Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação do conhecimento sobre cirurgia refrativa por meio de questionário eletrônico

Evaluation of knowledge in refractive surgery using an on-line questionnaire

RESUMO

Objetivo:

Desenvolver e aplicar um questionário eletrônico para avaliação do conhecimento em cirurgia refrativa na população analisada.

Métodos:

Foi aplicado um questionário eletrônico a uma população composta de 840 participantes voluntários maiores de 18 anos.

Resultados:

A média da idade dos participantes foi 37,85 anos, sendo 60,1% do feminino. Dentre os participantes, 20,95% reportaram ter sido submetidos a alguma cirurgia ocular prévia, sendo 73,86% com objetivo refrativo. Entre estes, 73,08% mostraram-se satisfeitos/muito satisfeitos com o resultado. O critério mais importante na escolha de um cirurgião refrativo foi a indicação por um conhecido que realizara a cirurgia (43,81%). Destaca-se que os participantes submetidos à cirurgia refrativa discordaram que “a cirurgia é um procedimento simples e isento de riscos” mais do que as demais pessoas (p=0,0045) e também que “o objetivo principal da cirurgia é ‘zerar’ o grau” (p=0,0252).

Conclusão:

Nota-se a necessidade de melhorar o conhecimento pré-operatório da população sobre cirurgia refrativa e também de educação continuada para os oftalmologistas. Este estudo fomenta o desenvolvimento de novas ferramentas de educação com informações claras e de fácil acesso, que tenham caráter informativo, e não de convencimento.

Descritores:
Procedimentos cirúrgicos refrativos; Cirurgia da córnea a laser; Ceratectomia fotorrefrativa; Ceratomileuse assistida por excimer laser in situ; Educação do paciente; Inquéritos e questionários

ABSTRACT

Objective:

The purpose of this study was to develop and apply an online questionnaire to assess knowledge in Refractive Surgery in the analyzed population.

Methods:

An online questionnaire was applied to a population composed of 840 volunteer participants over 18 years of age.

Results:

The mean age of population was 37.85 years, of whom 60.1% were female. 20.95% of the participants reported having undergone previous eye surgery, 73.86% of which had a refractive objective. Among these, 73.08% were satisfied / very satisfied with the result. The most important criterion when choosing a refractive surgeon was the indication by a friend who underwent the procedure (43.81%). It is noteworthy that the participants who underwent refractive surgery disagreed more than the other people that “the surgery is a simple and risk-free procedure” (p = 0.0045) and that “the main objective of the surgery is to “zero” the diopter” (p = 0.0252).

Conclusion:

It is essential to improve population's preoperative knowledge about Refractive Surgery, as well as continuing education for ophthalmologists. Therefore, this study encourages the development of new education tools with clear and easily accessible information, which should be informative, and not convincing.

Keywords:
Refractive surgical procedures; Corneal surgery, laser; Photorefractive keratectomy; Keratomileusis, laser in situ; Patient education; Surveys and questionnaires

INTRODUÇÃO

A cirurgia refrativa (CR) é definida como a subespecialidade da oftalmologia que trata das opções cirúrgicas para correção dos erros refrativos, englobando cirurgias conhecidas como procedimentos refrativos, com destaque para a correção visual a laser (CVL).(11 Conselho Brasileiro de Oftalmologia, Associação Médica Brasileira e Associação Brasileira de Catarata e Cirurgia Refrativa (ABCCR). Diretriz de cirurgia refrativa. [citado 2022 Set. 29]. Available from: http://www.cbo.net.br/novo/publicacoes/diretrizes/DiretrizesemCirurgiaRefrativaFinalRJ.pdf
http://www.cbo.net.br/novo/publicacoes/d...
) O crescente interesse da população em relação a essas cirurgias pode ser justificado pela alta prevalência dos erros refrativos e também pela grande satisfação pós-operatória.(22 Sociedade Brasileira de Cirurgia Refrativa. Cirurgia refrativa: Consciência para traçar novos rumos. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Cirurgia Refrativa; 2014. 12p.) São procedimentos eletivos, ou seja, tratamentos que o paciente escolhe ou não realizar.(11 Conselho Brasileiro de Oftalmologia, Associação Médica Brasileira e Associação Brasileira de Catarata e Cirurgia Refrativa (ABCCR). Diretriz de cirurgia refrativa. [citado 2022 Set. 29]. Available from: http://www.cbo.net.br/novo/publicacoes/diretrizes/DiretrizesemCirurgiaRefrativaFinalRJ.pdf
http://www.cbo.net.br/novo/publicacoes/d...
,33 Ambrósio Júnior R. Cirurgia refrativa terapêutica: por que diferenciar? Rev Bras Oftalmol. 2013;72(2):85-6.) Com isso, a adequada orientação do paciente candidato a qualquer CR é fundamental para permitir decisões conscientes.(33 Ambrósio Júnior R. Cirurgia refrativa terapêutica: por que diferenciar? Rev Bras Oftalmol. 2013;72(2):85-6.) Para isso, deve-se considerar o caráter educacional e esclarecedor, ao invés de um tom sugestivo ou de convencimento.

Por outro lado, os procedimentos eletivos refrativos devem ser bem diferenciados dos procedimentos refrativos terapêuticos, nos quais a correção óptica é relativamente insatisfatória para o paciente.(44 Reinstein DZ. Therapeutic Refractive Surgery. J Refract Surg. 2015;31(1):6-8.) Enquanto a cirurgia eletiva tem por objetivo a redução da dependência da correção visual, a cirurgia terapêutica visa à reabilitação funcional da visão, sendo secundário o objetivo refrativo.(33 Ambrósio Júnior R. Cirurgia refrativa terapêutica: por que diferenciar? Rev Bras Oftalmol. 2013;72(2):85-6.)

Houve grande evolução tecnológica envolvendo os procedimentos de CVL, o que proporciona resultados mais previsíveis e mais seguros. Entretanto, deve-se evitar que ocorra a banalização dessas cirurgias. Como qualquer outro procedimento em medicina, existem riscos, benefícios e limitações.(22 Sociedade Brasileira de Cirurgia Refrativa. Cirurgia refrativa: Consciência para traçar novos rumos. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Cirurgia Refrativa; 2014. 12p.)

