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Mucormicose de seios paranasais e órbitas em paciente imunocompetente: relato de caso e revisão de literatura

Mucormycosis of the paranasal sinuses and orbit in a immunocompetent patient: a case report and review of the literature

Resumos

Mucormicose rinocerebral é uma infecção fúngica invasiva, inicial nos seios paranasais e que, freqüentemente, progride para órbita e cérebro. A forma rinocerebroorbitária é, usualmente, associada a pior prognóstico e, quase exclusivamente, observada em pacientes imunodeprimidos. Os autores apresentam o caso de uma paciente, com 41 anos de idade, portadora de quadro arrastado de cefaléia, dor ocular, edema palpebral, proptose, exoftalmina, rigidez de nuca, panssinusopatia e abcessos em órbita direita e faringe. Embora imunocompetente, a partir dos achados radiológicos e cirúrgicos e de cultura, foi feito o diagnóstico de mucormicose. Atualmente, a paciente encontra-se em acompanhamento ambulatorial, em boas condições, no Serviço de ORL do HBDF.

mucormicose; zicomicose; mucormicose rinocerebral e infecções fúngicas


Rhinocerebral Mucormycosis is an invasive fungal infection initiated in the paranasal sinuses that frequently progresses to orbital and brain involvement. Rhino-Orbital-Cerebral Mucormycosis is usually associated with a poor prognosis and is almost exclusively seen in immunocompromised patients. The autors present a case of an immunocompetent female patient, 41 years old, with sinusal and orbital signs and symptons. The diagnosis of Mucormycosis was based on radiological study, surgical findings and culture. Now, that patient is being looked after in the ambulatory of the Hospital de Base do DF.

mucormycosis; rhinocerebral phicomycosis and sinusal fungal infections


Mucormicose de seios paranasais e órbitas em paciente imunocompetente: relato de caso e revisão de literatura

Mucormycosis of the paranasal sinuses and orbit in a immunocompetent patient: A case report and review of the literature

Nícia O. R. Santana1 1 Médica Residente do 3º. Ano do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Base do Distrito Federal. 2 Médico Assistente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Base do Distrito Federal. 3 Médico Assistente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Base do Distrito Federal. 4 Médico Chefe do Setor de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Serviço de Otorrinolaringologia do HBDF. e Preceptor de Residência Médica do PRM-ORL do HBDF. , Gustavo B. Pinheiro2 1 Médica Residente do 3º. Ano do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Base do Distrito Federal. 2 Médico Assistente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Base do Distrito Federal. 3 Médico Assistente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Base do Distrito Federal. 4 Médico Chefe do Setor de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Serviço de Otorrinolaringologia do HBDF. e Preceptor de Residência Médica do PRM-ORL do HBDF. , Helga M. Kehrle3 1 Médica Residente do 3º. Ano do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Base do Distrito Federal. 2 Médico Assistente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Base do Distrito Federal. 3 Médico Assistente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Base do Distrito Federal. 4 Médico Chefe do Setor de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Serviço de Otorrinolaringologia do HBDF. e Preceptor de Residência Médica do PRM-ORL do HBDF. , Isnaldo P. de Faria3 1 Médica Residente do 3º. Ano do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Base do Distrito Federal. 2 Médico Assistente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Base do Distrito Federal. 3 Médico Assistente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Base do Distrito Federal. 4 Médico Chefe do Setor de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Serviço de Otorrinolaringologia do HBDF. e Preceptor de Residência Médica do PRM-ORL do HBDF. , Cláudio N. Estrella4 1 Médica Residente do 3º. Ano do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Base do Distrito Federal. 2 Médico Assistente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Base do Distrito Federal. 3 Médico Assistente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Base do Distrito Federal. 4 Médico Chefe do Setor de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Serviço de Otorrinolaringologia do HBDF. e Preceptor de Residência Médica do PRM-ORL do HBDF.

Resumo / Summary

Mucormicose rinocerebral é uma infecção fúngica invasiva, inicial nos seios paranasais e que, freqüentemente, progride para órbita e cérebro. A forma rinocerebroorbitária é, usualmente, associada a pior prognóstico e, quase exclusivamente, observada em pacientes imunodeprimidos. Os autores apresentam o caso de uma paciente, com 41 anos de idade, portadora de quadro arrastado de cefaléia, dor ocular, edema palpebral, proptose, exoftalmina, rigidez de nuca, panssinusopatia e abcessos em órbita direita e faringe. Embora imunocompetente, a partir dos achados radiológicos e cirúrgicos e de cultura, foi feito o diagnóstico de mucormicose. Atualmente, a paciente encontra-se em acompanhamento ambulatorial, em boas condições, no Serviço de ORL do HBDF.

