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Íon zinco: presença no sistema auditivo

Zinc ion: its presence in the auditory system

Resumos

O íon zinco tem sido muito pesquisado nas últimas décadas, principalmente no que concerne à sua presença e papel na fisiologia do Sistema Nervoso Central. Tem sido bem descrito em regiões do córtex, cerebelo, sistema límbico e, mais recentemente, na cóclea e núcleos cocleares. Parece atuar ligado ao neurotransmissor glutamato, exercendo atividade moduladora sobre o funcionamento das sinapses; também tem sido demonstrada sua participação em atividades protetoras contra radicais livres. Acredita-se que alterações nos níveis sistêmicos de zinco podem levar ao mau funcionamento das vias auditivas, gerando quadros clínicos como o zumbido e a presbiacusia. Os autores fazem uma revisão sobre o assunto.

zinco; sistema auditivo; cóclea; núcleos cocleares


Ion zinc has been studied in the last decades, mainly concerning its presence and role in the Central Nervous System physiology. It has been well described in some cortical, cerebellar and limbic regions, as well as in the cochlea and cochlear nuclei. It seems that the ion acts associated with the neurotransmitter glutamate, as a synaptic modulator; it also takes part in the protection against free radicals. It is believed that alterations in the systemic levels of zinc can lead to disorders on the auditory pathways, such as tinnitus or presbycusis. The authors present a review about this topic.

zinc; auditory system; cochlea; cochlear nuclei


ARTIGO DE REVISÃO

REVIEW ARTICLE

Íon zinco: presença no sistema auditivo

Zinc ion: its presence in the auditory system

Anderson S. BottiI,1 1 Pós-Graduando em nível de Mestrado da Área de Concentração Otorrinolaringologia, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. 2 Professora Doutora da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. ; Maria Cristina L. C. FéresII, 2 1 Pós-Graduando em nível de Mestrado da Área de Concentração Otorrinolaringologia, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. 2 Professora Doutora da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

IPós-Graduando em nível de Mestrado da Área de Concentração Otorrinolaringologia, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

IIProfessora Doutora da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

Endereço para corresnpondência 1 Pós-Graduando em nível de Mestrado da Área de Concentração Otorrinolaringologia, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. 2 Professora Doutora da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

RESUMO

O íon zinco tem sido muito pesquisado nas últimas décadas, principalmente no que concerne à sua presença e papel na fisiologia do Sistema Nervoso Central. Tem sido bem descrito em regiões do córtex, cerebelo, sistema límbico e, mais recentemente, na cóclea e núcleos cocleares. Parece atuar ligado ao neurotransmissor glutamato, exercendo atividade moduladora sobre o funcionamento das sinapses; também tem sido demonstrada sua participação em atividades protetoras contra radicais livres. Acredita-se que alterações nos níveis sistêmicos de zinco podem levar ao mau funcionamento das vias auditivas, gerando quadros clínicos como o zumbido e a presbiacusia. Os autores fazem uma revisão sobre o assunto.

Palavras-chave: zinco, sistema auditivo, cóclea, núcleos cocleares.

SUMMARY

Ion zinc has been studied in the last decades, mainly concerning its presence and role in the Central Nervous System physiology. It has been well described in some cortical, cerebellar and limbic regions, as well as in the cochlea and cochlear nuclei. It seems that the ion acts associated with the neurotransmitter glutamate, as a synaptic modulator; it also takes part in the protection against free radicals. It is believed that alterations in the systemic levels of zinc can lead to disorders on the auditory pathways, such as tinnitus or presbycusis. The authors present a review about this topic.

Key words: zinc, auditory system, cochlea, cochlear nuclei.

INTRODUÇÃO

O conhecimento da importância do zinco para os organismos vivos começou quando Rolin, discípulo de Pasteur, relatou, no ano de 1869, que sua presença era essencial para o crescimento do fungo Aspergillus niger. Desde o início do século XX, o papel do zinco vem sendo estudado nas disciplinas de Microbiologia, Agronomia e Nutrição (Sayers, 1938). A partir da década de 1950, o zinco passou a ser estudado também nas neurociências, uma vez que foi demonstrado que o íon, além de ser um componente nutricional essencial para o metabolismo vegetal e animal, tem uma função bastante específica na transmissão nervosa central excitatória em mamíferos (Peters et al., 1987).

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Biodisponibilidade do zinco, seu metabolismo e efeitos da deficiência sistêmica do íon.

