluindo, então, com controle pressórico satisfatório (12 mmHg) em uso de colírios hipotensores e acuidade visual estabilizada em 20/70.

Discussão

Os cistos de tenon, decorrentes de cirurgias filtrantes, seja trabeculectomia ou implante de válvula de Ahmed, são caracterizados por uma bolha de parede espessa e vascularização proeminente, associada à elevação da PIO. Entre os fatores de risco para seu desenvolvimento estão gênero masculino, trabeculoplastia a laser prévia, cirurgia ocular prévia e uso de simpaticomiméticos pré-operatórios.(33 Feldman RM, Gross RL, Spaeth GL, Steinmann WC, Varma R, Katz LJ, et al. Risk factors for the development of Tenon's capsule cysts after trabeculectomy. Ophthalmology. 1989;96(3):336-41.)

A ocorrência de falência de bolhas é maior em olhos que sofreram ruptura da barreira hematoaquosa, como em casos de uveíte, glaucoma neovascular ou cirurgia pregressa. Os tubos valvulados estão associados ao contato direto de substancias pró-inflamatórias, como transforming growth factor-beta 2 (TGF-beta 2), que estão presentes em maior quantidade no humor aquoso de olhos glaucomatosos, com o tecido conjuntival, induzindo uma maior cicatrização no pós-operatório imediato.(44 Tripathi RC, Li J, Chan WF, Tripathi BJ. Aqueous humor in glaucomatous eyes contains an increased level of TGF-beta 2. Exp Eye Res. 1994;59(6):723-7.) Esse efeito seria reduzido nos tubos não valvulados devido à restrição de fluxo imposta no ato cirúrgico. Esta restrição também suporta uma teoria mecânica, na qual a compressão precoce da parede interna da bolha filtrante contribuiria para o desenvolvimento de cisto de tenon. Além disso, é bem documentado que as válvulas de Ahmed S2, compostas de polipropileno, possuem um maior índice de complicações, ocasionadas pelo maior processo cicatricial, quando comparadas com Ahmed PF7, que leva silicone em sua constituição, possuindo uma superfície mais lisa, um menor perfil e maior flexibilidade.(55 Brasil MV, Rockwood EJ, Smith SD. Comparison of silicone and polypropylene Ahmed Glaucoma Valve implants. J Glaucoma. 2007;16(1):36-41.,66 Ishida K, Netland PA, Costa VP, Shiroma L, Khan B, Ahmed II. Comparison of polypropylene and silicone Ahmed glaucoma valves. Ophthalmology. 2006;113(8):1320-6.)

Distúrbio na motilidade ocular é uma complicação possível em todos os tipos de implante de drenagem, podendo ocorrer devido ao efeito de massa produzido pelo próprio implante ou pela bolha, assim como por aderência ou sutura de fixação posterior, causando cicatrização abaixo do músculo reto. Em um estudo retrospectivo, incluindo 159 olhos que passaram por IVA, alterações na motilidade foram encontradas em quatro olhos (3%), tendo um deles que passar por cirurgia de estrabismo e em outro foi realizada retirada do tubo.(77 Huang MC, Netland PA, Coleman AL, Siegner SW, Moster MR, Hill RA. Intermediate-term clinical experience with the Ahmed Glaucoma Valve implant. Am J Ophthalmol. 1999;127(1):27-33.)

