Acessibilidade / Reportar erro

Glaucoma como uma doença trabecular

Glaucoma as a trabecular disease

No glaucoma, a elevação da pressão intraocular (PIO) é considerada o principal fator de risco modificável para o desenvolvimento e a progressão da neuropatia óptica glaucomatosa.(11. Renard JP, Sellem E. Glaucome primitif à angle ouvert. Issy-les-Moulineaux: Elsevier Masson; 2014.,22. Kountouras J, Zavos C, Chatzopoulos D. Primary open-angle glaucoma: pathophysiology and treatment. Lancet. 2004;364(9442):1311-2.) A PIO se eleva a partir de uma obstrução progressiva na via de drenagem convencional do humor aquoso, a via trabecular.(22. Kountouras J, Zavos C, Chatzopoulos D. Primary open-angle glaucoma: pathophysiology and treatment. Lancet. 2004;364(9442):1311-2.

3. Acott TS, Vranka JA, Keller KE, Raghunathan V, Kelley MJ. Normal and glaucomatous outflow regulation. Prog Retin Eye Res. 2021;82:100897.

4. Baudouin C, Kolko M, Melik-Parsadaniantz S, Messmer EM. Inflammation in Glaucoma: From the back to the front of the eye, and beyond. Prog Retin Eye Res. 2021;83:100916.
-55. Keller KE, Peters DM. Pathogenesis of glaucoma: Extracellular matrix dysfunction in the trabecular meshwork-A review. Clin Exp Ophthalmol. 2022;50(2):163-82.)

O humor aquoso, produzido nos processos ciliares no corpo ciliar, é lançado na câmara posterior. A secreção de humor aquoso segue um ritmo circadiano variando de cerca de 2,5 a 3,0µL por minuto, no período diurno, a 1,7µL por minuto no período noturno. Não há diferenças na secreção de aquoso entre os olhos normais e os olhos com glaucoma.(11. Renard JP, Sellem E. Glaucome primitif à angle ouvert. Issy-les-Moulineaux: Elsevier Masson; 2014.)

De lá, ele segue para a câmara anterior, passando pela pupila. Na câmara anterior, ele é drenado no seio camerular. A drenagem do humor aquoso ocorre de duas maneiras: pela via convencional (via trabecular), responsável por 70 a 90% do escoamento do humor aquoso; e pela não convencional (vias úveo-escleral e iriana).(11. Renard JP, Sellem E. Glaucome primitif à angle ouvert. Issy-les-Moulineaux: Elsevier Masson; 2014.,66. Buffault J, Labbé A, Hamard P, Brignole-Baudouin F, Baudouin C. The trabecular meshwork: Structure, function and clinical implications. A review of the literature. J Fr Ophtalmol. 2020;43(7):e217-e230.)

Na via não convencional, a excreção do humor aquoso, ou seja, sua drenagem é totalmente independente da PIO. Ela acontece de maneira similar em olhos sadios e com glaucoma (em torno de 1,1 a 1,6µL por minuto), porém há uma redução do escoamento por essa via com o envelhecimento.(11. Renard JP, Sellem E. Glaucome primitif à angle ouvert. Issy-les-Moulineaux: Elsevier Masson; 2014.,66. Buffault J, Labbé A, Hamard P, Brignole-Baudouin F, Baudouin C. The trabecular meshwork: Structure, function and clinical implications. A review of the literature. J Fr Ophtalmol. 2020;43(7):e217-e230.)

Por outro lado, a excreção do aquoso pela via convencional, trabecular, é dependente do nível da PIO. Em olhos normais, quanto maior a PIO, maior a drenagem pela via trabecular (0,20µL/min/mmHg).(11. Renard JP, Sellem E. Glaucome primitif à angle ouvert. Issy-les-Moulineaux: Elsevier Masson; 2014.,66. Buffault J, Labbé A, Hamard P, Brignole-Baudouin F, Baudouin C. The trabecular meshwork: Structure, function and clinical implications. A review of the literature. J Fr Ophtalmol. 2020;43(7):e217-e230.)