O zinco é largamente encontrado na natureza. Dietas com altas concentrações em proteínas são ricas em zinco; por outro lado, alimentos ricos em carboidratos normalmente apresentam baixa concentração desse elemento (Halstead et al., 1997). Os cereais apresentam quantidades razoáveis de zinco, porém a maior parte é armazenada nas fibras e gérmen, o que faz com que cerca de 80% do total seja perdido no processo de moagem. As concentrações do zinco variam de 0,02 mg/100g nos ovos a 1 mg/100g na carne branca de frango, chegando a 75 mg/100g nas ostras. A Academia Nacional de Ciências Americana recomenda a ingestão diária de zinco da seguinte forma: abaixo de 1 ano de idade: 3 a 5 mg; 1 a 10 anos: 10 mg; de 11 anos em diante: 15 mg; gestante: 20 mg; lactente: 25 mg (Hambidge, 1986).

O íon é absorvido ao longo do intestino delgado, principalmente no jejuno e íleo. Somente pequenas quantidades são absorvidas no estômago e intestino grosso. A glicose presente no lúmen intestinal auxilia sua captação. A absorção do zinco na borda em escova no intestino ocorre tanto por mecanismo mediado por carreador saturável como por não saturável. (Prasad, 1995; Valee e Falchuk, 1993). A quantidade de zinco aumenta de 1 a 3 vezes, devido à soma com o zinco contido no sucos digestivos; a absorção parece ser por difusão passiva, porém mediado por carreadores enzimáticos (Krebs et al., 1996). Ao nível da superfície serosa baso-lateral das células intestinais, o zinco é liberado para a luz dos capilares mesentéricos, sendo levado para o sistema porta e depois para o fígado. Esse transporte é feito principalmente ligado à albumina, que é a mais abundante proteína sérica e tem grande afinidade por metais (Cousins e Leinart, 1988). Aparentemente, não existe um tecido com função de estocagem de zinco. Acredita-se, no entanto, que o fígado parece ter essencial papel no seu metabolismo, podendo, juntamente com pâncreas e rins, ser um depósito para transferência e distribuição do zinco no organismo (Enche et al., 1990).

A zincemia normal é da ordem de 100mg/100ml, variando em função da idade, sexo, gravidez e hora do dia. O zinco plasmático representa menos de 1% do total do organismo, mas é a partir dele que o elemento é absorvido pelas células. A quantidade de zinco total no organismo depende da eficácia do intestino na absorção e da excreção dos estoques do zinco endógeno. A excreção fecal parece promover um fino controle de balanço entre retenção e necessidades metabólicas (Coppen, 1987).

De acordo com Hambidge (1986), a maior via de excreção do zinco endógeno é o trato gastrointestinal. Do total que é dado ao organismo por via oral ou intravenosa, apenas 2 a 10% são encontrados na urina, o remanescente é perdido nas fezes. A perda fecal do zinco representa uma associação do zinco não absorvido da dieta com a secreção endógena do mesmo. A secreção pâncreática é a maior fonte de zinco endógeno (2 a 5 mg/dia), que é utilizado na síntese de enzimas digestivas. Outras fontes são as secreções biliares gastroduodenais e descamação de células para dentro da luz intestinal. Grande parte do zinco secretado para dentro do lúmen intestinal deve ser absorvido para evitar o balanço negativo desse íon no organismo. O circuito entero-pâncreático é fundamental para manutenção do zinco corpóreo.

A deficiência do zinco é o mais importante estado patológico envolvendo metabolismo relacionado a um metal. Devido à multiplicidade de funções do zinco, com envolvimento de vários sistemas do organismo, a sua deficiência pode manifestar-se com poucas alterações clínicas, como uma leve anorexia, alteração do paladar, redução da atividade física e pré-disposição a infecções, podendo, no entanto, evoluir para quadros clínicos mais intensos, com retardo do crescimento e da puberdade, alterações imunológicas e anormalidades neurossensoriais (Prasad, 1995; Cunha & Cunha, 1998).

Prasad (1995) e Gibson e Ferguson (1998), estudando a dieta de populações rurais do Irã e da Turquia, têm descrito casos de deficiência leve e moderada de zinco, devido ao fato das proteínas vegetais, encontradas nos grãos, pobres em zinco, serem mais consumidas nessas regiões do que aquelas de origem animal. A baixa concentração de zinco na dieta, a quantidade de zinco perdido durante o beneficiamento do alimento e a inibição da absorção de zinco por algumas substâncias (fitatos) presentes nas dietas ricas em vegetais, são as mais importantes causas de deficiência de zinco.

