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Contribuição ao estudo da lagoquilascaríase humana

Contribution to the study of human lagochilascariasis

Resumos

Objetivo: realiza análise bibliográfica comentada sobre lagoquilascaríase humana, relativa ao período de 1909 a 2001. Introdução: Trata-se de zoonose causada por Lagochilascaris, com 109 casos humanos registrados exclusivamente na América Tropical, destacando-se o Estado do Pará com 49,5% da casuística mundial. Forma de estudo: prospectivo. Material e método: Utiliza como metodologia consulta a um guia de referência e a discos de 14 bases de dados; pesquisa direta a 8 bibliotecas; nos acervos bibliográficos de Fraiha e Leão, e na bibliografia dos trabalhos obtidos através destas fontes. Conclusão: Justifica o presente estudo pela dispersão e escassez de informações sobre o tema, muitas vezes inexistentes nos bancos de dados; e pelo aumento da casuística humana registrada nas últimas décadas, predominantemente na Amazônia.

Lagoquilascaríase; Lagochilascaris; Helmintíase; otorréia; vertigem; zumbido


Aim: it is performed a commented bibliographic analysis on human lagochilascariasis, during the period of 1909 to 2001. Introduction: it is a zoonosis caused by lagochilascaris, with 109 cases reported exclusively in the Tropical America, pointing out the state of Pará with 49,5% of the world’s casuistry. Study desig: systematic bibliograph review. Material and method: it is used, as a methodology for consultation, a reference guide and disks of 14 data bases; direct research in 8 libraries; at bibliographic records of Fraiha and Leão and at the bibliography of papers obtained through such sources. Conclusion: it is justified the present work for the dispertion and scarcity of information about such theme, many times lacking data banks; and for the increase of human casuistry registered during the last decades, mainly in the Amazon Region.

Lagochilascariasis; Lagochilascaris; Helminthiasis; otorrhea; giddiness; tinnitus


Contribuição ao estudo da lagoquilascaríase humana

Contribution to the study of human lagochilascariasis

Francisco X. Palheta-Neto1 1 Médico Otorrinolaringologista. Mestrando em Otorrinolaringologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. 2 Médico Infectologista. Professor Titular da Universidade do Estado do Pará, Disciplina Doenças Tropicais e Infectuosas. 3 Médico Parasitologista e Entomologista. Pesquisador Titular do Instituto Evandro Chagas e Doutor em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Pará. 4 Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho e Professor adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 5 Chefe da Pós-graduação em Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho e Professor adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 6 Médica Otorrinolaringologista. Mestranda em Otorrinolaringologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. , Raimundo N. Q. de Leão2 1 Médico Otorrinolaringologista. Mestrando em Otorrinolaringologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. 2 Médico Infectologista. Professor Titular da Universidade do Estado do Pará, Disciplina Doenças Tropicais e Infectuosas. 3 Médico Parasitologista e Entomologista. Pesquisador Titular do Instituto Evandro Chagas e Doutor em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Pará. 4 Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho e Professor adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 5 Chefe da Pós-graduação em Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho e Professor adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 6 Médica Otorrinolaringologista. Mestranda em Otorrinolaringologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. , Habib F. Neto3 1 Médico Otorrinolaringologista. Mestrando em Otorrinolaringologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. 2 Médico Infectologista. Professor Titular da Universidade do Estado do Pará, Disciplina Doenças Tropicais e Infectuosas. 3 Médico Parasitologista e Entomologista. Pesquisador Titular do Instituto Evandro Chagas e Doutor em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Pará. 4 Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho e Professor adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 5 Chefe da Pós-graduação em Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho e Professor adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 6 Médica Otorrinolaringologista. Mestranda em Otorrinolaringologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. , Shiro Tomita4 1 Médico Otorrinolaringologista. Mestrando em Otorrinolaringologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. 2 Médico Infectologista. Professor Titular da Universidade do Estado do Pará, Disciplina Doenças Tropicais e Infectuosas. 3 Médico Parasitologista e Entomologista. Pesquisador Titular do Instituto Evandro Chagas e Doutor em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Pará. 4 Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho e Professor adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 5 Chefe da Pós-graduação em Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho e Professor adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 6 Médica Otorrinolaringologista. Mestranda em Otorrinolaringologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. , Marco Antônio de Melo Tavares de Lima5 1 Médico Otorrinolaringologista. Mestrando em Otorrinolaringologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. 2 Médico Infectologista. Professor Titular da Universidade do Estado do Pará, Disciplina Doenças Tropicais e Infectuosas. 3 Médico Parasitologista e Entomologista. Pesquisador Titular do Instituto Evandro Chagas e Doutor em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Pará. 4 Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho e Professor adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 5 Chefe da Pós-graduação em Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho e Professor adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 6 Médica Otorrinolaringologista. Mestranda em Otorrinolaringologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. , Angélica C. Pezzin-Palheta6 1 Médico Otorrinolaringologista. Mestrando em Otorrinolaringologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. 2 Médico Infectologista. Professor Titular da Universidade do Estado do Pará, Disciplina Doenças Tropicais e Infectuosas. 3 Médico Parasitologista e Entomologista. Pesquisador Titular do Instituto Evandro Chagas e Doutor em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Pará. 4 Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho e Professor adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 5 Chefe da Pós-graduação em Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho e Professor adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 6 Médica Otorrinolaringologista. Mestranda em Otorrinolaringologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Resumo / Summary

