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Percepção sobre aspectos da doença e de seu tratamento em pacientes portadores de glaucoma

RESUMO

Objetivo:

Comparar por meio de questionários estruturados, o conhecimento sobre a doença, o manejo de colírios e a adesão ao tratamento de portadores de glaucoma pertencentes a dois públicos com nível de escolaridade e nível sócio econômico distintos.

Métodos:

Foi realizado um estudo transversal analítico aplicando-se questionários estruturados, com base em estudo exploratório para avaliação do nível de conhecimento dos portadores de Glaucoma em relação a doença em dois públicos diferentes: sistema único de saúde (SUS) e planos privados de saúde. Os questionários foram aplicados por médicos residentes em Oftalmologia. A amostra é composta de 202 pacientes dentre eles 100 atendidos pelo SUS e os outros 102 pacientes dos planos privados de saúde. Todos os questionários possuem termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelo participante e pelo pesquisador responsável.

Resultados:

Os pacientes foram divididos em dois grupos, compostos por: 100 pacientes SUS e 102 planos de saúde privado. Os resultados revelaram que: 58,6% dos pacientes do SUS tinham escolaridade nenhuma a fundamental incompleto e 25,5% dos pacientes de convênio tinham algum nível superior); 49% do grupo SUS tinham renda com menos de 2 salários mínimos enquanto que grupo convênio apresentou 39,4% com mais de 4 salários mínimos (p<0,001); 51,5% do grupo SUS não tem gastos com compra de colírios e 67,4% do grupo convênio gasta mais de R$30,00 (p<0,001) portanto 77% do grupo SUS recebe ajuda e 52,5% do grupo convenio não recebe ajuda (p<0,001); 63,6% do grupo convenio acredita que a quantidade de instilações a mais do colírios não obtêm uma melhora do glaucoma, enquanto aproximadamente 50% do grupo SUS relata que há uma melhora com aumento das instilações ou não tem ideia (p=0,030); Ambos os grupos obtiveram um nível de conhecimento geral da doença semelhante, sem diferença estatística.

Conclusão:

Concluímos que, independente do nível de escolaridade e nível socioeconômico, havendo boa relação médico-paciente, além de acompanhamento orientado e próximo, é possível transmitir conhecimento adequado sobre a doença elevando o nível de adesão ao tratamento pelo paciente.

Descritores:
Glaucoma; Educação do paciente; Relação médico-paciente; Cegueira/prevenção & controle; Saúde pública

ABSTRACT

Objective:

Compare, through structured questionnaires, the knowledge about disease, management of eye drops and adherence to treatment of glaucoma patients disposed in two groups according to educational levels and socioeconomic levels.

Methods:

A cross-sectional analytical study was carried out applying structured questionnaires based on an exploratory study to assess the level of Glaucoma patients' knowledge relationated with the disease in two different audiences: the single health system (SUS) and private health plans. The questionnaires were used by doctors residents in Ophthalmology. A sample was composed of 202 patients among which 100 were attended by SUS and the others 102 patients were holders of private health plans. All questionnaires have a free and informed consent form signed by the participant and the responsible researcher.

Results:

Patients were divided into two groups, consisting of: 100 SUS patients and 102 private health plans. The results revealed that: 58.6% of SUS patients had incomplete elementary schooling and 25.5% of private health insurance patients had some level of higher education; 49% of the SUS group had an income with less than 2 minimum wages while the health insurance group presented 39.4% with more than 4 minimum wages (p <0.001); 51.5% of the SUS group has no spending on eye drops and 67.4% of the health insurance group spends more than R $ 30.00 (p <0.001) so, 77% of the SUS group receives financial aid and 52.5% of the health insurance group does not receive any financial support (p <0.001); 63.6% of the health insurance group believes that the bigger amount of instillations than eyedrops does not improve glaucoma, while approximately 50% of the SUS group reports that there is an improvement when increasing instillations or has no idea (p = 0.030); Both groups obtained a similar level of general knowledge of the disease, with no statistical difference.

Conclusion:

We conclude that regardless of educational and socioeconomic level if prevails a good doctor-patient relationship, in addition to close monitoring, it is possible to transmit adequate knowledge about the disease, increasing levels of treatment adherence.

