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Perfil epidemiológico das neoplasias de glândulas salivares: análise de 245 casos

Resumos

OBJETIVO: este trabalho tem por objetivo determinar a freqüência relativa e a distribuição das neoplasias epiteliais benignas e malignas de glândulas salivares. FORMA DE ESTUDO: Coorte histórica. MATERIAL E MÉTODO: registradas no Laboratório de Patologia e Citologia, em Aracaju-SE, no período de janeiro de 1980 a dezembro de 1999, considerando-se as variáveis sexo, idade, tipo racial, localização anatômica e diagnóstico histopatológico. RESULTADO: Dos 162.312 casos registrados, 245 (0,15%) foram de neoplasias epiteliais de glândulas salivares, sendo 187 de natureza benigna (76,33%) e 58 (23,67%) malignas. O adenoma pleomórfico foi o tumor benigno mais identificado (89,94%) e o carcinoma adenóide cístico foi o representante maligno mais prevalente (22,41%). As neoplasias benignas ocorreram principalmente entre as 2º e 3º décadas de vida, exibindo predileção pelo sexo feminino, enquanto as malignas foram diagnosticadas entre as 6º e 7º décadas de vida, sendo as mulheres o principal alvo. CONCLUSÃO: Constatou-se que o padrão epidemiológico das neoplasias estudadas está em consonância com a maioria da literatura pesquisada.

epidemiologia; neoplasias bucais; doenças das glândulas salivares


AIM: The aim of the present study is to establish the relative frequency and distribution of benign and malignant epithelial neoplasms of salivary glands in the Pathology and Cytology Laboratory, STUDY DESIGN: Historic cohort. MATERIAL AND METHOD: in the state of Sergipe, during the period 1980-1999. The neoplasms were individualized by gender, age, race of the patients, anatomic localization of the lesions and histopathological diagnosis. RESULTS: Out of 162,312 registered cases, 245 were salivary gland epithelial neoplasms and 187 (76.33%) were benign and 58 (23.67%) were malignant. Pleomorphic adenoma was the most frequent benign neoplasm (89.94%) and adenoid cystic carcinoma represented the most prevalent malignant neoplasm (22.41%). The benign neoplasms occurred mainly between the second and third decades of life and showed preference for female, while malignant neoplasms were diagnosed between the sixth and seventh decades of life and in women. CONCLUSION: The data demonstrated that epidemiology profile of the studied neoplasms corroborated most of the studied literature.

epidemiology; mouth neoplasms; salivary gland diseases


ARTIGO ORIGINAL

Perfil epidemiológico das neoplasias de glândulas salivares: análise de 245 casos

Solange Souza LimaI; Andréa Ferreira SoaresII; Rivadávio Fernandes Batista de AmorimIII; Roseana de Almeida FreitasIV

IMestre em Patologia Oral pelo Programa de Pós-graduação em Patologia Oral da UFRN

IIDoutoranda em Patologia Oral pelo Programa de Pós-graduação em Patologia Oral da UFRN

IIIDoutorando em Patologia Oral pelo Programa de Pós-graduação em Patologia Oral da UFRN

IVProfessora Doutora do Programa de Pós-graduação em Patologia Oral da UFRN

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dra. Roseana de Almeida Freitas Programa de Pós-Graduação em Patologia Oral Departamento de Odontologia Universidade Federal do Rio Grande do Norte Av Senador Salgado Filho 1787 Lagoa Nova Natal RN 59056-000 website: www.patologiaoral.com.br E-mail: roseana@patologiaoral.com.br

RESUMO

OBJETIVO: este trabalho tem por objetivo determinar a freqüência relativa e a distribuição das neoplasias epiteliais benignas e malignas de glândulas salivares.

FORMA DE ESTUDO: Coorte histórica.

MATERIAL E MÉTODO: registradas no Laboratório de Patologia e Citologia, em Aracaju-SE, no período de janeiro de 1980 a dezembro de 1999, considerando-se as variáveis sexo, idade, tipo racial, localização anatômica e diagnóstico histopatológico.

RESULTADO: Dos 162.312 casos registrados, 245 (0,15%) foram de neoplasias epiteliais de glândulas salivares, sendo 187 de natureza benigna (76,33%) e 58 (23,67%) malignas. O adenoma pleomórfico foi o tumor benigno mais identificado (89,94%) e o carcinoma adenóide cístico foi o representante maligno mais prevalente (22,41%). As neoplasias benignas ocorreram principalmente entre as 2º e 3º décadas de vida, exibindo predileção pelo sexo feminino, enquanto as malignas foram diagnosticadas entre as 6º e 7º décadas de vida, sendo as mulheres o principal alvo.

CONCLUSÃO: Constatou-se que o padrão epidemiológico das neoplasias estudadas está em consonância com a maioria da literatura pesquisada.

Palavras-chave: epidemiologia, neoplasias bucais, doenças das glândulas salivares.