Em linhas gerais, o paciente deve entender e ser consciente de que sua acuidade visual sem correção após o procedimento não deve ser melhor que sua acuidade visual corrigida pré-operatória, embora isso seja possível.(55 Alexander JK, Davidson RS. Managing expectations in refractive surgery. Int Ophthalmol Clin. 2016;56(2):1-17.) De maneira análoga, o paciente présbita não deve esperar que sua visão de perto seja corrigida sem que haja uma compensação em um dos olhos. Tais expectativas pré-operatórias podem gerar queixas e estão diretamente relacionadas com a insatisfação pós-operatória.(55 Alexander JK, Davidson RS. Managing expectations in refractive surgery. Int Ophthalmol Clin. 2016;56(2):1-17.,66 Katsanevaki VJ, Tuft SJ. Refractive surgery: What patients need to know. Br Med Bull. 2007;83(1):325-39.)

Em pesquisa encomendada pela então Sociedade Brasileira de Cirurgia Refrativa (SBCR), atual Associação Brasileira de Catarata e Cirurgia Refrativa (ABCCR), com o objetivo de reconhecer questões sobre esse mercado no Brasil,(22 Sociedade Brasileira de Cirurgia Refrativa. Cirurgia refrativa: Consciência para traçar novos rumos. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Cirurgia Refrativa; 2014. 12p.) foram considerados altos tanto o nível de satisfação dos pacientes submetidos à CVL quanto a recomendação para que alguma outra pessoa realizasse a cirurgia. Por outro lado, dentre os pacientes entrevistados, 60% dos não operados disseram que jamais tinham conversado sobre cirurgias refrativas com seu oftalmologista.

Adicionalmente, da maioria dos que já teriam falado sobre o assunto, o médico oftalmologista teria se mostrado negativo ou isento em relação à cirurgia em 26,8% dos casos. Dos não operados, 30% já tinham buscado outra fonte de informação sobre a cirurgia.

Esses fatos corroboram a ideia de que outras fontes de informação também são consideradas como formadoras de opinião, além do oftalmologista.

O objetivo deste estudo foi avaliar o conhecimento da população geral sobre CR, com ênfase na correção visual a laser, em relação aos tópicos abordados em questionário previamente elaborado, para ressaltar a importância da educação do paciente para o sucesso cirúrgico e fomentar o desenvolvimento de novas ferramentas de educação do paciente, com ênfase nos tópicos de menor conhecimento, além de auxiliar o oftalmologista na avaliação pré-operatória.

MÉTODOS

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle (HUGG), vinculado à Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e submetido à Plataforma Brasil, aceito no processo HUGG 3.127.436/2019. Os participantes tiveram acesso ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) antes do início da pesquisa, quando tinham a possibilidade de concordar ou não prosseguir.

Trata-se de estudo observacional, transversal, de avaliação das respostas obtidas de questionário on-line desenvolvido durante o projeto de pesquisa. Optou-se pela realização de questionário on-line para alcançar um maior número de pessoas durante o período de realização do estudo.

O questionário foi dividido em três partes: a primeira para identificação do perfil do participante; a segunda para avaliação do conhecimento sobre os olhos e contato com CR; e a terceira para avaliação do conhecimento em CR, mais especificamente em CVL, a qual foi composta de dez afirmações (afirmativas de 11 a 20), julgadas como questões fundamentais ao assunto. Todas as perguntas e afirmações contidas no questionário foram de múltipla escolha, havendo um espaço para observações, quando pertinente.

Às dez afirmações seguintes sobre CVL contidas no questionário foram dadas alternativas para julgamento como verdadeiras ou falsas. As respostas não foram julgadas como certas ou erradas, mas como reflexão de uma opinião pessoal que retrata o conhecimento acerca do assunto.

O questionário ficou disponível de forma on-line durante o período compreendido entre 20 de março de 2019 e 28 de fevereiro de 2020 no website da ABCCR/BRASCRS (https://brascrs.com.br/). Os dados foram coletados de maneira a produzir uma amostra representativa e estratificada da população desejada.

Foram incluídos todos os brasileiros, residentes no Brasil, maiores de 18 anos e alfabetizados que aceitaram participar da pesquisa. Não foi estabelecido nenhum critério de exclusão. A amostragem foi realizada de modo consecutivo.

Os dados obtidos por meio do preenchimento do questionário foram exportados para planilha do software Microsoft Excel 2016 pela plataforma Google Forms.

Os participantes foram categorizados por sexo, estado de residência, escolaridade e presença ou não de procedimento refrativo prévio para comparação dos resultados. Dentro desse último grupo, também foi realizada a comparação entre aqueles que se diziam satisfeitos/muito satisfeitos e insatisfeitos/muito insatisfeitos com a cirurgia. Por escolaridade, foram agrupados pacientes com Ensino Fundamental completo, Ensino Médio completo e Ensino Superior ou maior, sendo esse último grupo dividido em não médicos e médicos. Entre estes, foram separados os não oftalmologistas dos oftalmologistas e, finalmente, os especialistas em CR dos não especialistas.

Foram elaboradas 20 perguntas para serem respondidas com os dados obtidos do questionário. A análise estatística foi realizada por meio do software Microsoft Excel, utilizando-se o teste qui-quadrado para validação das perguntas elaboradas. O nível de significância estatística adotado para inferência foi ≤0,05.

RESULTADOS

Participaram do estudo 840 pessoas, sendo 505 do sexo feminino (60,1%). O Rio de Janeiro foi o estado com maior número de participantes (265), seguido de São Paulo (123) e Rio Grande do Sul (112). Roraima foi o único estado sem representantes. Com relação ao grau de instrução, 645 (76,79%) participantes tinham Ensino Superior ou maior, 177 (21,07%) Ensino Médio completo e 18 (2,14%) Ensino Fundamental completo. Dentre a amostra, 236 (28,09%) eram médicos, 197 (23,45%) oftalmologistas e 119 (14,17%) especialistas em CR.

Dos participantes, 20,95% afirmaram já ter sido submetidos a alguma cirurgia oftalmológica, sendo 73,86% dessas cirurgias realizadas com objetivo refrativo, e a ceratomileuse local assistida por laser (LASIK; 43,08%) e a ceratectomia fotorrefrativa (PRK; 29,23%) foram as mais citadas. As cirurgias refrativas foram realizadas em 5,56% das pessoas com Ensino Fundamental completo, 10,17% daquelas com Ensino Médio completo e 17,21% das com Ensino Superior ou maior. Entre os médicos, esse percentual foi maior do que em não médicos (23,31% versus 13,69%). Oftalmologistas (23,35%) e especialistas em CR (23,53%) apresentaram percentual semelhante.

Com relação à presença ou não de erros refrativos, 67,26% dos participantes afirmaram ter “grau refracional nos olhos”. Entre os participantes já submetidos a algum procedimento refrativo, 68,46% afirmaram ainda possuir algum erro de refração, embora 42,70% destes terem afirmado não utilizar nenhuma forma de correção.