Keywords:
Glaucoma; Patient education; Physician-patient relations; Blindness/prevention & control; Health public.

INTRODUÇÃO

O Glaucoma é a primeira maior causa de cegueira irreversível no mundo e responsável por 10% da cegueira mundial, e está aumentando esta prevalência devido ao envelhecimento populacional e a maior expectativa de vida.(11 Flaxman SR, Bourne RR, Resnikoff S, Ackland P, Braithwaite T, Cicinelli MV, et al.; Vision Loss Expert Group of the Global Burden of Disease Study. Global causes of blindness and distance vision impairment 1990-2020: a systematic review and meta-analysis. Lancet Glob Health. 2017;5(12):e1221-34.,22 Tham YC, Li X, Wong TY, Quigley HA, Aung T, Cheng CY. Global prevalence of glaucoma and projections of glaucoma burden through 2040: a systematic review and meta-analysis. Ophthalmology. 2014;121(11):2081-90.) Estimativas recentes sugerem que no ao final de 2040 aproximadamente 111,8 milhões de pessoas serão afetadas pela doença.(22 Tham YC, Li X, Wong TY, Quigley HA, Aung T, Cheng CY. Global prevalence of glaucoma and projections of glaucoma burden through 2040: a systematic review and meta-analysis. Ophthalmology. 2014;121(11):2081-90.)

O conceito glaucoma tem sido dinâmico, podendo ser definido atualmente como neuropatia óptica crônica caracterizada pela lesão progressiva do nervo óptico, com consequente perda de campo visual.(33 Silva MJ, Temporini ER, Neustein I, Araujo ME. Conhecimentos sobre prevenção e tratamento de glaucoma entre pacientes de unidade hospitalar. Arq Bras Oftalmol. 2004;67(5):785-90.) Trata-se de uma afecção que, por suas características clínicas e prognóstico visual, requer comprometimento do paciente com o tratamento, devendo receber acompanhamento e tratamento prolongado, condições estas que previnem a cegueira. (44 Paula JS, Ramos Filho JA, Cecchetti DF, Nagatsuyu DT, Rodrigues ML, Rocha EM. Medical decision, persistence of initial treatment, and glaucoma progression in a Brazilian reference hospital. Arq Bras Oftalmol. 2010;73(2):141-5.)

Os principais fatores de risco para a progressão do glaucoma são aumento da pressão intraocular (PIO), idade, etnia, história familiar, não adesão ao tratamento e desconhecimento da população a respeito da doença e suas consequências visuais.(44 Paula JS, Ramos Filho JA, Cecchetti DF, Nagatsuyu DT, Rodrigues ML, Rocha EM. Medical decision, persistence of initial treatment, and glaucoma progression in a Brazilian reference hospital. Arq Bras Oftalmol. 2010;73(2):141-5.)

O glaucoma reduz a qualidade de vida proporcionalmente a gravidade ou estágio evolutivo da doença levando os pacientes a enfrentarem desafios cotidianos como a mobilidade reduzida, a dificuldade na leitura, fatores que indiretamente levam ao aumento do número de quedas da própria altura dos idosos, a carga psicológica negativa que em alguns ocasionam em depressão.(55 Freeman EE, Muñoz B, West SK, Jampel HD, Friedman DS. Glaucoma and quality of life: the Salisbury Eye Evaluation. Ophthalmology. 2008;115(2):233-8.

6 McKean-Cowdin R, Wang Y, Wu J, Azen SP, Varma R; Los Angeles Latino Eye Study Group. Impact of visual field loss on health-related quality of life in glaucoma: the Los Angeles Latino Eye Study. Ophthalmology. 2008;115(6):941-948.e1.
-77 Varma R, Lee PP, Goldberg I, Kotak S. An assessment of the health and economic burdens of glaucoma. Am J Ophthalmol. 2011;152(4):515-22.) Além do indivíduo afetado, a cegueira e deficiência visual também afetam os familiares, o sistema de saúde e a sociedade em geral, criando uma carga socioeconômica substancial. (88 Feldman RM, Cioffi GA, Liebmann JM, Weinreb RN. Current knowledge and atitudes concerning cost-effectiveness in Glaucoma pharmacotherapy: a glaucoma specialists focus group study. Clin Ophthalmol. 2020;14:729-39.)