Ghishon (1984) estudou a acrodermatite enteropática, uma doença rara hereditária, associada ao distúrbio na absorção de zinco, descrevendo manifestações clínicas exuberantes como dermatite bolhosa pustular, desordens emocionais afetivas (irritabilidade, letargia e depressão), dermatites acro-orificiais, anormalidades esqueléticas, alterações nas funções reprodutora, perda de peso, anorexia e diarréia.

Cousins e Leinart (1988) referem que a diarréia crônica pode relacionar-se também à hipozincemia. Black e Sazawai (1998) ressaltam que, além do papel funcional celular, o zinco tem importante papel na estrutura do enterócito intestinal; desta forma, assim como a diarréia pode levar à deficiência de zinco pelo déficit absortivo, a hipozincemia pode causar ou agravar a diarréia, levando ao estabelecimento de um ciclo vicioso. Pacientes com Síndrome do Intestino Curto, doença celíaca, bypass intestinal e doença de Crohn com diarréia aguda ou crônica persistente podem desenvolver deficiência de zinco. Segundo McClain (1985), pacientes com Síndrome do Intestino Curto apresentam defeito na absorção de zinco, tanto por diminuição da área do intestino delgado, como pelo trânsito rápido, que diminui ainda mais a absorção deste micro-nutriente. A reabsorção de zinco do suco pancreático pode estar prejudicada nas grandes ressecções intestinais. Pacientes com um passado de trombose mesentérica têm níveis baixos de zinco sérico, provavelmente porque a capacidade de absorção esteja alterada.

Participação do íon zinco no Sistema Nervoso Central.

A partir da segunda metade deste século, tem se tornado cada vez mais conhecida a participação de alguns metais de transição em reações biológicas. Esses metais tomariam parte na estrutura de algumas enzimas e de proteínas não enzimáticas, além de se ligarem a alguns outros tipos de moléculas biológicas. Análises químicas mostraram a presença de metais no sistema nervoso central (SNC), tornando necessário o desenvolvimento de protocolos de investigação para melhor conhecimento de sua distribuição nos tecidos e nas células, utilizando-se, para isso, técnicas histoquímicas. Na metade deste século, estudos utilizando um agente quelante, a ditizona, revelaram a presença do íon zinco no hipocampo. Em 1958, Timm demonstrou o mesmo fato através de uma revelação histoquímica com sulfeto de prata. Outros estudos se seguiram, encontrando-se uma revelação intensa para zinco, particularmente nas fibras musgosas do hipocampo (Haug,1973; Danscher et al., 1985).

O cátion é encontrado em alguns terminais sinápticos, seqüestrado nos botões axonais, sendo liberado na fenda sináptica em seguida à chegada do impulso elétrico, por um mecanismo provável de exocitose das vesículas que o contêm. Inicialmente detectado nas estruturas do sistema límbico (hipocampo e amígdala), hoje é descrito nas camadas 1-3 e 5 do córtex cerebral, na glândula pineal e também nos núcleos cocleares. Estima-se que 1% do genoma humano esteja relacionado ao zinco ligado a proteínas. No SNC, o íon tem um papel na produção da atividade neural, bem como em reações químicas cerebrais. Em algumas regiões, o íon se encontra ligado a pró-proteínas, estabilizando-as. Aparece também ligado a uma substância denominada fator de crescimento neuronal (neuronal growth factor – NGF), principalmente a um complexo armazenador deste, o 7S-NGF. Trata-se de um fator neurotrófico cuja ativação se segue a uma perda de aferências nos sistemas onde é encontrado e está ligada à ocorrência de fenômenos plásticos de brotamentos neuronais. (Peters et al., 1987; Frederickson et al., 1988; Howell et al., 1991; Frederickson et al., 2000).

A constante localização do zinco nas sinapses glutamatérgicas mostra sua importância para a neurotransmissão, podendo atuar na vesícula, na fenda ou no neurônio pós-sináptico. Teoricamente, o zinco poderia aumentar a capacidade de estocagem do glutamato pela polimerização e precipitação do mesmo ou diminuir os níveis de liberação do glutamato pela permanência por tempo prolongado da ligação glutamato-zinco (Easley et al., 1995). Smart et al. (1994) afirmam que o zinco ao nível da fenda sináptica é um poderoso modulador dos receptores glutamatérgicos do tipo N-Metil-D-Aspartato e kainato. Uma outra função do zinco seria também modular a função do ácido gama-aminobutírico (GABA), sendo que seus receptores estão amplamente distribuídos em regiões do hipocampo (Christensen e Geneser, 1995; Sperk et al., 1997).