A respeito da escolha do cirurgião (Figura 1), dentre todos os participantes, 43,81% consideraram mais importante a indicação de um conhecido que já tivesse realizado a mesma cirurgia, 33,33% a indicação de outro médico, 21,43% o currículo do cirurgião, 0,83% o menor custo e 0,60% a atividade do médico em redes sociais.

Figura 1
Distribuição das respostas do fator mais importante ao escolher um médico para fazer cirurgia nos olhos.

Quando analisados todos os participantes que já tinham sido submetidos a algum procedimento refrativo, sem distinção da tecnologia utilizada nem considerando o tempo que a cirurgia fora feita, 73,08% consideraram que estavam satisfeitos ou muito satisfeitos, 19,23% ficaram muito insatisfeitos, 4,62% se diziam insatisfeitos, e 3,08% foram neutros.

Dentre os participantes, 78,69% afirmaram conhecer pessoas já submetidas a procedimentos refrativos (Tabela 1). Destes, 61,27% assinalaram que “a maioria das pessoas que conheciam haviam ficado satisfeitas” e 31,92% que “todas as pessoas que conheciam haviam ficado satisfeitas”. Entre os que já tinham sido submetidos à cirurgia com objetivo refrativo, 95,38% conheciam outras pessoas que também realizaram a cirurgia.

Tabela 1
Opinião dos participantes em relação à satisfação de conhecidos que foram submetidos à cirurgia refrativa

A respeito do questionário, cada uma das dez afirmações realizadas sobre CVL foi analisada pelos pacientes como verdadeiras ou falsas e correlacionadas com escolaridade e presença de procedimento refrativo prévio para análise comparativa.

A primeira afirmação versava que a CR é um procedimento simples e isento de riscos e foi considerada verdadeira por 23,57% dos participantes. O percentual daqueles com Ensino Superior ou maior que concordou com essa afirmação (20%) foi inferior ao dos participantes com Ensino Fundamental completo (33,33%) e Ensino Médio completo (35,60%). Entre oftalmologistas, apenas 1,53% concordou com tal afirmação, contra 7,69% entre os demais médicos. Entre os participantes que já tinham sido submetidos a algum procedimento refrativo, 13,85% concordaram com a afirmação, contra 25,36% dos demais. Participantes que se disseram satisfeitos/muito satisfeitos com o procedimento concordaram menos com essa afirmação do que aqueles que se disseram insatisfeitos/muito insatisfeitos (11,58% contra 16,13%).

Quando afirmado que o objetivo principal da cirurgia era “zerar” o grau (Tabela 2), 41,19% dos participantes concordaram. A afirmação julgada como verdadeira foi inversamente proporcional à escolaridade, ocorrendo em 72,22% dos participantes com Ensino Fundamental completo, 54,80% daqueles com Ensino Médio completo e 36,59% com Ensino Superior ou maior (16,95% entre médicos e 47,92% entre não médicos). A resposta foi menos positiva entre pacientes submetidos a procedimentos refrativos (32,31%) comparados aos demais participantes (42,82% de positividade). Entre os submetidos a procedimentos refrativos e que se disseram satisfeitos/muito satisfeitos, esse número foi de 34,74%, contra 29,03% dos insatisfeitos/muito insatisfeitos.

Tabela 2
Distribuição das respostas para a segunda afirmativa: “O objetivo principal da cirurgia refrativa é ‘zerar’ o grau”

Sobre quem for operado por CVL não poder mais usar lentes de contato após a cirurgia, 14,29% dos participantes concordaram com a afirmação. Entre pacientes que já realizaram algum procedimento refrativo, esse número foi de 12,30%. Entre os oftalmologistas, 100% discordaram.

Em relação à afirmação de que o ato de coçar os olhos é muito prejudicial à saúde ocular (Tabela 3), 92,74% da amostra assinalou como verdadeira. A diferença entre médicos (3,81%) e não médicos (7,58%) que discordaram dessa afirmação foi estatisticamente significativa.

Tabela 3
Distribuição das respostas para a quarta afirmativa: “O ato de coçar os olhos é muito prejudicial à saúde ocular

A quinta afirmativa dizia que a CR evoluiu com a tecnologia e, atualmente, permitia-se a garantia total dos resultados com uso dos aparelhos a laser mais modernos; 55,24% dos participantes assinalaram que a afirmação era verdadeira. Esse número foi de 43,85% entre os participantes que já tinham sido submetidos a algum procedimento refrativo contra 57,33% entre os não operados. Em referência à escolaridade, a afirmação foi verdadeira em 66,67% dos participantes com Ensino Fundamental completo, 75,14% daqueles com Ensino Médio completo e 49,46% com Ensino Superior ou maior. O menor número de afirmações verdadeiras ocorreu entre oftalmologistas especialistas em CR, com 6,72%, contra 15,38% entre os não especialistas.

Em relação à afirmação de que o ressecamento ocular influenciava no planejamento e no resultado da cirurgia, 15,00% dos participantes responderam negativamente. A escolaridade foi inversamente proporcional ao número de pessoas que discordaram da afirmação, com 38,89% com Ensino Fundamental, 24,86% Ensino Médio e 11,63% Ensino Superior. Esse número foi de apenas 2,12% entre médicos e de 0,51% entre oftalmologistas contra 17,11% entre os não médicos.

Sobre não haver problemas entre doenças sistêmicas e CR, 82,98% dos participantes discordaram da afirmação. A escolaridade foi diretamente proporcional à resposta negativa, com aumento de sua proporção do Ensino Fundamental ao Ensino Médio e Superior (valores de 72,22%, 75,71% e 85,27%, respectivamente). Entre os não médicos, o número de discordantes foi de 78,73% versus 98,61% entre médicos. Número semelhante foi encontrado também entre oftalmologistas (97,46%) e especialistas em CR (98,32%). Entre toda a amostra, pacientes já submetidos a algum procedimento refrativo obtiveram número superior ao dos demais pacientes (89,23% contra 81,83%).

A oitava afirmativa dizia que a pior coisa que poderia acontecer na cirurgia seria não “zerar” o grau, e 18,21% dos participantes da amostra concordaram com essa afirmação. Esse número foi de 13,08% entre os já operados, contra 19,15% entre os demais. Pacientes satisfeitos e muito satisfeitos concordaram em 12,63% dos casos, enquanto insatisfeitos e muito insatisfeitos em 16,13%. Entre os participantes com Ensino Fundamental, Médio e Superior, a afirmativa foi julgada verdadeira em 50%, 31,64% e 13,64% dos casos, respectivamente. Houve grande variação entre não médicos (21,03%) e médicos (0,85%). Entre oftalmologistas, esse valor foi de 0,51%.