Na via trabecular, o trabeculado controla a PIO ao regular a passagem do humor aquoso da câmara anterior para o canal de Schlemm adjacente. A partir da câmara anterior, o humor aquoso atinge o trabeculado, para seguir adiante e chegar ao canal de Schlemm e, daí, para os canais coletores. O trabeculado possui três partes, da câmara anterior até o canal de Schlemm: trabeculado uveal, trabeculado córneo-escleral e trabeculado cribriforme ou justacanalicular.(66. Buffault J, Labbé A, Hamard P, Brignole-Baudouin F, Baudouin C. The trabecular meshwork: Structure, function and clinical implications. A review of the literature. J Fr Ophtalmol. 2020;43(7):e217-e230.,77. Andrew NH, Akkach S, Casson RJ. A review of aqueous outflow resistance and its relevance to microinvasive glaucoma surgery. Surv Ophthalmol. 2020;65(1):18-31.)

Em olhos normais, a maior parte da resistência ao escoamento do humor aquoso está presente no trabeculado justacanalicular (75%) e o restante no canal de Schlemm e canais coletores (25%). Na fisiologia normal, distensões da malha trabecular provocadas pelo aumento da PIO são o gatilho para liberar mediadores químicos (Rho-cinase, óxido nítrico etc.) que agem aumentando a permeabilidade da malha trabecular, deixando passar mais humor aquoso, reduzindo, dessa maneira, a PIO.(66. Buffault J, Labbé A, Hamard P, Brignole-Baudouin F, Baudouin C. The trabecular meshwork: Structure, function and clinical implications. A review of the literature. J Fr Ophtalmol. 2020;43(7):e217-e230.,77. Andrew NH, Akkach S, Casson RJ. A review of aqueous outflow resistance and its relevance to microinvasive glaucoma surgery. Surv Ophthalmol. 2020;65(1):18-31.)

Estudos recentes demonstram que a malha trabecular não é um filtro estático que regula a passagem do humor aquoso. Pelo contrário, o trabeculado tem propriedades elásticas e contráteis, que fazem com ele funcione como uma bomba, empurrando ativamente o humor aquoso da malha trabecular para as vias pós-trabeculares (canal de Schlemm e canais coletores). A bomba trabecular funciona no ritmo do pulso cardíaco (sístole e diástole), agindo como um “coração” bombeando humor aquoso para fora do olho. Para o bom funcionamento da bomba trabecular, é fundamental a preservação da viabilidade das células trabeculares (endoteliais e fibroblásticas).(88. Johnstone MA. The aqueous outflow system as a mechanical pump: evidence from examination of tissue and aqueous movement in human and non-human primates. J Glaucoma. 2004;13(5):421-38.,99. Huang AS, Mohindroo C, Weinreb RN. Aqueous humor outflow structure and function imaging at the bench and bedside: a review. J Clin Exp Ophthalmol. 2016;7(4):578.)

Nos olhos com hipertensão ocular ou com glaucoma, alterações morfológicas e histopatológicas fazem com que a drenagem por essa via esteja reduzida, levando ao aumento da PIO.(11. Renard JP, Sellem E. Glaucome primitif à angle ouvert. Issy-les-Moulineaux: Elsevier Masson; 2014.,44. Baudouin C, Kolko M, Melik-Parsadaniantz S, Messmer EM. Inflammation in Glaucoma: From the back to the front of the eye, and beyond. Prog Retin Eye Res. 2021;83:100916.

5. Keller KE, Peters DM. Pathogenesis of glaucoma: Extracellular matrix dysfunction in the trabecular meshwork-A review. Clin Exp Ophthalmol. 2022;50(2):163-82.

6. Buffault J, Labbé A, Hamard P, Brignole-Baudouin F, Baudouin C. The trabecular meshwork: Structure, function and clinical implications. A review of the literature. J Fr Ophtalmol. 2020;43(7):e217-e230.
-77. Andrew NH, Akkach S, Casson RJ. A review of aqueous outflow resistance and its relevance to microinvasive glaucoma surgery. Surv Ophthalmol. 2020;65(1):18-31.)

Todas essas alterações fazem com que o trabeculado diminua sua capacidade de escoamento, seja pelo acúmulo de matriz extracelular, o que impede a passagem do humor aquoso, seja pelo enrijecimento e a diminuição da contratilidade trabecular, o que diminuiria a ação da bomba trabecular.

As alterações trabeculares podem ser primárias, ou seja, geneticamente determinadas, como no glaucoma primário de ângulo aberto, ou secundárias, geradas a partir de algum fator causal, como trauma ou acúmulo de substância imprópria ao trabeculado (pigmento iriano, células inflamatórias, hemácias, material pseudoesfoliativo etc.).(11. Renard JP, Sellem E. Glaucome primitif à angle ouvert. Issy-les-Moulineaux: Elsevier Masson; 2014.)

