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Repetibilidade do estudo tomográfico da córnea com Scheimpflug rotacional, em olhos normais, olhos com ceratocone e olhos com ceratocone operados por crosslinking

Repeatability of the tomographic study of the cornea with a rotational Scheimpflug in normal eyes, eyes with keratoconus and eyes with crosslinking for keratoconus

RESUMO

Objetivo

Avaliar a precisão da tomografia corneana com imagens de Scheimpflug (Pentacam® AXL, OCULUS, Wetzlar, Alemanha) nos padrões de escaneamento com 25 e 50 imagens, verificando sua repetibilidade e reprodutibilidade em olhos normais, com ceratocone e com ceratocone após crosslinking.

Métodos

Estudo prospectivo, transversal, misto, no qual foram incluídos os pacientes que tinham córneas normais, ou com ceratocone; e não tinham realizado cirurgias corneanas, com exceção do crosslinking. Foram excluídos os pacientes que tivessem realizado outras cirurgias, como implante de anel intracorneano ou transplante de córnea. Foram realizadas três medidas com 25 imagens e três medidas com 50 imagens em cada olho incluído no estudo.

Resultados

O estudo avaliou 54 olhos de 41 pacientes. Destes, dez (18,52%) olhos eram com córneas normais e sem cirurgia ocular prévia aleatoriamente selecionados de 5 pacientes; 22 (40,74%) olhos aleatoriamente selecionados de 18 pacientes com ceratocone, sem cirurgia ocular prévia; e 22 (40,74%) olhos com ceratocone de 18 pacientes operados por crosslinking. No estudo da repetibilidade, percebemos uma maior variação de valores em todos os índices nos pacientes com ceratocone comparados aos de pacientes com olhos normais, em grande parte dos parâmetros analisados.

Conclusão

Não houve diferença significativa entre os métodos de escaneamento por 25 e 50 imagens, sendo o escaneamento por 25 imagens mais conveniente. A presença de ceratocone teve impacto negativo na repetibilidade de ambos os tipos de exame, e foi grande a concordância entre os métodos nos três grupos estudados. O coeficiente de repetibilidade permite considerar a relevância clínica dos dados para avaliar a progressão de ceratocone.

Repetibilidade; Ceratocone; Propedêutica multimodal; Crosslinking corneano; Tomografia de córnea com Scheimpflug rotacional

ABSTRACT

Objective

To evaluate the accuracy of corneal tomography with Scheimpflug images (Pentacam® AXL, OCULUS, Wetzlar, Germany) in scanning patterns with 25 and 50 images, by analyzing their repeatability and reproducibility in normal eyes, eyes with keratoconus and with keratoconus after crosslinking.

Methods

Prospective, cross-sectional, mixed study including patients who had normal corneas, or who had keratoconus, who had not undergone corneal surgery, with the exception of crosslinking. Patients who had undergone surgery for intracorneal ring implantation or corneal transplantation were excluded. Three measurements were performed with 25 images and three measurements were performed with 50 images on each eye included in the study.

Results

The study evaluated a total of 54 eyes of 41 patients. Of these, 10 (18.52%) eyes had normal corneas, without previous eye surgery, 22 (40.74%) were eyes with keratoconus, without previous eye surgery, and 22 (40.74%) were eyes with keratoconus, with crosslinking for keratoconus. In the study of repeatability, we noticed a greater variation of values in all indices in patients with KC compared to those with normal eyes, in most of the parameters analyzed.

Conclusion

There is no significant difference between the scanning methods with 25 and 50 images. However, 25 scans has advantages that make it the main method suggested. The presence of keratoconus has a negative impact on the repeatability of both types of examination, and there is great agreement between the methods in the three groups studied. The high repeatability coefficient in some parameters suggests that these data should be used with care in the assessment of keratoconus progression.

Repeatability; Keratoconus; Multimodal propaedeutics; Corneal crosslinking; Corneal tomography with rotational Scheimpflug

INTRODUÇÃO

Vivemos uma época com grandes desenvolvimentos tecnológicos na Oftalmologia, principlamente os relacionados ao diagnóstico por imagem. Isso torna cada vez mais importante a avaliação da repetibilidade (RPT) e da reprodutibilidade (RPD) dos métodos de diagnose, para uma maior confiabilidade e precisão da realização e resultados dos exames.

O ceratocone (KC) é uma doença com característica ectásica da córnea. Trata-se de uma enfermidade bilateral, progressiva, geralmente assimétrica e sem inflamação aguda. Ocorre por insuficiência biomecânica, que causa afinamento estromal, abaulamento e distorção da córnea, que tem por consequências o astigmatismo irregular e a deficiência visual. O diagnóstico precoce do KC se faz cada vez mais necessário pela crescente procura por cirurgias refrativas corneanas e pelo surgimento de novos tratamentos menos invasivos para a doença, como o crosslinking (CXL) e o implante de anel intraestromal.(11. Freitas RC, Lopes BT, Ambrósio Júnior R. Advanced corneal imaging for ectasia diagnosis. ARC J Ophthalmol. 2017;2(1):1-5.) Ao mesmo tempo, o diagnóstico equivocado de uma patologia crônica, progressiva e, eventualmente, grave, que pode evoluir para a necessidade de transplante de córnea, pode não só causar prejuízos emocionais para o paciente e seus familiares, como contraindicar um procedimento cirúrgico refrativo, privando-o de seus inúmeros e já sabidamente reconhecidos benefícios.

O tomógrafo de córnea Pentacam® usa uma câmera digital Scheimpflug rotacional e uma fonte de luz monocromática (LED azul a 475nm), que giram em torno do eixo óptico do olho. várias imagens são tiradas do segmento anterior da superfície anterior da córnea para a superfície posterior do cristalino.(22. Wegener A, Laser‐Junga H. Photography of the anterior eye segment according to Scheimpflug’s principle: options and limitations–a review. Clin Exp Ophthalmol. 2009;37(1):144-54.,33. Kataria P, Padmanabhan P, Gopalakrishnan A, Padmanaban V, Mahadik S, Ambrosio Júnior R. Accuracy of Scheimpflug-derived corneal biomechanical and tomographic indices for detecting subclinical and mild keratectasia in a South Asian population. J Cataract Refract Surg. 2019;45(3):328-36.)Essas imagens podem ser obtidas a partir da utilização de dois métodos: o primeiro fornecendo 30 imagens e o segundo, 50 imagens. É importante avaliar a RPT de ambos os métodos, para verificar se há diferenças e vantagens entre eles.