A nona afirmativa, de que “não há complicações graves neste tipo de procedimento simples”, foi verdadeira para 24,52% da amostra. Concordaram com essa afirmação 16,92% dos submetidos a procedimentos refrativos e 25,92% dos demais participantes. Entre os insatisfeitos e muito insatisfeitos, esse percentual foi de 22,58%, e entre satisfeitos e muito satisfeitos de 15,79%, configurando diferença não estatisticamente significativa. A concordância com a afirmativa ocorreu em 55,56% dos participantes com Ensino Fundamental completo, 38,98% daqueles com Ensino Médio completo e 19,69% com Ensino Superior ou maior. Entre médicos, esse número caiu para 5,93%, contra 27,63% entre os não médicos. Oftalmologistas concordaram em 2,54% dos casos e demais médicos em 23,08%. Curiosamente, esse número em especialistas em CR foi ligeiramente superior ao dos não especialistas (3,36% versus 1,28%).

A última afirmativa dizia que quando o paciente é submetido à CVL, ele não pode futuramente ser operado de catarata, a qual foi julgada correta por apenas 8,69% da amostra. As respostas verdadeiras dos participantes com Ensino Médio completo destoaram das demais escolaridades, com 16,95%, contra 5,56% do Ensino Fundamental completo e 6,51% do Ensino Superior ou maior. Médicos concordaram em 2,54% dos casos, contra 8,80% dos demais profissionais. Oftalmologistas concordaram menos que os demais médicos (1,02% contra 10,26%). Diferença significativa foi encontrada comparando respostas positivas entre pacientes submetidos a algum procedimento refrativo prévio (2,31%) com os demais participantes (9,86%).

A tabela 4 resume os resultados das inferências realizadas durante a elaboração deste trabalho com os respectivos valores de p. À quarta afirmativa não foi atribuído valor de p, por ter sido analisada por meio do coeficiente de correlação de Pearson, tendo obtido o valor de 0,389 (considerada como relação fraca a moderada).

Tabela 4
Valores de p para inferências realizadas sobre as perguntas

DISCUSSÃO

A associação entre resultado e expectativa pré-operatória é importante não só em oftalmologia, mas em toda a medicina.(77 Dawn AG, Lee PP. Patient expectations for medical and surgical care: A review of the literature and applications to ophthalmology. Surv Ophthalmol. 2004;49(5):513-24.) Em 1997, o professor Rubens Belfort Júnior escreveu um editorial alertando sobre a importância dos oftalmologistas não criarem expectativas infladas e irreais nos pacientes, o que é perigoso, pois elas poderiam levar a resultados insatisfatórios.(88 Belfort Júnior R. “Fator de Impacto” e cirurgia refrativa. Arq Bras Oftalmol. 1997;60(4):341-2.) Por se tratarem de procedimentos eletivos muito relacionados à alta tecnologia e estarem disponíveis a pessoas com maior acesso à saúde, os candidatos à CVL normalmente possuem expectativas muito altas.(77 Dawn AG, Lee PP. Patient expectations for medical and surgical care: A review of the literature and applications to ophthalmology. Surv Ophthalmol. 2004;49(5):513-24.) Consequentemente, o manejo e o controle das CVL é essencial na conquista da satisfação da cirurgia. Apesar da grande importância desse controle em oftalmologia e, particularmente, para procedimentos refrativos, não há literatura extensa neste campo.

No presente estudo, quando analisada a expectativa dos pacientes previamente submetidos a procedimentos refrativos, os 32% que consideraram que o objetivo principal da cirurgia seja “zerar o grau” ganham destaque. Ainda que em menor proporção, 16,24% entre os oftalmologistas e 15,13% entre os cirurgiões refrativos ainda concordam que este seja o objetivo cirúrgico, embora este já esteja bem estabelecido na literatura médica como sendo a diminuição da dependência de correção visual, proporcionando satisfação visual e melhor qualidade de vida.(11 Conselho Brasileiro de Oftalmologia, Associação Médica Brasileira e Associação Brasileira de Catarata e Cirurgia Refrativa (ABCCR). Diretriz de cirurgia refrativa. [citado 2022 Set. 29]. Available from: http://www.cbo.net.br/novo/publicacoes/diretrizes/DiretrizesemCirurgiaRefrativaFinalRJ.pdf
http://www.cbo.net.br/novo/publicacoes/d...

2 Sociedade Brasileira de Cirurgia Refrativa. Cirurgia refrativa: Consciência para traçar novos rumos. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Cirurgia Refrativa; 2014. 12p.
-33 Ambrósio Júnior R. Cirurgia refrativa terapêutica: por que diferenciar? Rev Bras Oftalmol. 2013;72(2):85-6.)

Enquanto 68% dos pacientes operados afirmaram ainda possuir algum erro de refração, 73% disseram estar satisfeitos ou muito satisfeitos com a cirurgia. Curiosamente, analisando somente os participantes que concordaram que seu objetivo principal ao realizar a cirurgia era eliminar o erro de refração e que ainda referiam possuí-lo, o resultado foi de 72,7% de pacientes satisfeitos ou muito satisfeitos, o que corrobora a subjetividade da expectativa e que outros fatores são levados em consideração pelos pacientes além da refração pós-operatória na análise da satisfação.

Atualmente, é possível alcançar acuidade visual sem correção de 20/20 na maioria dos pacientes (mais de 90% dos casos) e melhor que 20/40 em praticamente todos os pacientes,(44 Reinstein DZ. Therapeutic Refractive Surgery. J Refract Surg. 2015;31(1):6-8.) sendo, portanto, aparentemente destoante do que foi encontrado no presente estudo em relação aos que referiram possuir erro de refração pós-operatório.

Outro assunto que merece ser pontuado e que destoou da literatura é o número de participantes que se disseram insatisfeitos ou muito insatisfeitos com o procedimento refrativo ao qual tinham sido submetidos. Uma revisão sistemática mostrou índices de satisfação de 95,3% para o LASIK miópico e 96,3% para o LASIK hipermetrópico.(99 Solomon KD, Fernández de Castro LE, Sandoval HP, Biber JM, Groat B, Neff KD, et al. LASIK World Literature Review: Quality of Life and Patient Satisfaction. Ophthalmology. 2009;116(4):691-701.)

É importante notar, entretanto, que, no presente estudo, algumas informações importantes não foram avaliadas, como data da cirurgia, tipo de tecnologia envolvida na cirurgia e exame oftalmológico, sendo a fonte de informação somente o relato do participante. Adicionalmente, deve-se considerar que pessoas menos satisfeitas são mais predispostas a se expressarem sobre qualquer assunto, o que sugere um viés para a amostragem do estudo considerando-se a metodologia de aplicação de questionário on-line a voluntários.