Por outro lado, as alterações no canal de Schlemm e canais coletores são, a princípio, secundárias à ausência de circulação de humor aquoso. Com a diminuição da passagem do humor aquoso pelo trabeculado, cada vez menos líquido chega às vias pós-trabeculares, e esses canais se colapsam progressivamente, agravando o adoecimento da via convencional de escoamento do humor aquoso.(11. Renard JP, Sellem E. Glaucome primitif à angle ouvert. Issy-les-Moulineaux: Elsevier Masson; 2014.,66. Buffault J, Labbé A, Hamard P, Brignole-Baudouin F, Baudouin C. The trabecular meshwork: Structure, function and clinical implications. A review of the literature. J Fr Ophtalmol. 2020;43(7):e217-e230.,77. Andrew NH, Akkach S, Casson RJ. A review of aqueous outflow resistance and its relevance to microinvasive glaucoma surgery. Surv Ophthalmol. 2020;65(1):18-31.)

Portanto, pode-se considerar que a trabeculopatia é o fator desencadeador da hipertensão ocular e que ela ocorre progressivamente em três níveis: trabeculado, canal de Schlemm e canais coletores.(11. Renard JP, Sellem E. Glaucome primitif à angle ouvert. Issy-les-Moulineaux: Elsevier Masson; 2014.,66. Buffault J, Labbé A, Hamard P, Brignole-Baudouin F, Baudouin C. The trabecular meshwork: Structure, function and clinical implications. A review of the literature. J Fr Ophtalmol. 2020;43(7):e217-e230.,77. Andrew NH, Akkach S, Casson RJ. A review of aqueous outflow resistance and its relevance to microinvasive glaucoma surgery. Surv Ophthalmol. 2020;65(1):18-31.)

Toda essa evolução da progressão do adoecimento da via trabecular traz repercussões clínicas e na definição da estratégia terapêutica. Quanto mais níveis estiverem envolvidos no processo patológico, maior será a PIO e mais avançado e mais antigo o glaucoma.

O tratamento do glaucoma e da hipertensão ocular consiste na redução da PIO, o único fator de risco modificável, e pode ser feito por meio de medicamentos, laser ou cirurgia.(11. Renard JP, Sellem E. Glaucome primitif à angle ouvert. Issy-les-Moulineaux: Elsevier Masson; 2014.,22. Kountouras J, Zavos C, Chatzopoulos D. Primary open-angle glaucoma: pathophysiology and treatment. Lancet. 2004;364(9442):1311-2.) Os diferentes tipos de tratamento podem ser separados de acordo com o mecanismo de ação: reduzir a produção do humor aquoso; aumentar a drenagem pela via trabecular; aumentar a drenagem pela via úveo-escleral; criar uma nova via de drenagem. (22. Kountouras J, Zavos C, Chatzopoulos D. Primary open-angle glaucoma: pathophysiology and treatment. Lancet. 2004;364(9442):1311-2.,1010. Jonas JB, Aung T, Bourne RR, Bron AM, Ritch R, Panda-Jonas S. Glaucoma. Lancet. 2017;390(10108):2183-93.)

Idealmente, a terapia do glaucoma deveria atuar na reabilitação e na preservação da função trabecular, local da origem fisiopatológica da elevação da PIO. Atualmente, já se encontram disponíveis tratamentos que se propõem a atuar no trabeculado, seja por meio de medicamentos (liberadores de óxido nítrico e inibidores da Rho-cinase), laser (trabeculoplastia seletiva a laser [SLT]) e cirurgias (implantes de by-pass trabecular; técnicas que realizam a dilatação do canal de Schlemm e canais coletores; e técnicas que retiram ou cortam a malha trabecular).(66. Buffault J, Labbé A, Hamard P, Brignole-Baudouin F, Baudouin C. The trabecular meshwork: Structure, function and clinical implications. A review of the literature. J Fr Ophtalmol. 2020;43(7):e217-e230.,77. Andrew NH, Akkach S, Casson RJ. A review of aqueous outflow resistance and its relevance to microinvasive glaucoma surgery. Surv Ophthalmol. 2020;65(1):18-31.,1111. Mehran NA, Sinha S, Razeghinejad R. New glaucoma medications: latanoprostene bunod, netarsudil, and fixed combination netarsudil-latanoprost. Eye (Lond). 2020;34(1):72-88.,1212. Hoy SM. Latanoprostene bunod ophthalmic solution 0.024%: a review in open-angle glaucoma and ocular hypertension. Drugs. 2018;78(7):773-80. Erratum in: Drugs. 2018;78(8):857.) O futuro traz ainda muitas novidades que visam atuar na reabilitação do tecido trabecular, como as terapias genéticas e com células-tronco.(44. Baudouin C, Kolko M, Melik-Parsadaniantz S, Messmer EM. Inflammation in Glaucoma: From the back to the front of the eye, and beyond. Prog Retin Eye Res. 2021;83:100916.,1313. Coulon SJ, Schuman JS, Du Y, Bahrani Fard MR, Ethier CR, Stamer WD. A novel glaucoma approach: Stem cell regeneration of the trabecular meshwork. Prog Retin Eye Res. 2022;90:101063.

