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Tratamento endoscópico do cisto odontogênico com extensão intra-sinusal

Resumos

Cistos odontogênicos são lesões pouco comuns que podem ocorrer após inflamação da polpa dentária. A abordagem terapêutica destes cistos é realizada em consultórios odontológicos e, dependendo de sua extensão, pode ocasionar a formação de fístula oroantral e rinossinusite crônica. O objetivo deste trabalho é propor o tratamento videoendoscópico do cisto odontogênico com expressão em seio maxilar. Realizou-se um estudo retrospectivo de quatro casos de cistos de origem dentária, com extensão intra-sinusal, complicados com fístula oroantral e sinusite crônica de seio maxilar após curetagem em consultório odontológico. Utilizamos a técnica videoendoscópica via transmaxilar para acessarmos o cisto intra-sinusal. Os quatro pacientes apresentaram resolução do quadro infeccioso e cicatrização da fístula oroantral, sem recidiva durante o seguimento. A cirurgia videoendoscópica é um método seguro e efetivo para tratamento do cisto odontogênico descrito, podendo contribuir para prevenir a formação de fístula oroantral e supuração de seio maxilar.

cisto odontogênico; cirurgia videoendoscópica; fístula oroantral; sinusite crônica


Odontogenic cyst is a common lesion that can happen after inflammation of the dental pulp. The therapeutic approach of these cysts is made at dentist's offices, and depending on their extension, they may develop oroantral fistula and chronic sinusitis. The objective of this study is to propose the videoendoscopic treatment of the odontogenic cyst with expression in the maxillary sinus. We made a retrospective study of four cases of cysts of dental origin, with intra-sinusal extension, complicated with oroantral fistula and chronic sinusitis of maxillary sinus after curettage in a dentist's office. We used the videoendoscopic technique through transmaxillary approach to access the intra-sinusal cyst. All the four patients presented resolution of the infectious manifestation and healing of the oroantral fistula, without recurrence within two years of follow-up. Videoendoscopic surgery is a safe and effective method for the management of odontogenic cysts with extension to maxillary sinus, and it may prevent oroantral fistula formation and chronic sinusitis.

odontogenic cyst; videoendoscopic surgery; oroantral fistula; chronic sinusitis


RELATO DE CASO

Tratamento endoscópico do cisto odontogênico com extensão intra-sinusal

Antonio C. CedinI;Fausto A. de Paula JuniorII; Emanuel R. LandimII; Flávio L. P. da SilvaII; Luis F. de OliveiraII; Ana C. SotterII

IMédico e coordenador do serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo

IIMédico-residente do serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Fausto de Paula Jr. Rua Maestro Cardim 770 01323001 São Paulo SP Tel (0xx11) 288-0899 E-mail: faapjr@bol.com.br

RESUMO

Cistos odontogênicos são lesões pouco comuns que podem ocorrer após inflamação da polpa dentária. A abordagem terapêutica destes cistos é realizada em consultórios odontológicos e, dependendo de sua extensão, pode ocasionar a formação de fístula oroantral e rinossinusite crônica. O objetivo deste trabalho é propor o tratamento videoendoscópico do cisto odontogênico com expressão em seio maxilar. Realizou-se um estudo retrospectivo de quatro casos de cistos de origem dentária, com extensão intra-sinusal, complicados com fístula oroantral e sinusite crônica de seio maxilar após curetagem em consultório odontológico. Utilizamos a técnica videoendoscópica via transmaxilar para acessarmos o cisto intra-sinusal. Os quatro pacientes apresentaram resolução do quadro infeccioso e cicatrização da fístula oroantral, sem recidiva durante o seguimento. A cirurgia videoendoscópica é um método seguro e efetivo para tratamento do cisto odontogênico descrito, podendo contribuir para prevenir a formação de fístula oroantral e supuração de seio maxilar.