O tratamento da doença é vitalício e possui diversas alternativas sendo a mais utilizada: o uso tópico de colírios anti-hipertensivos, escolha preferida entre os pacientes e os próprios oftalmologistas.(99 Shadid A, Alrashed W, Bin Shihah A, Alhomoud A, Alghamdi M, Alturki A, et al. Adherence to medical treatment and its determinants among adult saudi glaucoma patients in riyadh city. Cureus. 2020;12(2):e6847.) Porém para sua efetividade é necessária a cooperação dos pacientes e seus cuidadores na instilação de colírios, no espaçamento entre eles para se obter uma redução efetiva da pressão intraocular e assim interromper ou retardar a progressão da deficiência visual devido ao Glaucoma.(1010 Harasymowycz P, Birt C, Gooi P, Heckler L, Hutnik C, Jinapriya D, et al. Medical management of glaucoma in the 21st century from a Canadian perspective. J Ophthalmol. 2016;2016:6509809.

11 Hark LA, Leiby BE, Waisbourd M, Myers JS, Fudemberg SJ, Mantravadi AV, et al. Adherence to follow-up recommendations among individuals in the Philadelphia Glaucoma Detection and Treatment Project. J Glaucoma. 2017;26(8):697-701.
-1212 Kim CY, Park KH, Ahn J, Ahn MD, Cha SC, Kim HS, et al. Treatment patterns and medication adherence of patients with glaucoma in South Korea. Br J Ophthalmol. 2017;101(6):801-7.) A adesão ao tratamento é inferior ao desejado visto ser influenciada pela gravidade da doença, o número de colírios em uso, o nível de alfabetização e ao custo da medicação.(1313 Fudemberg SJ, Lee B, Waisbourd M, Murphy RA, Dai Y, Leiby BE, et al. Factors contributing to nonadherence to follow-up appointments in a resident glaucoma clinic versus primary eye care clinic. Patient Prefer Adherence. 2016;10:19-25.,1414 Sheer R, Bunniran S, Uribe C, Fiscella RG, Patel VD, Chandwani HS. Predictors of nonadherence to topical intraocular pressure reduction medications among Medicare members: a claims-based retrospective cohort study. J Manag Care Spec Pharm. 2016;22(7):808-817a.)

Perante fatores já descritos como causa do insucesso ao tratamento do glaucoma, estudos sugerem uma relação positiva entre o uso incorreto dos medicamentos e o desconhecimento sobre a doença, portanto demonstraram que aumentar o conhecimento dos pacientes sobre sua doença e "adequar" o regime terapêutico à vida diária dos pacientes aumentou efetivamente o uso correto da medicação.(1515 Costa VP, Spaeth GL, Smith M, Uddoh C, Vasconcellos JP, Kara-José N. Patient education in glaucoma: what do patients know about glaucoma? Arq Bras Oftalmol. 2006;69(6):923-7.) Ademais, a avaliação do conhecimento da população geral é tema ainda pouco abordado na literatura. Desse modo, o objetivo deste estudo consistiu em comparar entre dois grupos distintos: sistema único de saúde (SUS) e rede privada (Convênio): o nível de conhecimento sobre a doença, o manejo dos colírios e a adesão ao tratamento medicamentoso perante níveis socioeconômicos distintos sobre a percepção de pacientes portadores de Glaucoma atendidos no Instituto Suel Abujamra, São Paulo, SP.

MÉTODOS

Realizou-se pesquisa de corte transversal entre 202 indivíduos portadores de glaucoma, atendidos nos distintos ambulatórios SUS e Convênio do setor de glaucoma do Instituto Suel Abujamra, no município de São Paulo. A amostra foi obtida a partir dos seguintes critérios: idade acima dos 18 anos, diagnosticados com glaucoma. Esse trabalho possui certificado de apresentação de apreciação ética (CAAE) 17518219.6.0000.5477.