14. Chamling X, Sluch VM, Zack DJ. The potential of human stem cells for the study and treatment of glaucoma. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2016;57(5):ORSFi1-6.
-1515. Denoyer A, Godefroy D, Célérier I, Frugier J, Degardin J, Harrison JK, et al. CXCR3 antagonism of SDF-1(5-67) restores trabecular function and prevents retinal neurodegeneration in a rat model of ocular hypertension. PLoS One. 2012;7(6):e37873.)

Em relação aos colírios atualmente disponíveis no mercado que visam aumentar a drenagem pela via trabecular, tem-se o latanoprostene bunod e os inibidores da Rho-cinase. O primeiro possui ação dupla ao agir na melhora do escoamento pela via úveo-escleral (latanoprosta) e na melhora do escoamento pela via trabecular (liberação de óxido nítrico). O óxido nítrico melhora a contratilidade da célula fibroblástica trabecular e libera espaços, ao diminuir a quantidade de matriz extracelular. A inibição da Rho-cinase, presente em ambos os medicamentos, também favorece o escoamento trabecular, reabilitando a contratilidade das células e fibras elásticas e diminuindo a quantidade de matriz extracelular.(1111. Mehran NA, Sinha S, Razeghinejad R. New glaucoma medications: latanoprostene bunod, netarsudil, and fixed combination netarsudil-latanoprost. Eye (Lond). 2020;34(1):72-88.,1616. Cavet ME, Vollmer TR, Harrington KL, VanDerMeid K, Richardson ME. Regulation of endothelin-1-induced trabecular meshwork cell contractility by latanoprostene bunod. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2015;56(6):4108-16.,1717. Aliancy J, Stamer WD, Wirostko B. A review of nitric oxide for the treatment of glaucomatous disease. Ophthalmol Ther. 2017;6(2):221-32.)

Em contrapartida, devem-se ter extrema cautela e consciência na escolha de colírios para uso contínuo em pacientes com glaucoma. Existem evidências suficientes na literatura demonstrando a toxicidade de determinados conservantes, como o cloreto de benzalcônio (BAK), para as células trabeculares.(44. Baudouin C, Kolko M, Melik-Parsadaniantz S, Messmer EM. Inflammation in Glaucoma: From the back to the front of the eye, and beyond. Prog Retin Eye Res. 2021;83:100916.,1818. Baudouin C, Denoyer A, Desbenoit N, Hamm G, Grise A. In vitro and in vivo experimental studies on trabecular meshwork degeneration induced by benzalkonium chloride (an American Ophthalmological Society thesis). Trans Am Ophthalmol Soc. 2012;110:40-63.) Colírios que contenham esse conservante, em uso prolongado, podem agravar a trabeculopatia presente nos pacientes com glaucoma.(44. Baudouin C, Kolko M, Melik-Parsadaniantz S, Messmer EM. Inflammation in Glaucoma: From the back to the front of the eye, and beyond. Prog Retin Eye Res. 2021;83:100916.,1818. Baudouin C, Denoyer A, Desbenoit N, Hamm G, Grise A. In vitro and in vivo experimental studies on trabecular meshwork degeneration induced by benzalkonium chloride (an American Ophthalmological Society thesis). Trans Am Ophthalmol Soc. 2012;110:40-63.)

As terapias trabeculares a laser e as cirúrgicas serão mais bem indicadas e terão melhor chance de sucesso nos casos em que há ainda uma boa viabilidade da via pós-trabecular (canal de Schlemm e canais coletores ainda não colapsados).(77. Andrew NH, Akkach S, Casson RJ. A review of aqueous outflow resistance and its relevance to microinvasive glaucoma surgery. Surv Ophthalmol. 2020;65(1):18-31.)