Objetivo: realiza análise bibliográfica comentada sobre lagoquilascaríase humana, relativa ao período de 1909 a 2001. Introdução: Trata-se de zoonose causada por Lagochilascaris, com 109 casos humanos registrados exclusivamente na América Tropical, destacando-se o Estado do Pará com 49,5% da casuística mundial. Forma de estudo: prospectivo. Material e método: Utiliza como metodologia consulta a um guia de referência e a discos de 14 bases de dados; pesquisa direta a 8 bibliotecas; nos acervos bibliográficos de Fraiha e Leão, e na bibliografia dos trabalhos obtidos através destas fontes. Conclusão: Justifica o presente estudo pela dispersão e escassez de informações sobre o tema, muitas vezes inexistentes nos bancos de dados; e pelo aumento da casuística humana registrada nas últimas décadas, predominantemente na Amazônia.

Palavras-chave: Lagoquilascaríase, Lagochilascaris, Helmintíase, otorréia, vertigem, zumbido.

Aim: it is performed a commented bibliographic analysis on human lagochilascariasis, during the period of 1909 to 2001. Introduction: it is a zoonosis caused by lagochilascaris, with 109 cases reported exclusively in the Tropical America, pointing out the state of Pará with 49,5% of the world’s casuistry. Study desig: systematic bibliograph review. Material and method: it is used, as a methodology for consultation, a reference guide and disks of 14 data bases; direct research in 8 libraries; at bibliographic records of Fraiha and Leão and at the bibliography of papers obtained through such sources. Conclusion: it is justified the present work for the dispertion and scarcity of information about such theme, many times lacking data banks; and for the increase of human casuistry registered during the last decades, mainly in the Amazon Region.

Key words: Lagochilascariasis, Lagochilascaris, Helminthiasis, otorrhea, giddiness, tinnitus.

INTRODUÇÃO

A lagoquilascaríase é uma zoonose causada por helmintos nematódeos do gênero Lagochilascaris, descrita inicialmente por Leiper15 em 1909, a partir de dois pacientes de Trinidad. Por cerca de seis décadas os casos humanos ficaram aparentemente restritos a alguns países da América Central e, somente em 1968, Artigas2 e cols. assinalariam, no Estado de São Paulo, o primeiro caso brasileiro, 11º da literatura mundial. Dez anos mais tarde, Leão12 e cols. (1978) registraram pela primeira vez a doença na Região Amazônica, em um paciente procedente do município de Prainha, no Estado do Pará.

Justifica o presente estudo pela dispersão e escassez de informações sobre o tema, muitas vezes inexistentes nos bancos de dados; e pelo aumento da casuística humana registrada nas últimas décadas, predominantemente na Amazônia Brasileira. Objetiva alertar os otorrinolaringologistas para esta rara doença parasitária que compromete estruturas orgânicas de interesse em otorrinolaringologia e apresenta considerável potencial de letalidade.

REVISÃO DA LITERATURA

O gênero Lagochilascaris possui cinco espécies, sendo L. minor a única associada à patologia humana. Os vermes adultos possuem coloração branco-leitosa, medem de 5 a 20 mm e na extremidade cefálica apresentam a boca guarnecida por três lábios bem desenvolvidos, separados por interlábios. Os ovos medem de 63 a 85 µm no maior diâmetro, apresentam a casca externa espessa, com a superfície apresentando múltiplas escavações em “saca-bocados”. Estas, quando em número não superior a 25 na periferia, caracterizam a espécie L. minor24.