Introdução

Considerando a região de cabeça e pescoço, sabe-se que os tumores de glândula salivar correspondem, em média, a 3% das afecções nesta localidade, sendo a maioria de origem epitelial1,2. Apresentam etiologia diversa e vários fatores de risco têm sido identificados, porém a escassez de informações presentes nos prontuários e fichas clínicas torna inconsistente a importância destes na tumorigênese de glândula salivar3.

De acordo com a literatura, os tumores originados a partir das glândulas salivares são provavelmente os mais complexos das neoplasias humanas, haja vista o seu amplo espectro histológico, que é reflexo da diferenciação de mais de um tipo de célula tumoral, de seus arranjos em padrões celulares e da síntese de matriz extracelular depositado por algumas células tumorais4.

Os tumores benignos são os mais freqüentes, correspondendo de 54 a 79% destas doenças, enquanto os malignos representam 21 a 46% dos tumores3,5,6.

Com base em estudos realizados, pode-se afirmar que o adenoma pleomórfico é o tumor mais comum em glândulas salivares por representar cerca de 50% de todas as neoplasmas que ocorrem neste sítio anatômico. O segundo tumor mais freqüente é o de Warthin, também denominado cistoadenoma papilífero linfomatoso, correspondendo 4 a 14% de todos os tumores. Quanto às entidades malignas, o carcinoma mucoepidermóide, o carcinoma adenóide cístico e o carcinoma ex adenoma pleomórfico vêm sendo os mais freqüentes7,8. O curso clínico de tais neoplasias é caracterizado, geralmente, por um crescimento insidioso e uma aparência inofensiva, todavia podem estar presentes sinais indicativos de malignidade, como dor e paralisia de nervo craniano9,10.

Em grandes séries publicadas na literatura, observou-se que as neoplasmas salivares, sejam benignos ou malignos, ocorrem com maior freqüência nas glândulas salivares maiores, especialmente na parótida (64 a 80%), e quando acometem as glândulas salivares menores, o palato é o sítio mais atingido. Quanto ao sexo, constatou se, em geral, que tanto as neoplasmas benignas, quanto as malignas foram mais freqüentes em mulheres. O pico de incidência da idade exibiu variações, concentrando-se na 3º década de vida para os tumores benignos e na 6º década de vida para os malignos. A variável raça teve pouca relevância devido à escassez de informações nas fontes pesquisadas7,11,12.

Portanto, o objetivo deste trabalho foi realizar um levantamento epidemiológico dos casos de neoplasias benignas e malignas, de glândulas salivares maiores e menores, registrados no laboratório de Patologia e Citologia Ltda., em Aracaju/SE, no período de 1980 a 1999.

MATERIAL E MÉTODO

Amostra

A amostra consistiu de 245 casos de neoplasias epiteliais de glândulas salivares maiores e menores selecionadas dentre os 162.312 casos registrados nos arquivos do Laboratório de Patologia e Citologia Ltda., em Aracaju-SE, entre o período de janeiro de 1980 a dezembro de 1999.

Procedimento e Coleta do Material

O procedimento de coleta dos dados baseou-se nas informações constantes nos laudos de exame histopatológico da amostra, as quais foram transcritas para uma ficha padrão especialmente confeccionada para esta análise. Idade, sexo, tipo racial do paciente, localização anatômica da lesão e diagnóstico histopatológico corresponderam às variáveis estudadas.

Dentre os laudos histopatológicos existentes nos arquivos, todos os casos que não se incluíam na segunda edição da classificação da Organização Mundial de Saúde (1991) foram revistos e reclassificados.

RESULTADOS

Os 245 casos de neoplasia epitelial de glândula salivar corresponderam a 0,15% de todos os casos registrados por este Laboratório, no período supracitado. As neoplasias benignas foram mais comuns em relação às malignas, sendo o adenoma pleomórfico o tipo mais freqüente (Tabela 1). No que diz respeito às neoplasias malignas, o carcinoma adenóide cístico seguido pelo carcinoma de células acinares e pelo carcinoma mucoepidermóide foram os mais observados (Tabela 1). Quanto à localização anatômica, verificou-se que tanto as neoplasias benignas, quantos as malignas acometeram mais freqüentemente as glândulas salivares maiores, especialmente a glândula parótida (Tabelas 2 e 3).

Levando-se em consideração o sexo dos pacientes, evidenciou-se maior freqüência no sexo feminino (Tabelas 4 e 5). O pico de incidência da idade para as neoplasias benignas foi na 3º década de vida e para as neoplasias malignas, na 7º década (Tabelas 6 e 7). Por fim, observou-se uma maior incidência em pacientes da raça branca (Tabelas 8 e 9).

DISCUSSÃO

O tecido glandular salivar alterado é capaz de produzir expressões histopatológicas tão diversificadas, que causa grandes dificuldades para uma classificação universalmente aceita pelos estudiosos do assunto e, por vezes para o diagnóstico de algumas neoplasias. A multiplicidade dos aspectos histológicos exibidos pelas neoplasias de glândulas salivares tem sido atribuída à presença da célula mioepitelial nessas glândulas3. Várias tentativas de classificação destas lesões têm sido realizadas ao longo dos anos, sendo a classificação mais recente e adotada a publicada pela Organização Mundial da Saúde, no ano de 1991. Observa-se nesta publicação uma tentativa de se agrupar todas as neoplasias de glândulas salivares conhecidas em dois grandes grupos: as benignas e as malignas. Por ser esta classificação adotada por um órgão de aceitação e reconhecimento universal, optou-se por enquadrar os casos deste estudo, conforme os critérios da mesma.