Foi elaborado um questionário (Anexo 2 ANEXO 2 ) com base em estudo preliminar da realidade - denominado estudo exploratório. Esse recurso metodológico apresenta a finalidade de obter informações a respeito de terminologia, expressões verbais e variáveis, presentes em população similar. O conhecimento assim obtido permite introduzir no questionário da pesquisa elementos que integram aquela realidade, o que facilita a comunicação com os sujeitos da amostra e a compreensão das questões do instrumento. O estudo exploratório leva o pesquisador, frequentemente, a descobertas de enfoques, percepções e terminologias novas para ele, contribuindo para que, paulatinamente, seu próprio modo de pensar seja modificado.(1616 Piovesan A, Temporini ER. Pesquisa exploratoria: procedimento metodologico para o estudo de fatores humanos no campo da saude publica. Rev Saude Publica. 1995;29(4):318-25.)

O presente estudo apresenta as seguintes variáveis: sexo, idade, raça, profissão, escolaridade, nível socioeconômico, assiduidade ao uso dos colírios, dentre outras. recebimento de explicações sobre glaucoma e auto-avaliação de conhecimentos em relação ao glaucoma. A variável "auto-avaliação do conhecimento" foi mensurada por meio de escala ordinal, incluindo as categorias: sabe bem ou nada sabe sobre a doença e seu tratamento. Desse modo procurou-se aumentar a precisão da medida. A adequação dessa escala confirmou-se nas fases exploratória e do teste prévio do instrumento.

A coleta de dados foi realizada no período de dezembro de 2015 a maio de 2017, mediante a aplicação do questionário (Anexo 2 ANEXO 2 ) por entrevista, considerando possíveis limitações da população de estudo decorrentes de baixa escolaridade. As entrevistas foram realizadas por médicos residentes em oftalmologia para os distintos grupos de indivíduos atendidos pelo SUS e pelo Convênio. Foram assegurados anonimato e sigilo dos dados aos respondentes.

A análise estatística foi realizada por meio do teste qui-quadrado, estabelecido o nível de significância de 0,05.

Análise estatística

A distribuição de frequências foi utilizada para descrever as variáveis categóricas e as medidas de tendência central e de variabilidade para as numéricas.

Para comparar as variáveis categóricas em relação a grupo (SUS e Convênio) , em tabelas de contingencia , o teste de frequências do qui-quadrado foi utilizado e em tabelas 2x2 quando pelo menos uma frequência esperada foi menor do que 5 o teste exato de Fisher foi adotado. O teste de Shapiro-Wilk foi utilizado para verificar a normalidade das variáveis numéricas

A associação entre as variáveis categóricas e o grupo (SUS e Convênio) foi verificada através do teste não paramétrico U de Mann-Whitney foi aplicado.

O nível de significância de 5% foi adotado para todos os testes estatísticos.

O programa STATA versão 10.0 foi utilizado para a realização das análises estatísticas.(1717 STATA Corp. Stata Statistical Software: Release 10.0. College Station (Texas): Stata Corporation; 2007.)

RESULTADOS

A amostra foi composta por 202 pacientes sendo 100 pacientes SUS e 102 Convênio.

Na tabela 1 apresentam-se os dados demográficos de cada grupo, como idade e raça. Quando agrupamos escolaridade , temos que 58,6% dos pacientes do SUS tinham grau de escolaridade nenhuma a fundamental incompleto e 25,5% dos pacientes de convênio tinham algum nível superior (<0,001).

Tabela 1
Distribuição das demográficas de acordo com grupo atendimento (SUS / Convênio) 202 pacientes.

A tabela 2 apresenta a associação quanto ao nível socioeconômico, obtenção de colírios e o gasto com os mesmos. Demonstra que 49% do grupo SUS possui renda com menos de 2 salários mínimos enquanto que grupo convênio apresentou 39,4% com mais de 4 salários mínimos (p<0,001). Também demonstra que 51,5% do grupo SUS não possui gastos com compra de colírios e 67,4% do grupo convênio gasta mais de R$30,00 (p<0,001). Entretanto 77% do grupo SUS recebe ajuda e 52,5% do grupo convênio não recebe ajuda (p<0,001). Em suma, 76,6% do grupo SUS recebe ajuda do SUS e 52,1% do grupo convênio recebe alguma ajuda do SUS (=0,004).