Relação entre o íon zinco e as vias auditivas

A relação entre o íon zinco e o funcionamento do sistema auditivo vem sendo estudada há algum tempo. Shambaugh Jr. (1985), estudando elementos químicos metálicos no organismo, correlacionou as alterações dos níveis séricos de zinco com perdas auditivas neurossensoriais. O mesmo autor observou um grupo de pacientes com sintomas sugestivos de hipozincemia e perda auditiva progressiva neurossensorial associada com zumbido. Realizou suplementação de zinco e observou melhora em 25 % nos pacientes com zumbidos, porém em nenhum caso obteve abolição completa deste sintoma. Gersdorff (1987), estudando um grupo de 115 pacientes na tentativa de encontrar uma correlação entre hipozincemia e zumbido, não obteve uma relação direta entre ambos, no entanto, não descartou a possibilidade de um zumbido intermitente ser conseqüente à hipozincemia.

Hewett e Tashian (1996) ressaltam o papel do zinco na estrutura de funcionamento de várias metalo-enzimas. Está particularmente envolvido na formação da anidrase carbônica, que apresenta importante papel no combate dos radicais livres na região da estria vascular da cóclea. A hipozincemia pode alterar a função da anidrase carbônica no metabolismo do dióxido de carbônico nesta região. Mees (1983) descreveu a função do zinco nos canais de cálcio e na bomba sódio-potássio, a qual é controlada pela ligação Na-K-ATPase e é inibida pelo zinco. Em conseqüência, a deficiência na função do zinco pode promover uma modificação no potencial endococlear, alterando a eletrofisiologia da cóclea e gerando zumbido.

Min et al. (1995), estudando os níveis de zinco na perilinfa, afirmaram que alterações na concentração deste componente podem influenciar a função e a estrutura das células ciliadas. Administrando gentamicina em doses ototóxicas, observaram, através da eletrococleografia, que os níveis de audição tinham diminuído, enquanto os níveis de zinco na perilinfa tinham significativamente aumentado. Esses achados podem indicar a existência de um sistema homeostático envolvendo o zinco na cóclea. Shambaugh Jr. (1985) propôs que o zinco poderia agir como um elemento protetor da membrana celular, especialmente nas células ciliadas e no epitélio da estria vascular, dos ataques e prejuízos causados pelos radicais livres. Esse aumento de zinco na perilinfa pode ser devido a mecanismos compensatórios na cóclea.

Rarey e Yo (1996), estudando a ligação do zinco com a superóxido-dismutase (ZN-SOD), demonstraram a grande quantidade desses elementos na cóclea. O radical superóxido-dismutase (SOD) tem potente ação sobre os radicais livres, que em excesso podem levar à inativação de proteínas e produzir danos celulares. Pierson e Moller (1981) detectaram altos níveis de Zn-SOD no citosol da cóclea, especialmente na região da estria vascular. Os autores afirmam que os altos índices de oxidação aeróbica na estria vascular estão intimamente relacionados ao alto grau de atividade energética no transporte de íons. É bem conhecido que a estria vascular é rica em Na-K-ATPase. Uma das funções deste complexo é o transporte de potássio para a endolinfa, mecanismo este onde é consumida energia. A diminuição dos níveis de Zn-SOD pode estar relacionada com o aumento de perda auditiva induzida por ruído, presbiacusia e uso de ototóxicos (Ohlemiller et al., 1999a). Troy et al. (1996) observaram, ao nível celular, o aumento da formação de radicais hidroxila e/ou peroxi-nitrito, associado com a diminuição de ZN-SOD.

Nas estruturas centrais do sistema auditivo, Danscher (1981) e Frederickson et al. (1987a), através de métodos histoquímicos, conseguiram identificar o zinco nos núcleos cocleares (NNCC). Frederickson (1988), estudando neurônios do núcleo coclear, observou que numerosos neurônios continham vesículas de zinco no seu interior, e que possuíam fibras axonais dirigindo-se para a camada molecular do mesmo núcleo.

Frederickson et al. (1987b) afirmaram que, nos botões axonais, o zinco poderia estabilizar a estrutura de moléculas pró-proteínas estocadas nas vesículas. Martinez-Quizarro et al. (1991) sugerem que o zinco presente na região da sinapse possa ter um efeito moderador na neurotransmissão glutamatérgica, afetando profundamente muitas sinapses excitatórias.