Em relação ao ciclo de transmissão, Leão e cols. (1997)11, com base no conhecimento da literatura consultada4,19,22,25,26,28,29, assim o resumem: hospedeiros naturais (carnívoros silvestres), abrigariam o verme adulto nas primeiras porções do sistema digestivo ou respiratório, onde as fêmeas depositam os ovos. Estes seriam eliminados com as fezes, contaminando o solo. Posteriormente, após se tornarem embrionados, quando ingeridos por hospedeiros intermediários (provavelmente roedores silvestres), infectariam esses animais, evoluindo para formas larvárias encistadas nos músculos e tecido celular subcutâneo. Os hospedeiros definitivos, ao devorarem esses animais, seriam infectados por essas larvas encistadas, fechando o ciclo enzoótico natural. O homem, o cão e o gato domésticos, ao se infectarem, comportam-se como hospedeiros definitivos acidentais8.

Das várias hipóteses que tentam explicar o mecanismo de infecção e a localização preferencial das lesões no homem e nos animais domésticos, a mais aceita atualmente é a de Smith e cols. (1983)25 que propôs a infecção por ingestão de larvas encistadas nos músculos e outros tecidos de animais silvestres. Recentemente, Campos e cols. (1992)4 e Paçô (1994)22 demonstraram experimentalmente que larvas de 3º estádio libertam-se dos cistos na luz do estômago do hospedeiro definitivo e migram, posteriormente, através do esôfago, em direção às estruturas do pescoço e áreas vizinhas, através de um tropismo ainda pouco esclarecido.

Desse modo, ao que tudo indica, o homem, o cão doméstico e o gato doméstico se infectam por ingestão de larvas L3 encistadas nos músculos, nas vísceras e no tecido celular subcutâneo de hospedeiros intermediários silvestres consumidos crus ou mal cozidos23.

Todos os estádios evolutivos do helminto (ovos, larvas e adultos) podem ser encontrados, simultaneamente, no interior das lesões, indicando, portanto, autoinfecção19.

O processo patológico fundamental na lagoquilascaríase é a reação granulomatosa do tipo corpo estranho. Histologicamente, as lesões representam numerosos abscessos interligados por trajetos fistulosos, envolvidos por tecido de granulação, células gigantes multinucleadas e áreas densas de tecido fibroso9.

A doença, no homem, instala-se geralmente de forma insidiosa, apresenta caráter crônico e evolui com períodos de remissões e recidivas. Pode ocorrer sério comprometimento do estado geral, com apreciável perda ponderal. As principais manifestações clínicas consistem em nódulos cervicais evoluindo com fistulação ou formação de úlceras e abscessos que drenam secreção serossanguinolenta ou purulenta; ou otite supurativa e mastoidite. Outros quadros também têm sido descritos, como sinusite, hipoacusia, zumbido, amigdalite, manifestações neurológicas (síndrome convulsiva, síndrome cerebelar, paralisia facial periférica ou de outros pares cranianos) e manifestações respiratórias (tosse, expectoração e dispnéia, podendo evoluir até a insuficiência respiratória)24. Comumente os pacientes relatam a eliminação de parasitos vivos pelos pertuitos das lesões, ou através do conduto auditivo externo, da boca ou das fossas nasais; a falta desta informação não é suficiente, entretanto, para excluir o diagnóstico dessa doença13. Há relato de imunodepressão3.

O diagnóstico etiológico é estabelecido pela identificação do verme adulto, além do encontro de ovos e larvas do parasito nas secreções proveniente das lesões. Os ovos de L. minor podem ser encontrados, também, nas fezes dos pacientes, quando as lesões se abrem para a luz do trato digestivo. O hemograma é de pequena valia, sendo observada desde leucocitose21 até leucopenia18; eosinofilia, ou ainda aneosinofilia18,20. Exames radiológicos podem também ser utilizados.

Várias drogas já foram empregadas no tratamento dessa helmintíase (dietilcarbamazina12,19,29, tiabendazol3,12,19,20,27, levamisol1,3,5, cambendazol10, mebendazol3, praziquantel27e albendazol6). Todavia, na experiência de Leão & Fraiha (2000)14 as que têm proporcionado melhores resultados clínicos, em casos humanos, são o cambendazol e o levamisol. Ambas apresentam excelente ação como terapêutica de ataque, causando visível impacto sobre os parasitos. As recidivas são, entretanto, freqüentes, após meses de aparente cura clínica, mesmo empregando-se doses mais altas desses medicamentos. Motivo pelo qual, aconselham um esquema de manutenção, com cambendazol (novas séries a cada 6 meses), ou levamisol (a cada 6 meses), ou ainda a dietilcarbamazina em curso prolongado de seis meses a um ano.

A limpeza cirúrgica tem sido recomendada por vários autores como recurso auxiliar visando abreviar a cura1,19,27.