Tabela 2
Distribuição das variáveis socioeconômicas de acordo com grupo atendimento (SUS / Convenio) - 202 pacientes

A tabela 3 mostra a distribuição das variáveis sobre nível de conhecimento da doença: Importância de realizar o tratamento adequado , nível de conhecimento da doença e tratamento de acordo com grupo de atendimento (SUS / Convênio), ressaltamos que ambos os grupos são acompanhados pela mesma equipe de glaucomatólogos, portanto não houve diferença estatística significante entre os grupos, sugerindo mesmo nível de instrução sobre a doença e relação médico-paciente entre eles.

Tabela 3
Distribuição das variáveis sobre nível de conhecimento da doença : Importância de realizar o tratamento adequado, nível de conhecimento da doença e tratamento de acordo com grupo atendimento (SUS / Convênio)

A tabela 4 mostra as repostas às perguntas relacionadas ao manejo dos colírios utilizados e seu conhecimento sobre eles, de acordo com grupo de atendimento. Demonstra que 63,6% do grupo convênio relata que não acha que se pingar mais gotas de colírio o glaucoma melhora mais depressa e aproximadamente 50% do grupo SUS relata que sim ou não tem ideia (p=0,030).

Tabela 4
Distribuição das variáveis sobre tratamento de acordo com grupo atendimento (SUS / Convênio)

Por outro lado 69,4% do grupo convênio relata que existe alguma dificuldade no processo de pingar colírio e 53,3 do grupo SUS relata que não (p=0,002).

Podemos dizer que existe uma associação marginalmente significativa para informação sobre reação adversa com uso do colírio, onde 67% do grupo convênio relatam que não existe e 46,4% do grupo SUS dizem existir alguma reação (p=0,055), ou seja existe uma tendência de serem diferentes. Não se observa associações estatisticamente significativas com relação as demais variáveis.

A tabela 5 não apresenta associações estatisticamente significativas porém contem dados importantes como: a frequência dos pacientes glaucomatosos em consulta com seus oftalmologistas sendo esta trimestral em 45,9% do grupo Convênio e 50% do grupo SUS. Também demonstra a resposta dos pacientes quanto a relação médico-paciente sendo referida como boa a ótima em 100% no grupo Convênio e 99% no grupo SUS.

Tabela 5
Distribuição das variáveis sobre Consulta Médica (SUS / Convênio)

DISCUSSÃO

O Glaucoma, além de possuir alta taxa de prevalência se enquadra como uma doença crônica gerando altos custos para o Sistema de saúde público ou privado. De acordo com um estudo norte-americano, os custos médicos diretos anuais para pacientes com glaucoma inicial, glaucoma avançado e glaucoma em estágio final foram em média de US $ 623, US $ 1915 e US $ 2511, respectivamente. Ou seja, a utilização de recursos e os custos médicos diretos aumentam à medida que a doença progride variando de 42% a 56% os custos diretos em cada estágio da doença.(1818 Feldman RM, Cioffi GA, Liebmann JM, Weinreb RN. Current Knowledge and Attitudes Concerning Cost-Effectiveness in Glaucoma Pharmacotherapy: A Glaucoma Specialists Focus Group Study. Clin Ophthalmol. 2020;14:729-39.) Esses dados numéricos enfatizam a necessidade de estudarmos maneiras de obtermos um tratamento adequado da doença evitando a sua progressão para estágios mais avançados.

No presente estudo, observamos que há uma diferença significativa no nível de escolaridade e nível socioeconômico entre os grupos, sendo mais elevado no grupo Convênio. Estudos observaram que pacientes de nível de escolaridade mais altos apresentaram melhor comprometimento com o tratamento.(1919 Zimmerman TJ, Zalta AH. Facilitating patient compliance in glaucoma therapy. Surv Ophthalmol. 1983;28 Suppl:252-8.) Entretanto, coletamos as respostas dos pacientes sobre "a importância de realizar o tratamento adequado", "o conhecimento sobre o que é Glaucoma e a cronicidade da doença" e também sobre a "necessidade de um tratamento vitalício e uso dos colírios", observamos que os dois grupos estiveram alinhados com as respostas semelhantes mesmo possuindo níveis diferentes de escolaridade e socioeconômico.

