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Paraganglioma carotídeo bilateral

Bilateral carotid body paraganglioma

Resumos

Os paragangliomas do corpo carotídeo são lesões incomuns, embora representem a maioria dos paragangliomas da cabeça e pescoço. A presença de lesão bilateral é rara. Os autores apresentam um caso de paraganglioma bilateral, dando ênfase aos aspectos clínicos, diagnósticos e tratamento.

paraganglioma; corpo carotídeo; pescoço


Carotid body paragangliomas are uncommon lesions although in the head and neck region, these lesions are the most frequent ones. Bilateral lesions are rare. The authors present a case of bilateral paraganglioma, its clinical aspects, diagnosis and treatment.

paraganglioma; carotid body; neck


RELATO DE CASO CASE REPORT

Paraganglioma carotídeo bilateral

Bilateral carotid body paraganglioma

Antônio R. Galvão Jr.I; André L. SartiniI; Márcia C. MachadoI; Fernando M. MattioliI; Marcelo H. RibasII; Antônio S. FavaIII

IMédico Residente do Serviço de Otorrinolaringologia / Cabeça e Pescoço do Hospital do Servidor Público do Estado de São Paulo

IIMédico Assistente do Serviço de Otorrinolaringologia / Cabeça e Pescoço do Hospital do Servidor Público do Estado de São Paulo

IIIDoutor em Cirurgia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP)

Instituição: Hospital do Servidor Público do Estado de São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para Correspondência Antônio Rafael de Vasconcelos Galvão Júnior Rua das Biobedas nº39 apt. 43 Parque Imperial Saúde São Paulo 04302-010 Tel (0xx11) 5587-4638 / 9670-8206 E-mail: macmachado@hotmail.com

RESUMO

Os paragangliomas do corpo carotídeo são lesões incomuns, embora representem a maioria dos paragangliomas da cabeça e pescoço. A presença de lesão bilateral é rara. Os autores apresentam um caso de paraganglioma bilateral, dando ênfase aos aspectos clínicos, diagnósticos e tratamento.

Palavras-chave: paraganglioma, corpo carotídeo, pescoço.

SUMMARY

Carotid body paragangliomas are uncommon lesions although in the head and neck region, these lesions are the most frequent ones. Bilateral lesions are rare. The authors present a case of bilateral paraganglioma, its clinical aspects, diagnosis and treatment.

Key words: paraganglioma, carotid body, neck.

INTRODUÇÃO

Os paragangliomas são tumores que se originam de células paraganglionares da crista neural, desenvolvendo-se na região paravertebral em associação com vasos cervicais, nervos cranianos e sistema nervoso autonômico. Células paraganglionares são capazes de produzir e armazenar substâncias vasoativas e neurotransmissores como a catecolamina, epinefrina e norepinefrina, assim como uma variedade de hormônios, incluindo serotonina, gastrina e somatostatina1.

Os tumores do corpo carotídeo representam 60 a 67% dos tumores paraganglionares na região da cabeça e pescoço, ocorrendo com maior freqüência entre 45 e 50 anos de idade1-3. Existem cerca de 600 casos relatados na literatura4. A presença de lesão bilateral é encontrada em apenas 2 a 10% dos casos3.

Os autores apresentam um caso de paraganglioma do corpo carotídeo bilateral, seus aspectos diagnósticos e tratamento.

APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICO

MCS, 42 anos, do sexo feminino, branca, do lar, natural e procedente de São Paulo. Procurou atendimento ambulatorial com queixa de tumoração cervical há 5 anos, de crescimento progressivo sendo que há 3 anos começou a apresentar dor local discreta, sem outros sintomas associados. Ao exame locorregional não apresentava qualquer lesão em vias aerodigestivas superiores. À inspeção, notava-se lesão nodular de 5,0 x 3,0 cm em nível júgulo-carotídeo alto à direita. À palpação, apresentava-se com nódulo de consistência dura e indolor, de superfície pouco regular, pulsátil, fixa no plano vertical, móvel no plano horizontal, ocupando os níveis II e III à direita. No lado esquerdo palpava-se nódulo de 2,0 x 1,0 cm, com as mesmas características do anterior, ocupando o nível II. Não foram observados linfonodos palpáveis. A nasofibrolaringoscopia foi normal.