A avaliação da RPT da tomografia de Scheimpflug rotacional gera informações que precisam ser avaliadas por RPT e RPD, para fornecer a confiabilidade do exame para o diagnóstico de KC e o acompanhamento pos-óperatório de CXL. A RPT refere-se à confiabilidade teste-reteste e é aferida quando os exames são realizados por um mesmo examinador, em condições ideais e em curtos intervalos de tempo. Por outro lado, a RPD reflete a variabilidade entre exames realizados em um mesmo indivíduo, sob diferentes condições ou examinadores.(44. Shetty R, Agrawal A, Deshmukh R, Kaweri L, Rao HL, Nagaraja H, et al. Effect of post crosslinking haze on the repeatability of Scheimpflug-based and slit-scanning imaging devices. Indian J Ophthalmol. 2017 Apr;65(4):305-310.)Quando se avalia a RPT das medições da tomografia corneana com imagem de Scheimpflug, verifica-se a variação entre as imagens e os índices aferidos em um mesmo momento, sob condições idênticas.(55. Lopes BT, Roberts CJ, Elsheikh A, Vinciguerra R, Vinciguerra P, Reisdorf S, et al. Repeatability and Reproducibility of Intraocular Pressure and Dynamic Corneal Response Parameters Assessed by the Corvis ST. J Ophthalmol. 2017;2017:8515742.) Com o objetivo de verificar o quanto uma verdadeira alteração dos parâmetros objetivos do exame pode ser suspeitada a partir das mudanças das medidas aferidas pelo aparelho, criaram-se os coeficientes de RPT. Eles reproduzem os limites a partir dos quais as variações podem ser responsabilizadas pela progressão da ectasia, com base no estágio da doença.

O presente estudo examinou a RPT dos exames com 25 e 50 imagens do Pentacam® AXL, com o objetivo de estudar a possível relação entre os erros de aferição e a magnitude dos parâmetros que refletem o diagnóstico e o estágio do KC, calculando os limites de capacidade de repetição que poderiam indicar uma mudança real entre as medicas. Também objetivamos avaliar a RPT do exame em córneas que tiveram alteradas sua anatomia a partir do CXL, diferenciando erros de aferição no pós-operatório de uma possível progressão da doença.

MÉTODOS

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle (HUGG), vinculado à Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), e submetido à Plataforma Brasil, aceito no processo HUGG 4.869.396/2021, com CAAE 48053021.7.0000.5258. Os participantes tiveram acesso ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) antes do início da pesquisa, quando tinham a possibilidade de concordar ou não de prosseguir. De acordo com a resolução 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde, o presente estudo foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa do HUGG, a fim de seguir as diretrizes sobre ética na pesquisa com seres humanos, estabelecidas pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). Todos os pacientes envolvidos nesta pesquisa assinaram o TCLE.

Trata-se de um estudo prospectivo, transversal, misto, realizado pelo Departamento de Oftalmologia do HUGG, como parte de uma dissertação de Mestrado que tem por objetivo final avaliar a eficácia da tomografia corneana com imagens de Scheimpflug nos formatos de escaneamento com 25 e 50 imagens, como forma de aprimorar e aumentar a eficácia do diagnóstico e o acompanhamento do KC e uma melhor avaliação dos resultados obtidos após a cirurgia de CXL corneano.

O início deste trabalho se deu por meio de revisão da literatura e elaboração de editorial publicado na Revista Brasileira de Oftalmologia.99. Giavarina D. Understanding Bland Altman analysis. Biochem Med (Zagreb). 2015;25(2):141-51. Foram realizadas avaliação e revisão de estudos já publicados sobre RPT e RPD do Pentacam® e do CorvisST®. Este trabalho está alinhado com o projeto de conscientização sobre KC, denominado Junho Violeta, que tem como objetivo trazer educação e informação para o paciente e seus familiares sobre a doença. Foi realizado o exame de tomografia corneana com Scheimpflug rotacional, sendo realizados em mesma data três exames consecutivos com 25 e 50 imagens cada para avaliação de RPT. Os pacientes com olhos normais, com KC e com KC operados por CXL corneano para evitar a progressão da doença examinados eram do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle. Todos os pacientes tinham menos de 30 anos de idade. Os exames nos pacientes que tinham realizado cirurgia de CXL corneano foram realizados com um período mínimo de 1 mês após o procedimento.

Foi confeccionado um breve questionário, com o objetivo de avaliar a história de doença e/ou cirurgia ocular prévia. Os exames usando sistema de tomografia de Scheimpflug rotacional (Pentacam®) foram realizados por profissional treinado. Os achados do exame foram analisados por dois examinadores usando os displays Topographic Keratoconus Classification (TKC), Belin-Ambrósio e Ambrósio-Roberts & Vinciguerra de integração dos dados tomográficos e biomecânicos.

Os pacientes não tiveram seus direitos violados e nem mesmo foram influenciados a tomar qualquer tipo de decisão sem avaliação prévia de seu médico oftalmologista. Durante a elaboração do questionário, os autores tomaram o devido cuidado para que as afirmativas se apresentassem de forma objetiva e não se tornassem tendenciosas. Todos os envolvidos tiveram a identidade preservada. A qualquer momento, os pacientes tiveram liberdade de desistir da participação, se assim o quisessem. Este trabalho não estimulou a realização de nenhum tipo de cirurgia ou determinada técnica operatória, mas fomentou que todos os esclarecimentos fossem fornecidos ao paciente, para que ele pudesse tomar a decisão a mais consciente possível, caso diagnosticado com KC ou ectasia.