Apesar de 68% dos pacientes submetidos a procedimentos refrativos terem referido algum erro de refração pós-operatório, 43% não faziam uso de correção visual. Entre os demais participantes, esse percentual foi de apenas 9,5%, o que sugere que o erro refrativo pós-operatório possa não ter tido uma magnitude tão grande que forçasse a necessidade de correção em quase metade dos pacientes operados. Outro fator que poderia explicar o percentual alto de respostas que afirmaram possuir algum erro de refração é a presença de presbiopia, que não foi avaliada neste estudo.

Entre os pacientes submetidos a procedimentos refrativos e que se disseram insatisfeitos ou muito insatisfeitos, 93,33% consideraram que todos ou a maioria de seus conhecidos ficaram satisfeitos com a cirurgia – número semelhante aos que consideraram o mesmo dentre aqueles que se disseram satisfeitos ou muito satisfeitos, com 97,78%.

No presente estudo, a prevalência de procedimentos refrativos entre médicos foi de 23,31% e de 13,69% nos demais participantes com Ensino Superior completo ou maior. A diferença dessa prevalência entre cirurgiões refrativos e demais participantes obteve significância estatística. Esses achados corroboram dados recentes da literatura, que sugerem que os oftalmologistas e, mais especificamente, os cirurgiões refrativos tendem a se submeter a essas cirurgias com maior frequência do que o resto da população.(1010 Kezirian GM, Parkhurst GD, Brinton JP, Norden RA. Prevalence of laser vision correction in ophthalmologists who perform refractive surgery. J Cataract Refract Surg. 2015;41(9):182632.,1111 Alsabaani N, Alshehri MS, AlFlan MA, Awadalla NJ. Prevalence of laser refractive surgery among ophthalmologists in Saudi Arabia. Saudi J Ophthalmol Off J Saudi Ophthalmol Soc. 2020;34(2):116-9.)

Ainda que seja um dos procedimentos eletivos mais realizados e com maior sucesso em todo o mundo,(1212 Pasquali TA, Smadja D, Savetsky MJ, Reggiani Mello GH, Alkhawaldeh F, Krueger RR. Long-term follow-up after laser vision correction in physicians: Quality of life and patient satisfaction. J Cataract Refract Surg. 2014;40(3):395-402.) a CVL não deve ser entendida como procedimento isento de riscos ou complicações,(44 Reinstein DZ. Therapeutic Refractive Surgery. J Refract Surg. 2015;31(1):6-8.,1313 Ambrosio Júnior R. Medicina humanizada & tecnologia de ponta: uma necessidade consciente. In: Robles FR, Vasconcelos GA, eds. Perplexidades, devaneios e provocações: debates e reflexões sobre o cenário contemporâneo e a formação do profissional do cuidado. v. 1. Nova Friburgo: Educatoris; 2019. p. 100-10.) sendo o olho seco considerado a mais frequente,(1414 Garcia-Zalisnak D, Nash D, Yeu E. Ocular surface diseases and corneal refractive surgery. Curr Opin Ophthalmol. 2014;25(4):264-9.) e a ectasia corneana uma das principais preocupações.(1515 Ambrósio R. Post-LASIK ectasia: twenty years of a conundrum. Semin Ophthalmol. 2019;34(2):66-8.

16 Dawson DG, Randleman JB, Grossniklaus HE, O’Brien TP, Dubovy SR, Schmack I, et al. Corneal ectasia after excimer laser keratorefractive surgery: histopathology, ultrastructure, and pathophysiology. Ophthalmology. 2008;115(12):2181-2191.e1.
-1717 Ferreira-Mendes J, Lopes BT, Faria-Correia F, Salomão MQ, Rodrigues-Barros S, Ambrósio R. Enhanced ectasia detection using corneal tomography and biomechanics. Am J Ophthalmol. 2019;197:7-16.) No entanto, quase um quarto da população estudada considerou o procedimento simples e isento de riscos. Enquanto 13,85% dos submetidos a procedimentos refrativos concordaram com tal afirmação, esse percentual foi de 25,36% entre os demais. A diferença entre médicos (2,54%) e demais participantes com Ensino Superior ou maior (30,07%) que concordam com tal afirmação também sugere que esse conhecimento não esteja presente em parte da população geral, correndo o risco da banalização da cirurgia.

Nesse âmbito, é interessante ressaltar que a única afirmação do questionário em que o número de respostas “verdadeiro” e “falso” foi semelhante, dividindo os participantes em basicamente duas metades, foi a de que “a CR evoluiu com a tecnologia e hoje se permite a garantia total dos resultados com o uso dos aparelhos a laser mais modernos”. Fatores como a alta tecnologia agregada e tempo cirúrgico pequeno são citados como fonte de aumento nas expectativas pré-operatórias(1818 Neuberger J. The educated patient: new challenges for the medical profession. J Intern Med Suppl. 2001;249(741):6-10.) e podem justificar a visão do procedimento como um processo simples e isento de riscos.

Enquanto 57% dos participantes não submetidos a procedimentos refrativos concordam com tal afirmação, esse número caiu para 44% entre os operados. Ainda que esse percentual tenha caído entre os oftalmologistas, a existência de respostas “verdadeiro” merece destaque.

A CVL vem ganhando destaque ao longo das últimas décadas, devido principalmente ao potencial de resultados melhores, com o advento do excimer laser,(1919 Srinivasan R. Ablative photodecomposition of organic polymer films by far-UV excimer laser irradiation. In: Conference on Lasers and Electro-Optics. Optica Publishing Group; 1983 [cited 2022 Sep. 29]. p. FA3. Available from: http://opg.optica.org/abstract.cfm?URI=CLEO-1983-FA3
http://opg.optica.org/abstract.cfm?URI=C...
) do laser de femtossegundo(2020 Ratkay-Traub I, Ferincz IE, Juhasz T, Kurtz RM, Krueger RR. First clinical results with the femtosecond neodynium-glass laser in refractive surgery. J Refract Surg. 2003;19(2):94-9.) e da avaliação da biomecânica corneana por meio de novos aparelhos(2121 Ambrósio R Júnior, Nogueira LP, Caldas DL, Fontes BM, Luz A, Cazal JO, et al. Evaluation of corneal shape and biomechanics before LASIK. Int Ophthalmol Clin. 2011;51(2):11-38.

22 Luz A, Faria-Correia F, Salomão MQ, Lopes BT, Ambrósio R. Corneal biomechanics: Where are we? J Curr Ophthalmol. 2016;28(3):97-8.
-2323 Luce DA. Determining in vivo biomechanical properties of the cornea with an ocular response analyzer. J Cataract Refract Surg. 2005;31(1):156-62.). Ainda assim, considerar que há garantia total dos resultados com o uso de aparelhos modernos pode ser considerado uma conclusão perigosa, tanto para os pacientes, quanto, particularmente, para os oftalmologistas.