Outro critério avaliado nesse estudo, foi a classificação dos pacientes sobre a relação com seu oftalmologista, e obtivemos como predomínio de resposta em ambos os grupos que possuem uma "ótima relação médico-paciente". Sendo que não houve respostas para uma relação médico-paciente ruim ou péssima. Sendo assim, acreditamos que essa semelhança de conhecimento sobre o Glaucoma entre os grupos seja consequência de uma boa relação medico-paciente e também pela orientação sobre a doença uma vez que os grupos são tratados e acompanhados pela mesma equipe de oftalmologistas. É importante que se desenvolva uma boa relação medico-paciente, pois a principal causa de insucesso terapêutico ocorre devido a baixa fidelidade ao tratamento clinico e não pela ineficácia das drogas utilizadas.(2020 Sociedade Brasileira de Glaucoma. II Consenso Brasileiro de Glaucoma Primário de Ângulo Aberto. São Paulo: Sociedade Brasileira de Glaucoma; 2012.)

Alguns estudos sugerem que os oftalmologistas devem evitar o tipo de relação passiva, em que o paciente é apenas tratado pelo médico. Conforme sugerido por Riffenburgh, o relacionamento deve começar com o modelo de "cooperação de orientação", em que o paciente ouve o médico e segue suas orientações. À medida que o conhecimento sobre a doença aumenta, a relação médico-paciente pode mudar para o tipo de "participação mútua", onde o médico ajuda o paciente a se ajudar.(2121 Riffenburgh RS. Doctor-patient relationship in glaucoma therapy. Arch Ophthalmol. 1966;75(2):204-6.) Sobretudo a doença deve ser explicada ao paciente de acordo com seu nível de escolaridade, portanto os médicos devem aumentar suas habilidades como comunicadores levando a melhores níveis de conhecimento.(2222 Inui TS, Yourtee EL, Williamson JW. Improved outcomes in hypertension after physician tutorials. A controlled trial. Ann Intern Med. 1976 Jun;84(6):646-51.)

Em outras áreas, foi demonstrado que aproximadamente um terço de todos os pacientes está insatisfeito com o aspecto da comunicação de suas consultas.(1515 Costa VP, Spaeth GL, Smith M, Uddoh C, Vasconcellos JP, Kara-José N. Patient education in glaucoma: what do patients know about glaucoma? Arq Bras Oftalmol. 2006;69(6):923-7.) Kim et al. demonstraram que um vídeo de 12 minutos produzido pela Academia Americana de Oftalmologia promoveu melhora do conhecimento sobre glaucoma após uma semana, mas não após três meses.(2323 Kim S, et al. Glaucoma patient education. Invest Ophthalmol Vis Sci. 1996;37 Suppl: S642.) Esses fatos reforçam a necessidade da manutenção de orientações e divulgação continuada de informação sobre prevenção e tratamento do Glaucoma nos consultórios e na comunidade, em nosso estudo o acompanhamento foi trimestral para maioria dos pacientes de ambos os grupos, portanto a informação sobre a doença e o manejo do tratamento foi renovado a cada 3 meses.

Em relação ao tratamento da doença por meio de colírios, certificamos que a maioria dos pacientes possui dificuldade no processo do uso dos colírios e que eles mesmos pingam o colírio, e quanto as reações adversas: 67% do grupo Convênio relatou que não existe e 46,4% do grupo SUS disseram existir alguma reação adversa, havendo uma tendência de serem diferentes.

Alguns estudos relacionaram a irregularidade do tratamento com: dificuldade econômica, o esquecimento dos horários dos medicamentos, a ausência de melhora visual, os efeitos colaterais e a dificuldade da auto-instilação dos colírios.(2424 Cintra FA, Costa VP, Tonussi JA, Jose NK. Avaliação de programa educativo para portadores de glaucoma. Rev Saude Publica. 1998;32(2):172-7.) Apesar dos estudos demonstrarem o impacto da dificuldade econômica na compra dos colírios e logo a má aderência ao tratamento, em nosso estudo 81,4% dos pacientes SUS e 86,3% Convênio relataram que não deixam de usar o colírio caso o dinheiro para compra-lo esteja acabando. Ademais, dentro do grupo SUS demonstramos o viés de 77% dos pacientes receberem ajuda para obtenção dos colírios sendo que 70% é ajudado pela rede pública de saúde.