Foram incluídos os olhos com córneas normais, ou com KC, que não tinham realizado cirurgias corneanas, com exceção do CXL, de pacientes que concordassem com a realização dos exames clínicos e metodologia utilizados no trabalho. Foram excluídos os olhos que já tivessem realizado cirurgias para implante de anel intracorneano ou transplante de córnea. O fato de o paciente estar em uso de colírios oculares não foi fator de exclusão.

Foi projetado o número de 54 participantes para o estudo, para obtenção de uma margem de erro de 3%, considerando índice de confiabilidade de 95% frequente.

Os dados foram obtidos dos exames realizados no Pentacam® AXL e exportados para planilha do software Microsoft® Excel 2007. Os participantes foram agrupados em pacientes com olhos com córneas normais, olhos com KC sem cirurgias oculares prévias e olhos com KC que realizaram cirurgia de CXL corneano.

Para avaliação da RPT, foram construídos dois grupos de modelo linear misto (MLM), que oferece mais flexibilidade à análise de vari6ancia (Anova) de medidas repetidas, sendo um comparado as medidas para 25 scans e outro para 50. Os modelos utilizaram como variável dependente cada índice do Pentacam® e, como fatores aleatórios, os pacientes e a interação paciente-olho. A partir desses modelos, foram calculados o desvio-padrão de medidas repetidas da população (ζw/Sw), o coeficiente de RPT (CR) e o coeficiente de variabilidade (CV).(66. McAlinden C, Khadka J, Pesudovs K. A comprehensive evaluation of the precision (repeatability and reproducibility) of the Oculus Pentacam HR. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2011;52(10):7731-7.)

Para a comparação entre os dois métodos de exame (25 e 50 imagens), foi feito um novo MLM, considerando como variável dependente cada índice do Pentacam®, como efeito fixo o tipo de exame e como fatores aleatórios, os pacientes e a interações paciente-olho e paciente-tipo de exame. A partir desse modelo, foi calculado o coeficiente de concordância (CIA).(77. Haber M, Gao J, Barnhart HX. Evaluation of agreement between measurement methods from data with matched repeated measurements via the coefficient of individual agreement. J Data Sci. 2010;8(3):457-469.) Um CIA >0,8 sugeriu que os tipos de exame podiam ser usados de maneira intercambiável.(77. Haber M, Gao J, Barnhart HX. Evaluation of agreement between measurement methods from data with matched repeated measurements via the coefficient of individual agreement. J Data Sci. 2010;8(3):457-469.) Para avaliação gráfica, foram feitos Bland-Altman plots (método de análise de limites de concordância de Bland-Altman) usando as medidas obtidas com o mesmo MLM, o viés médio (mean bias) e os limites de concordância (LoA).(88. Parker RA, Weir CJ, Rubio N, Rabinovich R, Pinnock H, Hanley J, et al. Application of mixed effects limits of agreement in the presence of multiple sources of variability: exemplar from the comparison of several devices to measure respiratory rate in COPD patients. PLoS One. 2016;11(12):e0168321.,99. Giavarina D. Understanding Bland Altman analysis. Biochem Med (Zagreb). 2015;25(2):141-51.)

RESULTADOS

O estudo avaliou 54 olhos de 41 pacientes, 10 (18,52%) eram de 5 pacientes que estavam com córneas normais, sem cirurgia ocular prévia; 22 (40,74%) olhos com KC de 18 pacientes, sem cirurgia ocular prévia; e 22 (40,74%) olhos com KC de 18 pacientes, operados por CXL para evitar progressão da doença.

Na avaliação do menor raio de curvatura da superfície anterior da córnea (Kmáx), comparando os três grupos, percebemos que houve maior variação de valores em todos os índices nos pacientes com KC (Figura 1).

Figura 1
Avaliação gráfica do Kmáx com Bland-Altman plots.

No exame com 25 scans, os índices de RPT (IR) foram minimamente maiores que com 50 scans em todos os grupos. O CIA >0,9 e o mean bias perto de zero sugeriram que os dois tipos de exames podiam ser usados de maneira intercambiável em todos os três grupos. Na comparação entre os grupos, os casos saudáveis apresentaram os IR menores e intervalo entre os MLM mais estreitos do que os casos com KC. Entre os grupos com KC, houve pouca diferença entre os casos submetidos ou não ao CXL. Esses resultados sugeriram que a presença de KC teve impacto negativo na RPT de ambos os tipos de exame e houve grande concordância entre os dois métodos em todos os grupos. Nos casos com KC, CR >3 sugeriu que esse índice deveria ser utilizado com cautela para avaliar a progressão da doença.

Ao avaliar as leituras ceratométricas simuladas da superfície anterior da córnea, checando o meridiano mais plano (K1) e o mais curvo (K2) e comparando os três grupos, também percebemos que houve maior variação de valores em todos os índices nos pacientes com KC (Figuras 2 e 3).

Figura 2
Avaliação gráfica do K1 com Bland-Altman plots.

Figura 3
Avaliação gráfica do K2 com Bland-Altman plots.

Nos exames com 25 scans, os IR foram minimamente maiores que com 50 scans em todos os grupos na avaliação do K1, nos grupos de normais e nos pacientes com KC não operados do K2. Porém, na avaliação do K2 dos pacientes com KC e CXL, os IR foram discretamente maiores no exame com 50 scans. O CIA >0,8 em todos os grupos e o mean bias perto de zero sugeriram que os dois tipos de exames podiam ser usados de maneira intercambiável em todos os três grupos. Na comparação entre os grupos, os casos saudáveis apresentaram os IR menores e intervalo entre os MLM mais estreitos do que os casos com KC, mas com discreta diferença para os casos com KC sem cirurgia prévia, enquanto o grupo com KC e cirurgia teve diferença maior comparado aos outros dois grupos.

O CV apresentou aumento no exame com 25 scans comparado ao de 50 em todos os grupos na análise do K1 e nos grupos de normais e KC não operados do K2. Na avaliação do K2 dos pacientes com KC operados, o coeficiente de variação foi discretamente maior no exame com 50 scans.