Realizou a punção aspirativa por agulha fina (PAAF) da lesão, anteriormente, em outro serviço, cujo resultado mostrou hiperplasia linfóide reacional e tecido adiposo maduro sem atipias. A tomografia computadorizada de pescoço com contraste revelou imagens hiperdensas bilateralmente, sendo que a ressonância magnética com estudo das artérias cervicais mostrou hipersinal nas seqüências em T2 bilateralmente, sendo que à esquerda, a lesão envolvia toda a circunferência das carótidas interna e externa (Figuras 1 e 2); a arteriografia das artérias carótidas evidenciou um "blush tumoral" na bifurcação da carótida comum direita, com abertura do seu ângulo, essa imagem opacificava-se por ramos da artéria tireóidea superior e da artéria faríngea ascendente (Figura 3). Observou-se também imagem semelhante de menor tamanho na bifurcação carotídea contralateral. O estudo do fluxo sanguíneo cerebral não mostrou alteração bilateralmente.




A paciente foi submetida a embolização arterial seletiva à direita nas 24 horas que antecederam ao procedimento cirúrgico, com redução de 90% do fluxo sanguíneo tumoral, restando irrigação de pequeno segmento, por ramos diretos da bifurcação carotídea.

Foi realizada a remoção cirúrgica com extirpação da lesão à direita, junto com o seguimento das carótidas interna e externa envolvido pelo tumor, sendo a reconstrução com enxerto da veia safena externa (látero-terminal), unindo as carótidas comum e interna. Houve lesão do nervo hipoglosso, que se encontrava aderido ao tumor. Optou-se pela não abordagem da lesão contralateral no mesmo tempo cirúrgico.

O pós-operatório transcorreu sem intercorrências exceto por paralisia do nervo hipoglosso ipsilateral.

DISCUSSÃO

Os paragangliomas do corpo carotídeo são tumores raros, benignos, hipervascularizados e de crescimento lento que se originam de células paraganglionares da crista neural. O corpo carotídeo deriva tanto do mesoderma como de elementos do terceiro arco branquial e do ectoderma da crista neural. É uma estrutura localizada na camada adventícia da face póstero-medial da bifurcação da carótida comum. Raramente a camada média está comprometida. Esses tumores parecem ser mais comuns em indivíduos que vivem em altas altitudes5, sugerindo que a estimulação constante pela hipóxia possa contribuir para a hiperplasia das células do corpo carotídeo6.

Os tumores paraganglionares podem ocorrer em todas as idades, no entanto é mais freqüente entre 45 e 50 anos. A distribuição por sexo tem variado nos diversos trabalhos. Shamblim et al.7 encontraram 69% dos pacientes (62 de 90) pertencentes ao sexo masculino; Parry et al.3, em um estudo com 222 pacientes de 10 instituições, concluíram que 66% dos pacientes (146) eram do sexo feminino.

Os tumores do corpo carotídeo manifestam-se mais comumente como uma massa indolor, de crescimento lento, sobre a região da bifurcação carotídea no pescoço, anterior à borda do músculo esternocleidomastóideo e lateral à extremidade do osso hióide. À palpação, apresenta-se móvel no plano horizontal, contudo, fixo verticalmente, sendo também percebida a sua pulsação. Tumores grandes e invasivos podem produzir rouquidão, disfagia, estridor laríngeo e paresia da língua. O envolvimento dos nervos cranianos foi estimado em 20%, sendo mais freqüentemente acometidos os nervos vago e hipoglosso8. A hipertensão é encontrada em 6% dos pacientes, tendo sido associado à secreção de catecolaminas pelo tumor em raros casos9. Aproximadamente 2 a 10% dos pacientes têm tumores bilaterais, seja na apresentação inicial ou subseqüentemente3,10,11. Os casos bilaterais parecem ocorrer em faixas etárias mais precoces3.

Observa-se a associação dos paragangliomas ao carcinoma medular da tireóide e em pacientes portadores de neurofibromatose. Casos ocorrendo em uma mesma família também são relatados, sendo que nestes a presença de tumor bilateral foi observado com maior freqüência5,10,11. A associação de paragangliomas extra-adrenais particularmente da cabeça e pescoço com leiomiossarcoma gástrico e condroma pulmonar tem sido nomeada de Síndrome de Carney.