Em estudo comparativo, entre retirada parcial ou não retirada da capsula de tenon durante o IVA em pacientes portadores de glaucoma neovascular, não foi observada alteração na incidência de complicações, incluindo a presença de fase hipertensiva. Não sendo, portanto, recomendada a retirada de rotina da cápsula de tenon nesses pacientes.(88 Susanna R Jr; Latin American Glaucoma Society Investigators. Partial Tenon's capsule resection with adjunctive mitomycin C in Ahmed glaucoma valve implant surgery. Br J Ophthalmol. 2003;87(8):994-8.) Entretanto, em outro comparativo, dessa vez entre retirada de cápsula e implante de nova válvula em pacientes já com IVA encistado, foi observado um controle similar da PIO. No grupo com implante de nova válvula, foram observadas todas as complicações associadas ao tubo, enquanto que a recorrência do cisto foi semelhante nos dois grupos. Apesar da pequena amostra avaliada, a retirada da capsula parece ser um procedimento mais simples, mais barato e com menor taxa de complicações.(99 Al-Mosallamy SM. Decapsulation versus valve reimplantation in cases with an encysted Ahmed valve in refractory glaucoma. Delta J Ophthalmol. 2015;16(1):22-6.)

Estudo sugere que a utilização de matriz porosa de colágeno, que age prevenindo o colapso do espaço subconjuntival, seria eficaz na revisão de falência em IVA.(1010 Rosentreter A, Mellein AC, Konen WW, Dietlein TS. Capsule excision and Ologen implantation for revision after glaucoma drainage device surgery. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol. 2010;248(9):1319-24.) Entretanto, ensaio prospectivo randomizado não demonstrou diferença estatisticamente significativa na utilização da matriz de colágeno no controle da PIO, na necessidade de medicações antiglaucomatosas ou na taxa de sucesso quando comparada com a cirurgia convencional de IVA.(1111 Sastre-Ibáñez M, Cabarga C, Canut MI, Pérez-Bartolomé F, Urcelay-Segura JL, Cordero-Ros R, et al. Efficacy of Ologen matrix implant in Ahmed Glaucoma Valve Implantation. Sci Rep. 2019;9(1):3178.)

O laser de diodo micropulsado é um método de ciclofotocoagulação transescleral que vem ganhando espaço, não sendo visto apenas como uma possibilidade para glaucomas em estágio final. Estudos vêm demonstrando uma previsibilidade e segurança aceitáveis. (1212 Tan AM, Chockalingam M, Aquino MC, Lim ZI, See JL, Chew PT. Micropulse transscleral diode laser cyclophotocoagulation in the treatment of refractory glaucoma. Clin Exp Ophthalmol. 2010;38(3):266-72.) Dentre os fatores atribuídos como preditores de uma maior taxa de sucesso do laser micropulsado estão maior idade e maior PIO basal. Não foi encontrada relação com a severidade do glaucoma, pigmentação da malha trabecular ou número de tiros aplicados.(1313 Hirabayashi MT, Rosenlof TL, An JA. Comparison of successful outcome predictors for MicroPulse(r) laser trabeculoplasty and selective laser trabeculoplasty at 6 months. Clin Ophthalmol. 2019;13:1001-9.) Em estudo recente, pacientes com uma PIO pré-operatória média de 25.1 ± 5.3 mmHg evoluíram para uma PIO média no pós-operatório de 17.5 ± 5.1 mmHg (p = 0.004); o número de medicações em uso reduziu de 3.0 ± 1.1 para 1.4 ± 1.0 (p = 0.03). As complicações mais frequentes foram ceratopatia, hipotonia transitória, hifema, midríase persistente e efusão coroidal.(1414 Nguyen AT, Maslin J, Noecker RJ. Early results of micropulse transscleral cyclophotocoagulation for the treatment of glaucoma. Eur J Ophthalmol. 2019:1120672119839303. doi: 10.1177/1120672119839303.
https://doi.org/10.1177/1120672119839303...
)

A despeito da terapêutica cirúrgica prontamente instituída, paciente teve uma evolução desfavorável, mostrando como alguns casos permanecem desafios no manejo de glaucoma. O laser diodo micropulsado teve uma resposta satisfatória após a segunda sessão, comprovando sua importância como mais uma arma disponível na terapêutica do glaucoma de difícil controle. A importância desse relato reside na discussão gerada em um caso incomum na prática clínica, cujo manejo permanece controverso.