Leão & Fraiha (1997)13 recomendam como profilaxia a não ingestão de carnes (principalmente de cutia e outros roedores silvestres), sem adequada cocção; ressaltam a importância da educação em saúde, particularmente na zona rural, com a recomendação de bons hábitos alimentares e de higiene geral.

MATERIAL E MÉTODO

O material utilizado consta de bibliografia disponível no período de 1909 a 2001, sendo os dados obtidos a partir das seguintes fontes:

1. Pesquisa direta no acervo bibliográfico das seguintes bibliotecas de Belém: a do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, da Universidade do Estado do Pará; Biblioteca Central, Hospital Universitário João de Barros Barreto e Núcleo de Medicina Tropical da Universidade Federal do Pará; Museu Paraense Emílio Goeldi e Instituto Evandro Chagas; e no Rio de Janeiro: bibliotecas do Centro de Ciências da Saúde e do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

2. Pesquisa direta ao acervo bibliográfico das bibliotecas particulares de dois dos autores (Fraiha e Leão).

3. Consulta a discos de bases de dados: Medline, de 1966 a 2001; Lilacs, de 1980 a 2001; Wildlife Worldwide, de 1935 a dezembro de 1996; Life Sciences Collection, de 1982 a 1996; Pascal, de julho a dezembro de 1996; Agris, de 1975 a maio de 1997; Ibict, até 1996; Siamaz, até 1995; General Science Index, de 1984 a agosto de 1997; Fish & Fisheries Worldwide, de 1971 a dezembro de 1996; Ulrich’s Plus, de 1996 a 1997; Unibibli, até 1996; Cd-cin, de 1970 a 1995 e Social Sciences Citation Index, até 1996.

4. Pesquisa direta ao guia de referência: Tropical Diseases Bulletin, de 1910 a 1997.

5. Pesquisa direta a bibliografia de trabalhos sobre o assunto, obtidos através das fontes de pesquisa anteriormente mencionadas.

Os resultados são apresentados de acordo com os seguintes aspectos: trabalhos de maior importância para o conhecimento da doença, distribuição dos casos por países, distribuição dos casos por Estados do Brasil e localização das lesões.

RESULTADOS

Foram computadas 157 referências sobre o tema, destacando-se os artigos publicados em periódicos, que representam 50,9% do total das obras.

Os trabalhos considerados mais significativos para o conhecimento da doença estão distribuídos na Tabela 1.

A casuística mundial conta atualmente com 109 casos registrados, todos exclusivos da América Tropical. A faixa etária mais acometida corresponde a jovens e crianças, com 46,7% dos casos ocorrendo dos 10 aos 19 anos. O sexo feminino contribui com 57,6% dos casos, o masculino com 39,2%, com os restantes 3,2% sem a informação concernente. Pelo menos nove casos fatais já foram computados, correspondendo a uma letalidade (mínima) de 8,2%.

Observa-se aumento do número de trabalhos a partir de 1970, merecendo destaque os grupos de pesquisadores do Brasil, principalmente os de Goiás e do Pará; os da Venezuela e os estudos isolados sobre o parasito realizados na Austrália.

Em relação à distribuição por países, observa-se maior concentração no Brasil, representando 80,7% do total (Tabela 2). Quanto à distribuição dos 88 casos registrados no Brasil, por Estados da Federação, ressalta-se a participação do Estado do Pará com 61,3% dos casos brasileiros e 49,5% dos casos mundiais (Tabela 3).

No homem, as lesões localizam-se preferencialmente na região cervical, mastóide e ouvido médio, correspondendo respectivamente a 65,1%, 39,4% e 29,3% dos casos(Tabela 4).

DISCUSSÃO

Evidente foi o incremento da casuística de Lagoquilascaríase nas últimas décadas, passando a ser identificada como uma helmintíase emergente, sem contudo representar problema de saúde pública, permanecendo ainda utópica a proposição de ações de vigilância pública. Mas haveria realmente aumentado o número de casos humanos, ou estaríamos somente agora aptos ao correto diagnóstico?

Um grande número de projetos governamentais de desenvolvimento determinaram um verdadeiro êxodo urbano, levando milhares de pessoas a abandonar grandes centros, passando a habitar áreas próximas a matas, sendo importante fator de aumento de risco de contaminação. Além do mais, o hábito de ingerir a própria caça, freqüentemente animais silvestres como: tatu, preá, cutia, paca e porco do mato, é rotina diária dos habitantes destas regiões, na grande maioria pessoas de baixa renda e péssimas condições de moradia. Estes alimentos são quase sempre ingeridos crus ou mal cozidos.

