O retinólogo cirúrgico

The vitreoretinal surgeon

O conjunto de qualidades e características para que um médico se torne retinólogo cirúrgico de alto nível é, muitas vezes, esquecido, quando gestores reduzem nossos honorários, empresas nos convertem em assalariados, seguros glosam nossos procedimentos, sistemas públicos limitam nossos números de intervenções, e, no setor privado, enquanto os custos aumentam, cada vez menos pacientes conseguem ter acesso ao serviço de retina de excelência…

Porém o que leva um médico que decidiu exercer a bela arte da Oftalmologia a escolher uma subespecialidade, que difere enormemente do que imaginamos, como acadêmicos de Medicina, ser a “vida boa” do Oftalmologista? Casos longos e complexos, complicações encaminhadas de todos os lados, sobreavisos eternos e urgências noturnas…

Pouquíssimos oftalmologistas compreendem nosso real valor, e menos ainda outros médicos, gestores ou administradores. Deixei o sistema privado, no qual exercia a Retinologia Cirúrgica no Rio de Janeiro, com o conforto de estar ao lado da minha família, e, há quase 15 anos, trabalho no sistema público em Montreal, no Canadá. Esse é o trajeto inverso em relação ao da maioria dos que conheço, e as diferenças não poderiam ser maiores entre ambos os sistemas. Está aí a primeira característica: desafiador.

Vindo de berço oftalmológico, via nosso “paizão” Dr. Flavio Rezende Dias, eu me lembro claramente de passar dias nos corredores, quando bem pequeno, na sala dos médicos da Cruz Vermelha, no centro do Rio de Janeiro. O chefe era nada menos do que o Dr. Joviano Resende, fundador da Sociedade Brasileira de Retina e Vítreo (SBRV).

A vida nos proporciona situações incríveis. Aproximadamente 30 anos mais tarde, recém-chegado do fellowship em retina cirúrgica no Canadá, tive a honra de cuidar de uma paciente que tinha sido operada de descolamento de retina pelo Dr. Joviano, provavelmente na mesma época que eu brincava de carrinho onde ele fazia seus pós-operatórios. Segunda característica: influenciador. Às vezes, mesmo sem saber, influenciamos decisões de vidas e carreiras de pessoas que não imaginamos. (Nos dias de hoje, inclusive, influencer virou profissão virtual.

Poderíamos realizar cirurgias de 5 a 10 minutos, mas optamos por aquelas de 1 a 2 horas, às vezes até mais. Poderíamos vangloriar os 20/15 sem correção, mas ficamos honrados com o 20/200 que saiu da percepção de luz. Poderíamos tratar apenas o edema macular diabético com injeções intravítreas, mas não, o descolamento de retina tracional com cirurgia bimanual com sistema tridimensional é que nos pertence. Não se enganem, porém, pois, atualmente, temos cada vez mais resultados nos arredores do 20/20, e muitos de nós realizam com maestria cirurgias combinadas de vitrectomia com faco-refrativa ou cirurgias microinvasivas do glaucoma (MIGS)/tubo. Terceira característica: versatilidade.

Depois de uma batalha de anos, em relação a qual a oftalmologia do Canadá se posicionava contra, conseguimos, perante o Royal College of Surgeons of Canada , a designação da retina cirúrgica como subespecialidade da Oftalmologia. É uma grande vitória, que nos permite regulamentar e criar padrões específicos do que significa ser um retinólogo cirúrgico e quais procedimentos deverão ser reservados a ele, para benefício e proteção dos pacientes. Quarta característica: resiliência.

Não é fácil ser um retinólogo cirúrgico puro. Os sistemas, em geral, não nos permitem. Por exemplo, na província de Quebec é raro termos mais do que 1 dia de centro círurgico por semana, quando realizamos entre seis e nove cirurgias. No entanto, nós atendemos de 50 a 80 pacientes por dia. Imaginem a dificuldade que é para conseguirmos cuidar de todos da melhor maneira possível sem danos para os pacientes. Acabamos por operar na maioria as urgências, e as cirurgias eletivas acabam em filas de espera angustiantes. Já nos sistemas privados, o volume de pacientes é muito menor, pois poucos têm recursos para esse tipo de acesso. Então, acabamos por realizar outros procedimentos oftalmológicos para suprir a demanda. Quinta característica: adaptabilidade.

Transplantes autólogo de retina ¹ terapia genética ² e implantes de liberação lenta de medicações ³ são algumas das novidades mais recentes em nossa área, que está tornando doenças incuráveis ou crônicas em curáveis e com tratamentos mais duráveis. É importante para o oftalmologista geral se manter atualizado, porque a verdade em retina cirúrgica é muito fluida. O que era impossível, ou mesmo inimaginável, transforma-se em realidade. Dentre muitas outras características: inovador.

Deixo aqui o meu sincero reconhecimento ao esplêndido trabalho realizado por muitos colegas e amigos a frente da SBRV e um carinho especial à Sociedade Brasileira de Oftalmologia (SBO), na qual também cresci e faço parte desta família.

Parabéns àquele que se dedica à retinologia cirúrgica com devoção. Você tem a minha admiração e cumplicidade!

REFERÊNCIAS

• ¹
  Moysidis SN, Koulisis N, Adrean SD, Charles S, Chetty N, Chhablani JK, et al. Autologous retinal transplantation for primary, refractory, and macular hole retinal detachment: The Global Consortium. Ophthalmology 2021;128(5):672-85.
• ²
  Tuohy GP, Megaw R. A systematic review and meta-analyses of interventional clinical trial studies for gene therapies for the inherited retinal degenerations (IRDs). Biomolecules 2021;11(5):760.
• ³
  Khanani AM, Aziz AA, Weng CY, Lin WV, Vannavong J, Chablani J, et al. Port delivery system: a novel drug delivery platform to treat retinal diseases. Expert Opin Drug Deliv 2021;18(11):1571-6.

• Errata

  No artigo “O retinólogo cirúrgico” publicado na Revista Brasileira de Oftalmologia. 2022;81:i
  Onde se lê:
  doi: https://doi.org/10.37039/1982.8551.20210050
  Leia-se:
  doi:https://doi.org/10.37039/1982.8551.20220050

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  08 Jul 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  21 Fev 2022
• Aceito
  6 Mar 2022