Entretanto, não basta possuir o colírio em casa mas sim realizar um manejo adequado seguindo as orientações propostas. Muitas vezes pacientes presentes em clínicas ambulatoriais com PIO acima do esperado apesar de serem prescritos colírios hipotensores oculares, o médico enfrenta um dilema, pois a PIO reflete a resposta fisiológica do paciente ao colírio e o nível de adesão do paciente aos colírios. Geralmente esse nível elevado de PIO, levam os médicos a assumirem uma resposta ruim da medicação ao invés de baixa adesão ao colírio, adicionando medicamentos alternativos ou adicionais para obter a redução da PIO desejada. Esta prática pode afetar adversamente o resultado se a adesão for um problema, uma vez que as taxas de adesão tendem a cair com regimes de medicação mais complexos.(2525 International Council of Ophthalmology (ICO). ICO Guidelines for Glaucoma Eye Care, 1st edition. Melbourne: ICO; 2016. [cited 2020 Jan 7]. Available from: http://www.icoph.org/downloads/ICOGlaucomaGuidelines.pdf [
http://www.icoph.org/downloads/ICOGlauco...
,2626 Waterman H, Read S, Morgan JE, Gillespie D, Nollett C, Allen D, et al. Acceptability, adherence and economic analyses of a new clinical pathway for the identification of non-responders to glaucoma eye drops: a prospective observational study. Br J Ophthalmol. 2020 Mar 4:bjophthalmol-2019-315436)

Em suma, o Glaucoma é uma doença crônica que ocasiona uma incapacidade visual importante e acaba por prejudicar a vida diária dos indivíduos em quesitos como: mobilidade, leitura, social, psicológico e também econômico para o próprio indivíduo e para o sistema governamental de seu País. Há uma grande diversidade de pessoas portadoras da doença seja econômica ou educacional, portanto ressaltamos a importância de transmitirmos o conhecimento sobre o Glaucoma de acordo com o nível de escolaridade e manter sempre um bom relacionamento médico-paciente, os quais demonstraram aumentar as taxas de assiduidade ao tratamento. Este última "relação médico-paciente", em nosso estudo quebrou a barreira da diferença socioeconômica e do nível educacional uma vez que foi relatada pelos pacientes dos dois grupos como "Ótima" e consequentemente ambos apresentaram níveis semelhantes de conhecimento sobre a doença e adesão ao tratamento.

CONCLUSÃO

Ao final de nosso estudo, ao analisar os dois grupos de portadores de glaucoma, em relação a diferenças socioeconômicas e de escolaridade, e entender o que há de diferente entre eles e se isso impacta no tratamento do Glaucoma. Concluímos que independente do nível de escolaridade e socioeconômico, se houver uma boa relação médico-paciente, uma comunicação clara entre eles de acordo com nível de entendimento de cada paciente, além de um acompanhamento próximo, é possível transmitir o conhecimento adequado sobre a doença elevando os níveis de adesão ao tratamento.