Por outro lado vejamos: há alguns anos, Leão (Comunicação pessoal, 2001) solicitou a vários laboratórios que avaliassem uma lâmina com ovos de Lagochilascaris minor. Para surpresa, quase a totalidade dos diagnósticos foi “presença de ovos de Ascaris lumbricoides”.

Apesar de ser considerada uma doença rara e pouco conhecida, alguns avanços já foram conseguidos sobre esta parasitose.

Com relação ao parasito, destaca-se o trabalho de Sprent (1971)26, considerado o estudo morfológico mais completo sobre Lagochilascaris minor, comparando com outras espécies do gênero e indicando inclusive uma chave de classificação.

Como registros históricos destacam-se os trabalhos de Leiper (1909)15, Artigas (1968)2 e Leão e cols. (1978)12. Leão e cols. (1985)10 utilizaram o cambendazol como alternativa terapêutica, defendendo sua eficácia no tratamento da lagoquilascaríase humana. Fraiha e cols. (1989)8 apresentaram o trabalho mais completo de sistematização sobre lagoquilascaríase humana e animal.

Volcán (1990)28 conseguiu infectar cutias (Dasyprocta leporina) inoculando, por via oral, suspensão de ovos de Lagochilascaris minor a partir de fezes de uma paciente com lagoquilascaríase.

Medrano (1991)17, utilizando soro de uma paciente com lagoquilascaríase, antígenos solúveis e de membrana de vermes adultos de Lagochilascaris minor e anti-soros de animais infectados experimentalmente, conseguiu caracterizar um antígeno de Lagochilascaris minor que promove resposta de anticorpos e reação cruzada com Ascaris lumbricoides e Toxocara canis.

Lobo Neto e cols. (1994)16, avaliam, sob o ponto de vista radiológico, os casos de lagoquilascaríase (dez no total), ressaltando a fundamental importância da tomografia axial computadorizada como subsídio para melhor avaliar a localização e extensão das lesões, permitindo uma correta conduta clínica.

Chama atenção a colaboração do grupo de pesquisadores do IPTSP/UFGo, em Goiânia; de Campos e cols. (1992)4, relacionado ao estudo do ciclo de vida experimental do Lagochilascaris minor. Paçô (1994)22, em seu estudo sobre transmissão experimental, utilizando roedores de origem silvestre, conclui que estes animais comportam-se como hospedeiros intermediários e os felinos como hospedeiros definitivos de lagoquilascaríase, confirmando, assim, a natureza heteroxênica do ciclo evolutivo de Lagochilascaris minor, apesar de reconhecer a ocorrência do ciclo auto-infectante. Considera ainda que estes roedores, comumente empregados como alimentos em regiões onde ocorre lagoquilascaríase humana, passam a ser fonte de infecção para o homem.

A constatação da existência de sítios preferenciais das lesões na lagoquilascaríase humana, no caso a região cervical, a mastóide e o ouvido médio, permanece, ainda hoje, sem justificativa plausível.

Merece destaque especial o trabalho de Fraiha Neto e cols. (1984)7, por ser o único a registrar a infecção natural em animais (gato doméstico), associada a um caso humano.

CONCLUSÃO

A Lagoquilascaríase ainda é pouco conhecida dos otorrinolaringologistas, considerando-se o pequeno número de trabalhos que abordam a doença, sobretudo em livros de texto. O material disponível em bases de dados e guia de referência ainda é bastante limitado, considerando que grande parte das informações disponíveis não estão publicadas em revistas indexadas.

Instituição: Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ

Autor: Francisco Xavier Palheta Neto – Travessa Pepe 36, apto 302 – Botafogo – 22290-020 – Rio de Janeiro – RJ

Fones: (0xx21) 542-3869 / 9999-8000 – e-mail: franciscopalheta@uol.com.br

Adaptado da Dissertação de Mestrado, realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro – 2001

Artigo recebido em 20 de junho de 2001. Artigo aceito em 21 de junho de 2001.

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  • 1
    Médico Otorrinolaringologista. Mestrando em Otorrinolaringologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
    2
    Médico Infectologista. Professor Titular da Universidade do Estado do Pará, Disciplina Doenças Tropicais e Infectuosas.
    3
    Médico Parasitologista e Entomologista. Pesquisador Titular do Instituto Evandro Chagas e Doutor em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Pará.
    4
    Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho e Professor adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
    5
    Chefe da Pós-graduação em Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho e Professor adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
    6
    Médica Otorrinolaringologista. Mestranda em Otorrinolaringologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Jun 2002
    • Data do Fascículo
      Maio 2002

    Histórico

    • Recebido
      20 Jun 2001
    • Aceito
      21 Jun 2001
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