Já as técnicas cirúrgicas que procuram realizar uma nova via de drenagem, seja subconjuntival (cirurgia filtrante, implantes de drenagem, XEN® Gel Stent, PreserFlo™ etc.) ou supracoroidiana (MINIInject®, iStent Supra etc.), deveriam ficar reservadas para os casos em que o adoecimento da via convencional esteja mais avançado, com vias pós-trabeculares já colapsadas e sem possibilidade de reabilitação.(77. Andrew NH, Akkach S, Casson RJ. A review of aqueous outflow resistance and its relevance to microinvasive glaucoma surgery. Surv Ophthalmol. 2020;65(1):18-31.)

A definição da melhor estratégia cirúrgica depende, então, da capacidade de reabilitação da via trabecular, da viabilidade pós-trabecular (canais ainda funcionantes) e, em última análise, do estágio da trabeculopatia. Não existe ainda na prática clínica diária um equipamento ou exame de imagem capaz de trazer a informação do grau de obstrução da via de drenagem trabecular, ou seja, o estágio da trabeculopatia. Esse tipo de avaliação ainda se encontra em investigação e, acredita-se, estará disponível em futuro não muito distante.(99. Huang AS, Mohindroo C, Weinreb RN. Aqueous humor outflow structure and function imaging at the bench and bedside: a review. J Clin Exp Ophthalmol. 2016;7(4):578.)

No entanto, enquanto essa realidade ainda não esteja presente nos consultórios e clínicas oftalmológicas, a tomada de decisões deve ser feita com base em dados clínicos indiretos do estágio de obstrução da via de drenagem trabecular. Os principais achados indiretos de uma boa viabilidade pós-trabecular seriam o estágio do glaucoma (segundo o comprometimento campimétrico) e a responsividade ao tratamento com colírios para redução da PIO.

Considerando o estágio do glaucoma, estudos mostram que as terapias trabeculares a laser (como o SLT) e cirúrgicas (como os implantes trabeculares) funcionam melhor nos glaucomas de inicial a moderado (medium deviation [MD] melhor de 12 decibéis [dB]).(1919. Chansangpetch S, Ittarat M, Yang S, Fisher AC, Singh K, Lin SC, et al. Comparison of 1-year effectiveness of trabecular microbypass stent implantation (iStent) in conjunction with phacoemulsification among mild, moderate, and severe primary open-angle glaucoma patients. J Glaucoma. 2020;29(7):542-9.,2020. Paletta Guedes RA, Gravina DM, Paletta Guedes VM, Chaoubah A. Factors associated with unqualified success after trabecular bypass surgery: a case-control study. J Glaucoma. 2020;29(11):1082-7.) Olhos que ainda respondem ao tratamento com colírios tendem a obter melhores índices de sucesso com as terapias trabeculares. Há ainda evidência de que quanto menor for o número de colírios, melhor a resposta às terapias trabeculares.(2020. Paletta Guedes RA, Gravina DM, Paletta Guedes VM, Chaoubah A. Factors associated with unqualified success after trabecular bypass surgery: a case-control study. J Glaucoma. 2020;29(11):1082-7.,2121. Guedes RA, Gravina DM, Guedes VM, Chaoubah A. Trabecular microbypass as replacement therapy in pharmacologically controlled open-angle glaucoma patients. Arq Bras Oftalmol. 2023;86(3):240-7.) Tudo isso reflete indiretamente o estágio de comprometimento trabecular e o nível de resistência ao escoamento do humor aquoso.