O diagnóstico dos paragangliomas carotídeos pode ser estabelecido através da arteriografia seletiva, que demonstra a presença de uma massa vascular na bifurcação da artéria carótida comum. A maioria dos autores contra-indica a biópsia diagnóstica pelo potencial risco de sangramento. Na tomografia computadorizada do pescoço, a lesão pode ser observada como uma massa isodensa ou raramente hipodensa na fase sem contraste, e após injeção deste, se apresentar hiperdensa12. A ressonância magnética geralmente apresenta sinal intermediário nas seqüências ponderadas em T1 e hipersinal nas seqüências em T2, observando-se freqüentemente imagens serpiginosas com ausência de sinal dentro da lesão em todas as seqüências de imagem, características da presença de vasos dominantes, sendo esse sinal chamado de aspecto em "sal e pimenta"12-15. O diagnóstico diferencial mais importante é o schwannoma hipervascular11. O potencial maligno dos tumores do corpo carotídeo é discutível e os dados relatados variam de 1,5 a 50%6,10,12. A evolução da doença metastática é, na maioria das vezes extremamente lenta. Os sítios mais comuns de envolvimento são pulmões e ossos11.

O método essencial de tratamento desses tumores é cirúrgico. Quando o tumor é completamente removido, as recorrências são pouco comuns, ocorrendo em aproximadamente 10% dos casos15. O avanço mais importante na terapia cirúrgica desses tumores foi o reconhecimento do plano subadventício e a dissecção ao longo desse plano, o que quase sempre possibilita a sua remoção total, ao mesmo tempo em que a integridade da artéria carótida é mantida. Eventualmente, a artéria carótida pode ser sacrificada durante o procedimento cirúrgico, especialmente em casos de lesões grandes, com comportamento invasivo ou maligno. Em casos raros, faz-se necessário a interposição de um enxerto para substituir toda a bifurcação da carótida. A radioterapia não é utilizada como tratamento de escolha uma vez que esses tumores são radiorresistentes5.

Na presença de massa cervical bilateral, pulsátil, móvel no sentido horizontal e fixa no vertical, o diagnóstico de paraganglioma carotídeo deve ser suspeitado, apesar de ser uma patologia rara. Nestes casos, a realização da PAAF deve ser evitada devido ao risco de complicações. Os exames de imagem são importantes, portanto, para a confirmação diagnóstica.

A paciente foi submetida à ressecção da lesão juntamente com parte das artérias carótida interna e externa envolvidas. Apesar da dissecção subadventícia ter facilitado a ressecção desses tumores, nem sempre é possível realizá-la, pois o tumor por vezes infiltra as outras camadas do vaso, atingindo por fim a sua luz. No caso em questão, o tumor infiltrava a parede arterial em sua totalidade. Foi realizada a reconstrução utilizando enxerto de veia safena externa, entre a artéria carótida comum e carótida interna.

COMENTÁRIOS FINAIS

Um caso raro de paraganglioma carotídeo bilateral foi relatado. A literatura revela uma incidência de 2 a 10% dos casos, que parecem ocorrer com maior freqüência nas patologias familiares. A arteriografia consiste num método diagnóstico importante, evitando os riscos de uma biópsia incisional. O tratamento cirúrgico continua sendo a excelência terapêutica, utilizando-se da dissecção subadventícia quando possível. A utilização da propedêutica disponível atualmente, juntamente com a experiência dos cirurgiões, tem proporcionado ótimos resultados com complicações neurológicas cada vez mais reduzidas.

Artigo recebido em 19 de setembro de 2003.

Artigo aceito em 20 de outubro de 2003.

Trabalho apresentado no 36º Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia em novembro de 2002.

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  • Endereço para Correspondência

    Antônio Rafael de Vasconcelos Galvão Júnior
    Rua das Biobedas nº39 apt. 43 Parque Imperial Saúde
    São Paulo 04302-010
    Tel (0xx11) 5587-4638 / 9670-8206
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Set 2004
    • Data do Fascículo
      Ago 2004

    Histórico

    • Aceito
      20 Out 2003
    • Recebido
      19 Set 2003
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