Esses resultados sugeriram que, no caso do K1, a presença de KC com cirurgia de CXL, e, no caso do K2, a presença do KC teve impacto negativo na RPT de ambos os tipos de exame e houve grande concordância entre os dois métodos em todos os grupos.

No astigmatismo corneano anterior (ACA) avaliado comparando os três grupos, houve grande variação de valores em todos os índices de todos os grupos de pacientes (Figura 4).

Figura 4
Avaliação gráfica do ACA com Bland-Altman plots.

Na análise do ACA no exame com 25 scans, os índices de RPT foram minimamente maiores que com 50 scans em todos os grupos. O CIA >0,9 em todos os grupos e o mean bias perto de zero sugeriram que os dois tipos de exames podiam ser usados de maneira intercambiável em todos os três grupos. Na comparação entre os grupos, os olhos normais apresentaram os IR menores e intervalo entre os MLM mais estreitos do que os casos com KC. O CV apresentou aumento significativo na avaliação dos grupos com KC comparados aos normais.

Entre os grupos com KC, houve pouca diferença entre os casos submetidos ou não ao CXL. Esse fato foi sugestivo de que a presença de KC teve impacto negativo na RPT de ambos os tipos de exame e houve grande concordância entre os dois métodos em todos os grupos.

O Belin-Ambrósio Enhanced Ectasia Display com índice final D (BAD-D), que nos informa sobre a maior susceptibilidade de desenvolvimento de ectasia, avaliado comparando os três grupos demonstrou grande variação de valores em todos os índices de todos os grupos de pacientes (Figura 5).

Figura 5
Avaliação gráfica do BAD-D com Bland-Altman plots.

A média das medidas foi de 0,90 nos dois tipos de exames (25 e 50) nos olhos normais. Em olhos com KC sem cirurgia prévia, a média com 50 scans foi de 11,04 e, com 25 scans, de 10,96. Já nos olhos com KC que realizaram CXL, a média com 50 scans foi de 11,63 e, com 25 scans, 11,66. Por meio dos valores das médias, perceberam-se a alteração no BAD-D dos olhos com KC e sua importância no diagnóstico da doença.

Na análise do BAD-D no exame com 25 scans, os IR foram minimamente menores que com 50 scans nos grupos de olhos normais e KC não operados. Porém, na avaliação dos pacientes com KC e CXL, os IR foram discretamente maiores no exame com 25 scans. O CIA >0,8 em todos os grupos, exceto nos pacientes com KC e CXL, para quem o valor ficou bem próximo de 0,77, e o mean bias perto de zero em todos sugeriram que os dois tipos de exames podiam ser usados de maneira intercambiável nos três grupos. Na comparação entre os grupos, os olhos normais, apresentam os IR menores e intervalo entre os MLM mais estreitos do que os casos com KC. O CV apresentou aumento bastante significativo na avaliação do grupo dos olhos normais comparados aos grupos com KC.

Entre os grupos com KC, houve pouca diferença entre os casos submetidos ou não ao CXL. Esse fato é sugestivo de que a presença de KC teve impacto negativo na RPT de ambos os tipos de exame e que houve grande concordância entre os dois métodos em todos os grupos.

Na análise da esfera de melhor ajuste (BFS, sigla do inglês best fit sphere) anterior (BFS front) e posterior (BFS back), foi observada variação discretamente maior de valores em todos os índices nos pacientes com KC na comparação dos três grupos (Figuras 6 e 7).

Figura 6
Avaliação gráfica do BFS front com Bland-Altman plots.

Figura 7
Avaliação gráfica do BFS back com Bland-Altman plots.

Analisando o BFS front e o BFS back nos exames com 25 scans, os IR foram minimamente menores que com 50 scans nos grupos de olhos normais e KC não operados. Entretanto, na avaliação dos pacientes com KC e CXL, os IR foram minimamente maiores no exame com 25 scans. O CIA >0,8 em todos os grupos, exceto nos pacientes com KC sem cirurgia ocular, que o valor ficou em 0,64 no BFS back, e o mean bias perto de zero em todos sugeriram que os dois tipos de exames podiam ser usados de maneira intercambiável em todos os grupos do BFS front e no caso do BFS back nos grupos normais e KC com CXL, enquanto no grupo com KC sem cirurgia ocular, devia-se ser mais cuidadosos ao se utilizarem os exames intercambiados. Na comparação entre os grupos, os olhos normais apresentaram os IR discretamente menores e intervalo entre os MLM minimamente mais estreitos do que os casos com KC. O CV apresentou valores menores nos olhos normais comparados aos grupos com KC.

Entre os grupos com KC, houve pouca diferença entre os casos submetidos ou não ao CXL, o que sugeriu que a presença de KC tinha impacto negativo na RPT de ambos os tipos de exame e havia grande concordância entre os dois métodos em todos os grupos.

Foram avaliados os índices da Ambrósio Relational Thickness máxima (ART Max) e mínima (ART Min), nos quais observou-se considerável variação de valores nos índices de todos os pacientes, com discreta variação maior nos grupos com KC, como podemos verificar nos gráficos de Bland-Altman plots (Figuras 8 e 9).

Figura 8
Avaliação gráfica do ART Max com Bland-Altman plots

Figura 9
Avaliação gráfica do ART Min com Bland-Altman plots

Nos exames com 25 scans, os IR foram minimamente maiores que com 50 scans no grupo de olhos normais e minimamente menores nos grupos com KC, na avaliação da ART Max. Porém, na avaliação da ART Min, nos exames com 25 scans, os IR foram menores que com 50 scans em todos os grupos. Na comparação entre os grupos, os casos saudáveis apresentaram os IR maiores, e o intervalo entre os MLM foi aumentado em ambos os grupos. Entre os grupos com KC, houve pouca diferença entre os casos submetidos ou não ao CXL, o que sugeriu que a presença de KC teve impacto negativo na RPT de ambos os tipos de exame e houve grande concordância entre os dois métodos em todos os grupos. Devemos destacar que, em todos os grupos, o CR bastante aumentado sugeriu que esse índice deve ser utilizado com bastante cautela para avaliar a progressão e o diagnóstico da doença. O CR elevado provavelmente deveu-se ao fato de maior possibilidade de descentralização do olho do paciente durante o exame, o que acabou influenciando mais em medidas que envolviam medidas de paquimetria ou progressão paquimétrica.