ANEXO 1

ANEXO 2

REFERÊNCIAS

  • 1
    Flaxman SR, Bourne RR, Resnikoff S, Ackland P, Braithwaite T, Cicinelli MV, et al.; Vision Loss Expert Group of the Global Burden of Disease Study. Global causes of blindness and distance vision impairment 1990-2020: a systematic review and meta-analysis. Lancet Glob Health. 2017;5(12):e1221-34.
  • 2
    Tham YC, Li X, Wong TY, Quigley HA, Aung T, Cheng CY. Global prevalence of glaucoma and projections of glaucoma burden through 2040: a systematic review and meta-analysis. Ophthalmology. 2014;121(11):2081-90.
  • 3
    Silva MJ, Temporini ER, Neustein I, Araujo ME. Conhecimentos sobre prevenção e tratamento de glaucoma entre pacientes de unidade hospitalar. Arq Bras Oftalmol. 2004;67(5):785-90.
  • 4
    Paula JS, Ramos Filho JA, Cecchetti DF, Nagatsuyu DT, Rodrigues ML, Rocha EM. Medical decision, persistence of initial treatment, and glaucoma progression in a Brazilian reference hospital. Arq Bras Oftalmol. 2010;73(2):141-5.
  • 5
    Freeman EE, Muñoz B, West SK, Jampel HD, Friedman DS. Glaucoma and quality of life: the Salisbury Eye Evaluation. Ophthalmology. 2008;115(2):233-8.
  • 6
    McKean-Cowdin R, Wang Y, Wu J, Azen SP, Varma R; Los Angeles Latino Eye Study Group. Impact of visual field loss on health-related quality of life in glaucoma: the Los Angeles Latino Eye Study. Ophthalmology. 2008;115(6):941-948.e1.
  • 7
    Varma R, Lee PP, Goldberg I, Kotak S. An assessment of the health and economic burdens of glaucoma. Am J Ophthalmol. 2011;152(4):515-22.
  • 8
    Feldman RM, Cioffi GA, Liebmann JM, Weinreb RN. Current knowledge and atitudes concerning cost-effectiveness in Glaucoma pharmacotherapy: a glaucoma specialists focus group study. Clin Ophthalmol. 2020;14:729-39.
  • 9
    Shadid A, Alrashed W, Bin Shihah A, Alhomoud A, Alghamdi M, Alturki A, et al. Adherence to medical treatment and its determinants among adult saudi glaucoma patients in riyadh city. Cureus. 2020;12(2):e6847.
  • 10
    Harasymowycz P, Birt C, Gooi P, Heckler L, Hutnik C, Jinapriya D, et al. Medical management of glaucoma in the 21st century from a Canadian perspective. J Ophthalmol. 2016;2016:6509809.
  • 11
    Hark LA, Leiby BE, Waisbourd M, Myers JS, Fudemberg SJ, Mantravadi AV, et al. Adherence to follow-up recommendations among individuals in the Philadelphia Glaucoma Detection and Treatment Project. J Glaucoma. 2017;26(8):697-701.
  • 12
    Kim CY, Park KH, Ahn J, Ahn MD, Cha SC, Kim HS, et al. Treatment patterns and medication adherence of patients with glaucoma in South Korea. Br J Ophthalmol. 2017;101(6):801-7.
  • 13
    Fudemberg SJ, Lee B, Waisbourd M, Murphy RA, Dai Y, Leiby BE, et al. Factors contributing to nonadherence to follow-up appointments in a resident glaucoma clinic versus primary eye care clinic. Patient Prefer Adherence. 2016;10:19-25.
  • 14
    Sheer R, Bunniran S, Uribe C, Fiscella RG, Patel VD, Chandwani HS. Predictors of nonadherence to topical intraocular pressure reduction medications among Medicare members: a claims-based retrospective cohort study. J Manag Care Spec Pharm. 2016;22(7):808-817a.
  • 15
    Costa VP, Spaeth GL, Smith M, Uddoh C, Vasconcellos JP, Kara-José N. Patient education in glaucoma: what do patients know about glaucoma? Arq Bras Oftalmol. 2006;69(6):923-7.
  • 16
    Piovesan A, Temporini ER. Pesquisa exploratoria: procedimento metodologico para o estudo de fatores humanos no campo da saude publica. Rev Saude Publica. 1995;29(4):318-25.
  • 17
    STATA Corp. Stata Statistical Software: Release 10.0. College Station (Texas): Stata Corporation; 2007.
  • 18
    Feldman RM, Cioffi GA, Liebmann JM, Weinreb RN. Current Knowledge and Attitudes Concerning Cost-Effectiveness in Glaucoma Pharmacotherapy: A Glaucoma Specialists Focus Group Study. Clin Ophthalmol. 2020;14:729-39.
  • 19
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Mar-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    06 Set 2020
  • Aceito
    21 Nov 2020
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