Ainda na avaliação do conhecimento em relação a possíveis complicações da CVL, foram feitas outras duas afirmações: “a pior coisa que pode acontecer na cirurgia é não ‘zerar’ o grau” e “não há complicações graves neste tipo de procedimento simples”.

O fato de alguns oftalmologistas, principalmente cirurgiões refrativos, concordarem com as afirmações citadas, ainda que em tom despretensioso ou por falta de atenção no momento da resposta, deve ser levado em consideração. A presença de respostas divergentes nessa categoria de profissionais, que realizam procedimentos refrativos, merece a consideração para o desenvolvimento de novas ferramentas de educação continuada.

Enquanto se trata de um procedimento cirúrgico, a CVL se mostra ao longo dos anos como alternativa eficaz e segura à correção visual com óculos ou lentes de contato.(2424 Price MO, Price DA, Bucci FA Junior, Durrie DS, Bond WI, Price Jr. FW. Three-Year Longitudinal Survey Comparing Visual Satisfaction with LASIK and Contact Lenses. Ophthalmology. 2016;123(8):1659-66.

25 Schein OD, Katz J. Comparing contact lens and refractive surgery risks. Arch Ophthalmol. 2007;125(6):853-4.
-2626 Donnenfeld E. Debunked: LASIK Myths and Misconceptions. Cataract and Refractive Surgery Today. 2016 [cited 2022 Sep. 29]. Available from: https://crstoday.com/articles/2016-jul/debunked-lasik-myths-and-misconceptions/
https://crstoday.com/articles/2016-jul/d...
)

Os estudos conhecidos como PROWL-1 e 2 (The Patient-Reported Outcomes with LASIK)(2727 Hays RD, Tarver ME, Spritzer KL, Reise S, Hilmantel G, Hofmeister EM, et al. Assessment of the psychometric properties of a questionnaire assessing patient-reported outcomes with laser in situ keratomileusis (PROWL). JAMA Ophthalmol. 2017;135(1):3-12.) analisaram sintomas visuais antes e após a cirurgia para identificação de mudanças ao longo do tempo. Nesses estudos, menos de 1% dos pacientes apresentaram dificuldades em suas atividades diárias como consequência de algum sintoma iniciado após a LASIK. Entretanto, eles foram incapazes de avaliar fatores de risco que pudessem prever o desenvolvimento de tais sintomas, necessitando de um estudo em maior escala para essa avaliação.

Em 2007, antes mesmo da publicação desses estudos, já se acreditava que a LASIK era seguro e eficaz o suficiente para se propor sua comparação com o uso crônico de lentes de contato.(2424 Price MO, Price DA, Bucci FA Junior, Durrie DS, Bond WI, Price Jr. FW. Three-Year Longitudinal Survey Comparing Visual Satisfaction with LASIK and Contact Lenses. Ophthalmology. 2016;123(8):1659-66.,2525 Schein OD, Katz J. Comparing contact lens and refractive surgery risks. Arch Ophthalmol. 2007;125(6):853-4.)

Nos Estados Unidos, o aumento significativo de oftalmologistas capacitados em realizar a CVL, o aumento da aceitação pela população e a aprovação de mais procedimentos pela Food and Drug Administration (FDA) para CVL, associados também à diminuição do custo cirúrgico, foram fatores considerados para o aumento significativo do número de procedimentos refrativos realizados.(2828 Maller BS. Market trends in refractive surgery. Int Ophthalmol Clin. 2000;40(3):11-9.)

Devido a essa crescente demanda, é interessante observar o que os pacientes consideram como fator mais importante no momento da escolha do cirurgião refrativo para realizar a cirurgia. Na população estudada, tanto entre os operados como nos demais participantes, a indicação por um conhecido que já realizou a cirurgia foi assinalada como o fator mais importante na hora dessa escolha, seguido de perto pela indicação de outro médico. É escassa a literatura para avaliação de quais são os parâmetros mais considerados pelos pacientes na escolha do seu cirurgião refrativo. Pesquisa realizada em 2014 pela então SBCR também mostrou que outras fontes de informação, como a internet, são importantes formadoras de opinião.(22 Sociedade Brasileira de Cirurgia Refrativa. Cirurgia refrativa: Consciência para traçar novos rumos. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Cirurgia Refrativa; 2014. 12p.)

Em estudo realizado para avaliação do conhecimento de CR entre os estudantes de medicina da Universidade Estadual de Londrina,(2929 Gameiro Filho AR, Aquino NM, Pacheco EB, Oguido AP, Casella AM. Conhecimento em cirurgia refrativa entre estudantes de medicina da Universidade Estadual de Londrina. Rev Bras Oftalmol. 2013;72(3):172-7.) 23,5% dos participantes consideraram que a principal fonte de informação era o oftalmologista, seguidos por um familiar, com 17%. Entre os que possuíam erro refrativo, 43,2% desejavam realizar a cirurgia, 38,9% não desejavam e 17,9% não sabiam responder. As principais razões que motivaram o não desejo dos participantes foram a contraindicação médica, em 30,2%, e problemas financeiros, em 24,5%.

Quase 15% da amostra considerou que quem já foi submetido à CR não pode mais usar lentes de contato. Diversos estudos são publicados anualmente na literatura sobre adaptação de lentes de contato em pacientes que se submeteram à cirurgias refrativas,(3030 Renesto AC, Lipener C. Adaptação de lentes de contato após cirurgia refrativa. Arq Bras Oftalmol. 2005;68(1):93-4.,3131 Szczotka LB, Aronsky M. Contact lenses after LASIK. J Am Optom Assoc. 1998;69(12):775-84.) inclusive em complicações destas.(3232 Parminder A, Jacobs DS. Advances in scleral lenses for refractive surgery complications. Curr Opin Ophthalmol. 2015;26(4):243-8.)

Esse percentual foi semelhante entre os que discordaram que o ressecamento ocular influencia o planejamento e o resultado da cirurgia, contrapondo-se a apenas 0,51% dentre os oftalmologistas. Algumas das justificativas para a necessidade da avaliação da superfície ocular e, consequentemente, do ressecamento ocular, na análise pré-operatória, são a possível piora na qualidade visual de pacientes que já se apresentam com olho seco e o fato de uma blefarite anterior poder se transformar em conjuntivite ou ceratite, piorando o quadro,(1414 Garcia-Zalisnak D, Nash D, Yeu E. Ocular surface diseases and corneal refractive surgery. Curr Opin Ophthalmol. 2014;25(4):264-9.) além do estímulo a coçar os olhos.(3333 Farahi A, Hashemi H, Mehravaran S, Tavakolizadeh S, Khabazkhoob M. Tear function evaluation in candidates of corneal laser refractive surgery for myopia. Eye Contact Lens. 2014;40(2):91-4.)