Palavras-chave: cisto odontogênico, cirurgia videoendoscópica, fístula oroantral, sinusite crônica.

INTRODUÇÃO

Cistos odontogênicos são lesões freqüentes que ocorrem em maxila e/ou mandíbula, sendo formados a partir de restos epiteliais associados à odontogênese. Os tipos mais freqüentes são: cisto periapical (65%), cisto dentígero (24%) e cisto primordial ou queratocisto (5 a 8%).1,2

A maioria destes cistos é manipulada em consultórios odontológicos, sendo submetidos a procedimentos cirúrgicos, como enucleação combinada à irrigação com solução de Milton ou crioterapia, enucleação simples, curetagem, marsuapialização e extração dentária.

A intervenção em cistos que se expressam em seio maxilar pode levar à formação de fístula oroantral e rinossinusite crônica. O objetivo deste trabalho é propor a técnica videoendoscópica para a abordagem do cisto odontogênico com extensão intra-sinusal, complementando o tratamento odontológico.

APRESENTAÇÃO DE CASOS

Foram operados quatro casos de cistos de origem dentária com extensão intra-sinusal (Figura 1 e Figura 2), os quais haviam sido tratados ambulatorialmente por cirurgiões-dentistas, com extração dentária e curetagem transalveolar, acarretando fístula oroantral (Figura 3) e supuração crônica do seio maxilar.




Os pacientes foram tratados cirurgicamente sob anestesia geral. Optou-se pelo acesso combinado através da fossa canina, com meatotomia inferior. A abordagem pela fossa canina é realizada por meio de uma mini-antrotomia circunferencial de 10mm para permitir a manipulação simultânea da fibra óptica (endoscópio rígido 4mm de graus 0º, 30º e 70º) e de micropinças (fórceps e curetas de cirurgia endoscópica sinusal) que permitam a ressecção do cisto. A remoção do cisto deve ser de tal modo a restar apenas o leito ósseo na parede sinusal no local de sua implantação. Se houver fístula oroantral, seus bordos são curetados para reavivá-los. Sua oclusão é realizada com fragmento ósseo septal ou conchal e rotação de retalho de mucosa jugal ou palatina (Figura 4) e sutura com fio mononylon 3.0.


Todos os quatro pacientes apresentaram resolução do quadro infeccioso e cicatrização da fístula oroantral, sem recidiva em pelo menos dois anos de acompanhamento.Os fragmentos de cistos retirados durante o ato operatório foram enviados para exame anatomopatológico, resultando em quadro compatível com cisto periapical. Nos casos analisados não se encontrou sinais de malignidade.

DISCUSSÃO

Cisto é definido como uma cavidade recoberta por epitélio, contendo material líquido ou semi-sólido, originado às custas de tecido epitelial embrionário. O epitélio do cisto odontogênico pode originar-se das seguintes estruturas:

a) restos epiteliais da coroa dental

b) restos epiteliais de Malassez (células remanescentes do desenvolvimento das raízes dentárias localizadas dentro do ligamento periodontal)

c) restos epiteliais de Seres (remanescentes da lâmina dental)

d) do próprio germe dentário, que inclui esmalte, papila dental e saco dental.

A hipótese mais aceita para formação de cistos seria a que associa seu início à proliferação de restos epiteliais, levando à formação de ilhotas que, por serem avasculares, degeneram em sua região central. Estando longe do tecido conjuntivo vizinho, liberam enzimas que degeneram o próprio protoplasma celular, liquefazendo as células mortas. O líquido intracístico apresenta maior pressão osmótica em relação aos líquidos dos tecidos vizinhos circunjacentes, o que levaria ao progressivo crescimento do cisto.

O cisto dentígero tem sua origem após formação da coroa dentária, pelo acúmulo de líquido entre o epitélio do esmalte e a coroa dental, diretamente ligado a um dente retido. A lesão é mais freqüente em dentes caninos da maxila e nos terceiros molares inferiores3. É o mais agressivo dos cistos odontogênicos, podendo atingir grandes volumes, com abaulamento das corticais ósseas.