A paquimetria no ápice (Pachy Apex) e no ponto mais fino (Pachy Min) da córnea analisada demonstrou que houve maior variação de valores em todos os índices nos pacientes com KC (Figuras 10 e 11).

Figura 10
Avaliação gráfica do Pachy Apex com Bland-Altman plots

Figura 11
Avaliação gráfica do Pachy Min com Bland-Altman plots

Nos exames com 25 scans, os IR foram minimamente menores que com 50 scans no grupo de olhos normais e com KC operados e minimamente maiores no grupo com KC sem cirurgia, na avaliação do Pachy Apex. Porém, na avaliação do Pachy Min, nos exames com 25 scans, os IR foram discretamente menores que com 50 scans nos grupos de normais e com KC não operados e foram discretamente maiores no grupo com KC e CXL. O CIA >0,8, exceto na Pachy Apex dos olhos normais, que teve valor de 0,65, sugeriu que os dois tipos de exames podiam ser usados de maneira intercambiável em todos os grupos, mas se devia avaliá-los com cuidado no grupo dos pacientes com olhos saudáveis, devido ao CIA <0,8. Na comparação entre os grupos, os casos saudáveis apresentaram os IR menores e intervalo entre os MLM mais estreitos do que os casos com KC. Entre os grupos com KC, houve pouca diferença entre os casos submetidos ou não ao CXL, o que sugeriu que a presença de KC tinha impacto negativo na RPT de ambos os tipos de exame e havia grande concordância entre os dois métodos em todos os grupos.

Em todos os grupos, o CR aumentado sugeriu que esse índice devia ser utilizado com cautela, para avaliar a progressão e o diagnóstico da doença. O CR elevado provavelmente deveu-se ao fato de maior possibilidade de descentralização do olho do paciente durante o exame, o que acabou influenciando mais em medidas que envolviam medidas de paquimetria ou progressão paquimétrica, como já observamos, por exemplo, nas análises da Ambrósio Relational Thickness.

O índice de variação de superfície corneana (ISV) analisado demonstrou variação de valores em todos os índices de todos os grupos de pacientes (Figura 12).

Figura 12
Avaliação gráfica do ISV com Bland-Altman plots

Na análise dos exames com 25 scans, os IR foram minimamente menores que com 50 scans em todos os grupos. O CIA >0,8 em todos os grupos, exceto no grupo de KC com CXL, e o mean bias perto de zero sugeriram que os dois tipos de exames podiam ser usados de maneira intercambiável em todos os três grupos. Porém, deve ser avaliado com cautela no grupo dos pacientes que realizaram CXL devido ao CIA baixo. Na comparação entre os grupos, os olhos normais apresentaram os IR menores e intervalo entre os MLM mais estreitos do que os casos com KC.

Entre os grupos com a doença, havia pouca diferença entre os casos submetidos ou não ao CXL. Esse fato foi sugestivo de que a presença de KC teve impacto negativo na RPT de ambos os tipos de exame e havia grande concordância entre os dois métodos em todos os grupos.

Importante ressaltar que, nos casos com a doença, o CR maior que 7 sugeriu que esse índice devia ser utilizado com cautela para avaliar a progressão da doença.

No índice de descentração de elevação corneana (IHD) avaliado na comparação dos três grupos, percebeu-se uma variação de valores em todos os índices de todos os grupos, sendo minimamente maior nos pacientes com KC (Figura 13).

Figura 13
Avaliação gráfica do IHD com Bland-Altman plots

Na análise dos exames com 25 scans, os IR foram menores que com 50 scans em todos os grupos. O CIA >0,9 em todos os grupos e o mean bias perto de zero, com exceção do grupo com KC já operado que teve mean bias de 14,78, sugeriram que os dois tipos de exames podiam ser usados de maneira intercambiável em todos os grupos, mas se devia avaliá-los com cautela no grupo dos pacientes que realizaram CXL devido ao mean bias bastante elevado. Na comparação entre os grupos, os olhos normais apresentam os IR menores e intervalo entre os MLM mais estreitos do que os casos com KC.

Entre os grupos com a doença, houve pouca diferença entre os casos submetidos ou não ao CXL. Esse fato foi sugestivo de que a presença de KC tinha impacto negativo na RPT de ambos os tipos de exame e que havia grande concordância entre os dois métodos em todos os grupos.

Importante ressaltar que, em todos os casos, o CR >12 sugeriu que esse índice devia ser utilizado com cautela para avaliar a o diagnóstico e a progressão da doença.

Na análise do raio de curvatura anterior (ARC) da córnea, houve maior variação de valores em todos os índices nos pacientes com KC (Figura 14).

Figura 14
Avaliação gráfica do ARC com Bland-Altman plots

Nos exames com 25 scans, os IR foram minimamente menores que com 50 scans no grupo de olhos normais e com KC operados e minimamente maiores no grupo com KC não operados. O CIA >0,8 em todos os grupos, exceto no grupo de KC com CXL que teve valor de 0,65, e o mean bias perto de zero sugeriram que os dois tipos de exames podiam ser usados de maneira intercambiável nos três grupos, mas se devia avaliá-los com cuidado no grupo dos pacientes que realizaram CXL devido ao CIA mais baixo. Na comparação entre os grupos, os casos saudáveis apresentam os IR menores e intervalo entre os MLM mais estreitos do que os casos com KC.

Entre os grupos com KC, houve pouca diferença entre os casos submetidos ou não ao CXL, sugerindo que a presença da doença teve impacto negativo na RPT de ambos os tipos de exame e houve grande concordância entre os dois métodos em todos os grupos.

Na avaliação do raio de curvatura posterior (PRC) da córnea, foi maior a variação de valores em todos os índices nos pacientes com KC (Figura 15).