Apesar de ser uma condição muito comum pós-CVL, o olho seco é reversível na maioria dos casos e tende a melhorar nas primeiras semanas.(1414 Garcia-Zalisnak D, Nash D, Yeu E. Ocular surface diseases and corneal refractive surgery. Curr Opin Ophthalmol. 2014;25(4):264-9.) Curiosamente, os pacientes que já tinham sido submetidos a procedimentos refrativos discordaram da afirmação em maior percentual que os demais participantes.

É interessante frisar que, embora 9% da população analisada tenha concordado que quem foi submetido à CVL não pode ser operado futuramente de catarata, esse percentual dentre os que já tinham realizado CVL foi de apenas 2%. Esse percentual subiu para mais de 10% dentre os médicos não oftalmologistas, o que sugere que essa dúvida não é exclusiva dos menos escolarizados analisados, já que a cirurgia de catarata em pacientes pós-CVL é estudada há muitos anos.(3434 Alio JL, Abdelghany AA, Abdou AA, Maldonado MJ. Cataract surgery on the previous corneal refractive surgery patient. Surv Ophthalmol. 2016;61(6):769-77.,3535 Hamilton DR, Hardten DR. Cataract surgery in patients with prior refractive surgery. Curr Opin Ophthalmol. 2003;14(1):4453.)

É importante destacar algumas limitações deste estudo, como o tamanho da amostra de participantes com menor escolaridade e de pacientes submetidos a alguns procedimentos refrativos, como a cirurgia refrativa da catarata, o implante de lente intraocular fácica, a ceratotomia radial e o SmILE. Dessa forma, a avaliação desses pacientes e de seu índice de satisfação não deve ser considerada como conclusão para um desfecho, mas interpretada como uma informação que soma ao conhecimento gerado previamente por outros estudos.

Devido ao fato de o questionário ter sido confeccionado de modo a apresentar somente duas alternativas na fase de julgamento das afirmações, o acaso precisa ser considerado como possível fator confundidor, podendo exercer impacto na produção de respostas.

Outros fatores que merecem consideração, embora tenham sido minimizados com a elaboração de um questionário voluntário e de fácil preenchimento, são a falta de zelo e a desatenção que pode acontecer durante a participação do estudo.

CONCLUSÃO

Este estudo possibilitou a avaliação objetiva de temas pertinentes às dúvidas manifestas pelos pacientes em consulta pré-operatória com o cirurgião refrativo. Destaca-se a relação das respostas com a escolaridade, demonstrando que participantes com menor escolaridade demonstraram maior desconhecimento sobre o assunto.

Por outro lado, enquanto médicos e, principalmente, oftalmologistas mostraram respostas mais coerentes com a literatura do que os demais participantes, o pequeno percentual dos que mostraram conhecimento distorcido merece ser levado em consideração, devido à importância desses profissionais para a execução do procedimento e como formadores de opinião.

Com relação ao conhecimento gerado, merece ser citado com destaque que ainda há grande número de pessoas que considera esse procedimento simples e isento de riscos e que não há complicações graves nesse tipo de cirurgia.

Adicionalmente, o fato de mais da metade da amostra considerar que, atualmente, a correção visual a laser evoluiu com a tecnologia, permitindo-se a garantia total dos resultados com o uso de aparelhos a laser mais modernos é, por si só, grande motivo para que os oftalmologistas repensem as informações que estão sendo veiculadas a seus pacientes candidatos à cirurgia.

Dessa forma, ainda há grande espaço para o desenvolvimento de outros trabalhos que avaliem a educação do paciente sobre procedimentos refrativos e, mais especificamente, em correção visual a laser, além da importância da expectativa para a satisfação pós-operatória.

Adicionalmente, estimula-se a elaboração de novas plataformas de educação com informações corretas e cientificamente embasadas para os médicos oftalmologistas, sendo ou não cirurgiões refrativos. Dessa forma, a atualização continuada pode ser possível com base nas publicações mais atuais e relevantes sobre esse tema tão dinâmico em sua essência. Esses profissionais mais qualificados são formadores de opinião mais eficientes se contarem com instrumentos desenvolvidos especificamente para trazer informações adequadas aos pacientes.

Os resultados deste estudo foram base para o desenvolvimento de um vídeo educativo sobre cirurgia refrativa e um e-book informativo sobre as principais dúvidas.

  • Instituição de realização do trabalho: Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