Radiograficamente é caracterizado por uma imagem radiolúcida bem delimitada por cortical óssea, envolvendo a coroa de um dente retido, a partir da porção cervical. Esta imagem radiográfica não deve ser menor que 2.5mm de extensão, para diferenciá-la da imagem do saco dentário. Pode ser central, lateral, circunferencial ou de erupção4.

O cisto primordial origina-se da degeneração de células do retículo estrelado do órgão de esmalte, antes que se inicie a formação do tecido mineralizado. Ele se desenvolveria no local onde estaria um dente da série normal, um dente impactado ou a partir de um dente supranumerário5.

Ocorre com maior freqüência na faixa etária mais jovem, em torno da segunda década de vida. Por não apresentar abaulamentos, passam desapercebidos, sendo constatados radiograficamente na grande maioria dos casos6. A região de maior ocorrência é na porção posterior da mandíbula. Edema, drenagem, dor ou infecção pode ocorrer em 50% casos7. Sua imagem radiográfica é um anel radiopaco, podendo apresentar imagens multinodulares8. Radiograficamente, segundo Main9, podem ser classificados como: de reposição, envolvimento, extraneous e colateral.

Cisto periapical, o mais comumente encontrado, resulta de um estímulo inflamatório a partir da polpa dentária. Geralmente assintomático, aparece na 3ª ou 4ª década de vida, sendo detectado radiograficamente. Sua imagem é radiolúcida, de densidade homogênea, ovalada ou arredondada relacionada a um ápice radicular intacto, com rompimento da lâmina dura nesta região, sendo delimitada por uma linha de esclerose óssea radiopaca10. Em geral, os cistos periapicais são pequenos, sendo tratados pelo cirurgião-dentista, que faz o canal do dente e enucleação do cisto, com aplicação da solução de Milton no seu interior, o que na maioria das vezes acarreta a involução do cisto. Não havendo regressão, realiza-se a apicectomia da raiz dentária acometida, com a sua curetagem. Em cistos maiores pode ser necessária a extração dentária e sua curetagem. Nestes casos sugerimos a intervenção otorrinolaringológica endoscópica combinada com o procedimento odontológico. Realiza-se a abordagem por acesso transmaxilar para exérese do cisto e meatotomia inferior para drenagem temporária do antro maxilar. A fístula oroantral ocasionada pela extração dentária é corrigida simultaneamente com curetagem das bordas e enxerto ósseo autólogo (septal, conchal ou cortical da mastóide) com rotação de retalho mucoso palatal ou jugal.

Com esta conduta, previne-se a ocorrência de fístula oroantral e supuração sinusal, garantindo-se a completa exérese do cisto.

CONCLUSÃO

Observamos que a cirurgia videoendoscópica é uma alternativa viável para o tratamento do cisto odontogênico com extensão para seio maxilar, podendo ser adotada simultaneamente à conduta odontológica com o objetivo de prevenção da supuração sinusal e exérese completa do cisto.

A correção de fístulas oroantrais ocasionadas por extrações dentárias deve ser realizada por meio de enxerto ósseo autólogo e rotação de retalho mucoso com sutura.

Artigo recebido em 25 de agosto de 2003. Artigo aceito em 25 de abril de 2004.

Trabalho realizado no Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo, Clínica Ivan Barbosa.

Apresentado no 36º Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, na categoria pôster, realizado em Florianópolis, SC de 19 a 23 de novembro de 2002.

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  • Endereço para correspondência
    Fausto de Paula Jr.
    Rua Maestro Cardim 770
    01323001 São Paulo SP
    Tel (0xx11) 288-0899
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Dez 2005
    • Data do Fascículo
      Jun 2005

    Histórico

    • Aceito
      25 Abr 2004
    • Recebido
      25 Ago 2003
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