Dos 245 casos de neoplasias epiteliais de glândulas salivares maiores e menores analisados neste estudo, observou-se que tanto as neoplasias benignas quanto as malignas acometeram com maior freqüência as glândulas salivares maiores, especialmente a parótida (61,6%), fato este relatado na maioria das séries publicadas.

A glândula submandibular representou, no presente estudo, a segunda sede mais freqüente das neoplasias benignas e malignas, fato este também ressaltado em algumas séries13, e apenas dois em glândulas sublinguais, confirmando os achados publicados na literatura pertinente de que esta localização é a menos acometida por tais neoplasmas.

As neoplasias benignas foram mais freqüentes em mulheres do que em homens, em uma razão de 1,6:1 e com uma idade média de 40,1 anos. As neoplasias malignas também foram observadas com maior freqüência nas mulheres em uma razão de 1,6:1 e com uma média de 54,8 anos. Achados semelhantes foram encontrados em outros estudos1,8.

O pico de incidência das neoplasias benignas foi observado, na presente amostra, na 3º década de vida e o das neoplasias malignas na 7º década. Verificou-se em alguns trabalhos5, que para as lesões benignas, o pico de incidência situava-se na 6º década e, para as malignas, na 7º década de vida, o que corrobora, em parte, os achados deste estudo, diferindo apenas em relação às neoplasias benignas.

Constatou-se nos resultados deste trabalho que as neoplasias benignas raramente ocorreram na 1º década de vida, com apenas dois casos, e ambos eram adenomas pleomórficos. As neoplasias malignas, entretanto, não foram encontradas na 1º década de vida, tendo sido diagnosticadas apenas duas lesões na 2º década de vida e ambas correspondiam a carcinomas mucoepidermóides. Em estudos realizados em crianças com neoplasias de glândulas salivares com idade abaixo de 19 anos, concluíram que o carcinoma mucoepidermóide também foi a neoplasia mais freqüente nesta faixa etária6.

No presente estudo foi observada uma predominância de lesões em pacientes de pele branca, sendo este fato difícil de ser interpretado, levando-se em consideração tanto o aspecto da variável como a realidade do país, onde a miscigenação racial é muito forte. Além disso, na literatura consultada encontrou-se pouca informação sobre esta variável, o que dificulta uma comparação satisfatória.

Quanto aos tipos histológicos diagnosticados neste estudo, o adenoma pleomórfico representou a lesão mais freqüente de toda a amostra (68,57%), bem como a mais freqüente das neoplasias benignas (89,94%), fato este semelhante à maioria das séries mundiais.

Dos 168 casos de adenoma pleomórfico, 114 (97,44%) ocorreram em mulheres, com pico de incidência na 3º década de vida e média de idade de 40,2 anos. Achados semelhantes foram publicados, relatando uma predominância destas lesões em mulheres, com incidência máxima na 3º década de vida2. A localização mais freqüente dos adenomas pleomórficos no presente estudo foi a glândula parótida; ressaltamos, entretanto, que esta neoplasia foi também a neoplasia benigna mais encontrada nas demais glândulas salivares, estando este fato de acordo com demais trabalhos publicados11,13.

As neoplasias malignas das glândulas salivares totalizaram 58 casos (23,67%), sendo o carcinoma adenóide cístico a lesão mais encontrada, com 13 casos (22,41%). Tais achados assemelham-se aos de outros estudos12, mas diferem daqueles relatados pela maioria dos estudos que apontam o carcinoma mucoepidermóide como a neoplasia maligna mais freqüente2,14. Entretanto, apenas dois casos separam o carcinoma adenóide cístico do carcinoma mucoepidermóide no presente estudo, o que de certa forma não chega a demonstrar uma diferença tão marcante em relação às outras séries.

Em suma, no geral, os dados do presente estudo corroboram os de várias pesquisas já publicadas, o que nos leva a considerar não significantes as poucas diferenças evidenciadas. Conclui-se, portanto, que a incidência das neoplasias de glândulas salivares, no Estado de Sergipe, encontra-se de acordo com as observadas em várias outras regiões do país e do mundo.

Artigo recebido em 06 de outubro de 2004. Artigo aceito em 05 de maio de 2005.

Agência financiadora: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES (Brasil).

Instituição: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, UFRN. Natal/ RN, Brasil.

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  • Endereço para correspondência
    Dra. Roseana de Almeida Freitas
    Programa de Pós-Graduação em Patologia Oral
    Departamento de Odontologia
    Universidade Federal do Rio Grande do Norte
    Av Senador Salgado Filho 1787
    Lagoa Nova Natal RN 59056-000
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    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Dez 2005
    • Data do Fascículo
      Jun 2005

    Histórico

    • Aceito
      05 Maio 2005
    • Recebido
      06 Out 2004
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