Palavras-chave: mucormicose, zicomicose, mucormicose rinocerebral e infecções fúngicas.

Rhinocerebral Mucormycosis is an invasive fungal infection initiated in the paranasal sinuses that frequently progresses to orbital and brain involvement. Rhino-Orbital-Cerebral Mucormycosis is usually associated with a poor prognosis and is almost exclusively seen in immunocompromised patients. The autors present a case of an immunocompetent female patient, 41 years old, with sinusal and orbital signs and symptons. The diagnosis of Mucormycosis was based on radiological study, surgical findings and culture. Now, that patient is being looked after in the ambulatory of the Hospital de Base do DF.

Key words: mucormycosis, rhinocerebral phicomycosis and sinusal fungal infections.

INTRODUÇÃO

A mucormicose é uma infecção fúngica, oportunista e fulminante, que acomete, principalmente, hospedeiros debilitados ou imunodeprimidos, sendo muito rara em indivíduos saudáveis.

REVISÃO DE LITERATURA

A infecção está mais comumente associada a pacientes acidóticos, especialmente aqueles com cetoacidose diabética. A doença pode ser causada por dois grupos de fungos: Mucorales, que acometem, principalmente, indivíduos debilitados e imunocomprometidos, e Entomophtorales, que atingem indivíduos sadios e têm curso mais crônico. Mesmo em pacientes imunodeprimidos, a zicomicose permanece como uma infecção oportunista rara. Clinicamente, pode se manifestar através de seis entidades distintas. A zicomicose rinocerebral é a forma mais freqüente de apresentação, responsável por mais de 75% dos casos da literatura, sendo uma das doenças fúngicas mais rapidamente fatais. As hifas invadem os seios paranasais e o palato, estendendo-se para o seio etmoidal, região retroorbitária, e/ou SNC. Epistaxe, cefaléia grave, alterações do estado mental e oculares fazem parte do quadro clínico. O exame do nariz revela necrose das conchas nasais. Os achados oculares incluem proptose, edema periorbital, perda da acuidade visual e edema palpebral, podendo evoluir para exoftalmina, oftalmoplegia completa, cegueira e pupilas fixas e dilatadas. O diagnóstico depende do exame direto e histopatológico dos raspados e das biópsias do material necrótico. O tratamento baseia-se no diagnóstico precoce, com desbridamento cirúrgico agressivo e terapia com anfotericina sistêmica. Tem um prognóstico reservado, sendo que a zicomicose rinocerebral tem uma taxa de mortalidade de, aproximadamente, 50%.

APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICO

L. B. P., com 41 anos de idade, do sexo feminino, branca, natural e procedente de Ouro Preto /RO, foi admitida no Serviço de Emergência do HBDF com história de otalgia esquerda há 45 dias. A dor iniciou-se após retirada de um inseto do ouvido. Após cinco dias, iniciou quadro de febre alta, cefaléia holocraniana intensa, rigidez de nuca, paralisia facial periférica à direita, dor e hiperemia ocular. Esteve internada na sua cidade de origem por 40 dias, realizando tratamento para meningite; porém, persistiu com piora progressiva do quadro ocular, com o surgimento de proptose (Figura 1), edema facial e eliminação de secreção purulenta pela boca, sendo então transferida para o HBDF. A paciente gozava de boa saúde antes do início do quadro patológico atual e negava história de patologias sistêmicas, como diabetes melittus, pneumopatias ou infecções recorrentes e o uso de drogas imunossupressoras. Ao exame, apresentava drenagem de secreção purulenta em região de pré-molares e caninos, fístula extra-oral e midriáticas, amaurose bilateral, necrose retiniana em AO, rigidez de nuca e paralisia facial periférica. À nasofibroscopia, coloração escurecida dos cornetos superiores e médios e tetos de fossas nasais. Exames laboratoriais constataram anemia normocítica e normocrônica, leucocito-se sem desvio para a esquerda, hiponatremia e hipocalcemia leves, provas de função renal e glicemia e transaminases normais. IgG sérico discretamente elevada, IgA normal e sorologia negativa para HIV. O raio X dos seios da face demonstrava velamento parcial de todos os seios. A TC de órbitas e crânio (Figuras 2 e 3) demonstrou abcessos múltiplos orbitais e em partes moles da face, pansinusite, borramento da gordura orbital bilateral com duas condensações hipodensas, medindo cerca de 2 cm na órbita direita e espessamento difuso da musculatura extra-ocular. A radiografia de tórax revelou-se normal. O tratamento instituído consistiu de maxilarrectomia parcial e etmoidectomia bilateral, remoção dos dentes 14, 15 e 16, meatotomia média e orbitotomia, com remoção de material necrótico e purulento dessas áreas. O resultado do exame anatomopatológico revelou zicomicose (Figura 4), sendo iniciada a administração de anfotericina B (1 mg/kg/dia), imipenema e clindamicina. A paciente evoluiu com osteomielite da base do crânio e calota craniana, aparecimento, ao RX, de imagens com densidade de partes moles, sugestivas de processo inflamatório agudo, ocupando cavidades orbitárias, fossas inferotemporais, seios da face e estruturas de ouvido médio. A neurocirurgia afastou a possibilidade de abordagem cirúrgica dos ossos da base do crânio. Suspendeu-se o esquema anterior de antibioticoterapia e iniciou-se a terapia com cefpiroma e metronidazol. Realizada nova exploração cirúrgica dos seios da face e orbitotomia bilateral, com debridamento cirúrgico. A cultura do material revelou MRSA (Methicilin Resistant Staphilococus Aureus), patógeno comumente associado a pacientes submetidos a tratamentos hospitalares prolongados, e a paciente recebeu vancomicina por 28 dias. Obteve alta após seis meses de internação, com melhora do edema palpebral e da proptose, amaurótica e paralisia facial, fazendo uso de prednisona (5 mg/dia) e anfotericina B, semanalmente.




DISCUSSÃO

Sinusite fúngica deve ser considerada em todo o indivíduo com sinusite crônica. As formas invasivas dos zicomicetos acomentem, normalmente, pessoas imunocomprometidas, principalmente as neutropênicas, diabéticas, portadores de hemocromatose e desnutridas, e caracterizam-se pelo início agudo de tosse, febre, ulceração nasal, epistaxe e cefaléia. Embora mais comum em pacientes com deficiência imunológica, a mucormicose pode, eventualmente, afetar indivíduos sãos. Sinais de mau prognóstico incluem necrose facial, deformidade nasal e hemiplegia. Existem casos crônicos descritos com até 20 anos de evolução, bem como casos com osteomielite de base do crânio e paralisia de pares cranianos. O tratamento consiste em desbridamento cirúrgico de todo o tecido invadido, associado à quimioterapia com anfotericina B, já que o fungo em tela, segundo a literatura disponível, não é sensível aos derivados azólicos, mesmo ao itraconazol. No caso descrito, não obstante tenha desenvolvido osteomielite de base do crânio sem possibilidade de abordagem por cirurgia, a paciente foi submetida a vários procedimentos cirúrgicos, não sendo possível a identificação precisa da espécie de fungo envolvida. Embora tenha a paciente apresentado melhora clínica, optou-se por se manter tratamento supressivo semanal com anfotericina B, já que não houve a possibilidade de comprovação da completa erradicação da infecção.

CONCLUSÃO

Mucormicose é uma infecção oportunista, e rara, com prognóstico reservado, que acomete mais freqüentemente indivíduos imunocomprometidos. O caso relatado é de interesse clínico, por tratar-se de diagnóstico de mucormicose sinonasal e periorbital em paciente imunocompetente.

Endereço para correspondência: Isnaldo Piedade de Faria - SQS 108 - Bloco D - Aptº. 404 - 70347-040 Brasília /DF

Telefone: (0**61) 9982-2438 – E-mail: isnaldopf@uol.com.br

Trabalho desenvolvido no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Base do Distrito Federal (SMHS 102 - Bloco B - Asa Sul) - 70335-900 Brasília /DF.

Artigo recebido em 11 de janeiro de 2001. Artigo aceito em 02 de maio de 2001.

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    3
    Médico Assistente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Base do Distrito Federal.
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    Médico Chefe do Setor de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Serviço de Otorrinolaringologia do HBDF.
    e Preceptor de Residência Médica do PRM-ORL do HBDF.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Out 2002
    • Data do Fascículo
      Set 2001

    Histórico

    • Aceito
      02 Maio 2001
    • Recebido
      11 Jan 2002
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