  • Hospital de Olhos de Feira de Santana, Feira de Santana, BA, Brasil.

Referências

  • 1
    Riva I, Roberti G, Oddone F, Konstas AG, Quaranta L. Ahmed glaucoma valve implant: surgical technique and complications. Clin Ophthalmol. 2017;11:357-67.
  • 2
    Eibschitz-Tsimhoni M, Schertzer RM, Musch DC, Moroi SE. Incidence and management of encapsulated cysts following Ahmed glaucoma valve insertion. J Glaucoma. 2005;14(4):276-9.
  • 3
    Feldman RM, Gross RL, Spaeth GL, Steinmann WC, Varma R, Katz LJ, et al. Risk factors for the development of Tenon's capsule cysts after trabeculectomy. Ophthalmology. 1989;96(3):336-41.
  • 4
    Tripathi RC, Li J, Chan WF, Tripathi BJ. Aqueous humor in glaucomatous eyes contains an increased level of TGF-beta 2. Exp Eye Res. 1994;59(6):723-7.
  • 5
    Brasil MV, Rockwood EJ, Smith SD. Comparison of silicone and polypropylene Ahmed Glaucoma Valve implants. J Glaucoma. 2007;16(1):36-41.
  • 6
    Ishida K, Netland PA, Costa VP, Shiroma L, Khan B, Ahmed II. Comparison of polypropylene and silicone Ahmed glaucoma valves. Ophthalmology. 2006;113(8):1320-6.
  • 7
    Huang MC, Netland PA, Coleman AL, Siegner SW, Moster MR, Hill RA. Intermediate-term clinical experience with the Ahmed Glaucoma Valve implant. Am J Ophthalmol. 1999;127(1):27-33.
  • 8
    Susanna R Jr; Latin American Glaucoma Society Investigators. Partial Tenon's capsule resection with adjunctive mitomycin C in Ahmed glaucoma valve implant surgery. Br J Ophthalmol. 2003;87(8):994-8.
  • 9
    Al-Mosallamy SM. Decapsulation versus valve reimplantation in cases with an encysted Ahmed valve in refractory glaucoma. Delta J Ophthalmol. 2015;16(1):22-6.
  • 10
    Rosentreter A, Mellein AC, Konen WW, Dietlein TS. Capsule excision and Ologen implantation for revision after glaucoma drainage device surgery. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol. 2010;248(9):1319-24.
  • 11
    Sastre-Ibáñez M, Cabarga C, Canut MI, Pérez-Bartolomé F, Urcelay-Segura JL, Cordero-Ros R, et al. Efficacy of Ologen matrix implant in Ahmed Glaucoma Valve Implantation. Sci Rep. 2019;9(1):3178.
  • 12
    Tan AM, Chockalingam M, Aquino MC, Lim ZI, See JL, Chew PT. Micropulse transscleral diode laser cyclophotocoagulation in the treatment of refractory glaucoma. Clin Exp Ophthalmol. 2010;38(3):266-72.
  • 13
    Hirabayashi MT, Rosenlof TL, An JA. Comparison of successful outcome predictors for MicroPulse(r) laser trabeculoplasty and selective laser trabeculoplasty at 6 months. Clin Ophthalmol. 2019;13:1001-9.
  • 14
    Nguyen AT, Maslin J, Noecker RJ. Early results of micropulse transscleral cyclophotocoagulation for the treatment of glaucoma. Eur J Ophthalmol. 2019:1120672119839303. doi: 10.1177/1120672119839303.
    » https://doi.org/10.1177/1120672119839303

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    Nov-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    20 Nov 2019
  • Aceito
    3 Jul 2020
Sociedade Brasileira de Oftalmologia Rua São Salvador, 107 , 22231-170 Rio de Janeiro - RJ - Brasil, Tel.: (55 21) 3235-9220, Fax: (55 21) 2205-2240 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rbo@sboportal.org.br