Figura 15
Avaliação gráfica do PRC com Bland-Altman plots

Na avaliação dos exames com 25 scans, os IR foram minimamente maiores que com 50 scans no grupo de olhos normais e com KC operados e minimamente menores no grupo com KC não operados. O CIA >0,8 em todos os grupos, exceto no grupo de KC com CXL, que teve valor de 0,70, e o mean bias perto de zero sugeriram que os dois tipos de exames podiam ser usados de maneira intercambiável nos três grupos, mas se deve avaliá-los com cuidado no grupo dos pacientes que realizaram CXL devido ao CIA <0,8. Na comparação entre os grupos, os casos saudáveis e com KC operados apresentam os IR menores que o grupo KC sem cirurgia ocular prévia, e os casos de olhos normais tinham intervalo entre os MLM mais estreitos do que os casos com KC. Entre os grupos com KC, houve pouca diferença entre os casos submetidos ou não ao CXL, sugerindo que a presença da doença teve impacto negativo na RPT de ambos os tipos de exame e era grande a concordância entre os dois métodos em todos os grupos.

DISCUSSÃO

Estudos prévios sugerem uma baixa RPT da tomografia de córnea em amostras compostas de pacientes com KC mais avançado. Hashemi et al.(1010. Hashemi H, Yekta A, Khabazkhoob M. Effect of keratoconus grades on repeatability of keratometry readings: Comparison of 5 devices. J Cataract Refract Surg. 2015;41(5):1065-72.) examinaram a RPT de cinco diferentes aparelhos de mensuração de ceratometria corneana em olhos com KC, comparando ainda os valores encontrados com a gravidade da ectasia. Foram avaliados 78 olhos de 45 pacientes com a doença, a qual foi graduada segundo o valor da ceratometria máxima: Grupo 1, com Kmax <50,0D; Grupo 2, com Kmáx entre 50,0 e 55,0D; Grupo 3, com Kmáx >55,0D. Os dispositivos avaliados variavam conforme a tecnologia de aquisição de imagens e aferição ceratométrica, sendo analisados: Pentacam® HR; topógrafo de plácido (EyeSys Vision); Orbscan II; IOLMaster e ceratômetro manual Javal. Para pacientes do Grupo 1, todos os dispositivos demonstraram altos níveis de confiabilidade, com IR da ceratometria mínima e máxima se mostrando maior para o dispositivo do Pentacam® e menor para o Orbscam II. Para o Grupo 2, os resultados foram semelhantes aos encontrados no Grupo 1, com as imagens obtidas pelo Pentacam® demonstrando valores maiores que dos outros aparelhos; por outro lado, os IR, de forma geral, mostraram-se menores que os apresentados pelo primeiro grupo. Para o Grupo 3, todos os cinco aparelhos demonstraram baixos IR, significativamente menores que os apresentados nos primeiros dois grupos, sugerindo que esses valores possam diminuir à medida que a ceratometria aumente.(1010. Hashemi H, Yekta A, Khabazkhoob M. Effect of keratoconus grades on repeatability of keratometry readings: Comparison of 5 devices. J Cataract Refract Surg. 2015;41(5):1065-72.)

Flynn et al.(1111. Flynn TH, Sharma DP, Bunce C, Wilkins MR. Differential precision of corneal Pentacam HR measurements in early and advanced keratoconus. Br J Ophthalmol. 2016;100(9):1183-7.) avaliaram parâmetros como Kmax, K1, K2, e MCT em 96 olhos de 96 pacientes com ectasia. A RPT era aferida a partir da repetição do exame por um mesmo examinador (análise intraobservador), enquanto a RPD era avaliada repetindo-se o exame após a troca de examinador (análise interobservador). Concluíram que o Kmax mostrara-se significativamente menos confiável quanto mais avançada fosse a doença. Por outro lado, em relação ao K1, K2 e MCT, essa relação não foi observada. Para pacientes com classificação para KC de Krumeich estágios 1 e 2, aumentos na ceratometria maiores que 1 dioptria representariam provável mudança real da anatomia corneana. Quando avaliadas as alterações nos parâmetros após mudança de examinador, a RPD de todas as variáveis analisadas se mostrou progressivamente menor, à medida que a ceratometria aumentava. Como previsto, existiu menor concordância quando exames foram repetidos por profissionais diferentes, sugerindo que a análise de progressão intraobervador possa ser mais confiável na prática clínica.(1111. Flynn TH, Sharma DP, Bunce C, Wilkins MR. Differential precision of corneal Pentacam HR measurements in early and advanced keratoconus. Br J Ophthalmol. 2016;100(9):1183-7.)

Em 2020, Gustafsson et al.(1212. Gustafsson I, Bergström A, Myers AC, Ivarsen A, Hjortdal J. Association between keratoconus disease severity and repeatability in measurements of parameters for the assessment of progressive disease. PLoS One. 2020;15(2):e0228992.) estudaram a possível relação entre erros de aferição e a magnitude dos parâmetros que traduziam a severidade da doença. O Pentacam® HR foi avaliado em relação às seguintes medidas: K1; K2; Kmáx; MCT; raio mínimo posterior (r-min). Os parâmetros associados à ceratometria central (K1 e K2) mostraram maior grau de RPT e menor variação relacionada à severidade da doença, quando comparado ao Kmax. O K1 foi a medida mais repetível. Em contraste aos parâmetros ceratométricos, a associação entre os erros de aferição e a magnitude do MCT e do r-min não se mostrou estatisticamente significativa. Segundo o estudo, em pacientes com KC menos avançado (Kmáx <48,2D), uma mudança corneana real poderia ser detectada a partir de um limite de 0,32D. Para pacientes com doença mais grave, os limites subiriam para 1,33D e 1,62D em pacientes com Kmáx ≥48,2D e ≥53,9, respectivamente. Os autores concluem que, apesar de não se saber qual a relevância clínica dos achados e o quanto podem ser considerados na prática, os erros de aferição variam conforme a gravidade da doença. Dessa forma, seria possivelmente benéfica uma estratificação dos valores limítrofes de progressão com base na severidade do KC e nos IR para determinado estágio.(1212. Gustafsson I, Bergström A, Myers AC, Ivarsen A, Hjortdal J. Association between keratoconus disease severity and repeatability in measurements of parameters for the assessment of progressive disease. PLoS One. 2020;15(2):e0228992.)