AGRADECIMENTOS

Associação Brasileira de Catarata e Cirurgia Refrativa – equipe de tecnologia da informação auxiliou na hospedagem do questionário e exportação das respostas, além da divulgação do estudo no website.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Conselho Brasileiro de Oftalmologia, Associação Médica Brasileira e Associação Brasileira de Catarata e Cirurgia Refrativa (ABCCR). Diretriz de cirurgia refrativa. [citado 2022 Set. 29]. Available from: http://www.cbo.net.br/novo/publicacoes/diretrizes/DiretrizesemCirurgiaRefrativaFinalRJ.pdf
    » http://www.cbo.net.br/novo/publicacoes/diretrizes/DiretrizesemCirurgiaRefrativaFinalRJ.pdf
  • 2
    Sociedade Brasileira de Cirurgia Refrativa. Cirurgia refrativa: Consciência para traçar novos rumos. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Cirurgia Refrativa; 2014. 12p.
  • 3
    Ambrósio Júnior R. Cirurgia refrativa terapêutica: por que diferenciar? Rev Bras Oftalmol. 2013;72(2):85-6.
  • 4
    Reinstein DZ. Therapeutic Refractive Surgery. J Refract Surg. 2015;31(1):6-8.
  • 5
    Alexander JK, Davidson RS. Managing expectations in refractive surgery. Int Ophthalmol Clin. 2016;56(2):1-17.
  • 6
    Katsanevaki VJ, Tuft SJ. Refractive surgery: What patients need to know. Br Med Bull. 2007;83(1):325-39.
  • 7
    Dawn AG, Lee PP. Patient expectations for medical and surgical care: A review of the literature and applications to ophthalmology. Surv Ophthalmol. 2004;49(5):513-24.
  • 8
    Belfort Júnior R. “Fator de Impacto” e cirurgia refrativa. Arq Bras Oftalmol. 1997;60(4):341-2.
  • 9
    Solomon KD, Fernández de Castro LE, Sandoval HP, Biber JM, Groat B, Neff KD, et al. LASIK World Literature Review: Quality of Life and Patient Satisfaction. Ophthalmology. 2009;116(4):691-701.
  • 10
    Kezirian GM, Parkhurst GD, Brinton JP, Norden RA. Prevalence of laser vision correction in ophthalmologists who perform refractive surgery. J Cataract Refract Surg. 2015;41(9):182632.
  • 11
    Alsabaani N, Alshehri MS, AlFlan MA, Awadalla NJ. Prevalence of laser refractive surgery among ophthalmologists in Saudi Arabia. Saudi J Ophthalmol Off J Saudi Ophthalmol Soc. 2020;34(2):116-9.
  • 12
    Pasquali TA, Smadja D, Savetsky MJ, Reggiani Mello GH, Alkhawaldeh F, Krueger RR. Long-term follow-up after laser vision correction in physicians: Quality of life and patient satisfaction. J Cataract Refract Surg. 2014;40(3):395-402.
  • 13
    Ambrosio Júnior R. Medicina humanizada & tecnologia de ponta: uma necessidade consciente. In: Robles FR, Vasconcelos GA, eds. Perplexidades, devaneios e provocações: debates e reflexões sobre o cenário contemporâneo e a formação do profissional do cuidado. v. 1. Nova Friburgo: Educatoris; 2019. p. 100-10.
  • 14
    Garcia-Zalisnak D, Nash D, Yeu E. Ocular surface diseases and corneal refractive surgery. Curr Opin Ophthalmol. 2014;25(4):264-9.
  • 15
    Ambrósio R. Post-LASIK ectasia: twenty years of a conundrum. Semin Ophthalmol. 2019;34(2):66-8.
  • 16
    Dawson DG, Randleman JB, Grossniklaus HE, O’Brien TP, Dubovy SR, Schmack I, et al. Corneal ectasia after excimer laser keratorefractive surgery: histopathology, ultrastructure, and pathophysiology. Ophthalmology. 2008;115(12):2181-2191.e1.
  • 17
    Ferreira-Mendes J, Lopes BT, Faria-Correia F, Salomão MQ, Rodrigues-Barros S, Ambrósio R. Enhanced ectasia detection using corneal tomography and biomechanics. Am J Ophthalmol. 2019;197:7-16.
  • 18
    Neuberger J. The educated patient: new challenges for the medical profession. J Intern Med Suppl. 2001;249(741):6-10.
  • 19
    Srinivasan R. Ablative photodecomposition of organic polymer films by far-UV excimer laser irradiation. In: Conference on Lasers and Electro-Optics. Optica Publishing Group; 1983 [cited 2022 Sep. 29]. p. FA3. Available from: http://opg.optica.org/abstract.cfm?URI=CLEO-1983-FA3
    » http://opg.optica.org/abstract.cfm?URI=CLEO-1983-FA3
  • 20
    Ratkay-Traub I, Ferincz IE, Juhasz T, Kurtz RM, Krueger RR. First clinical results with the femtosecond neodynium-glass laser in refractive surgery. J Refract Surg. 2003;19(2):94-9.
  • 21
    Ambrósio R Júnior, Nogueira LP, Caldas DL, Fontes BM, Luz A, Cazal JO, et al. Evaluation of corneal shape and biomechanics before LASIK. Int Ophthalmol Clin. 2011;51(2):11-38.
  • 22
    Luz A, Faria-Correia F, Salomão MQ, Lopes BT, Ambrósio R. Corneal biomechanics: Where are we? J Curr Ophthalmol. 2016;28(3):97-8.
  • 23
    Luce DA. Determining in vivo biomechanical properties of the cornea with an ocular response analyzer. J Cataract Refract Surg. 2005;31(1):156-62.
  • 24
    Price MO, Price DA, Bucci FA Junior, Durrie DS, Bond WI, Price Jr. FW. Three-Year Longitudinal Survey Comparing Visual Satisfaction with LASIK and Contact Lenses. Ophthalmology. 2016;123(8):1659-66.
  • 25
    Schein OD, Katz J. Comparing contact lens and refractive surgery risks. Arch Ophthalmol. 2007;125(6):853-4.
  • 26
    Donnenfeld E. Debunked: LASIK Myths and Misconceptions. Cataract and Refractive Surgery Today. 2016 [cited 2022 Sep. 29]. Available from: https://crstoday.com/articles/2016-jul/debunked-lasik-myths-and-misconceptions/
    » https://crstoday.com/articles/2016-jul/debunked-lasik-myths-and-misconceptions/
  • 27
    Hays RD, Tarver ME, Spritzer KL, Reise S, Hilmantel G, Hofmeister EM, et al. Assessment of the psychometric properties of a questionnaire assessing patient-reported outcomes with laser in situ keratomileusis (PROWL). JAMA Ophthalmol. 2017;135(1):3-12.
  • 28
    Maller BS. Market trends in refractive surgery. Int Ophthalmol Clin. 2000;40(3):11-9.
  • 29
    Gameiro Filho AR, Aquino NM, Pacheco EB, Oguido AP, Casella AM. Conhecimento em cirurgia refrativa entre estudantes de medicina da Universidade Estadual de Londrina. Rev Bras Oftalmol. 2013;72(3):172-7.
  • 30
    Renesto AC, Lipener C. Adaptação de lentes de contato após cirurgia refrativa. Arq Bras Oftalmol. 2005;68(1):93-4.
  • 31
    Szczotka LB, Aronsky M. Contact lenses after LASIK. J Am Optom Assoc. 1998;69(12):775-84.
  • 32
    Parminder A, Jacobs DS. Advances in scleral lenses for refractive surgery complications. Curr Opin Ophthalmol. 2015;26(4):243-8.
  • 33
    Farahi A, Hashemi H, Mehravaran S, Tavakolizadeh S, Khabazkhoob M. Tear function evaluation in candidates of corneal laser refractive surgery for myopia. Eye Contact Lens. 2014;40(2):91-4.
  • 34
    Alio JL, Abdelghany AA, Abdou AA, Maldonado MJ. Cataract surgery on the previous corneal refractive surgery patient. Surv Ophthalmol. 2016;61(6):769-77.
  • 35
    Hamilton DR, Hardten DR. Cataract surgery in patients with prior refractive surgery. Curr Opin Ophthalmol. 2003;14(1):4453.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    08 Jun 2022
  • Aceito
    02 Out 2022
Sociedade Brasileira de Oftalmologia Rua São Salvador, 107 , 22231-170 Rio de Janeiro - RJ - Brasil, Tel.: (55 21) 3235-9220, Fax: (55 21) 2205-2240 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rbo@sboportal.org.br