Danscher (1981) e Casanovas-Aguilar et al. (1998) evidenciaram, em modelos experimentais, a precipitação de zinco contido na vesícula sináptica nos NNCC, 60 minutos após a injeção intraperitonial de selenito de sódio, constatando a semelhança funcional entre as vesículas de zinco no núcleo coclear dorsal e em regiões específicas do cérebro, como formação hipocampal, lobo temporal e no telencéfalo. Rúbio e Juiz (1998) confirmaram, através de microscopia eletrônica, a presença do íon zinco nos terminais sinápticos das células granulares dos núcleos cocleares.

É provável que o glutamato e o zinco estejam correlacionados com os mesmos neurônios, e que nos botões sinápticos o zinco iniba a resposta dos receptores N-Metil-D-Aspartato (NMDA), acreditando-se que tenha papel modulador da atividade desse tipo de sinapse. As respostas dos receptores não-NMDA é facilitada pelo íon, mostrando a importância do zinco nos mecanismos de modulação pós-sináptica para o glutamato. Essa modulação seria efetuada pelo aumento na concentração extracelular de zinco, por sucessivas atividades sinápticas excitatórias, com liberação do íon junto com o neurotransmissor, levando a um bloqueio moderador (Frederickson et al., 1988; Waller et al., 1996).

Ao nível dos núcleos cocleares, o zinco evidenciado através de técnicas histoquímicas, principalmente a técnica de Neo-Timm, pode servir como marcador anatômico para alterações no arranjo das sinapses glutamatérgicas, secundárias a fenômenos de resposta plástica dos núcleos (Féres, 1998).

DISCUSSÃO

O íon zinco é o mais abundante elemento intracelular, sendo que apenas 1% do total do zinco no organismo encontra-se circulando nos vasos (Kessalak, 1987), o que faz com que seja difícil avaliar quais as reais conseqüências da hipozincemia, uma vez que a dosagem sérica não necessariamente reflete a concentração total de zinco no organismo. Ainda assim, os estudos a respeito da importância deste íon mostram que seus papéis na fisiologia geral do organismo são múltiplos, e que a deficiência de zinco pode levar a diferentes graus de alteração em diversos sistemas (Prasad, 1995).

Desde a metade do século XX, estudos têm revelado a participação do zinco na neurotransmissão central, principalmente em sistemas glutamatérgicos. Parece que o zinco tem função reguladora sobre a atividade excitatória de receptores específicos. Sendo o glutamato o neurotransmissor excitatório por excelência do sistema auditivo, se o íon zinco funciona como seu regulador e modulador, exerce papel fundamental no funcionamento adequado das vias auditivas, podendo sua deficiência realmente afetar a fisiologia auditiva e levar ao aparecimento de quadros clínicos que cursam com perda auditiva e/ou zumbido (Haug, 1973; Shambaugh Jr., 1985; Gersdorff et al., 1987; Peters et al., 1987; Frederickson et al., 1988; Howell et al., 1991).

Por ser anatomicamente detectável através de técnicas histoquímicas, onde os grânulos de zinco são corados em marrom, sendo a intensidade da coloração diretamente proporcional à concentração do íon no tecido, essas técnicas são muito úteis para marcação de sistemas glutamatérgicos que utilizam o íon como co-fator. Por outro lado, a marcação para zinco também é muito útil para estudar alterações plásticas e rearranjos neuronais em sistemas que contém o íon, como, por exemplo, os núcleos cocleares (Frederickson et al., 1988; Féres, 1998).

COMENTÁRIOS FINAIS

O conhecimento de que um metal como o zinco participa da fisiologia de diferentes sistemas neurais trouxe avanço no estudo sobre a fisiologia do Sistema Nervoso Central. A extensão deste conhecimento para as vias auditivas também abriu novos caminhos na pesquisa sobre estados fisiológicos e patológicos do funcionamento auditivo.

Nas vias auditivas centrais, sabe-se que o zinco participa da neurotransmissão dos núcleos cocleares, fundamentalmente o sub-núcleo dorsal. Nas demais estruturas da via, os estudos ainda são bastante iniciais quanto à detecção do zinco. A continuidade desse tipo de pesquisa é de grande importância para desvendar detalhes da fisiologia auditiva central.

Artigo recebido em 18 de setembro de 2001.

Artigo aceito em 11 de abril de 2002.

Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto – Campus de Monte Alegre.

Este artigo de revisão é parte da Introdução da dissertação do autor, apresentada à Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Medicina, área de concentração Otorrinolaringologia.

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  • Endereço para corresnpondência
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  • 1
    Pós-Graduando em nível de Mestrado da Área de Concentração Otorrinolaringologia, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
    2
    Professora Doutora da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Nov 2003
    • Data do Fascículo
      Jan 2003

    Histórico

    • Recebido
      18 Set 2001
    • Aceito
      11 Abr 2002
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