Kreps et al.(1313. Kreps EO, Jimenez-Garcia M, Issarti I, Claerhout I, Koppen C, Rozema JJ. Repeatability of the Pentacam HR in Various Grades of Keratoconus. Am J Ophthalmol. 2020;219:154-162.) avaliaram a RPT de diversos índices da tomografia de córnea (Pentacam® HR) em pacientes com variados graus de KC, assim como em controles saudáveis. A amostra era composta de 20 voluntários sem a doença (BAD-D <1,6) e 69 olhos de 69 pacientes com a ectasia, a qual foi ainda subdividida de acordo com os valores do BAD-D: KC subclínico (BAD-D ≥ 1,6 e < 3,0); KC leve (BAD-D ≥ 3,0 e < 7,0); KC moderado (BAD-D ≥ 7,0). Para a doença subclínica, nenhuma diferença significativa na RPT foi encontrada quando comparada ao grupo controle, exceto pela avaliação das aberrações aferidas por análises de frente de ondas. Por outro lado, para a maioria dos parâmetros avaliados, o grupo de KC moderado demostrou menor RPT dos exames quando comparado ao grupo controle, especialmente em relação ao Kmax e ao astigmatismo corneano anterior. As medidas paquimétricas do ápice, centro pupilar e ponto mais fino demonstraram alto padrão de RPT tanto em pacientes com doença subclínica, como naqueles com quadros leves ou moderados. Em relação ao índice BAD-D, a RPT não variou quando comparados o grupo controle e o de doença subclínica ou leve. No entanto, quando comparados os casos de doença leve aos de doença moderada, a RPT se mostrou menor no segundo grupo.(1313. Kreps EO, Jimenez-Garcia M, Issarti I, Claerhout I, Koppen C, Rozema JJ. Repeatability of the Pentacam HR in Various Grades of Keratoconus. Am J Ophthalmol. 2020;219:154-162.)

O efeito do haze corneano pós-CXL na RPT de variados aparelhos de tomografia de córnea foi avaliado por Shetty et al.(44. Shetty R, Agrawal A, Deshmukh R, Kaweri L, Rao HL, Nagaraja H, et al. Effect of post crosslinking haze on the repeatability of Scheimpflug-based and slit-scanning imaging devices. Indian J Ophthalmol. 2017 Apr;65(4):305-310.) Os parâmetros observados foram a ceratometria média (Km) e o MCT. Foram submetidos à avaliação por Orbscan II, Pentacam® HR, Sirius e Galilei, 1 ano após o procedimento, 60 olhos de 60 pacientes. O Hhze foi mensurado usando-se o software de densitometria do Pentacam® HR e se mostrou mais significativo na região corneana mais central (zero a 2mm centrais, seguida pela região situada entre os 2 e 4mm centrais) e na porção mais anterior do estroma (120 micras anteriores da córnea). Constatou-se que a RPT do MCT aferida pelo Pentacam® HR e pelo Sirius fora significativamente prejudicada pelas opacidades nas porções corneanas mais centrais e anteriores. Por outro lado, o Km não teve sua RPT alterada pela densitometria da córena em nenhum dos aparelhos. Observou-se ainda que, para pacientes pós-CXL, o aparelho Galilei aparentemente se mostrou mais confiável em avaliar a paquimetria e a superfície corneana anterior. Concluiu-se, portanto, que, em pacientes submetidos ao procedimento, a análise de progressão da doença e a avaliação de resposta ao tratamento devem ser realizadas com cautela e de forma não intercambiável entre os diferentes dispositivos.(44. Shetty R, Agrawal A, Deshmukh R, Kaweri L, Rao HL, Nagaraja H, et al. Effect of post crosslinking haze on the repeatability of Scheimpflug-based and slit-scanning imaging devices. Indian J Ophthalmol. 2017 Apr;65(4):305-310.)

Em nosso estudo, as avaliações ceratométricas de RPT demonstraram que o Kmáx possui maior variação de valores nos pacientes com KC comparados aos olhos normais, concluindo que a presença da ectasia tem impacto negativo na RPT. Nas análises do K1 e K2, também observamos que houve maior variação de valores em todos os índices nos pacientes com KC e concluímos que, para K1, a presença de KC com cirurgia de CXL e, para K2, apenas a presença do KC impactam negativamente na RPT de ambos os tipos de exame, com grande concordância entre os dois métodos em todos os grupos.

Quando avaliamos no estudo a Pachy Apex e o Pachy Min (que nos estudos já citados foi chamada de MCT) da córnea, houve maior variação de valores em todos os IR nos pacientes com KC, sem diferença significativa entre quem realizou ou não CXL. Observamos que em todos os grupos, o CR aumentado sugere que esse índice deva ser utilizado com cautela para avaliar a progressão e o diagnóstico da doença.