O conhecimento do grau da trabeculopatia tornou-se de extrema importância atualmente, não somente para compreensão clínica do estágio da doença, mas também na definição da melhor estratégia terapêutica, individualizando o tratamento do glaucoma e da hipertensão ocular. Atuando-se precocemente no adoecimento trabecular, impedindo-o de progredir e até mesmo revertendo seu comprometimento, tem-se a possibilidade de se intervir no processo fisiopatológico do glaucoma, levando a uma mudança importante na história natural do glaucoma.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Renard JP, Sellem E. Glaucome primitif à angle ouvert. Issy-les-Moulineaux: Elsevier Masson; 2014.
  • 2
    Kountouras J, Zavos C, Chatzopoulos D. Primary open-angle glaucoma: pathophysiology and treatment. Lancet. 2004;364(9442):1311-2.
  • 3
    Acott TS, Vranka JA, Keller KE, Raghunathan V, Kelley MJ. Normal and glaucomatous outflow regulation. Prog Retin Eye Res. 2021;82:100897.
  • 4
    Baudouin C, Kolko M, Melik-Parsadaniantz S, Messmer EM. Inflammation in Glaucoma: From the back to the front of the eye, and beyond. Prog Retin Eye Res. 2021;83:100916.
  • 5
    Keller KE, Peters DM. Pathogenesis of glaucoma: Extracellular matrix dysfunction in the trabecular meshwork-A review. Clin Exp Ophthalmol. 2022;50(2):163-82.
  • 6
    Buffault J, Labbé A, Hamard P, Brignole-Baudouin F, Baudouin C. The trabecular meshwork: Structure, function and clinical implications. A review of the literature. J Fr Ophtalmol. 2020;43(7):e217-e230.
  • 7
    Andrew NH, Akkach S, Casson RJ. A review of aqueous outflow resistance and its relevance to microinvasive glaucoma surgery. Surv Ophthalmol. 2020;65(1):18-31.
  • 8
    Johnstone MA. The aqueous outflow system as a mechanical pump: evidence from examination of tissue and aqueous movement in human and non-human primates. J Glaucoma. 2004;13(5):421-38.
  • 9
    Huang AS, Mohindroo C, Weinreb RN. Aqueous humor outflow structure and function imaging at the bench and bedside: a review. J Clin Exp Ophthalmol. 2016;7(4):578.
  • 10
    Jonas JB, Aung T, Bourne RR, Bron AM, Ritch R, Panda-Jonas S. Glaucoma. Lancet. 2017;390(10108):2183-93.
  • 11
    Mehran NA, Sinha S, Razeghinejad R. New glaucoma medications: latanoprostene bunod, netarsudil, and fixed combination netarsudil-latanoprost. Eye (Lond). 2020;34(1):72-88.
  • 12
    Hoy SM. Latanoprostene bunod ophthalmic solution 0.024%: a review in open-angle glaucoma and ocular hypertension. Drugs. 2018;78(7):773-80. Erratum in: Drugs. 2018;78(8):857.
  • 13
    Coulon SJ, Schuman JS, Du Y, Bahrani Fard MR, Ethier CR, Stamer WD. A novel glaucoma approach: Stem cell regeneration of the trabecular meshwork. Prog Retin Eye Res. 2022;90:101063.
  • 14
    Chamling X, Sluch VM, Zack DJ. The potential of human stem cells for the study and treatment of glaucoma. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2016;57(5):ORSFi1-6.
  • 15
    Denoyer A, Godefroy D, Célérier I, Frugier J, Degardin J, Harrison JK, et al. CXCR3 antagonism of SDF-1(5-67) restores trabecular function and prevents retinal neurodegeneration in a rat model of ocular hypertension. PLoS One. 2012;7(6):e37873.
  • 16
    Cavet ME, Vollmer TR, Harrington KL, VanDerMeid K, Richardson ME. Regulation of endothelin-1-induced trabecular meshwork cell contractility by latanoprostene bunod. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2015;56(6):4108-16.
  • 17
    Aliancy J, Stamer WD, Wirostko B. A review of nitric oxide for the treatment of glaucomatous disease. Ophthalmol Ther. 2017;6(2):221-32.
  • 18
    Baudouin C, Denoyer A, Desbenoit N, Hamm G, Grise A. In vitro and in vivo experimental studies on trabecular meshwork degeneration induced by benzalkonium chloride (an American Ophthalmological Society thesis). Trans Am Ophthalmol Soc. 2012;110:40-63.
  • 19
    Chansangpetch S, Ittarat M, Yang S, Fisher AC, Singh K, Lin SC, et al. Comparison of 1-year effectiveness of trabecular microbypass stent implantation (iStent) in conjunction with phacoemulsification among mild, moderate, and severe primary open-angle glaucoma patients. J Glaucoma. 2020;29(7):542-9.
  • 20
    Paletta Guedes RA, Gravina DM, Paletta Guedes VM, Chaoubah A. Factors associated with unqualified success after trabecular bypass surgery: a case-control study. J Glaucoma. 2020;29(11):1082-7.
  • 21
    Guedes RA, Gravina DM, Guedes VM, Chaoubah A. Trabecular microbypass as replacement therapy in pharmacologically controlled open-angle glaucoma patients. Arq Bras Oftalmol. 2023;86(3):240-7.
  • Fonte de auxílio à pesquisa: trabalho não financiado.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    15 Set 2023
  • Aceito
    21 Set 2023
Sociedade Brasileira de Oftalmologia Rua São Salvador, 107 , 22231-170 Rio de Janeiro - RJ - Brasil, Tel.: (55 21) 3235-9220, Fax: (55 21) 2205-2240 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rbo@sboportal.org.br