Nos estudos realizados na criação e na avaliação da classificação ABCD de Belin para acompanhamento da progressão do KC, Belin et al.(1414. Belin MW, Duncan JK. Keratoconus: The ABCD Grading System. Klin Monbl Augenheilkd. 2016;233(6):701-7.) utilizaram RPT e RPD. O display foi projetado especificamente para acompanhar e documentar a progressão da doença, baseado em intervalos de confiança unilaterais, permitindo documentar a progressão apesar de uma superfície anterior estável e/ou Kmax estável, avaliando cada camada anatômica individualmente.(1414. Belin MW, Duncan JK. Keratoconus: The ABCD Grading System. Klin Monbl Augenheilkd. 2016;233(6):701-7.) Um dos estudos de Belin et al.(1515. Belin MW, Kundu G, Shetty N, Gupta K, Mullick R, Thakur P. ABCD: A new classification for keratoconus. Indian J Ophthalmol. 2020;68(12):2831-4.) demonstrou que o Pentacam® teve a maior RPT, e a classificação ABCD no Pentacam® provou ser uma ótima ferramenta na avaliação e monitoramento do KC, mas existe a desvantagem de que essa nova ferramenta de classificação é limitada ao Pentacam® e, portanto, a disponibilidade desse dispositivo é um pré-requisito para utilizar essa classificação.(1515. Belin MW, Kundu G, Shetty N, Gupta K, Mullick R, Thakur P. ABCD: A new classification for keratoconus. Indian J Ophthalmol. 2020;68(12):2831-4.) A RPT e a RPD também foram utilizadas no recente estudo para analisar o surgimento da última interação/versão da classificação. Foram avaliados e incluídos pacientes do Instituto ELZA, na Suíça, e Homburg Keratoconus Center, na Alemanha, com um mínimo de 12 meses pós-CXL. Foram utilizados dois locais para comparar, pois o CXL é um procedimento cirúrgico com variabilidade inerente de usuário e local. Três medidas separadas do Pentacam® foram feitas, removendo o paciente entre cada exame. Um mínimo de 7,5mm de cobertura e um índice de qualidade aceitável foram necessários. Tanto a variância agrupada quanto os intervalos de confiança unilaterais foram calculados. Foram feitas comparações específicas do local e do tempo. Belin et al. concluíram que a variação de medição pós-CXL pode ser usada para determinar a mudança progressiva, e a adição de novos intervalos de confiança foi necessária para aprimorar a avaliação do display do ABCD pós-CXL, o que pode ser verificado no Belin ABCD Progression Display III (Prof. Michael W. Belin em vídeo aula, julho de 2021, seminário online da Oculus, Link para acesso: https://www.youtube.com/watch?v=lL_W_h6TdpU ).

O BAD-D em nossos resultados apresentou grande variação de valores em todos os índices nos grupos estudados. Por meio dos valores das médias, conseguimos perceber a alteração no BAD-D dos olhos com KC e sua importância no diagnóstico da doença. Na análise no exame com 25 scans, os IR são minimamente menores que com 50 scans nos grupos de olhos normais e KC não operados. Porém, na avaliação dos pacientes com KC e CXL, os IR são discretamente maiores no exame com 25 scans. Houve pouca diferença no IR entre pacientes com KC submetidos ou não ao CXL.

O ISV conforme nossa avaliação demonstrou variação de valores em todos os IR de todos os grupos de pacientes, e, na análise dos exames com 25 scans, os IR são minimamente menores que com 50 scans em todos os grupos. Já no IHD, houve variação de valores em todos os IR de todos os grupos, sendo minimamente maior nos pacientes com KC. Na análise dos exames com 25 scans, os IR são menores que com 50 scans em todos os grupos. Nos casos de KC em ambos os parâmetros, há pouca diferença entre os casos submetidos ou não ao CXL. Kanellopoulos et al. sugeriram em seu estudo que ISV e IHD podem ser os critérios mais sensíveis e específicos no diagnóstico, progressão e seguimento cirúrgico do KC.(1616. Kanellopoulos AJ, Asimellis G. Revisiting keratoconus diagnosis and progression classification based on evaluation of corneal asymmetry indices, derived from Scheimpflug imaging in keratoconic and suspect cases. Clin Ophthalmol. 2013;7:1539-48.)

CONCLUSÃO

A repetibilidade demonstra ter relevância significativa nos métodos e aparelhos relacionados a diagnóstico e propedêutica multimodal na medicina, principalmente na oftalmologia. Ambas devem ter seu conhecimento ampliado por parte dos médicos, para que todos possam contribuir, por meio de estudos e análises, com a evolução dos aparelhos e da propedêutica multimodal, contribuindo com sua melhoria e beneficiando os pacientes. Além disso, seria uma forma de aprimorar e aumentar a eficácia do diagnóstico e o acompanhamento de doenças como o ceratocone, além de obter uma melhor avaliação dos resultados obtidos após tratamentos como o crosslinking.

Em grande parte dos parâmetros do Pentacam® AXL estudados, houve maior variação de valores em todos os índices de repetibilidade avaliados nos pacientes com ceratocone comparados aos com olhos normais. A presença de ceratocone tem impacto negativo na repetibilidade de ambos os tipos de exame, e há grande concordância entre os métodos de escaneamento com 25 e 50 imagens em todos os grupos estudados. Entre os pacientes com ceratocone, houve pouca diferença entre os casos submetidos ou não ao crosslinking.

O coeficiente de repetibilidade elevado em alguns parâmetros estudados sugere que esses dados devem ser usados com cuidado na avaliação de progressão de ceratocone e confirmação diagnóstica.

Nas análises realizadas nos parâmetros relacionados à paquimetria, avaliamos que o coeficiente de repetibilidade foi elevado em todos os grupos estudados, provavelmente devido ao fato de maior possibilidade de descentralização do olho do paciente durante o exame, o que acaba influenciando mais em medidas que envolvem medidas de paquimetria ou progressão paquimétrica.

Concluímos que não há diferença significativa entre os métodos de escaneamento com 25 e 50 imagens. Porém, com 25 scans, temos maior velocidade na realização do exame, consequentemente menor probabilidade de descentralização durante realização dele, o que já demonstramos que pode influenciar nas medidas principalmente relacionadas à paquimetria corneana. Dessa forma, os índices de repetibilidade ficam discretamente mais confiáveis, contribuindo com uma melhor avaliação para o paciente. Observamos que o grupo com olhos normais teve melhor repetibilidade que os grupos com ceratocone, e, entre os grupos com ceratocone, não há diferença significativa na repetibilidade e reprodutibilidade.

Portanto, este estudo contribuiu para a melhoria no diagnóstico, no acompanhamento e no tratamento do ceratocone e demonstrou a importância da repetibilidade para uma maior confiabilidade e precisão da realização e resultados dos exames de diagnóstico. Além disso, permitimos, com o estudo, maior acesso ao conhecimento do tema, principalmente por médicos oftalmologistas. Porém, mais estudos precisam e podem ser realizados com maior quantidade de olhos e maior follow-up, para melhor avaliação da repetibilidade na relação com a gravidade e a progressão do ceratocone e demais ectasias corneanas.

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  • Fonte de auxílio à pesquisa: trabalho não financiado.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    11 Dez 2022
  • Aceito
    10 Mar 2023
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